A SISTEMATIZAÇÃO
DA
LINGÜÍSTICA
MODERNA NO BRASIL
Leodegário Amarante de Azevedo
Filho
(UERJ, UFRJ e ABF)
Sem
dúvida alguma,
aqui está o
livro
que deu
origem à sistematização da
lingüística
moderna no Brasil: Os
Princípios de
Lingüística
Geral, do
professor J. Mattoso
Câmara Jr.,
obra publicada
pela
Livraria
Acadêmica (Rio de
Janeiro, 1942). É
verdade
que,
posteriormente, o
professor Sílvio Elia lançou as
suas
Orientações da
Lingüística
Moderna,
em 1955,
excelente
livro
em
que o
seu
autor focaliza
vários
temas do
maior
interesse
lingüístico.
Mas
não se
trata de
um
curso estruturado de
Lingüística
Geral,
como é o
caso do
volume do
professor J. Mattoso
Câmara Jr., o
pioneiro da
matéria
entre
nós.
Aliás
em Paris,
quando
lá estivemos
em
gozo de
bolsa de
estudos, ouvimos do
professor André Martinet
que pretendia
mandar
traduzir
para o
francês a
obra do
professor J. Mattoso
Câmara Jr., a
fim de indicá-la a
seus
alunos na Sorbonne.
Mais
tarde, publicando
aquele
mestre
francês os
seus Éléments de Linguistique Générale (obra
traduzida
para o
português
por Jorge de
Morais Barbosa),
naturalmente deixou de
lado a
idéia.
Mas o
fato é
significativo
para a
cultura
brasileira,
pois o
professor André Martinet foi
um dos
maiores
nomes do
estruturalismo
lingüístico
francês, sendo a Sorbonne
um dos
grandes
centros de
cultura
universitária européia. É
significativo no
sentido da valorização
estrangeira da
obra de
um
mestre
brasileiro.
A
sexta
edição desse
livro,
portanto, foi recebida
com
prazer
em
nossos
meios
lingüísticos. Na
orelha do
volume, o
editor incluiu
vários
trechos de
recensões
críticas
nacionais e estrangeiras,
todos
altamente
favoráveis ao
volume.
Entre
eles, mencionamos os
que foram assinados
por Roman Jakobson, da
Universidade de Harvard;
por Vicente Garcia de Diego, da
Real
Academia Espanhola;
por E. Alarcos Lhorach, da
Universidade de Oviedo;
por Herculano de
Carvalho, da
Universidade de Coimbra;
por Júlio Garcia Morejón, da
Universidade de
São Paulo; e
por Sílvio Elia, da Pontifícia Universdade
Católica do
Rio de
Janeiro.
Todos foram
unânimes
em
reconhecer o
valor
didático da
obra e a
segurança
científica de
sua
exposição
doutrinária.
No
primeiro
capítulo, o
professor J. Mattoso
Câmara Jr., caracteriza a
Lingüística
como
disciplina
científica, indicando o
seu
objeto de
estudo,
que é a
linguagem
humana.
Assim, a
Lingüística é o
estudo
científico da
linguagem
humana, e
apenas dessa,
pois a
chamada
linguagem dos
animais
não é representativa
nem articulada.
Por
outro
lado, a
interpretação da
natureza,
onde
não há
intenção
comunicativa,
também
não se enquadra
nos
domínios da
linguagem,
pois esta,
com
efeito, tem na
comunicação articulada a
sua
finalidade
essencial. Outras
funções,
entretanto,
são apontadas
dentro
mesmo dessa
função
comunicativa
básica,
como a
informação, a
manifestação
psíquica e o
apelo,
segundo a
doutrina de Buhler, citada
pelo
professor J. Mattoso
Câmara Jr. A
nosso
ver,
entretanto, o
fenômeno de
comunicação
lingüística é
complexo, abrangendo
um
sem
número de
funções e
aspectos
que
nem
sempre se enquadram,
rigorosamente, na classificação de Buhler.
Por
isso,
nem
todos os
lingüistas a adotam,
embora
nos pareça
perfeitamente
válida e
pioneira na
época
em
que for formulada. A
função
estética da
linguagem,
por
exemplo,
não se vincula
apenas à
manifestação
psíquica,
pois o
fenômeno
literário apresenta
implicações
não
apenas
com a
Psicologia. Nesse
sentido é
que a
chamada
Nova
Crítica,
em
suas múltiplas
correntes de
análise
estilística, encara a
literatura
como
fato
autônomo,
embora se possa
recorrer, subsidiariamente, na
interpretação do
fenômeno
estético, a uma multiplicidade de
elementos extraliterários,
como indicamos no
livro
Introdução ao
Estudo da
Nova
Crítica no Brasil (Rio
de
Janeiro,
Livraria
Acadêmica, 1965). Outras
funções secundárias podem
ser
ainda apontadas
dentro da
função
básica da
linguagem
humana,
que é a
comunicação.
Além da
função
estética,
com
efeito, há uma
função
lógica, caracterizando a
linguagem
científica,
em
oposição, à
linguagem
poética,
que
não se subordina aos
rigores do
raciocínio
lógico.
O
fato é
que a
linguagem é
um
fenômeno
social condicionado
pelos
indivíduos,
gradativamente,
desde a
infância. Nesse
sentido, a
dicotomia
proposta
por Saussure,
entre “langue” e “parole”, traçou
novos
rumos aos
estudos
lingüísticos
atuais. A
língua é
um
fenômeno
coletivo,
um
sistema de
sinais,
um
código,
através do
qual se realiza a “parole”, –
termo
que corresponde,
em
português, à
fala
ou
discurso. A
chamada
Lingüística da
Língua,
porém, limita-se ao
estudo do
sistema
ou
código representativo da
linguagem.
Por
outro
lado, a
Lingüística do
Discurso é
que dá
origem à
Estilística,
ciência
que se desenvolveu e desdobrou
em várias
correntes doutrinárias,
entre as
quais o
esteticismo croceano,
que é a
base do
idealismo
lingüístico de Vossler e Leo Spitzer; a estilologia
espanhola; a
explicação de
textos francesa; o
formalismo russo; e o new criticism
anglo-americano,
entre outras
Há
também várias
modalidades de
estudos
lingüísticos,
em
particular a
partir do
século XIX, examinados
pelo
professor J. Mattoso
Câmara Jr. no
segundo
capítulo de
seu
livro.
