MORFOLOGIA
NO
ESTUDO
E NO
ENSINO
DE
PORTUGUÊS
Horácio França Rolim de Freitas
(UERJ)
Nos
estudos de
Morfologia,
dois
objetivos
norteiam o
professor e o
especialista:
primeiro, a atualização
dos
fatos
gramaticais
que permitirá
um
novo
enfoque
interpretativo,
desenvolvido
sob
um
ponto de
vista
epistemológico;
segundo, a
possibilidade de simplificação, visando à
economia da
língua e ao
aprendizado do
estudante.
Em
face destes
objetivos,
duas
exigências se
impõem: a
constância na
pesquisa e o
uso adequado
dos
termos
técnicos
empregados na
descrição dos
fatos de
língua.
É o
que
nos cumpre
fazer,
inicialmente,
caracterizando o
termo
morfologia.
Destacamos
três
especialistas
para conceituá-lo.
Segundo E.
Nida,
um dos
mais renomados
nomes
estrangeiros,
"A
morfologia
estuda os
morfemas e
seus
encontros na
formação de
palavras".
Para Olmar Guterres da
Silveira,
outro
eminente
especialista
dentre os
brasileiros,
"a
morfologia é o
estudo dos
elementos
formais
constitutivos do
vocábulo" e,
para Mattoso
Câmara,
que
dispensa
adjetivos, "a
morfologia
estuda os
morfemas e os
processos de
estruturação do
sintagma
lexical" (i.
é.
morfemas e
processos de
formação de
palavras) .
Vê-se,
portanto,
que
não cabe à
morfologia o
estudo das
classes de
palavras
como enuncia a
NGB. Mattoso
Câmara
em
seu
Dicionário de
Filologia
e
Gramática
assim
ensina: "Espécies
de
Vocábulos:
estudo das
classes de
palavras e
suas
categorias
gramaticais."
É
comum
dividir-se a
morfologia
em
dois
campos:
morfologia
flexional -
estudo das
flexões - e
morfologia
derivacional -
estudo da
formação de
palavras.
Quanto à
técnica de
análise, temos
a
análise
mórfica
ou
análise
morfêmica. Estas
denominações
são formadas à
base de
morfema
que,
em
geral, é
definido
como
unidade
mínima
significativa,
embora
nem
sempre os
autores
apliquem, adequadamente,
tal
conceito,
quando olvidam
o
traço
significativo.
CRITÉRIO
LINGÜÍSTICO
ADOTADO
PELO
PROFESSOR
Dependendo do
critério
lingüístico,
as
análises
mórficas
serão
diferentes.
Por
exemplo, se
for aplicado o
critério
mecanicista, de Bloomfield, falar-se-á
em
prefixação na
palavra
receber, uma
vez
que bastará a
comutação
entre
receber
e
perceber
para
marcar o
processo de
derivação.
Contudo, num
critério
semântico-funcional, estas
palavras
receber e
perceber constituem
radicais
simples,
não se levando
em
conta a
primeira
sílaba re-
ou per-,
como
prefixo,
visto
que a
parte
seguinte -ceber
não tem
existência
livre na
língua,
não existindo,
portanto, o
processo de
derivação.
É
oportuno
lembrar a
lição de
grandes
mestres
que
não dissociam
a significação e
função da
forma.
Saussure: "Formas
e
funções
são solidárias
e é
difícil,
para
não
dizer
impossível,
separá-las."
A
primeira
função do
estruturalismo,
ainda
segundo
Saussure: "é
estabelecer o
signo
como
elemento de
união
entre
significante e
significado
ou da
expressão e
conteúdo."
Mattoso
Câmara: "A
análise
mórfica está inelutavelmente
ligada aos
valores
significativos
e
funcionais."
Daí o
eminente
lingüista B. Pottier
ter
definido
língua
como "um
funcionamento
de
formas
portadoras de
substância
semântica:
forma e
substância
semântica
são
aspectos
inseparáveis"
(Lingüística
Moderna
y Filología Hispánica, p. 165).
Assim Pottier
define o
morfema: "Elemento
mínimo
distintivo
portador de
substância
semântica”. (idem,
p. 105)
ATUALIZAÇÃO E
ORIENTAÇÃO
BIBLIOGRÁFICA
O
professor
não pode
prescindir de uma boa
orientação
bibliográfica e
saber
onde
procurar os
fatos de
língua
para
sanar
dúvidas e
adquirir
conhecimentos
sólidos e
atualizados.
