A
TERMINOLOGIA
GRAMATICAL
ALGUNS
CASOS
POLÊMICOS NA
DESCRIÇÃO
LINGÜÍSTICA
José
Pereira
da Silva (UERJ)
Como tivemos
dificuldade de
incluir o
Professor Bechara na
programação
deste
evento,
por
causa de
sua
agenda
apertada,
aproveitamos a
oportunidade
de
substituir a Professora
Maria Emília,
cujo
nome constava
na
programação
inicialmente
divulgada,
para apresentar-lhes
algumas
idéias do
nosso
Vice-Presidente, extraídas de
suas
reflexões
gramaticais
mais
recentes.
E,
para
abrir esta
discussão, é
bastante
oportuna a
transcrição de
parte do
que consta na
quarta
capa dos
volumes da
coleção
Na
Ponta
da
Língua,
nas
orelhas da
primeira
edição de
sua
Gramática
Escolar
de
Língua
Portuguesa e na
página 358 de
suas
Lições
de
Português,
constituindo-se numa
insistente “profissão
de
fé” do
Professor,
que é a
seguinte:
Há duas
maneiras de
aprender
qualquer
coisa: uma,
leve,
suave,
com
informações
corretas
mas
superficiais,
que,
pela
incompletude da
lição,
não indo aos
assuntos a
ela
correlatos, acaba sendo
insuficiente
para
permitir a
fixação da
aprendizagem. É
um
método
que pode
agradar, e
até
divertir o
leitor
menos
exigente;
mas
não
lhe garante o
sucesso do
conhecimento.
A
segunda
maneira é
aquela
que
procura
dar
um
passo à
frente da
resposta
breve e
imediata:
estabelece
relações
entre a
dúvida
apresentada e
outros
assuntos
afins, de
modo
que,
aprofundando
um
pouco
mais a
lição, amplia
o
conhecimento e
garante
sua
permanência,
porque
não se
contenta
em
ficar na
superfície dos
problemas e
das
dúvidas.
Falamos
em
superfície, e
a
palavra
nos sugere
agora uma
comparação
entre as duas
maneiras de
aprender de
que vimos
tratando. A
primeira
ensina a
pessoa, no
mar de
dúvidas, a
manter-se à
superfície;
não afunda,
mas
não sai do
lugar. A
segunda,
além de
permitir à
pessoa
permanecer à
superfície,
ensina-lhe
dar
braçadas,
ir
mais
além.
Assim,
pela
primeira, a
pessoa
bóia;
pela
segunda,
nadando,
avança e
chega a
seu
destino.
O
tempo de
que dispomos e
o
espaço
para a
apresentação deste
texto
não
são
suficientes
para darmos uma
relação,
por
mais
sintética
que fosse, de
todos os
casos
polêmicos na
descrição
lingüística da
língua
portuguesa.
Por
isto,
trataremos rapidamente de
alguns e
nos fixaremos
mais
demoradamente
em
um
ou
dois
apenas.
Como
pretendemos
homenagear,
com esta
fala, o
Professor Bechara,
utilizaremos
aqui,
basicamente, a 16ª
edição das
Lições
de
português
pela
análise
sintática,
a 37ª
edição da
Moderna
gramática
portuguesa, a 1ª
edição da
Gramática
escolar
da
língua
portuguesa e
alguns
artigos
publicados na
coleção
Na
Ponta
da
Língua,
organizada
por
ele e
seus
amigos Antônio
Basílio Rodrigues, Horácio Rolim de Freitas, Maximiano de
Carvalho e
Silva e Rosalvo do
Vale.
Naturalmente,
serão
também
trazidos à
baila
alguns
autores
que comungam
desta
preocupação
sem,
contudo, serem
valorizados o
quanto
mereceriam noutras
oportunidades.
Parafraseando Gladstone
Chaves de
Melo,
por
exemplo, ao se
referir à
gramática descritiva e à
gramática normativa,
Carlos Alberto Gonçalves Lopes
nos lembra
que ambas
“cumprem a
sua
missão,
só
que a
gramática normativa pode
apresentar
um
problema,
que
não está
tanto no de
ser prescritiva (diga
advogado
e
não
adevogado),
mas no de
basear-se
em
descrições
incoerentes,
inadequadas e muitas
vezes falsas.”
(LOPES, 2003: 25).
Tratando do
mesmo
assunto Bruno
Fregni Bassetto, no VII
Congresso
Nacional de
Lingüística e
Filologia
em 2003,
absolutamente
de
acordo
com o
que pensam os
reformistas
mais
incomodados
com a
descabida
inadequação
terminológica
da
lingüística
ocidental
moderna, opina
com
segurança:
Em
relação à
nossa
terminologia
gramatical,
urge
não
esquecer
que,
em
grande
parte,
ela
remonta a
Dionísio Trácio,
que escreveu a
primeira
gramática do
Ocidente. Os
gramáticos
latinos (Varrão,
Aulo Gélio, Carísio, Donato, Prisciano)
apenas
adaptaram, traduziram
ou
apenas
decalcaram os
termos
gregos. No
correr dos
séculos,
muitos desses
termos tiveram
seu
conteúdo
semântico
ampliado
ou reduzido,
empanando a
indispensável
transparência
que uma
terminologia
científica de
qualquer
área do
conhecimento
humano
precisa
ter.
Penso
que seria
muito
útil se
voltássemos à
etimologia dos
termos da
nomenclatura
gramatical das
vertentes
grego-latinas, evitando
sobretudo
ampliações
semânticas
indevidas. O
resultado
certamente
seria
profícuo
sobretudo
nos
diversos
níveis de
ensino.
Memorizam-se os
termos
gramaticais
sem
que se perceba
a
relação
significante-significado e
esse
fato impede a
compreensão
clara do
fato
lingüístico
estudado.
Todos os
que se dedicam
a
esse
ramo do
conhecimento
humano,
como Gladstone
Chaves de
Mello, sentem o
problema e
com
ele se
angustiam; uma reforma da
nomenclatura
gramatical
deve
levar
em
conta essas
vertentes
greco-latinas, cujas
contribuições
não podem
ser ignoradas
mas
sim expurgadas
de
aplicações
indevidas e obnubiladas,
que
lhe foram
acrescidas ao
longo dos
séculos. Os
avanços
atuais
nos
estudos da
linguagem
podem e devem
ser adicionados,
mas
mesmo
esses partem
daquelas
bases. (BASSETTO,
2003: 63)
Mas,
considerando o
objetivo e a
temática
geral deste “Seminário
Superior
de
Lingüística
Aplicada ao
Ensino
do
Português”, é
importante
registrar
que
Muitos
lingüistas têm
chamado a
atenção
para o
fato de
que os
modelos
teóricos
levantados
para o
estudo e
descrição
científica das
línguas
não pretendem,
primordialmente,
modificar o
trabalho do
professor de
línguas;
mas
até adiantam,
como o fez
Chomsky numa de
suas
comunicações a
congresso de
especialistas,
que
não acreditam
na
plena
eficácia
desses
modelos
teóricos,
quando
aplicados a
fins
pedagógicos.