Entre essas
modalidades, cumpre
mencionar a
gramática
comparativa, a
partir de Bopp; a
gramática
histórica,
que nasceu da
anterior, ambas constituindo a
base do chamado
método histórico-comparativo; e a
Lingüística Descritiva,
sobretudo
depois da
obra de Saussure,
com
base na
chamada
Lingüística Sincrônica e na
chamada
Lingüística
Diacrônica. Na
realidade,
porém, a
Lingüística é
sempre pancrônica,
isto é, os
seus
estudos devem
ser realizados,
tanto
quanto
possível, levando-se
em
conta a
combinação do
ponto de
vista sincrônico
com o
ponto de
vista
diacrônico. Se o
primeiro descreve e analisa o
funcionamento das
línguas num
eixo de simultaneidades, necessariamente
horizontal, o
segundo se desenvolve num
eixo
vertical de sucessividades,
segundo a
doutrina de Saussure.
Assim,
diacronia é uma
sucessão de
sincronias.
Como
fenômeno representativo,
por
outro
lado, a
linguagem apresenta duas
articulações básicas,
segundo afirma o
professor André Martinet. A
primeira
articulação se exprime
em
termos de uma
relação
entre o
significante e o
significado, daí surgindo o
conceito de monema (nomenclatura
de André Martinet),
que é a
forma
mínima das
unidades significativas. A
segunda
articulação é a do
significante,
estrutura fônica
que o
professor J. Mattoso
Câmara Jr. analisa
em
grupos de
força,
vocábulos
fonéticos,
sílabas e
fonemas. O
fonema é,
assim, a
unidade
mínima da
fonação,
ou seja, da
segunda
articulação da
linguagem
humana.
O
professor J. Mattoso
Câmara Jr. dedicou à
análise do
significante o
terceiro
capítulo do
livro, caracterizando o
fonema
segundo o
método estruturalista de
oposições significativas. Nesse
sentido, valorizou a
contribuição
extraordinária do
Círculo
Lingüístico de
Praga,
com Trubetzkoy e Jakobson à
frente. O
quarto
capítulo é
reservado ao
exame da
sílaba e do
vocábulo
fonético,
assunto
que examina
com
rigor e
minúcia. A
nosso
ver, na
análise da
estrutura
fonológica da
frase,
talvez fosse interessante
considerar,
como fazem Navarro Tomás e Gili Gaya, a
existência do
grupo acentual
ou de
intensidade,
entre o
grupo de
força e o
vocábulo
fonético.
Assim, a
distinção
entre o
grupo de
força (ou fônico)
estaria na
maior
ou
menor
demora da
pausa
que os delimita. O
vocábulo
fonético,
por
sua
vez, é
caracterizado
por uma
juntura
externa
aberta, constituindo-se de
sílabas,
que
são as
unidades espontâneas da
fonação.
Por
fim, as
sílabas se constituem de
um
ou
mais
fonemas. Tratamos do
assunto no
livro As
Unidades Melódicas da
Frase (Rio de
Janeiro,
Editora do
Professor, 1964).
O
quinto
capítulo da
obra
aqui examinada se
reserva ao
estudo das
unidades significativas,
que formam a
primeira
articulação da
linguagem
humana.
Assim
como o
fonema é a
unidade
mínima da
fonação (segunda
articulação da
linguagem
humana) a
forma
mínima (monema,
segundo André Martinet) é a
unidade
mínima da significação. A
Lingüística
Norte-Americana
usa o
termo
morfema
para
designar a
forma
lingüística
mínima,
quer se refira
ela a uma
idéia do
mundo extralingüístico,
quer se refira a uma
idéia
puramente
gramatical. A
Lingüística Européia,
em
particular
após Vendryès, distingue duas
modalidades de
forma
lingüística
mínima: o semantema (referência
extralingüística,
porque ao
mundo dos
objetos) e
morfema (referência
lingüística
ou
interna, indicando as
diferentes
categorias
gramaticais da
língua). O
professor André Martinet,
como vimos, dá o
nome de monema à
forma
lingüística
mínima, nele distinguindo o lexema (igual
a semantema) do
morfema (forma
referente às
categorias
gramaticais). O
professor J. Mattoso
Câmara Jr.
usa as
denominações consagradas de semantema e
morfema.
Em
seguida,
mostra
que
não é a
frase,
nem o
vocábulo
formal, a
base das
unidades significativas numa
língua. A
frase, a
despeito dos
padrões
frasais,
que pertencem ao
sistema, é
sempre uma
realização do
discurso,
ou seja, uma
realização
individual.
Por
outro
lado, o
vocábulo
formal, –
que
alguns
lingüistas consideram
pura
convenção, –
ainda
não é a
menor
unidade
significativa. As
considerações
que desenvolve, a
propósito,
sobre a depreensão dos
vocábulos
formais,
são de
primeira
ordem
pelo
método e
rigor da
exposição.
Em
seguida, indica a
forma
mínima
como a
menor
unidade da significação, entendendo-se
por
forma
mínima uma
relação
entre o
significante e o
significado
lingüístico. O
vocábulo
formal,
por
sua
vez, pode
apresentar os
seguintes
tipos:
vocábulo
pleno,
que é
sempre
um
sintagma
simples
ou
complexo, no
conceito de Mikus; e vocábulo-semantema,
que é
um
tipo
indivisível, o
mesmo ocorrendo
com o chamado vocábulo-morfema.
Particularmente cremos
que o
professor J. Mattoso
Câmara Jr.
poderia
ter incluído,
nos
exemplos
que dá de vocábulo-semantema, os
advérbios
em
geral,
como
ontem, na
seguinte
frase: “Ontem fui ao
teatro”. No
caso,
como se
vê, o
advérbio
ontem é
um vocábulo-semantema,
porque
indivisível.
Quanto ao
método
para a depreensão das
formas
mínimas, a
nosso
ver, é o
que de
melhor temos lido
sobre o
assunto,
pela
clareza e
precisão
didática.
O
sexto
capítulo desenvolve
considerações
em
torno dos
tipos de
morfema, partindo do
exame das
incongruências
entre
forma e
função.