Devo
esclarecer
que uma
obra
atualizada
não é,
necessariamente, uma
obra de
publicação
recente. A
seleção deve
ser
feita
em
relação aos
autores . Há
os
bons,
pela
formação
lingüístico-filológica e
pela
autoridade
nos
assuntos; há
os
maus,
copiadores e modernosos,
isto é, os
que alteram e
deturpam os
fatos
para parecerem
inovadores e
atuais. E
ainda há
aqueles
que treslêem e
ensinam errado.
No
campo da
Morfologia,
citarei
alguns
nomes de
bons
autores
porque
são
seguros
nos
assuntos, têm
critério
científico e
suas
lições
são
seguidas
por
décadas.
Dentre os
nacionais,
destacamos:
Said
Ali -
Gramática
Histórica
da
Língua
Portuguesa
José
Oiticica -
Manual
de
Análise
Léxica
e
Sintática
Mattoso
Câmara
Júnior -
História
e
Estrutura
da
Língua
Portuguesa
––––––.
Dispersos
(capítulos
sobre
morfologia
nominal e
verbal)
Olmar Guterres da
Silveira -
Fundamentos
da
Análise
Morfológica
––––––.
Prefixos
e Não-Prefixos Portugueses
––––––.
Análise
de
Alguns
Regressivos
Evanildo Bechara -
Moderna
Gramática
Portuguesa (cap.
Estrutura da
Palavra:
análise
mórfica e cap.
Formação de
Palavras)
Walmírio Macedo -
Elementos
para uma
Estrutura
da
Língua
Portuguesa
José Lemos Monteiro
-
Morfologia
Portuguesa.
Horácio Rolim de Freitas -
Princípios
de
Morfologia
Dentre os
estrangeiros,
destacamos:
B. Pottier -
Presentación de la
Lingüística, Acalá,
1968
A. Martinet -
Elementos
de
Lingüística
Geral
Frédéric François -
La Descripción
Lingüística
Eugene Nida - Morphology - The Descriptive
Analysis of Words
Potter, Simeon -
Modern Linguistics
Louis Guilbert - La
Créativité Lexicale
Matthews , P.H. Morphology
(An introductione to the theory of word-structure)
Laurie Bauer - English
Word-formation.
ELEMENTOS
CONSTITUTIVOS DO
VOCÁBULO MÓRFICO
Dos
elementos
constitutivos do
vocábulo mórfico,
destaquemos,
para
exemplo, os
afixos:
prefixo,
sufixo,
infixo e
circunfixo. Os
dois
primeiros
são de
uso
pertinente na
língua
portuguesa.
Quanto ao
infixo,
autores há
que o vêem
em
vocábulos
como:
café + z
+ al;
chuva + r
+ ada;
café + t
+
eira;
bambu + z
+ al, denominando os
elementos
z, r, t de
infixos. Terão
estes
elementos
alguma
função, alguma
especificação
significativa?
Não.
Não apresentam
tais
traços,
logo,
não sendo
pertinentes,
não
são
infixos.
Lembro a
lição de
Mattoso
Câmara: "Só
devem
ser considerados na
análise
mórfica os
elementos
significativos
e
funcionais."
No
latim,
como
em outras
línguas, há
infixo.
O
elemento
nasal / n
/
em
vinco (presente
do
verbo
vincěre) distingue-se do
perfeito
vici,
onde
não aparece o
infixo. É
clara a
distinção
entre
vincimus e vicimus.
Mas
esses
elementos
em
cafezal, chuvarada,
cafeteira,
chaleira
e
vogais
em
camoniano,
gasômetro,
frutífero
etc.
que têm
recebido a
denominação de
consoantes e
vogais de
ligação,
por
não terem
função
específica
ou
significação
própria,
não
são
morfemas.
Não cabem,
portanto, numa
análise
mórfica. Classificá-los
como
elementos de
ligação
constitui-se numa
expressão
vazia,
insignificativa.
Entre
nós, Mattoso
Câmara, propõe uma
análise
coerente
sincrônica, a
análise de
variantes
sufixais, a
saber: -zal (por
-al); -rada (por
-ada); -leira (por
-eira); -iano (por
-ano) etc.