Está
claro – e
ninguém põe
em
dúvida o
fato –
que o
aperfeiçoamento
científico da
teoria
lingüística pode
ter repercussão
benéfica
em
determinados
aspectos do
ensino das
línguas;
mas
isto está
longe de
significar
que o
lingüista vai
assumir o
papel de
professor de
língua,
ou
que
este se vai
transformar naquele.
(BECHARA, 2002: 26)
É
mais
ou
menos nesta
mesma
linha
que Mattoso
Câmara Jr reflete, na
página 5 da
sua
Estrutura
da
Língua
Portuguesa:
A
gramática descritiva,
tal
como a vimos
encarando, faz
parte da
lingüística
pura.
Ora,
como
toda
ciência
pura e
desinteressada,
a
lingüística tem a
seu
lado uma
disciplina
normativa,
que faz
parte do
que podemos
chamar a
lingüística aplicada a
um
fim de
comportamento
social. Há
assim,
por
exemplo, os
preceitos
práticos da
higiene,
que é
independente da
biologia. Ao
lado da
sociologia, há
o
direito,
que prescreve
regras de
conduta nas
relações
entre os
membros de uma
sociedade.
A
língua tem de
ser ensinada na
escola, e,
como anota o
lingüista
francês Ernest
Tonnelat (1927: 167), o
ensino
escolar “tem
de
assentar necessariamente
numa regulamentação
imperativa”.
Assim, a
gramática normativa tem o
seu
lugar e
não se anula
diante da
gramática descritiva.
Mas é
um
lugar à
parte,
imposto
por
injunções de
ordem
prática
dentro da
sociedade. É
um
erro
profundamente
perturbador
misturar as duas
disciplinas e,
pior
ainda,
fazer
lingüística sincrônica
com
preocupações
normativas. (CÂMARA
JR., 1972: 5)
O
Professor Bechara,
Na
ponta
da
língua,
tratando das
divergências
entre os
gramáticos,
ensina
que
elas ocorrem
no “plano
da
teoria
gramatical” e
não “no
plano dos
fatos da
língua”
(BECHARA, 2002: 29-30):
Já começarão
as
divergências
quando,
por
exemplo, a
questão é
saber se a
prefixação é
um
processo de
derivação
ou de
composição,
ou se o se
é
sujeito
em
frase do
tipo
Vive-se
ou
É-se
feliz,
ou se estamos
diante de
predicado
verbal
ou
verbo-nominal
em
frases do
tipo
Encontraram a
porta
aberta,
ou se
cercado
é
adjetivo
ou
verbo no
particípio
em
frases do
tipo
A
fazenda
está
cercada,
ou
ainda, na
conceituação
de
vogal,
sílaba,
frase, etc.,
etc.
Mas estas
últimas
divergências
não
são de
fatos de
língua
portuguesa,
mas de
teoria
lingüística, de
posição
ou
modelo
teórico do
especialista. Neste
caso,
como há
diversas
correntes e
diversos
modelos de
descrição das
línguas
concretizadas
nos
fatos de
língua
ou
nos
atos de
fala, é
perfeitamente
válida a
existência de
diferentes e,
portanto, de
divergentes
soluções e
classificações no
plano
teórico.
O
que tem
ocorrido,
cada
vez
com
mais
freqüência, é
que
onde as
pessoas têm de
aprender os
fatos da
língua na
sua
modalidade
culta – na
escola de 1° e
2°
graus [ensino
fundamental e
médio] –
não o fazem
ou o fazem de
maneira
insuficiente
e,
quando
procuram
nos
cursos de
Letras
aprender o
que
não aprenderam
na
escola,
vêem-se envolvidas
com a
teoria
gramatical.
Como
não têm
conhecimento
dos
fatos da
língua,
vão
aprender a
teorizar o
quê?
Limitam-se a
repetir,
sem
compreender a
essência dos
fenômenos, os
modelos
oferecidos
em
aula, e saem
da
Universidade
sem o
conhecimento
suficiente da
língua
para praticá-la e
ensiná-la aos
alunos de 1° e
2°
graus [de
ensino
fundamental e
médio].
Devemos
não
enganar
nossos
alunos
com
informações
inverídicas,
mas é
preciso
dosar adequadamente o
ensino ao
seu
nível.
Eis
um
alerta aos
docentes a
que
não se arvorem
em
reformadores
da
língua,
começando a
estabelecer
um
novo
ensino
para os
seus
alunos e
confundindo os
fatos
com as
teorias
lingüísticas.
Estas
só interessam
aos
docentes e
não aos
discentes. O
que se deve
conseguir deles é a
compreensão
dos
fatos da
língua: as
teorias
que servem de
suporte
para explicá-los
interessam a
seus
professores.
Silva
Ramos, citado
por Bechara
(2002: 31),
nos
ensina:
Toda
nação tem o
seu
código de
bem
falar e
escrever
em
que se
instruem os
naturais
até aos quinze
ou aos
dezasseis
anos, e
cada
qual
procura
exprimir-se de
acordo
com
ele,
abandonando os
problemas da
língua aos
filólogos e aos
gramáticos a
quem compete
destrinçá-los.
Como “o
tempo
ruge e a
Sapucaí é
grande”, vai
como
anexo o
interessante
capítulo das
Lições
de
Português
(p. 12-14), intitulado “Diferenças
de
conceitos e
nomenclatura
entre estas
Lições
de
Português
e a
Moderna
Gramática
Portuguesa”,
escrito
como
um
prefácio de
sua 16ª
edição.
Ali estão
algumas
observações
interessantes
sobre
tais
divergências
metodológicas
FLEXÃO E
DERIVAÇÃO
Em
geral, há uma
grande
dificuldade
em
distinguir tecnicamente a
flexão da
derivação,
como se pode
ver
em BECHARA
(1999: 341),
pois
A
flexão
consiste
fundamentalmente
no
morfema
aditivo
sufixal acrescido ao
radical,
enquanto a
derivação
consiste no
acréscimo ao
radical de
um
sufixo
lexical
ou
derivacional.:
casa
+ s:
casas
(flexão
de
plural);
casa
+ inha: casinha (derivação).
.............................................................................................
No
plano
sintagmático, a
flexão provoca
o
fenômeno da
concordância:
móvel
novo →
móveis
novos
em
oposição a
a
casa
nova
→ a casinha
nova.
Carlos
Alberto Gonçalves Lopes, tratando dos
morfemas
flexionais (ou
categóricos),
lembra
que as
desinências se
diferem dos
afixos
principalmente
por serem
obrigatórias e produzirem os
vocábulos
flexionáveis (ou
vocábulos
morfológicos, na
terminologia
de José Carlos Azeredo).
Por
conseguinte,
as
flexões
existem
para
efetuar
concordância e
a
concordância
serve
para
indicar o
binômio
determinado /
determinante,
ou
núcleo /
periferia,
encontrável no
enunciado “Maria
encontrou,
satisfeita,
Marcos”.