Em
seguida,
estuda os
afixos, mencionando
então a
teoria de Eugênio Nida,
autor
que indica os
seguintes
tipos de
morfema:
aditivo, subtrativo, reduplicativo,
alternativo e
morfema
zero. O
morfema de
posição
também
aí se examina,
bem
assim os
conceitos de
acumulação e
redundância. E
passa, no
sétimo
capítulo, ao
estudo da
Semântica,
esse
ramo da
Ciência
Lingüística
em
que
não se atingiu o
progresso
que há
nos
estudos de
Fonologia. Nesse
particular, o
grande
perigo
que se depara ao
lingüista é a
sedução da
Psicologia e da
Antropologia Cultural,
em
abandono de
métodos
lingüísticos
autênticos.
Quanto a
isso, o
professor J. Mattoso
Câmara Jr. se
mostra
mais
cauteloso
que o
professor Sílvio Elia,
pois se previne
bem dos
perigos do
caminho,
jamais se afastando do
critério
rigorosamente estruturalista.
Já o
professor Sílvio Elia,
como se pode
ver no
artigo intitulado “O
Sinal
Lingüístico”, publicado na
Miscelânea Filológica
em
honra à
memória do
professor Clóvis Monteiro (Rio
de
Janeiro,
Editora do
Professor, 1965), partindo de Hjelmslev, fala-nos
em
forma do
conteúdo e
substância do
conteúdo, insistindo
em
que a
substância do
conteúdo deve
ser estudada
pela
Lingüística.
Como se
vê, o
autor pretende uma
associação,
que
nos parece
difícil,
entre o
estruturalismo e o
idealismo
lingüístico de Vossler e Leo Spitzer, valorizando
sempre o
espírito
humano,
dentro de
sua
formação marcadamente neotomista. O
professor J. Mattoso
Câmara Jr.,
porém,
não se afasta
nunca do
critério estruturalista, observando
que a
substância do
conteúdo é
matéria
que está
fora do
campo da
Lingüística,
por
isso pertencendo ao
âmbito da
Psicologia e da
Antropologia Cultural. Num
ponto,
entretanto, temos a
impressão de
que o
professor Sílvio Elia tem
razão. Trata-se de
um
problema
terminológico
em
que o referido
autor estabelece
diferença
entre
símbolo e
signo, baseando-se
em Saussure:
On s’est servi du mot symbole pour
designer
le signe linguistique,
ou
plus exactement ce
que
nous appelons le signifiant. Il y a des inconvénients à l’admettre, justement a
cause de notre
premier
principe. Le symbole a pour caractère de n’être
jamais
tout à fait arbitraire; il n’est pas
vide,
il y a un rudiment de lien naturel
entre
le signifiant et le signifié. Le symbole de la justice,
la balance, ne pourrait pas être remplacé
par
n’importe quoi, un char,
par exemple.
(Cours de Linguistique
Générale, 3ª ed., p. 101)
O
professor J. Mattoso
Câmara Jr.,
entretanto, afastando-se do
conceito de Saussure, traduz signe
por
signo
ou
símbolo,
indiferentemente, anulando a
distinção do
mestre genebrino,
segundo a
qual o
símbolo tem
caráter
evocativo, sendo
arbitrário o
signo.
Para
isso,
naturalmente, deve
ter
razões
inclusive de
ordem filosófica, sendo
um
direito
seu
discordar de Saussure num
ou noutro
ponto. A
nosso
ver, prende-se a
esse
assunto
complexo o
problema da motivação e o da imotivação do
signo
lingüístico. Sendo
arbitrário o
signo
lingüístico,
ou seja, imotivado e
convencional,
também
nos parece
que a
ele
não se ajusta
bem a
denominação de
símbolo.
Ou
não terá o
termo
símbolo
qualquer
sentido de motivação?
Voltando à
Semântica, baseia-se
ela,
fundamentalmente, na
análise do semantema
ou lexema. O
estudo dos
morfemas,
que apresentam significação
interna,
pertence à
gramática, levantando-se
aí o
quadro das
categorias
gramaticais da
língua. Essas
categorias
gramaticais variam de
um
sistema
lingüístico
para
outro,
mas é
sempre
possível depreendê-las
dentro de uma
determinada
língua.
Quanto aos semantemas, apresentam
eles uma significação
externa,
pois a
palavra é uma
forma
livre provida de semantema. Nesse
sentido, o
professor J. Mattoso
Câmara Jr.,
além da
forma
livre e da
forma
presa, fala-nos na
forma
dependente
ou relacional, dele discordando o
professor
Sol Saporta.
Mas a
discordância, a
nosso
ver,
não procede,
pois a
forma
dependente,
também reconhecida
por Trnka, é aceita
igualmente
pelo
professor André Martinet,
quando
trata de
morfemas relacionais. No
caso, importa o
estudo do semantema nas
formas
livres,
isto é, o
estudo das significações léxicas. Daí nasceu a
Semântica, apresentando
um
caráter
inicialmente
histórico,
com a
obra de Michel Bréal, na França.
Aliás,
aqui poderíamos
fazer
menção ao livrinho de Pacheco da Silva
Júnior,
autor
que,
segundo o
professor Antenor
Nascentes, descobriu a
Semântica ao
mesmo
tempo
que Bréal. A
propósito, o
professor Hampl,
em
artigo publicado
em
nossa
imprensa
sobre os filólogos
brasileiros,
lamenta
que Pacheco da Silva
Júnior
não tivesse publicado o
seu
livro
como o redigiu
inicialmente,
isto é,
sem alterá-lo
por
influência das
idéias de Bréal. O
que importa
aqui,
entretanto, é a
observação de
que os
estudos
semânticos nasceram
com
base
histórica.
Só
modernamente,
com
efeito, é
que
tais
estudos se desenvolvem
em
plano sincrônico,
através da
Semântica Descritiva, e
não
apenas
em
plano
diacrônico. Bloomfield e
seus
discípulos,
entretanto, excluem a
Semântica dos
estudos
lingüísticos,
para situá-la
nos
domínios da
Filosofia.