Dentre os
estrangeiros,
citamos Laurie Bauer
que, tomando o
exemplo do
diminutivo da
palavra
animal
em
Português, animalzinho,
descreve o -z
como "um
elemento
que
não constitui
morfema." (p.
26)
MORFOLOGIA
NOMINAL: A
ESTRUTURA DE
GÊNERO
Constatamos
que a NGB,
sob o
título
Flexão
do
substantivo,
distribui o
gênero
em
masculino,
feminino,
epiceno,
comum de
dois e sobrecomum.
Como
encontraremos
flexão de
gênero
em
cobra,
artista e
cônjuge?
Vê-se
ser errôneo o
conceito de
flexão,
além da
mistura
entre
gênero
gramatical e
sexo dos
animais.
Tanto os
nomes
ditos
epicenos,
que designam
animais, têm
um
só
gênero: a
cobra, o
tigre;
como os
sobrecomuns,
que designam
pessoas: o
cônjuge, a
vítima, a
testemunha, o
algoz. Essa
confusão
entre
gênero
gramatical e
sexo do
animal vem do
gramático
latino Donato,
do séc. IV d. C.
Todavia, o
primeiro
gramático da
língua
portuguesa, Fernão de
Oliveira,
1536,
não copia
Donato,
pois distribui os
gêneros
em:
masculino,
feminino,
indeterminado
(isto)
e
comum (maior,
menor).
Também, o
primeiro
gramático
brasileiro de
obra publicada
no Brasil, Antônio da
Costa Duarte,
com o
Compêndio
de
Gramática
Portuguesa, 1829, tem o
cuidado de
não
misturar
gênero
gramatical
com
sexo
animal. "A
nossa
língua tem
somente
dois
gêneros:
masculino e
feminino."
Epicenos
são
aqueles
nomes de
animais
que,
sem
mudar de
gênero,
significam
macho e
fêmea,
como
sabiá,
jacaré, os
quais
são
sempre
masculinos, e
águia,
cobra,
sempre
femininos. Se
quisermos
falar de
macho
ou
fêmea, diremos
o
sabiá
macho, a
cobra
fêmea.
Os
especialistas,
contudo,
divergem na depreensão de
vogal
temática
nominal
e
desinência
de
gênero.
Para o
eminente
lingüista Evanildo
Bechara, havendo comutação,
como
em alun-o./
alun-a,
estes
elementos
-o e -a constituem
morfemas de
gênero:
desinências
nominais.
Não havendo
comutação,
como
em
livro,
casa,
estes
elementos
finais
são
vogais
temáticas.
Para Mattoso
Câmara, os
nomes se
distribuem
em
temáticos e
atemáticos.
Nos
primeiros, o
índice
temático
em
Português é uma das
vogais
a, e, o,
como
em
livro,
tribo,
casa,
poeta,
telefonema,
ponte.
São atemáticos
os terminados
em
consoante
ou
em
vogal
tônica:
mar,
sabiá,
colibri,
tatu.
Observe-se
que as
vogais dos
nomes
temáticos
não coincidem
obrigatoriamente
com a
indicação de
gênero,
como é o
caso
entre (o)
livro, (a)
tribo; (a)
casa, (o)
poeta; (o)
pente, (a)
ponte.
Daí
reconhecer Mattoso
Câmara
que a
marca de
gênero
em
Português se faz
extrinsecamente
através do
artigo,
que foi
denominado
por Galichet
como
marco
de
classe.
Também
nos
nomes de
dois
gêneros
sem
flexão:
pianista,
por
exemplo,
só o
artigo poderá
indicá-lo.
Quando ocorre
flexão,
que
só se efetua
num
pequeno
número de
substantivos,
esta se
processa
pelo
acréscimo do
morfema -a,
desinência de
gênero:
aluno /
aluna;
mestre / mestra.
E a
flexão,
que
não é
generalizada, constitui uma
forma
redundante na
indicação de
gênero.
Pode
também
ocorrer
que,
além da
semelhança de
forma, haja significação
diferente.
Casos
como
barco /
barca,
fruto /
fruta,
bolso /
bolsa etc.
não apresentam
flexão de
gênero
pela
especialização de
sentido. A
significação de
barco
não é a
mesma de
barca.