Como se pode
constatar, as
desinências
inserem a
palavra na
frase
mediante o
mecanismo da
concordância,
mecanismo
este
que se
caracteriza
por
envolver simultaneamente
regras
morfológicas e sintáticas aplicáveis
apenas aos
vocábulos
flexíveis,
que
em
português
são o
substantivo, o
artigo, o
adjetivo, o
numeral, o
pronome e o
verbo. (LOPES,
2003: 39)
Ora, se
mal se
consegue
distinguir
flexão de
derivação, o
que levou a
NGB a
definir o
grau
como
flexão, e se o
conceito de
gênero nas
línguas
românicas tem sido
quase
sempre
confundido
com o
conceito de
sexo,
não seria
óbvia uma
definição
adequada
para essa
categoria.
O
Dicionário
Houaiss, no
verbete “Desinência”,
esclarece
que “nas
línguas
flexionais, é o
sufixo
flexional
que aparece no
final de
vocábulos
adicionando ao
seu
radical
significados
gramaticais”
(HOUAISS, 2001, s.v.),
diferentemente
do
sufixo
derivacional,
alheio a
tais
significados.
Na
verdade,
para
esclarecer
grande
parte do
que
discutiremos a
seguir, é
indispensável
distinguir
flexão de
derivação, o
que poderemos
fazer, levando
em
consideração
também as
palavras de
José Carlos Azeredo (2000: 82):
A
derivação é
um
processo
que dá
origem a
novos
lexemas –
ou
palavras
[...],
enquanto a
flexão produz
variações da
forma de
um lexema,
dando
origem ao
que chamamos
vocábulos
morfossintáticos.
O
dicionário
registra os
lexemas, e
não os
vocábulos
morfossintáticos,
porque
estes
são
formas
flexionadas.
Mais
adiante, no
parágrafo 219 o
Professor José Carlos
Azeredo (2000: 110-1) dá as
seguintes
razões
que
nos esclarecem
sobre a
distinção
entre
flexão e
derivação,
considerando a
marcação de
gênero de
substantivo
como uma
derivação:
·
o
conceito de
flexão é
incompatível
com a
quantidade de “exceções”
observada na
classe dos
substantivos.
Para
muitos
substantivos
em –o
não existe
contraparte
feminina
em
uso (mosquito,
besouro,
papagaio,
lagarto
(lagarta
é
um
inseto),
veado,
camundongo);
em
outros
pares de
nomes, a
fêmea é
designada
por
meio de
um lexema
que nenhuma
regra é
capaz de
produzir (homem
/
mulher,
carneiro
/
ovelha,
cavalo
/
égua
etc.);
·
a
flexão
expressa a
variação
formal da
mesma
palavra (feio
/
feia
/
feios
/ feias,
saber / sei /
sabendo / soubesse,
leão
/
leões).
Coelho
e
coelha
não
são duas
formas da
mesma
palavra,
mas
palavras
lexicais
distintas (MATHEWS, 1974; BECHARA, 1999). A
atribuição de
um
gênero
diferente a
uma
unidade
lexical
substantiva é
uma
forma de
criar
um
novo
substantivo,
isto é,
um
processo de
derivação;
·
a
criação e o
emprego de
certos
nomes
femininos (chefa,
sargenta,
presidenta),
ou
mesmo de
certos
nomes
masculinos (borboleto,
formigo, pulgo,
possíveis nas
histórias
infantis)
são
freqüentemente
encarados
como
opções
pessoais
ou
escolhas
estilísticas
dos
falantes, o
que
não acontece
quando estamos
diante de uma
flexão
regular.
Tratando dos
aumentativos e
diminutivos,
Bechara esclarece
mais
sobre o
conceito de
flexão
(BECHARA, 1999: 140):
A
flexão se
processa de
modo
sistemático,
coerente e
obrigatório
em
toda uma
classe
homogênea,
fato
que
não ocorre na
derivação, o
que
já levara o
gramático e
erudito
Varrão a
considerá-la uma derivatio voluntaria.
Para
não
buscar
outra
bibliografia,
relacionei os
primeiros
cem e os
últimos
cem
substantivos
abaixo,
registrados no
Dicionário
Eletrônico
Houaiss da
Língua
Portuguesa,
só encontrei
um
substantivo
que tenha uma
forma
masculina e
outra
feminina (“abade”
/ “abadessa”),
com
exceção
daqueles
que podem
funcionar
tanto
como
substantivos
quanto
como
adjetivos,
evidenciando
que a o
gênero do
substantivo
não é formado
por
flexão:
a,
aabora,
aachense,
aacheniano,
aal,
aaleniano, aaleniense, aalênio, aalense,
aaquenense, aaqueniano, aardvark, aardwolf, aariano, aarônida,
aaronita,
aaru, ãatá, aavora,
aba, ababá,
ababaia, ababalhos, ababangai, abá-baxé-de-ori,
ababone,
ababoni,
ababuí, abaca,
abacá,
abaçá,
abacaí, abaçaí ,
abaçanamento,
abacatada, abacataia, abacatal,
abacate,
abacate-do-mato,
abacateiral,
abacateiro,
abacaterana, abacatirana, abacatuaia, abacatuia,
abacaxi,
abacaxibirra, abacaxi-branco, abacaxicultor, abacaxicultura,
abacaxi-de-tingir, abacaxi-silvestre,
abacaxizal,
abacaxizeiro,
abacé, ábace, abaceias, abacebilidade, abacelabilidade, abacelamento,
abacenino, abacense,
abaci,
abácia, abaciado, abaciamento, abácias,
abaciato,
abácida, abacinamento, abacisco, abacista,
ábaco,
abacômita,
abacomitato,
abacômite,
abacondado, abaconde, abacote, abactínea, abacto, abactor, abáculo,
abacutaia, abada, abadá, aba-de-estrela, abadágio, abadalassa, abadão, abadavina,
abade, abadejo,
abadengo, abadense, abadema, abadessa, abadessado,
abadia e
abadianense; zoose, zoosporângio, zoosporangióforo, zoospório, zoósporo,
zootaxia, zootaxonomia, zootaxonomista,
zootecnia,
zootécnico, zootecnista, zooterapêutica,
zooterapia,
zootomia, zootomista, zootoxina, zootropia, zootrópio, zooxantela, zopeiro,
zopo, zoráptero, zorate,
zoratealô,
zoratelô, zori, zoro, zoró, zorô, zoroastrianismo, zoroastrianista,
zoroastrismo,
zoroastrista,
zorongo,
zorra,
zorraque, zorreiro,
zorrilho,
zorro, zorzico, zoster,
zóster,
zostera, zosterácea, zosteropídeo, zote, zoteca,
zotismo,
zoura, zuanginza
zuarte, zuavo, zuca, zulo,
zulu, zum,
zumbaia, zumbaiero,
zumbi,
zumbido,
zumbidor,
zumbo, zunda,
zunga,
zunge, zungu,
zunhi, zuni,
zuniada, zunideira,
zunido,
zunidor, zunimento, zuninga,
zunja,
zunzum,
zunzunzum,
zupador,
zura, zuraco,
zuranti,
zuraque,
zureta, zurina,
zuriquenho, zuriquense, zurna, zurrada,
zurrador,
zurrapa, zurraria,
zurro,
zuruarrã, zurzidela, zurzidura, zuzá, zuzuto, zwieback, zwinglianismo,
zwingliano, zwitteríon, z-zero, zzz.