Mas a
chamada
Lingüística Mentalista
procura
intuir,
diretamente, a significação de
cada
forma, advogando a
existência de uma
análise
semântica
autônoma ao
lado da
análise
formal. Essa
análise
semântica, ao
contrário do
ponto de
vista defendido
pelo
professor Sílvio Elia,
não cuida da
substância do
significado,
como o
próprio Hjelmslev assinala
em
relatório apresentado ao IX
Congresso
Internacional de
Lingüística. No
caso,
não importa o
estudo da
realidade
objetiva
que
nos
cerca,
nem
mesmo importam os
fenômenos
psicológicos
baseados na
introspecção,
como André Martinet assinala
nos
seus Éléments de Linguistique Générale. O
significado da
forma
lingüística contém
apenas uma
representação
mental,
que
não se confunde
com a
substância do
objeto.
Aliás, Ogden e Richards,
como assinalam os
professores J. Mattoso
Câmara Jr. e Silvio Elia, mostraram
muito
bem
que
não há uma
relação
direta
entre o
signo
lingüístico e o
objeto. A
relação é
convencional e
arbitrária,
embora o
pensamento
tanto se ligue
diretamente ao
objeto
como ao
signo
lingüístico.
Assim, o
que importa é
que o
signo e
objeto
não se ligam
diretamente. E
isso,
aliás, explica a
discordância
léxica existente
entre as
línguas.
Mas a
grande
dificuldade dos
estudos
semânticos,
em
face do
método estruturalista, reside no
fato de
que os semantemas, ao
contrário dos
morfemas,
não se encerram num
quadro limitado e fechado, constituindo-se
em
conjunto
aberto e ilimitado, facilmente ampliando-se
ou restringindo-se,
segundo as mudanças da
vida
social. Os
debates provocados
pelo
já citado
relatório de Hjelmslev, no IX
Congresso
Internacional de
Lingüística, demonstram
cabalmente o
fato.
Esse
relatório,
aliás, foi
bastante
fecundo,
pois motivou a publicação de
vários
estudos
posteriores,
entre os
quais os de Tatiana Cazaku, Bernard Pottier e
Eugênio Coseriu. O
que
tudo
nos indica,
como observa o
professor J. Mattoso
Câmara Jr., é
que a
evolução dos
estudos
semânticos
encontra o
seu
caminho
certo no
exame do chamado
campo
semântico,
onde se enquadram os
diferentes semantemas de uma
língua, permitindo-nos o
estudo de
suas
diferentes
conexões e
oposições.
Mas o recorte do
mundo
objetivo na
língua,
como observa
ainda o
professor J. Mattoso
Câmara Jr.,
não se faz
apenas
pelo
estudo dos semantemas. Há os
morfemas
que ampliam a significação dos semantemas.
Importante, no
caso,
são
também as
relações da
Semântica,
não propriamente
com a
Psicologia
Individual,
mas
com a
Psicologia
Coletiva,
assunto estudado
em Psicolingüística. A
matéria,
entretanto, continua
em
fase de
investigações e
pesquisas
nem
sempre concordantes, e
muito
ainda se
espera da
Lingüística nesse
sentido.
Nos
capítulos
oitavo e
nono, o
professor J. Mattoso
Câmara Jr. tece
considerações
em
torno das
categorias
gramaticais do
gênero e
aspecto
verbal.
Quanto ao
gênero,
inicialmente
mostra a falibilidade da
associação do
masculino e do
feminino aos
conceitos de
macho e
fêmea,
como
único
critério,
pois
nem
sempre é
aceitável a
explicação do
gênero
lingüístico
por
associações de
ordem
sexual. Os
critérios
são
variáveis e
complexos, indicando
claramente
que as
categorias
gramaticais
não se ajustam às
categorias
lógicas,
como
já se admitiu, e
isso
desde os
Gregos. Na
realidade,
depois de
longa
discussão
sobre a
matéria, o
professor J. Mattoso
Câmara Jr.
chega à
conclusão de
que a
categoria de
gênero é
convencional e
arbitrária.
Quanto ao
aspecto
verbal, assinala
que estamos
normalmente habituados
com a
categoria de
tempo (passado,
presente e
futuro).
Aliás, o
futuro se realizou
tardiamente,
como
elaboração da
língua
culta, e
isso a
língua
coloquial
ainda
hoje
nos
mostra, estabelecendo
apenas a
dicotomia: passado-presente.
Por
isso é
que se perdeu o
futuro
em romanços,
já
não sendo
mesmo
empregado
em
latim
vulgar,
salvo o
futuro volitivo. (Ex.: cantare habeo, de
início equivalente ao
nosso hei de
catar. Dessa
construção é
que surgiu o
nosso
futuro: cantarei, cantarás, etc.).
Mas
aspecto
verbal é a
categoria
que exprime
duração.
Assim,
em
nossa
língua:
aspecto
cursivo (estou cantando, estava cantando, estive
cantando, estarei cantando, etc.);
aspecto cessativo,
que se
acha no
cerne das
formas compostas
com o
auxiliar
ter
ou
haver e
um
particípio
passado, e
oposição
entre o
aspecto
inconcluso do
pretérito
imperfeito e o
aspecto concluso do
pretérito
perfeito e do
pretérito
mais
que
perfeito. Encontramos boa
exposição
sobre as
teorias
em
torno do
aspecto
verbal no
livro El
Problema del
Aspecto
Verbal, de L. Jenaro Maclennan (Madrid,
Editorial Gredos, 1962).
O
décimo
capítulo
trata das
espécies de
vocábulos.
Para classificá-los, convém
desde
logo distingui-los
em vocábulos-semantema e vocábulos-morfema.
Esses
últimos
são
morfemas
categóricos
ou
morfemas relacionais,
que se enquadram nas
formas
dependentes,
segundo a
nomenclatura
proposta
pelo
professor J. Mattoso
Câmara Jr. Ao
contrário, os vocábulos-semantema,
ou
vocábulos de significação
externa
em
geral,
são
formas
livres.
Eis a classificação
que apresenta:
nomes e
verbos, distinguindo-se
pelo
valor
estático
ou
dinâmico do
respectivo semantema;
pronomes,
que diferem dos
nomes
por serem
essencialmente dêiticos; e
instrumentos
gramaticais. Do
ponto de
vista
funcional, num
sintagma, aponta: o
substantivo, o
adjetivo e o
advérbio.