São
palavras
diferentes no
emprego
frasal.
Logo
sua
análise será
barc-o (rad. + VT o) e barc-a (rad. + VT a).
Não há
desinência de
gênero.
Walmírio Macedo
assim
distribui as
palavras:
Palavras
femininas:
mulher,
casa
Palavras
femininas de outras (flexão):
senhor,
senhora
Palavras de
forma
feminina:
bolsa (em
relação a
bolso)
mas
não
feminino de
bolso.
Logo
sem
flexão. O o
e o a
são
vogais
temáticas,
sem
desinência de
gênero.
A
ESTRUTURA DE
NÚMERO
Além do
acréscimo da
desinência de
plural -s,
deve-se
levar
em
conta as alterações
morfofonêmicas.
Ocorre,
por
exemplo,
que
em muitas
palavras a
vogal
temática no
singular está
latente,
como
em mar-,
em animal-,
mas no
plural está
patente:
mar-e-s, animal-e-s -
animais.
Também
nos
nomes
em -ão,
como
pão,
só no
plural a
vogal
temática está
patente:
pães.
Há
ainda o
caso do
morfema Ø,
como
em
pires,
lápis,
sobre o
qual os
autores
divergem.
Para uns,
como Mattoso
Câmara e E. Nida, o
morfema
zero
caracteriza a
inexistência
de
qualquer
segmento.
Em
Inglês, teremos o
caso de sheep
ou fish,
onde
não há
morfema de
número.
Outros
autores,
como Sílvio
Elia e o Prof. Walmírio Macedo,
só admitem
morfema
zero
quando há
oposição
entre
presença (+) e
ausência (-) ,
como
em
mar (morfema
Ø de
singular) e
mares (morfema
-s de
plural).
Em
palavras
como
pires,
lápis,
para
estes
autores,
não há
morfema
zero,
por serem
amorfemáticas,
isto é,
desprovidas de
morfema de
número.
PARADIGMAS E
FORMAS
SUPLETIVAS
Podemos
dizer
que
paradigma é
um
traço
lingüístico
permanente ao
qual se
associa
um
conjunto de
formas. É ,
portanto,
um
modelo
ou
padrão
geral.
Há,
contudo,
outros
conjuntos
divergentes
desse
modelo
que,
antigamente,
eram chamados de
irregulares.
Na
lingüística
moderna
constituem
padrões
especiais
que recebem o
nome de
formas
supletivas.
O
que
poderia
parecer uma "irregularidade"
em
face do
padrão
geral, da
forma paradigmática,
pode
representar
tendência a
uma uniformização
sob
novo
padrão,
um
padrão
especial.
Mattoso
Câmara
assim definiu
as
formas
supletivas: "Formas
heterônimas
que suprem a
deficiência de
um
paradigma
gramatical."
Creio
que o
termo
deficiência
não é
adequado, uma
vez
que há
casos
em
que consta
mais de uma
forma, sendo uma delas
supletiva. É
exemplo o
particípio
aceito ao
lado do
paradigma
aceitado.
Eu propus a
seguinte
definição:
Forma
que, diferindo
do
padrão
geral, aparece
formando
padrão
especial.
Nos
nomes
encontramos
formas
supletivas
como:
maior,
menor,
melhor,
pior
para o
comparativo de
superioridade ao
lado da
forma paradigmática
que é
analítica:
mais
bom,
mais
pequeno.
Forma paradigmática:
cavaleira /
Forma
supletiva:
amazona.
Forma paradigmática:
elefanta /
Forma
supletiva:
aliá.
Há
verbos
cujo
particípio
só possui a
forma
supletiva:
visto,
feito,
posto,
dito. É
obrigatória
por
ser a
única
existente. Pode
ser
opcional
quando existe
a de
padrão
geral:
eleito e elegido.
As
formas
supletivas
são
formas
rizotônicas
que recebem
uma
vogal
temática
nominal:
feit-o; eleit-o.
MORFOLOGIA
VERBAL
Reconhecimento
das
conjugações
Ver
quadro das
desinências e
sufixos
modo-temporais
PROCESSOS DE
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS
A
composição
(Visão
sincrônica)
Sob
critério
sincrônico
muitos
exemplos
que aparecem
em nossas
gramáticas
não constituem
processo de
composição.