A
EXPRESSÃO DO
GÊNERO
NOS
SUBSTANTIVOS
Depois de
lembrar
que Mattoso
Câmara Jr. (1985:88)
informa
que “na
realidade o
gênero é uma
distribuição
em
classes
mórficas”
que “serve
freqüentemente
para
em
oposição
entre
si
distinguir os
seres
por
certas
qualidades
semânticas” e
o
sexo
entre
animais e
pessoas, José
Mário esclarece:
Quanto aos
adjetivos, o
gênero é
propriedade
gramatical
que tem o
objetivo de
concordar
com o
núcleo
substantivo a
que se refere,
constituindo verdadeiramente o
fenômeno da
flexão de
gênero –
gênero
gramatical.
(...)
Aliás, os
adjetivos
não têm
gênero
propriamente
dito;
eles se
apresentam numa
forma
genérica de
masculino e,
no
contexto
em
que
são
empregados
pelos
usuários da
língua, tomam
a
forma de
feminino,
com o
morfema de
gênero “-a”,
sob a
regra de
congruência,
ou mantêm-se
invariáveis.
Ou seja,
todos os
adjetivos
são,
em
potencial,
flexionáveis
em
gênero: os
biformes apresentam uma
forma de
feminino
com o
acréscimo do
morfema de
gênero “-a” (com
a
queda
ou
não da
vogal
átona
final) e os
uniformes, uma
única
forma
para os
dois
gêneros. (...)
Assim, a
variação de
gênero dos
adjetivos e a
dos
substantivos
constituem
fenômenos
distintos.
Naqueles trata-se de
um
processo
gramatical,
obrigatório e
fechado,
enquanto
que nestes,
um
processo
lexical,
não-obrigatório e
aberto.
Em outras
palavras, o
adjetivo
não apresenta
gênero,
mas torna-se
masculino
ou
feminino,
concordando
com o
substantivo a
que se refere;
o
substantivo,
não
obstante, é
ou
masculino
ou
feminino...
(BOTELHO, 2004)
E,
pouco
adiante, no
mesmo
artigo,
acrescenta, na
argumentação
para
distinguir os
nomes
em
substantivos e
adjetivos:
Como
adjetivos,
flexionam-se
normalmente de
acordo
com o
gênero do
núcleo
substantivo a
que se
referem,
por
imposição
gramatical,
já
que o
processo de
flexão de
gênero é uma
característica do
adjetivo.
Isto é,
quando usamos
um
adjetivo,
não podemos
escolher
seu
gênero; será
feminino
ou
masculino, se
for biforme, de
acordo
com o
gênero do
núcleo
substantivo a
que se
liga,
ou ficará
invariável, se
for
uniforme.
....................................................................................................
Nos
substantivos,
considerando a
categoria de
gênero, faz-se
uma classificação
arbitrária e
convencional,
e há
mais de uma
maneira de
reunir
todos os
substantivos
do
português no
seu
quadro de
gêneros: a
analogia
formal, a
analogia
conceptual
(incluindo algumas
metáforas) e a
ampliação do
gênero num
dado
contexto,
cuja
escolha é
semanticamente motivada.
Logo, no
tratamento do
gênero,
não se deve
partir de uma
noção
precisa e
bem
definida,
apesar de
sua
importância,
pois nenhuma
noção reúne
em
si
condições
para uma
eficiente
descrição
gramatical de
gênero.
O
mesmo
gramático
(BECHARA, 1999: 131)
ainda lembra
que “Todo
substantivo
está dotado de
gênero,
que, no
português, se distribui
entre o
grupo do
masculino
e o
grupo do
feminino”.
Mas,
logo no
início da
página
seguinte dá
uma
informação
nova e
revolucionária
entre os
mais
conhecidos
gramáticos
brasileiros: “Só
que esta
determinação
genérica
não se
manifesta no
substantivo da
mesma
maneira
que está
representada no
adjetivo
ou no
pronome,
por
exemplo,
isto é,
pelo
processo de
flexão”.
Continuarei transcrevendo a
Gramática do
Bechara,
que,
além de
ser
autoridade respeitada
entre os
filólogos,
lingüistas e
gramáticos de
todo
mundo
ocidental,
teve a
coragem de
enfrentar os
tradicionalistas
para
desmascarar essa
farsa de
flexão de
gênero dos
substantivos
(BECHARA, 1999: 132-134):
Apesar de
haver
substantivos
em
que
aparentemente
se manifeste a
distinção
genérica
pela
flexão (menino
/
menina,
mestre
/ mestra,
gato
/
gata),
a
verdade é
que a
inclusão num
ou noutro
gênero depende
direta e
essencialmente
da
classe
léxica dos
substantivos
e,
como diz
Herculano de
Carvalho, “não
é o
fato de
em
português existirem duas
palavras
diferentes –
homem
/
mulher,
pai
/
mãe,
boi
/
vaca,
e
ainda
filho
/
filha,
lobo
/
loba
(das
quais estas
não
são
formas de uma
flexão,
mas
palavras
diferentes
tanto
como
aquelas) –
para
significar o
indivíduo
macho e o
indivíduo
fêmea
(duas
espécies do
mesmo “gênero”,
em
sentido
lógico)
que permite
afirmar a
existência das
classes do
masculino e do
feminino,
mas,
sim, o
fato de o
adjetivo, o
artigo, o
pronome, etc.,
se apresentarem
sob duas
formas
diversas exigidas
respectivamente
por
cada
um dos
termos de
aqueles
pares
opostos –, “este
homem
velho” / “esta
mulher
velha”, “o
filho
mais
novo” / “a
filha
mais
nova” –,
formas
que de
fato
constituem uma
flexão. (CARVALHO,
[s/d.]a: v. 9, s.v.
gênero)
A
aproximação da
função
cumulativa
derivativa de
–a
como
atualizador
léxico e
morfema
categorial se
manifesta
tanto
em
barca
de
barco,
saca
de
saco,
fruta
de
fruto,
mata
de
mato,
ribeira
de
ribeiro,
etc.,
quanto
em
gata
de
gato,
porque dá “ao
tema de
que entra a
fazer
parte a
capacidade de
significar uma
classe
distinta de
objetos,
que
em
geral
constituem uma
espécie de
gênero
designado
pelo
tema
primário” (CARVALHO,
[s/d.]b: 536 n. 38; [s/d.]c: 21). É
pacífica
mesmo
entre os
que admitem o
processo de
flexão
em
barco →
barca
e
lobo
→
loba,
a
informação de
que a
oposição
masculino –
feminino faz
alusão a
outros
aspectos da
realidade,
diferentes da
diversidade de
sexo, e serve
para
distinguir os
objetos
substantivos
por
certas
qualidades
semânticas,
pelas
quais o
masculino é
uma
forma
geral,
não-marcada semanticamente,
enquanto o
feminino
expressa uma
especialização
qualquer:
barco /
barca
(=
barco
grande)
jarro /
jarra (um
tipo
especial de
jarro)
lobo
/
loba
(fêmea
do
animal chamado
lobo)
Esta
aplicação
semântica faz
dos
pares
barco /
barca
e restantes da
série
acima
não serem
consideradas primariamente
formas de uma
flexão,
mas
palavras
diferentes
marcadas
pelo
processo de
derivação.