Os
capítulos
XI e XII
são dedicados à
sintaxe. De
início, define
frase
como
unidade do
discurso (parole).
Mas a
frase é uma
unidade heteroclítica,
pois se realiza
dentro de
padrões
que pertencem à
língua, encarada
como
sistema. E podem
ser resumidos
em
três
itens os
traços
característicos de
um
padrão
frasal: a) A
ordem dos
vocábulos de
acordo
com a
sua
função; b) A
associação dos
vocábulos de
acordo
com a
sua
categoria; e c) A
concordância de
categorias
entre os
vocábulos de
acordo
com
um
princípio
dado. A
diferença de
padrão estrutural,
dentro desses
itens, pode
ser ressaltada
entre duas
línguas culturalmente próximas,
como o
português e o
inglês.
Realmente, o
adjetivo,
em
referência ao
substantivo, se caracteriza, na
frase inglesa,
pelo
item a e, na portuguesa,
pelo
item b. Naquela
não funciona a
concordância e nesta
não funciona a
ordem.
Passa,
em
seguida, ao
exame da
frase na
língua
escrita, desenvolvendo
importantes
considerações
sobre a hipotaxe.
Como se
vê, o
professor J. Mattoso
Câmara Jr. seguindo a
lição de Sapir, inclui a
língua
literária no
domínio das
preocupações
lingüísticas, ao
contrário de Bloomfield e
seus
discípulos
que
só aplicavam o
método mecanicista da
escola ao
estudo da
língua
falada.
Mas a
frase, –
quer na
linguagem
oral,
quer na
escrita, –
como
unidade do
discurso, é uma
criação
individual. Daí as
inevitáveis
implicações
que o
estudo da
frase apresenta
em
relação à
Estilística.
Quanto à
estrutura, a
frase pode
ser
nominal (estática)
ou
verbal (dinâmica),
em
correspondência
com a classificação de
nomes e
verbos. De uma
forma
ou de
outra, pode
sempre
ser reduzida a
um
sintagma
em
que o
sujeito é o
determinado e o
predicado o
determinante. Na
nomenclatura de André Martinet, trata-se de
um
sintagma
predicativo, comportando
expansões.
Em
seguida, o
professor J. Mattoso
Câmara Jr. distingue o
sujeito
gramatical do
sujeito
psicológico, –
nada tendo a
ver
ambos
com a
lógica, – passando ao
exame das
frases
impessoais, – (pensamos
por
meio de
predicados) – e da
gênese da
frase,
segundo o
psicólogo
alemão Pick. Na
frase
pessoal,
são variadas as
relações significativas
entre o
sujeito e o
predicado
que se incluem na
categoria
gramatical da
voz,
aí
devidamente estudada. E termina o
capítulo examinando a
frase ergativa,
que se
encontra
freqüentemente
fora do
âmbito
indo-europeu.
No
capítulo XIII, conceituando a
evolução
lingüística, entra no
eixo
diacrônico. Nenhuma
língua é
homogênea num
território
em
que é
falada,
nem se mantém
estática
através dos
tempos. Ao
contrário, está
em
mudança
constante na
transmissão de uma
geração a
outra. E
dentro dessa
mudança, a
evolução
fonética
goza de
evidente
primazia.
Em
suma, há uma
predisposição
coletiva
para a
mudança, impulsionada
por
três
fatores:
a)
Adaptação da
língua à
evolução da
cultura; b)
Adaptação da
língua,
como
sistema
intelectivo, à
expressão
estética; e c) O
reajustamento
contínuo do
sistema,
que
não é
cabal, coeso e
suficiente e se
acha
permanentemente num
equilíbrio
instável. A
evolução
fonética é
que dá
em
regra o
impulso
inicial e é
mais
fácil de
ser formulada e interpretada cientificamente. (p. 200).
Daí
passa o
professor J. Mattoso
Câmara Jr. a
estudar, no
capítulo XIV, as
causas da
evolução
fonética, observando
que
elas
são determinadas
pelo
equilíbrio
instável de
qualquer
sistema
lingüístico (causa
interna) ao
lado de
impulsos estilísticos.
Mas, a
princípio, a
Lingüística buscou a
explicação do
fenômeno
em
causas
externas
ou extralingüísticas,
como a
ação do
clima e a
expansão de uma
língua
em
população aloglota,
que fará
uso da
nova
língua
com
hábitos articulatórios da
língua abandonada,
como
quer a
teoria dos
substratos. Ocorre,
porém,
que a
ação do
meio é
vaga, mostrando-nos a
Geografia
Lingüística
que muitas
diversidades
regionais
são de
caráter
temporal.
Quanto à
teoria dos
substratos, o
professor J. Mattoso
Câmara Jr. a inclui no
caso de
empréstimo e
difusão
lingüística. A
evolução,
por
fim, se
processa na
transmissão da
língua
entre as
gerações, o
que depende da
estrutura
social e das
condições culturais do
meio
em
que essas
gerações nascem e crescem.
No
capítulo XV,
baseado
em Jakobson,
estuda os
diferentes
aspectos da
evolução
fonética. O
primeiro deles se relaciona
com a
instabilidade do
jogo articulatório,
que pode
transformar os
fonemas de uma
língua,
quando essa transformação é
seguida
coletivamente.
Assim, os
segmentos fônicos
latinos – lia-, -lie, -lio – passaram a
–lha-, -lhe-, -lho –
em
português,
com
aparecimento de
novo
fonema. Outras
vezes, ocorre
desvalorização fônica,
como é o
caso de /v/,
em
espanhol,
que
hoje se pronuncia
como /b/,
sem
qualquer
oposição
distintiva,
embora
em
espanhol
americano ressurja a
oposição
fonética.
Por
fim, há
casos de revalorização de
um
fonema.