Para
embasamento
deste
critério,
citaremos a
lição de
dois
grandes
mestres e,
depois, a
nossa.
SAID
ALI (Gramática
Histórica
da
Língua
Portuguesa, 3ª ed., S. Paulo, Ed.
Melhoramentos, 1964, p. 260):
Quando se
estuda o
fenômeno da
composição
dentro do
domínio de
certo
idioma,
deve-se
atender
principalmente
ao
que
este
idioma tem
produzido
com
seus
próprios
recursos.
Não servem de
prova
para os
fatos
palavras
compostas pré-existentes à
formação do
dito
idioma.
Pela
criação do
vocábulo
vinagre
não é
responsável a
língua
portuguesa e
este
exemplo
não atestaria
a possibilidade de formarmos
um
novo
vocábulo.
MATTOSO
CÂMARA (Dicionário
-
verbete:
aglutinação):
“A
aglutinação,
como
fato
sincrônico,
só deve
ser
levada
em
conta
quando a
análise
mórfica depreende as
formas
aglutinadas.
Em
caso
contrário,
trata-se,
para a
descrição da
língua, de
vocábulo
primitivo”.
Daí a
minha
explicação e
posição
em
Princípios
de
Morfologia,
4ª ed., p. 48:
Não se pode
falar
em
processo
formador de
composição, se
não houver
junção de
dois
radicais
ou
bases
livres.
Em
aguardente,
planalto,
passatempo
etc. é
possível . O
mesmo
não se dará
em
vinagre,
fidalgo,
agrícola,
vinicultura.
Na
composição é
necessário
que os
elementos
constitutivos sejam
formas
livres
para a
formação de
novo
sintagma.
EXERCÍCIOS (folha)
A
DERIVAÇÃO
PREFIXAL
A
prefixação
faz
parte do
processo de
composição
ou de
derivação?
Há
autores,
inclusive Mattoso
Câmara,
que a incluem
na
Composição.
Diz-nos
Mattoso
Câmara no
verbete
Prefixo
in
Dicionário:
Na
língua
portuguesa, o
prefixo,
que é a
variante
presa das
formas
dependentes
chamadas
preposições,
cria uma
nova
significação
externa
para a
palavra, a
que se
adjunge, e
por
isso se deve
considerar o
processo de
prefixação
como uma
modalidade de
composição
vocabular.
Esse
conceito
que inclui a
prefixação na
composição se
baseia
em duas falsas
premissas:
1ª)
certos
prefixos
correspondem a
formas
independentes,
podendo
ser usados
como
formas
livres,
2ª)
esses
prefixos
provêm de
preposições.
Contra
tais
afirmações
argumenta:
SAID
ALI –
A
divisão
em
derivação
sufixal e prefixal
que
aqui adotamos
coincide
com a
maneira de
ver de
modernos
lingüistas,
contrariando
portanto
aqueles
que excluíam
ou excluem do
conceito de
derivação os
prefixos e
todas as
palavras
formadas
por
prefixos.
Estoutra
doutrina,
plausível à
primeira
vista,
em se tratando
de
partículas
usadas
como
vocábulos
independentes,
tropeça,
contudo, ao
chegar o
momento de
analisar
elementos
formativos do
tipo
dis-, re-, in-
negativo,
e
aqueles
que,
como pre-,
ob-,
já
não usamos
como
palavras
isoladas. É
fácil
afirmar
que dis-,
re-, e o
negativo
in- representam
partículas
inseparáveis
que
são
ou foram
preposições
ou
advérbios.
Equivale
este
argumento a
uma
petição de
princípio.
Nada se sabe
da
existência de
tais
vocábulos
independentes,
nem
em
latim
nem
em
qualquer
outra
língua
indo-européia.
Por
toda a
parte ocorrem
estes
elementos
funcionando
sempre
como
prefixos.
OLMAR
GUTERRES DA
SILVEIRA (Prefixos
e Não-Prefixos Portugueses):
"A
rigor, estamos
convencidos de
que
não existe o
prefixo
como
forma
livre,
mantemos na
língua,
isto
sim,
formas
livres
homônimas de
certos
prefixos."