Esta
função
semântica está
fora do
domínio da
flexão. A
analogia
material da
flexão de
gênero do
adjetivo é
que levou o
gramático a
pôr no
mesmo
plano
belo
/
bela
e
menino
/
menina.
Este
fato explica
por
que na
manifestação
do
gênero no
substantivo,
entre
outros
processos,
existe a
indicação
por
meio de
sufixo
nominal:
conde
/
condessa,
galo /
galinha,
ator /
atriz,
embaixador
/
embaixatriz,
etc.
Sem
ser
função
precípua da
morfologia do
substantivo, a
diferença do
sexo
nos
seres
animados pode
manifestar-se
ou
não
com
diferenças
formais neles.
Esta
manifestação
se realiza
ou
pela
mudança de
sufixo (como
em
menino
/
menina,
gato
/
gata) –
é a
moção
–,
ou
pelo
recurso a
palavras
diferentes
que apontam
para
cada
um dos
sexos – é a
heteronímia
(homem
/
mulher,
boi
/
vaca).
Na
primeira
série de
pares,
como
já vimos na
lição de
Herculano de
Carvalho,
não temos
formas de uma
flexão,
mas, nelas,
como na
segunda
série de
pares, estamos
diante de
palavras
diferentes.
Quando
não ocorre
nenhum destes
dois
tipos de
manifestação
formal,
ou o
substantivo,
com o
seu
gênero
gramatical, se
mostra
indiferente à
designação do
sexo (a
criança,
a
pessoa, o
cônjuge,
a
formiga,
o
tatu)
ou,
ainda
indiferente
pela
forma, se acompanha de
adjuntos (artigos,
adjetivos,
pronomes
ou
numerais)
com
moção de
gênero
para
indicar o
sexo (o
artista,
a
artista,
bom
estudante,
boa
estudante).
Inconsistência
do
gênero
gramatical
A
distinção do
gênero
nos
substantivos
não tem
fundamentos
racionais,
exceto a
tradição
fixada
pelo
uso e
pela
norma;
nada justifica
serem,
em
português,
masculinos
lápis,
papel
e
tinteiro
e
femininos
caneta,
folha
e
tinta.
A
inconsistência do
gênero
gramatical
fica
patente
quando se
compara a
distribuição
de
gênero
em duas
ou
mais
línguas, e
até no
âmbito de uma
mesma
língua
histórica na
sua
diversidade
temporal,
regional,
social e
estilística.
Assim é
que
para
nós o
sol
é
masculino e
para os
alemães é
feminino
die Sonne, a
lua
é
feminino e
para
eles
masculino
das Mond;
enquanto o
português
mulher
é
feminino,
em
alemão é
neutro
das Weib.
Sal
e
leite
são
masculinos
em
português e
femininos
em
espanhol:
la
sal
e la leche.
Sangue
é
masculino
em
português e
francês e
feminino
em
espanhol:
le sang (fr.) e la sangre (esp.).
Mesmo
nos
seres
animados, as
formas de
masculino
ou do
feminino podem
não
determinar a
diversidade de
sexo,
como ocorre
com os
substantivos
chamados
epicenos
(aplicados a
animais
irracionais),
cuja
função
semântica é
só
apontar
para a
espécie:
a
cobra,
a
lebre,
a
formiga
ou
o
tatu,
o
colibri,
o
jacaré,
ou os
substantivos
aplicados a
pessoas,
denominados
comuns
de
dois,
distinguidos
pela
concordância:
o / a
estudante,
este
/ esta
consorte,
reconhecido / reconhecida
mártir,
ou
ainda os
substantivos
de
um
só
gênero
denominados sobrecomuns, aplicados a
pessoas,
cuja
referência a
homem
ou a
mulher
só se
depreende
pela
referência
anafórica do
contexto:
o
algoz,
o
carrasco,
o
cônjuge.
A
mudança
de
gênero
Aproximações
semânticas
entre
palavras (sinônimos,
antônimos), a
influência de
terminação, o
contexto
léxico
em
que a
palavra
funciona, e a
própria
fantasia
que
moldura o
universo do
falante,
tudo
isto
representa
alguns dos
fatores
que determinam
a
mudança do
gênero
gramatical dos
substantivos.
Na
variedade
temporal da
língua, do
português
antigo ao
contemporâneo,
muitos
substantivos
passaram a
ter
gêneros
diferentes,
alguns
sem
deixar
vestígios,
outros
como
mar,
hoje
masculino,
onde o
antigo
gênero
continua
presente
em
preamar
(prea =
plena,
cheia)
e
baixa-mar.
Já foram
femininos
fim,
planeta,
cometa,
mapa,
tigre,
fantasma,
entre
muitos
outros;
já foram
usados
como
masculinos:
árvore,
tribo,
catástrofe,
hipérbole,
linguagem,
linhagem (SAID
ALI, [1931]:
I, 65-70; DOMINGUES, 1932).
Voltando à
argumentação
contrária a
nossa
hipótese,
transcrevo o
tópico “Desinência
de
gênero
ou
sufixo?”, do
Professor José Lemos
Monteiro (2002: 87-87), ao
qual farei
alguns
comentários
em
notas de
pé de
página:
Alguns
autores
entendem
que o morfe
[a],
marcador do
gênero
feminino, se
alista
entre os
sufixos
derivacionais,
quando o
vocábulo for
um
substantivo.
Nessa
linha, Bechara
(1999) parece
defender a
idéia de
que inexiste o
processo flexional na
distinção
entre os
gêneros dos
substantivos.
E Azeredo (2000), acatando a
mesma
opinião,
afirma
que a
análise do
gênero
como
flexão,
embora
muito
difundida e consolidada,
precisa de uma
reformulação. A
rigor,
segundo
tais
estudiosos,
em
lobo
–
loba
tem-se uma
derivação,
desde
que as
formas do
masculino e do
feminino
expressam significações
inerentes
diversas.
É
evidente
que, sendo a
hipótese
difundida
por
nomes
consagrados
como os de
Bechara e Azeredo,
não é
para
ser desprezada
sem uma
reflexão
mais acurada.