Quanto às mudanças combinatórias,
segundo Grammont, podem
ser: a)
Entre
fonemas
contíguos num
contexto fônico (assimilação,
diferenciação, interversão); b)
Entre
fonemas
distantes (dilação,
dissimilação,
metátese). Nas segundas,
entre o
fenômeno
psíquico da
atenção
concentrada
em
certo
fonema
com
prejuízo do
que no
momento é articulado. Nas primeiras, a
articulação de
um
fonema interfere mecanicamente na
articulação do
contíguo. As
mutações
são determinadas, – observa
ainda, – “diretamente
pelo
impulso
para
um
reajustamento do
sistema
ou condicionadas neste
sentido
por
elementos fônicos,
como a
velocidade da
elocução, a
intensidade, a
altura, a
firmeza
ou
frouxidão do
ataque articulatório”. (p. 240).
Por
fim, assinala
que, ao
lado da
mudança
fonética
estrita, há a
mudança
analógica
em
que o
plano mórfico interfere no
plano fônico, modificando-se
ou criando-se uma
estrutura
fonética na
base do
reajustamento
formal.
No
capítulo XVI, analisa a
questão das
chamadas
leis
fonéticas, caracterizando-as
em
função de
um
contraste de
fonemas
entre as
séries léxicas de uma
língua, num
momento
dado, e as
séries
correspondentes num
momento
anterior.
Assim,
em
português, podemos
indicar algumas
leis típicas: a) A simplificação das
consoantes geminadas; b) A
sonorização das
consoantes surdas intervocálicas; c) O
desaparecimento (síncope) de
consoantes sonoras intervocálicas; d) A
evolução de
grupos
consonantais
crescentes /kl/, /pl/ a
consoantes palatalizadas. O
estabelecimento de uma
lei
fonética é
feito empiricamente,
isto é,
através do
confronto do
vocabulário de
dois
estados
lingüísticos
sucessivos. A
sua
base é
indutiva,
pois se
fundamenta na
freqüência dos
casos examinados. A
rigor,
portanto, a
lei
fonética é uma
fórmula de
correspondência,
segundo a
expressão de Meillet, revestindo-se de
caráter
empírico.
Melhor é,
portanto, falar-se
em
tendência
fonética
ou
correspondência
fonética,
em
face das
exceções. De
qualquer
forma, a
lei
fonética é
útil
para a
reconstituição de
formas hipotéticas,
naturalmente
dentro da
deriva da
língua.
Mas
ela é
sempre
relativa,
como
instrumento
útil de
trabalho,
que
nem
sempre
leva a
conclusões definitivas,
senão a
conclusões
não
raro provisórias.
Termos
eruditos,
por
exemplo, escapam à
formulação das
leis,
como
pleno,
clave, etc.
Por
outro
lado, o
léxico de uma
língua
comum reúne
vocábulos provenientes de
vários
falares. O
exagero dos neogramáticos, no
caso, consistia no
fato de
que, muitas
vezes, abandonavam
formas documentadas,
que
não se ajustavam às
leis, dando
preferência às
formas hipotéticas, recorrendo
ainda, e abusivamente, ao
fenômeno da
analogia
para a
explicação dos
casos difíceis.
Em
tais
circunstâncias,
porém, a
verdade é
outra. É
que
tais
formas,
não
raro,
são oriundas de
empréstimos
lingüísticos, escapando
assim à
ação da
lei
fonética,
como o
método da
Geografia
Lingüística
hoje
nos demonstra.
Não se pode,
portanto,
equiparar o
conceito de
lei
fonética ao
conceito de
lei nas
ciências
físicas.
Com
efeito, o
caráter de
previsão
que tem uma
lei
científica
não existe na
chamada
lei
fonética. A
evolução
lingüística é,
assim,
imprevisível. E a
lei
fonética
apenas formula uma
ocorrência
pretérita,
que se verificou numa
região limitada e
em
condições complexas
que
não se repetem do
mesmo
modo. Trata-se,
apenas, de
um
instrumento de
trabalho a
ser
empregado
com
muita
cautela.
O
empréstimo
lingüístico e
sua
amplitude é o
assunto do
capítulo XVII.
Todo
empréstimo estabelece
traços
lingüísticos
novos,
dentro de uma
língua, respondendo
sobretudo
pela renovação do
vocabulário,
cuja continuidade é
constantemente interrompida
através dos
tempos. Cumpre
saber,
entretanto, se há
também
empréstimo de
morfemas e
fonemas,
além dos
empréstimos vocabulares. Nesse
sentido os
lingüistas
nem
sempre estão de
acordo, havendo duas
correntes opostas. A
mais
certa,
entretanto, é a
que
nega a
existência de
empréstimo de
morfemas e
fonemas. Haja
vista o
caso do
romeno,
que mantém o
seu
caráter de
língua
neolatina
apesar do
abundante
acervo
eu recebeu de
palavras eslavas. Daí se conclui
que a
tendência
geral dos
empréstimos vocabulares é a
adoção da
fisionomia mórfica da
língua
importadora. Sirva
como
exemplo o
empréstimo, no
português do Brasil, de
palavras de
origem
africana
ou
indígena.
Assim, o
empréstimo
não explica os
caracteres
gramaticais
novos
que aparecem numa
língua,
como
muitos supõem.
Nem
mesmo os
falares
crioulos podem
ser tidos
como
línguas mistas
ou heterogêneas,
pois
não passam de
língua
culta
imperfeitamente
falada,
em
virtude de simplificações mórficas. Na
realidade,
como se
vê, a
morfologia de uma
língua é
sempre
um
sistema fechado, repelindo a
noção de
empréstimo.
Por
isso, Darmesteter afirmava
que
um
povo pode
inclusive
mudar a
sua
sintaxe e o
seu
vocabulário.
Mas, se as
formas
gramaticais
não mudam, a
língua é a
mesma.
Em
relação à
Fonologia, os
fonemas de uma
língua se estruturam num
quadro fechado,
pois
não permitem
empréstimos de
natureza fônica.
Não
obstante, assinala o
professor J. Mattoso
Câmara Jr.
que a
Lingüística
contemporânea
não se
mostra
assim
tão
radical
em
relação aos
empréstimos de
formas
gramaticais, e exemplifica o
fato
com a
adoção de
sufixos de
derivação de uma
língua
para
outra;
com a
adoção de vocábulos-morfema
ou
instrumentos
gramaticais; e
com o
caso
mais
raro de
empréstimo de
morfemas segmentais,
como a
desinência – o – do
vocativo
romeno de
nomes
femininos. Cumpre
observar,
porém,
que o
empréstimo mórfico, –
sempre
mais
raro
que o
empréstimo
léxico, – pressupõe
certa
identidade de
estrutura
entre duas
línguas, daí se concluindo
que uma
estrutura
lingüística pode alterar-se
com o
tempo.