VISÃO
SINCRÔNICA DA
DERIVAÇÃO
Dentro de
um
critério
sincrônico,
como expusemos
na
obra
Princípios
de
Morfologia,
dois
aspectos devem
ser considerados
para o
processo de
derivação:
1º)
formação
sintagmática,
isto é,
um
elemento
base (radical)
e
um
afixo. O
elemento
base
com
função
autônoma no
léxico;
2º) a
possibilidade de o
segmento,
como
elemento
significativo,
estar à
disposição dos
sujeitos-falantes
para formarem
novos
derivados.
Assim,
em
palavras
como
conduzir,
receber,
reduzir,
perceber etc.
não admitimos
existência de
prefixação.
Trata-se de
palavras
primitivas, podendo
constituir
base de
derivação
para outras
palavras,
como,
por
exemplo: re/conduzir,
re/admitir.
Esta é a
mesma
tese dos
lingüistas do
estruturalismo
semântico-funcional. Citemos
alguns
para
confirmação:
Loius Guilbert:
O
critério
essencial é
que a
criação do
termo seja
motivada
pelo
falante, de
tal
maneira
que
em
seu
espírito
exista a possibilidade de
dissociar o
elemento
afixo do
resto da
palavra, e
que
ele considere
a
substituição
do
afixo
que existe na
palavra
por
outro,
como
um
mecanismo
normal da
língua. (La
créativité lexicale, Paris, Librairie Larousse, 1975, p. 154)
Olmar Guterres da
Silveira:
"Só
aceitamos na
língua
sincronicamente descrita os
prefixos
que se possam
considerar
membros de
sintagma
lexical” (Prefixos
e Não-Prefixos Portugueses)
REDUNDÂNCIA
PREFIXAL
Na
formação
popular é
comum a
repetição de
um
elemento
para
intensificar,
isto é,
reforçar a
idéia . Ex.:
de inquieto —
desinquieto;
de
infeliz
—
desinfeliz;
de
insofrido —
desinsofrido.
Isso ocorre
também
com
sufixo: ex. de
satisfeitíssimo — satisfeitissíssimo
A
FORMAÇÃO
PARASSINTÉTICA
Praticamente encontramos
em nossas
gramáticas a
explicação
para o
reconhecimento
da
parassíntese:
"Consiste a
derivação
parassintética na
criação de
palavras
com o
auxílio
simultâneo de
prefixo e
sufixo."
Antenor
Nascentes (citação
na
Gramática
Resumida, de
Celso Pedro
Luft) acrescenta: "Para
haver
parassíntese,
é
necessário
que o
vocábulo
não exista
quando
despojado do
prefixo
ou do
sufixo.
Empobrecer,
por
exemplo.
Não há
um
adjetivo empobre
nem
um
verbo
pobrecer”.
Contudo, nas
exemplificações, os
autores
apresentam
palavras
como
enterrar,
embarcar,
adoçar,
aclarar,
além de
entristecer,
apedrejar
dentre outras.
Observe-se
que
nos
primeiros
exemplos os
elementos
constitutivos
são
um
prefixo en-,
-a + o
nome:
terra,
barca,
doce,
claro
e a
terminação -ar.
Esta
terminação
não é
um
sufixo
derivacional. É formada
pela
vogal
temática -a
mais o
sufixo
flexional
indicativo de
infinitivo.
Já no
segundo
grupo:
entristecer
e
apedrejar temos os
prefixos en-
e -a, os
nomes
triste
e
pedra
seguidos de
sufixo
derivacional -ec e -ej
mais a
terminação -ar.
Nestes há
realmente o
processo de
derivação
parassintética.
Mas
são
poucos os
nomes
que apresentam
sufixo
derivacional.
Anoitecer,
envelhecer,
amanhecer,
onde há o
sufixo -ec,
noção
incoativa,
idéia de "começo
de";
em
apedrejar o
sufixo -ej
traduz a
idéia de
repetição,
freqüência.
Outros
ainda
como:
adocicar,
em
que o
sufixo
derivacional é -ic,
idéia de
diminutivo;
amolentar,
em
que o
sufixo
derivacional é -ent,
que traduz a
idéia de
execução de
ação.
Devemos
a Mattoso
Câmara uma
explicação
precisa da
parassíntese,
na
obra
História
e
Estrutura
da
Língua
Portuguesa, p. 228,
quando
ensina ao
falar dos
tipos de
derivação: "Outro
mecanismo é
dar ao
nome
flexão
verbal
concomitantemente
com
um dos
prefixos -en
ou -a
acalmar,
embandeirar."