A
favor dela há,
entre
outros, o
argumento de
que o morfe
[a]
não se aplica
sistematicamente a
todos os
substantivos.
Mas
esse
mesmo
argumento
poderia
valer,
por
exemplo,
para os chamados
adjetivos
uniformes (doente,
simples
etc.).
Desse
modo, o
grande
problema
para a
aceitação da
proposta
reside no
fato de
que,
morficamente, o
adjetivo tem
sob
esse
aspecto o
mesmo
comportamento
do
substantivo.
Como se pode
entender
que
ambos
são
nomes,
apenas
diversificados
quanto à
função,
afirmar
que ocorre
flexão,
quando se
trata de
adjetivo, e
derivação,
quando o
nome é
substantivo,
termina descaracterizando a
flexão e a
derivação
como
processos
morfológicos. Se a
coerência e a
simplicidade
são os
princípios
que devem
nortear uma boa
descrição,
parece
que
tais
princípios
deixam de
ser
levados
em
conta, ao se
admitir
que o [a],
embora seja
desinência de
gênero
nos
adjetivos, é
sufixo
derivacional
nos
substantivos.
Além disso, há
outros
fatos
complicadores.
Conforme
explica Azeredo (2000: 111),
em
vocábulos
que
são
potencialmente
substantivos e
adjetivos (faxineiro,
embaixador,
sabichão
etc.) “existem
contrapartes
femininas
regularmente
formadas
por
flexão”.
Ora, a
nosso
ver, insistimos
mais uma
vez,
substantivos e
adjetivos
não
são
classes de
palavras,
mas
funções (Cf. o
capítulo
final “Classes
e
funções”),
sendo
pouco
provável
encontrar-s
um
critério
capaz de
predizer
quando
um
nome funciona
exclusivamente
como
adjetivo
ou
como
substantivo.
Os
que se
caracterizam
preferencialmente
como
substantivos (inteligência,
beleza
etc.)
em
geral
não admitem
oposição de
gênero,
caso
em
que o [a]
final, se
presente,
não é
desinência
nem
muito
menos
sufixo
derivacional.
Por
outro
lado, se
entendermos
que
em
pares do
tipo
coelho
e
coelha
não se tem a
mesma
palavra,
porém duas
palavras
distintas, o
que
dizer dos
pronomes
ou
numerais
que admitem a
oposição de
gênero? Os
femininos
ela,
toda,
aquela, duas etc. seriam
também
palavras
distintas dos
substantivos
correspondentes?
Por essas
razões, parece
prudente
manter nesse
ponto a
tradição
gramatical
que considera
a
marca mórfica
de
gênero
como
um
mecanismo flexional.
Mas o
assunto
continua polêmico e merece
novos
estudos.
Depois de
esclarecer os
fundamentos
das
formas
que
nos dão a
ilusão de
flexão de
gênero dos
nomes
que
são “potencialmente
substantivos e
adjetivos”, o
Professor José Carlos
Azeredo (2000:111-2):
Em
todos os
demais
casos
em
que à
distinção de
gêneros
não
corresponde uma
distinção
sistemática de
significados,
como a
oposição “macho
/
fêmea”, os
substantivos,
embora
formados
com
base no
mesmo
radical,
apresentam
relações de
significado
bastante
variáveis
ou
mesmo de
sistematização
impossível.
Esses
pares de
substantivos
podem
ser distribuídos
em
dois
grupos:
Grupo
A:
nomes
que diferem no
gênero e na
forma:
balanço
/
balança,
barco /
barca,
barraco
/
barraca,
bicho
/
bicha,
bolso
/
bolsa,
braço
/
braça,
caneco
/
caneca,
cerco
/
cerca,
cesto
/
cesta,
cinto
/
cinta,
cunho
/
cunha,
encosto
/
encosta,
espinho
/
espinha,
fosso
/
fossa,
fruto
/
fruta,
grito /
grita,
horto
/
horta,
jarro /
jarra,
lenho
/
lenha,
madeiro
/
madeira,
palmo
/
palma,
poço
/
poça,
ramo
/
rama,
saco
/
saca,
veio
/
veia.
Grupo
B:
nomes
homônimos de
gênero
diverso:
o
cabeça
/ a
cabeça,
o
guarda
/ a
guarda,
o
caixa / a
caixa, o
lente
/ a
lente,
o
moral
/ a
moral,
o
rádio
/ a
rádio,
o
capital
/ a
capital,
o
rosa
(cor)
/ a
rosa
(flor),
o
cinza
/ a
cinza,
o
violeta
/ a
violeta,
o
guia
/ a
guia.
A IMPRODUTIVIDADE DO
CONCEITO DE
GÊNERO
NA
DESCRIÇÃO
LINGÜÍSTICA
Como
nos lembra
John W. Martin (2000: 65), indo
um
pouco
além do
que propomos
(SILVA, 1999: 9-27) e do
que propõe
Bechara, “Se
não fosse o
fenômeno da
concordância,
não haveria
por
que
falar
em
gênero
para
descrever adequadamente a
língua”.
O
que
torna
evidente
em
seu
artigo é
que os
substantivos “marcantes”,
que
são os
femininos,
levam os
seus
determinantes
para uma
forma “marcada”. O
que ocorre
quando estão
isolados
ou
em
contextos “puros”.
Em
contextos “impuros”
não há
concordância.
Ex.: Maria é
alta. Maria e
Joana
são
altas. Maria e
Pedro
são
altos.
E conclui o
articulista
(MARTIN, 2000: 68-69):
O
termo “feminino”,
de significação
tão
francamente
polar, faz
sentido
somente
quando
oposto a
seu
contrário, “masculino”,
e
este, vimos
já,
não tem
justificativa
numa
gramática da
língua
portuguesa.
No
lugar de “gênero”,
então, fica o
conceito de
adjetivos
marcados
ou
não marcados.
Os marcados correspondem aos “femininos”
da
gramática
escolar, e
aparecem
somente
quando o
adjetivo está relacionado
a
um
substantivo
marcante. Os
não marcados
aparecem
EM TODAS AS
OUTRAS
CIRCUNSTÂNCIAS,
haja
ou
não
um
substantivo a
eles
relacionado. É
este
último
fato
que determina
que o
assunto
não seja uma
mera
questiúncula
terminológica,
pois as
conclusões
dele decorrentes transformam dum
modo
essencial
nossa
maneira de
encarar a categorização
dos
substantivos e
o
fenômeno da
concordância
adjetiva.
Verdades
milenarmente
estabelecidas
também
são dignas de
revisões,
com
base nas
novas
ciências
que surgem a
cada
momento e,
agora,
com
muito
mais
velocidade do
que acontecia
antes da
globalização
virtual dos
conhecimentos.