Quanto ao
empréstimo de
fonemas,
difícil
também é a
sua
ocorrência,
pois
sempre a
língua adapta o
vocábulo importado ao
seu
esquema fonemático. No
caso, o
bilingüismo, –
que
não se confunde
com diglotismo, – pode
facilitar
por
difusão o
empréstimo mórfico, ressalvando-se
aí as
desinências.
Por
fim, há o
empréstimo de
tipos
frasais, a
que Vendryès dá o
nome de
decalque,
fenômeno
comum
em
traduções
mal
feitas. E cremos
que se
poderia
ainda
acrescentar o
empréstimo de
estruturas
métricas,
como é o
caso dos
metros
pares
que o
português
medieval importou da
lírica occitânica.
São
ímpares,
como é
sabido, os
metros
nativos da versificação galego-portuguesa.
Ainda
sobre o
empréstimo, foram
escritas as
páginas do
capítulo XVIII,
em
particular dedicadas aos
aspectos
lingüísticos e
sociais do
fenômeno. Nesse
sentido, Bloomfield classifica os
empréstimos
em
dois
tipos: culturais e
íntimos. Os
primeiros decorrem de
relações culturais amplas
com
outros
povos,
pois as
nações
não vivem insuladas. Os
segundos
são
determinados
pela coexistência de
dois
idiomas num
só
meio
social. Nesse
último
caso, a
língua
que exprime
maior
desenvolvimento cultural tende a
abolir a
outra, fornecendo-lhe
empréstimos
mais
ou
menos abundantes. De
início, há uma
fase de
bilingüismo,
mais
ou
menos prolongada,
até
que uma
língua suplante a
outra.
Assim,
apesar dos
empréstimos, os
fonemas e
morfemas da
língua superada desaparecem. A
língua,
portanto, se extingue na
consciência
coletiva.
Além disso, deve-se
levar
em
conta a radicação da
língua de
povos
invasores,
em
conseqüência do
desaparecimento
final de
línguas nativas,
sempre
por
motivos de
ordem cultural. No Brasil,
por
exemplo, a
chamada ‘língua
geral’, na
realidade, foi superstrato
inicial do
português,
língua usada
pelos catequistas e
bandeirantes
até o
século XVII.
Isso permitiu a
penetração de
empréstimos das
línguas
indígenas no
português do Brasil,
que
afinal se impôs
como
língua
padrão,
também
por
motivos culturais. O
problema é
complexo, e
são
vários os
casos de
empréstimos
íntimos
que o
professor J. Mattoso
Câmara Jr. examina.
Mas há,
além disso, os
empréstimos
entre
falares, criando sérias
dificuldades aos
princípios
rígidos das
chamadas
leis
fonéticas. Daí a
teoria das
áreas
lingüísticas, classificadas
em
cinco
tipos,
segundo Bertoni e Bartoli.
São as
seguintes:
áreas isoladas
ou
menos expostas;
áreas
laterais;
áreas
mais tardias;
área da
fase desaparecida
ou
moribunda; e a
área
maior. A
língua
comum,
afinal, resulta do
predomínio de
um dos
falares, – o de
maior
expressão cultural
ou
política, –
sobre os
demais,
como ocorreu na Itália,
em
relação ao
toscano,
ou, na França,
em
relação ao
falar da
ilha de França. Observe-se
ainda
que a
língua
comum
não se apresenta
homogênea numa
extensão
territorial politicamente delimitada,
pois varia
segundo o
grau de
cultura das
camadas
sociais
que a falam, dando
origem à
oposição
entre
língua
culta e
língua
popular (linguajar).
Por
outro
lado, as
profissões tendem a
criar
línguas
especiais. E há,
por
fim, a
gíria, o
calão e a
língua
literária. Essa
última é uma artistificação da
língua
comum,
mas
não se confunde
com esta.
Ninguém dirá,
por
exemplo,
que a
língua
literária de Guimarães
Rosa seja
falada. Trata-se de uma
língua
escrita
ou de uma
modalidade de
língua
escrita apresentando
finalidade
estética.
Aliás, distinguimos a
língua
padrão (escrita
ou
falada) da
língua
literária propriamente
dita. A
primeira se ajusta às
normas
gramaticais, difundidas
pelo
ensino
sistemático nas
escolas. A
segunda,
por
motivos estilísticos, apresenta
numerosos
desvios
em
relação à
norma estabelecida. Nesse
sentido é
que Mário de Andrade afirmava
que, se
alguém
erra
por
desconhecer a
gramática,
erra
por
ignorância.
Mas, se
erra conhecendo a
gramática, e
com
finalidade
estética,
erra criando. E a
língua
comum,
não
raro, recebe
empréstimo da
língua
literária. Nesse
sentido, escreve o
professor J. Mattoso
Câmara Jr.:
A
existência do
empréstimo
literário na
língua
comum subverte
profundamente o
jogo das mudanças
fonéticas. Determina
até, muitas
vezes, o
que se
chama
regressão
erudita: regridem
para o
aspecto
antigo, considerado o “correto”
em
virtude do
prestígio
literário,
formas
que
já haviam sofrido a
evolução, consentânea
com o
seu
ambiente
fonético:
em
português,
digno e
congênere readquiriram o /g/ implosivo,
aspecto substituiu aspeito, etc. (p. 287).
Por
tudo
isso se
vê
que a
Lingüística deve
estudar as
línguas
em
todos os
seus
aspectos,
pois
todos
são
objetos de
ciência.
No
último
capítulo,
que é o XIX, preocupa-se o
professor J. Mattoso
Câmara Jr.
com o
problema da classificação das
línguas. De
início,
fixa o
caráter
abstrato da
linguagem
humana, observando
que as
línguas é
que
são os
sistemas
definidos da
linguagem.
Assim, a
Lingüística
estuda as
leis e os
processos da
linguagem
através da
análise das
línguas de
todos os
tipos e faladas no
presente
ou no
passado,
em
busca do
que há de
comum
entre
elas. Nesse
sentido, é
importante o
estudo dos
diferentes
sistemas
lingüísticos, considerados
em
conjunto e
entre
si, daí surgindo
vários
critérios de classificação.