CONCLUSÕES
MUITO
PROVISÓRIAS
Poderíamos
concluir esta
exposição
com as
palavras de
José Mário Botelho, propondo
que
Conceber o
gênero
imanente e
distinguir
sexo (gênero
nocional) de
gênero
gramatical
constituem o
primeiro
passo e o
mais
relevante
para se
negar a
flexão de
gênero dos
substantivos (como
um
fenômeno
sistemático)
ou,
pelo
menos,
para se
verificar a complexidade
do
tema,
já
que
não é a
correspondência
de
sexo, e
sim o
acréscimo da
marca de
gênero (“casa
bela”, “torta
gostosa”),
imposta
pela
estrutura
frasal,
que
cria o
fenômeno
gramatical.
(BOTELHO, 2004)
Pretendemos
alimentar esta
polêmica
para
colher
mais
argumentos
em
busca de
resposta a
tão
antiga
incoerência na
tradição
gramatical a
que Mattoso
Câmara se refere no
seguinte
passo,
em
que reconhece
não
ser
um
trabalho
científico
exatamente
por se
prender ao
pragmatismo
didático-pedagógico, afirmado: “A
gramática, nestas
condições, é
uma
disciplina
descritiva,
cuja
ascensão a
ciência
apenas
dependeria de desvencilhar-se das
considerações
de
ordem
prática e de
apurar o
rigor de
exposição e
método,...” (CÂMARA
JR., 1978: 7)
Nos
Dispersos,
quando o
fato da
inconsistência da
descrição de
gênero se
torna
um
fato
preocupante
entre os
especialistas,
Mattoso
Câmara diz
que “a
primeira
mudança
metodológica, na
descrição
gramatical do
gênero
em
português
em
face do
que se tem
feito
até
hoje [em
1966], é
assim
encará-lo,
exclusivamente,
em
sua
flexão
nominal”. (CÂMARA
JR., 2004: 149,
grifo
nosso).
Pouco
mais
adiante,
apesar de
seu
pioneirismo na
denúncia dessa
dificuldade,
além da
proposta da “primeira
mudança
metodológica”, adianta, de
forma
complementar:
Como,
por
outro
lado,
todos os
substantivos
em
português têm
um
gênero
determinado,
dependente
ou
independente do
contexto, há
que
concluir
que
não é a
flexão do
substantivo,
em
princípio, a
marca
básica do
seu
gênero.
Com
efeito,
quer apareça,
que
não apareça a
flexão,
todo
nome,
em
cada
contexto, será
imperativamente
masculino
ou
feminino.
Assim,
livro,
poeta,
dente
são
exclusivamente
masculinos,
como
são
exclusivamente
femininos
tribo,
rosa,
ponte,
com as mesmas
vogais
finais,
respectivamente.
Da
mesma
sorte,
conforme o
contexto,
são
masculinos
ou
femininos,
sem
mudança de
forma,
artista,
intérprete
ou
mártir.
Essa
situação
gramatical
já
era a da
língua
latina. A
marca do
gênero de
um
substantivo
latino
não estava
nele
em
princípio,
mas no
adjetivo
que podia
funcionar
como
seu
modificador:... (CÂMARA
JR., 2004: 151).
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ALONSO,
Amado & UREÑA,
P. H.
Gramática
castellana. 14ª ed. Buenos Aires: Losada, 1957.
AZEREDO, José Carlos.
Fundamentos
de
gramática do
português.
Rio de
Janeiro: Zahar,
2000.
BASSETTO, Bruno Fregni. As
vertentes
greco-latinas de
nossa
nomenclatura
gramatical.
Cadernos
do CNLF, vol. VII, n° 01.
Rio de
Janeiro:
CiFEFiL, 2003, p. 63.
BECHARA, Evanildo.
Gramática
escolar
da
língua
portuguesa. 1ª ed.
Rio de
Janeiro:
Lucerna, 2001.
––––––.
Lições
de
português
pela
análise
sintática.
16 ed. rev. e ampl.
com
exercícios
resolvidos.
Rio de
Janeiro:
Lucerna, 2000.
––––––.
Moderna
gramática
portuguesa. 37ª ed. rev. e ampl.
Rio de
Janeiro:
Lucerna, 1999.
–––––– et alii (Org.).
Na
ponta
da
língua.
Rio de
Janeiro:
Lucerna, 2002,
vol. 4.
BOTELHO, José Mário. O
gênero do
substantivo
em
português. In:
SILVA, José
Pereira da.
(Org.). A
questão
polêmica
da
flexão
de
gênero
(alguns
textos
básicos
para
sua
discussão). 2ª ed.
Rio de
Janeiro: 2004
[no
prelo].
CÂMARA JR., J. Mattoso.
Contribuição
à
estilística
portuguesa. 3ª ed. rev.
Coleção “Lingüística
e
Filologia”,
coordenada
por Carlos
Eduardo
Falcão Uchôa.
Rio de
Janeiro: Ao
Livro
Técnico, 1978.
––––––.
Estrutura
da
língua
portuguesa. 3ª ed. Petrópolis:
Vozes, 1972.
CARVALHO, J.
C. Herculano de.
Enciclopédia
luso-brasileira
de
cultura.
Lisboa:
Verbo,
[s/d.]a.
––––––.
Teoria
da
linguagem.
II. Coimbra: Coimbra, [s/d.]b.
––––––.
Estudos
lingüísticos.
vol. III. Coimbra: Coimbra, [s/d.]c.
DOMINGUES,
Conde
Pinheiro.
Variação de
gênero
em
português.
In
Revista
de
cultura.
Petrópolis:
Vozes, 1932.
HOUAISS, Antônio.
Dicionário
eletrônico
houaiss da
língua
portuguesa.
Rio de
Janeiro:
Objetiva,
2001.
LOPES, Carlos Alberto Gonçalves.
Lições
de
morfologia
da
língua
portuguesa. Jacobina: Tipó-Carimbos, 2003.
MACEDO, Walmírio.
Gramática da
língua
portuguesa.
Rio de
Janeiro:
Presença, 1991.
MARTIN, John W.
Gênero?
Revista
Philologus,
ano 6, n° 16.
Rio de
Janeiro:
CiFEFiL, jan./abr. 2000, p. 65-69.
MATHEWS, P. H. Morphology:
An Introduction to the Theory of Word-structure. Cambridge? Cambridge -
UP, 1974.
MONTEIRO, José Lemos.
Morfologia
portuguesa. 4ª ed. rev. e ampl.
Campinas:
Pontes, 2002.
RIBEIRO,
Manoel P.
Nova
gramática
aplicada da
língua
portuguesa.
Rio de
Janeiro:
Metáfora,
2002. [Já
está na 14ª
edição].
SAID
ALI, Manuel.
Gramática
histórica
da
língua
portuguesa. 2ª ed.
São Paulo:
Melhoramentos, s/d. [1931].
SILVA, José
Pereira da. A
inexistência
da
flexão de
gênero
nos
substantivos
da
língua
portuguesa.
Letras
em
foco.
Anais da II
Semana de
Letras e da VI
Semana de
Lingüística e
Filologia.
Tomo I:
Língua,
Lingüística e
Filologia.
São Gonçalo:
DEL(UERJ) / CiFEFiL, 2000, p. 9-27.
––––––. (Org.). A
questão
polêmica
da
flexão
de
gênero
(alguns
textos
básicos
para
sua
discussão).
Rio de
Janeiro: 2004
[2ª ed. no
prelo].
Carlos Alberto Gonçalves Lopes,
sócio
correspondente
da ABF
pelo
Estado
da Bahia,
em
seu
livro
Lições
de
Morfologia
de
Língua
Portuguesa,
apresenta-nos, sinteticamente essas
diferenças
relativas à
expressão
do
gênero
nos
substantivos
e
adjetivos,
nos
seguintes
termos
(LOPES, 2003: 76-77):
a)
Nos
substantivos,
que
são
predominantemente
uniformes,
o
gênero
é uma
categoria
implícita
(não-marcada) inserida na
estrutura
profunda
do
enunciado,
enquanto
que
nos
adjetivos,
o
gênero
é
normalmente
uma
categoria
inserida na
estrutura
superficial
do
enunciado.
b)
Nos
substantivos
o
gênero
não
é
dependente,
como
é o
caso
de
clima,
enquanto
que
nos
adjetivos
ele
é
dependente
do
gênero
do
substantivo
com
o
qual
se relaciona e concorda,
como
é o
caso
de
clima
horroroso
e
cidade
horrorosa,
em
que
o
adjetivo
horroroso
assume o
gênero
dos
substantivos
clima
(masc.)
e
cidade
(fem.).
c)
Nos
substantivos
biformes,
que
são
a
minoria,
o
gênero
vem
internamente
marcado
por
derivação
(tio
/
tia)
ou
heteronímia
(bode
/
cabra),
enquanto
que
nos
adjetivos
biformes o
gênero
vem marcado
por
flexão
(feio
/
feia).
d) No
substantivo
o
gênero
tem
força
semântica
suficiente
para
modificar
a
referência
(professor
/ professora) e
até
para
criar
oposições
metassêmicas
(o
capital
=
dinheiro
x a
capital
=
cidade
principal)
ou
derivações
metassêmicas
(o
calçado
=
sapato
→ a
calçada
=
passeio),
enquanto
que
no
adjetivo
o
gênero
não
tem
força
semântica
nem
modifica a
referência,
pois
designa
sempre
a
mesma
qualidade
sem
acrescentar
nada,
semanticamente falando (menino
formoso
→
menina
formosa).
e) No
substantivo
o
gênero
é
um
traço
lexical,
razão
pela
qual
costuma
vir
explicitado
por
um
determinante
flexionado na
maioria
dos
casos
(o
grama),
enquanto
que
no
adjetivo
é
um
traço
gramatical.
a)
Confundir
gênero
gramatical
com
gênero
biológico ao se
dizer
que
o
gênero
é a
propriedade
que
tem o
nome
de
representar
o
sexo
real
ou
convencional
dos
seres.
Tal
equívoco
se explica
por
não
se
ter
percebido
que
o
sexo
é
um
conceito
biológico e
que
à
gramática
interessa
apenas
o
gênero
gramatical,
que
não
se define
por
características
semânticas
mas
formais,
razão
pela
qual
as
correspondências
nem
sempre
ocorrem, a
exemplo
de mulherão,
um
vocábulo
no
masculino
gramaticalmente
falando,
mas
que
se refere a
um
ser
do
sexo
feminino.
b)
Confundir
flexão
com
heteronímia
ao
dizer
que
nomes
de
pessoas
e
animais
se submetem à
flexão
de
gênero,
de
modo
que
mulher
é o
feminino
de
homem,
por
exemplo.
Só
que
homem
é
substantivo
masculino
e
mulher
é
substantivo
feminino,
ambos
uniformes,
com
gênero
único,
sem
admitir
variação.
c)
Confundir
flexão
com
derivação
ao
apontar
diaconisa
como
feminino
de
diácono,
por
faltar
a
percepção
de
que,
gramaticalmente
falando,
tanto
diácono
quanto
diaconisa
são
substantivos
uniformes,
podendo-se
dizer
que
o
mesmo
em
relação
a imperatriz.
Portanto,
diaconisa é
feminino
de
diácono
sob
o
ponto
de
vista
do
gênero
biológico
mas
não
gramatical.
d)
Confundir
a
terminação
-o e -a dos
substantivos
com
as
desinências
de
gênero
masculino
e
feminino
respectivamente.
Não
é
correto
dizer
que
os
substantivos
em
-o estão no
masculino
e os
em
-a no
feminino,
não
só
por
não
ser
consensual
que
tais
terminações
sejam de
fato
desinências
como
também
por
haver
situações
inversas,
com
muitos
nomes
terminados
em
-a no
masculino,
tais
como
(o)
clima,
(o)
delta,
(o)
patriarca,
(o)
samba,
(o)
telefonema
etc., e
alguns
nomes
terminados
em
-o no
feminino,
como
é o
caso
de (a)
tribo.
e)
Confundir
determinação
sintática
com
flexão
ao se
dizer
que
o
feminino
de
tatu
é
tatu
fêmea,
quando
na
realidade
não
cabe
para
o
substantivo
dito
epiceno,
referente
a
certos
animais,
se
falar
numa
distinção
de
gênero
gramatical
expressa
pelos
vocábulos
macho
e
fêmea,
porque
o
gênero
de
tatu
não
muda,
com
a
indicação
do
sexo
do
animal.
Portanto,
em
tatu
fêmea,
tatu
continua no
masculino,
sem
que
o
adjetivo
determinante
fêmea
altere o
gênero
gramatical
do
substantivo
determinado
(tatu).
f)
Confundir
a
manifestação
de
gênero
no
substantivo
com
a
manifestação
de
gênero
no
adjetivo
ao se
afirmar
que
o
substantivo
se flexiona
em
gênero,
quando
a
realidade
é
que
a esmagadora
maioria
dos
substantivos
é
uniforme,
e
mesmo
em
relação
aos
poucos
casos
para
os
quais
comumente se admite
haver
flexão,
como
é o
caso
de
lobo
/
loba,
já
há
quem
defenda a
tese
de
ser
a
vogal
-a
não
propriamente uma
desinência
de
gênero,
mas
um
sufixo
derivacional.
O
Professor
José Mário Botelho,
em
seu
artigo
“O
gênero
dos
substantivos
no
Português”,
cita o filólogo
Amado
Alonso, lembrando
que
a
explicação
sexual
do
gênero
gramatical
não
está justificada historicamente.
Segundo
aquele
filólogo, a
dupla
forma
de
alguns
poucos
nomes
de
animais
(cervo
e
cerva,
galo
e
galinha)
é
muito
pouco
antiga,
pois
não
existia no
latim
arcaico
de
quatro
séculos
antes
de
Cristo,
visto
que,
até
então,
esses
nomes
eram
sempre
masculinos.
(Cf. ALONSO, 1957: 63,
apud
BOTELHO,
2004)
................................................................................................................................................................... |
Copyright © Círculo Fluminense
de Estudos Filológicos e
Lingüísticos |