Assim o
método histórico-comparativo criou a classificação
genética
ou
genealógica,
naturalmente apresentando
base
diacrônica.
Por
esse
método, chegou-se a uma classificação das
línguas indo-européias
bastante elaborada, daí partindo-se
para a classificação de
outros
blocos
lingüísticos.
Mas a classificação
genealógica
não conseguiu
ainda
abranger todas as
línguas do
mundo, e
nos
blocos
já estabelecidos há
problemas de
toda
espécie,
como é o
caso do
aparecimento do hitita,
por
exemplo.
Em
oposição ao
método
diacrônico, há classificações de
caráter sincrônico e
base extralingüística,
entre
elas a
geográfica,
que agrupa as
línguas
em
áreas, e a tipológica,
baseada na
estrutura das
línguas. A
primeira classificação tipológica foi a de
Schleicher,
apesar de
suas
preocupações diacrônicas .
Modernamente, Sapir e Greenberg procuraram
apresentar classificações baseadas
em
critério
inteiramente descritivo.
Mas a
questão continua de
pé,
apesar dos
bons
estudos existentes
sobre a
matéria. Cremos,
inclusive,
que os
resultados obtidos
com o
método histórico-comparativo,
em
plano
diacrônico,
são
mais
satisfatórios
que os
resultados obtidos
com as classificações tipológicas e descritivas,
em
plano sincrônico. De
qualquer
forma,
ambos os
critérios
são de
interesse
para os
estudos
lingüísticos.
Concluindo, vê-se
que a
positiva valoração
crítica do
livro,
segundo o
julgamento
unânime e
abalizado de
autores
nacionais e
estrangeiros,
não se exprime
em
termos
ocos. Trata-se de uma
obra
pioneira,
porque introduziu a
Lingüística
moderna
nos
meios
universitários
brasileiros. O
seu
autor,
além disso, escreveu
vários
outros
volumes
em
que
volta aos
temas de
Lingüística, revelando
sempre a
segurança de
sua
formação
científica,
em
contribuições
inestimáveis à
cultura
brasileira. Conhecendo
bem a
obra de Saussure,
que traçou
novos
rumos aos
estudos de
Lingüística
Moderna, filia-se o
professor J. Mattoso
Câmara Jr. à
orientação
geral da
escola
Lingüística
Norte-Americana,
em
particular à
corrente de Sapir.
Nem
por
isso,
entretanto,
deixa de
recorrer à
doutrina de Bloomfield,
nos
pontos
em
que o mecanicismo
lingüístico
não interfere
em
sua
posição mentalista.
Além disso, segue as
normas da renovação
lingüística difundidas
pelo chamado
Círculo
Lingüístico de
Praga,
com Trubetzkoy e Jakobson à
frente, revelando
ainda
profundo
conhecimento da
Lingüística Européia,
em
particular
através das
obras de Meillet, Vendryès, Martinet e
tantos
outros. Dominando várias
línguas estrangeiras, a
sua
bibliografia é
ampla e
valiosa, incluindo
autores
alemães de
primeira
ordem,
como Porzig. Vale-se
ainda de
revistas especializadas
em
vários
idiomas
com
perfeita atualização bibliográfica, estando
ainda a
par dos
estudos
diacrônicos, desenvolvendo
considerações
sobre o
problema do
empréstimo
lingüístico
com
rara
erudição. Todas as
correntes da
Lingüística
Moderna,
por
conseguinte,
lhe foram
familiares,
quase diríamos íntimas. A
ele se deve o
primeiro
estudo de Fonêmica
em
relação ao
português do Brasil,
desenvolvido
em
tese de
concurso,
mais
tarde publicada
em
livro. Dominou,
assim,
inteiramente, os
problemas relacionados
com a
moderna
Fonologia,
ramo dos
estudos
lingüísticos
que
maior
grau de
desenvolvimento atingiu,
em
relação aos
demais.
Quanto à
morfologia,
em
particular partindo da
doutrina de Eugênio Nida, apresenta-nos uma
análise da
matéria
que é o
que de
melhor
já se escreveu no Brasil
sobre o
assunto, chegando aos
estudos de
Semântica
com
base no
método estruturalista, o
que
vale
dizer
que se previne
bem das
seduções e dos
perigos da
Psicologia e da
Antropologia Cultural. A
sintaxe,
igualmente, é estruturada
dentro de
critérios renovados, fugindo às
normas da
tradição
gramatical.
Por
fim, os
problemas
diacrônicos da
Lingüística
Moderna
são
desenvolvidos
com
absoluta
segurança, terminando o
volume
com
excelente
capítulo
sobre a classificação das
línguas. Todas essas
razões fazem do
livro do
professor J. Mattoso
Câmara Jr. uma
obra
única no
gênero, exercendo a
sua
doutrina
grande
influência na
formação
científica dos
jovens
universitários
brasileiros. E
não
apenas
em
relação a
esses,
pois a
nossa
cultura
lingüística, no
que tem de
melhor, se filia à
sua
orientação,
como se pode
examinar
em
sua
bibliografia especializada,
toda
ela revelando
sensível
influência no
seu
pensamento. O
papel
que desempenhou,
portanto,
nos
quadros de
nossa
Universidade,
ainda
em
fase de
crescimento, pode comparar-se
apenas à
ação de Bloomfield e Sapir
nos
Estados Unidos da América.
Ou
então à
ação de Martinet na França
ou de
um Walter Belardi na Itália. E
tudo
isso se comprova
com as várias
edições
revistas e aumentadas dos
Princípios de
Lingüística
Geral,
obra
que
não é
simples
divulgação
científica,
mas de
pura
ciência.
Por
tudo
isso, o
seu
falecimento, ocorrido no
dia 4 de
fevereiro de 1970, representou
enorme
perda
para a
Cultura
Brasileira. E a
Academia
Brasileira
de
Filologia,
de
que
ele foi
um dos
fundadores,
agora
lhe presta, num
Congresso
Internacional
de
Língua
Portuguesa, a
justa
homenagem
que
ele
bem merece no
ano do
centenário de
seu nascimento.