E
em
nota de
rodapé
acrescenta: "É o
que na
tradição
gramatical
se
chama
derivação
parassintética".
Está
claro
que Mattoso
Câmara
não admite,
nos
exemplos
acima,
sufixo
derivacional,
mas o diz
flexão
verbal
e
não concorda
com a
designação de parassintético
por
dois
motivos: 1o)
atribui-lhe o
uso à
tradição
gramatical; 2o)
coloca o
nome
parassintética
entre
aspas .
É o
que
realmente
ocorre.
Pela
tradição
gramatical
consideram-se parassintéticas
palavras
como:
acalmar,
enterrar,
embarcar etc., nas
quais
não há
sufixo
derivacional.
Diante dessas
incoerências,
propus
um
novo
enfoque na
conceituação
de parassintetismo. Propus uma classificação combinatória.
1o
-
Processo
real
de
derivação
parassintética
Quando houver
afixos
derivacionais,
como aparecem
nas
seguintes
palavras:
anoitecer
(a- e -ec);
apedrejar (a- e -ej);
adocicar (-a e -ic);
amolentar
(-a e -ent)
2o
-
Processo
parcial
de
derivação
parassintética
Quando
só houver o
prefixo
como
elemento
derivacional e a
terminação -ar
que constitui
elemento de
flexão:
enterrar,
embarcar,
adoçar etc.
A
DERIVAÇÃO
REGRESSIVA
PROPOSTA DE
UM
NOVO
ENFOQUE
Retrospecto
O
estudo da
chamada
derivação
regressiva
tem sido repetido ao
longo do
tempo
em nossas
gramáticas de
forma simplista e
sem
objetividade,
pois o
critério
utilizado é de
ordem
diacrônica.
Diz-se
que,
quando o
nome
não proveio do
latim e foi
criado
pelo
falante
após a
existência do
verbo,
esse
nome é
um
deverbal
ou
pós-verbal.
Não havia,
por
exemplo, o
nome
referente ao
verbo
pescar,
que recebemos
do
latim
piscare. O
falante criou
o
substantivo
pesca,
tirando-o de
pescar.
Pesca
é,
portanto,
um
deverbal.
Houve
derivação
regressiva
segundo o
critério
corrente.
Por
outro
lado, se é o
nome
que precede o
verbo,
como
em:
casa,
da
qual se formou
casar; de
golpe
, do
qual se formou
golpear; de
almoço
do
qual se formou
almoçar, temos
aí o
processo de
derivação
progressiva.
Mas
como
reconhecer os
dois
processos?
As
gramáticas
só fazem
referência à
precedência
ora do
nome,
ora do
verbo
no
processo de
derivação,
ou se limitam
a
apresentar uma
relação de
exemplos.
Pelas
explicações
que se
repetem,
só
um
critério será
capaz de
distinguir se o
termo é
progressivo
ou
regressivo:
o
critério
etimológico.
Ora,
este
critério
não é
plausível
em
gramática
que se
pauta
pela
sincronia.
É
comum lermos
em nossas
gramáticas a
seguinte
explicação: "Além
do
processo
normal,
existe
outro, o da
derivação
regressiva,
em
que se faz
exatamente o
contrário,
obtendo-se a
nova
palavra
não
por
adição,
mas
por
subtração do
elemento
formativo. Dá-se o
fenômeno
por
erro de
raciocínio"(?!)
Do
verbo
jantar (<
latim
iantare) tirou-se o
substantivo
janta,
portanto, é
um
deverbal.
Além desta
repetida
explicação,
apresentam-se
relações de
deverbais. Uma
das
mais extensas
pertence à
obra de Said
Ali
com 105
deverbais.
Mas
como fica o
estudante, e
mesmo o
professor?
É
preciso
recorrer ao
latim,
verificar o
étimo
para
determinar se a
derivação é
progressiva
ou
regressiva.
Ou
então
decorar
relações de
exemplos.
Tem
havido
tentativa de
distinção
deste
processo derivacional,
como a
conhecida
lição de Mário
Barreto (De
Gramática e de
Linguagem
, 2a ed., p. 331).
Diz-nos
o
autor:
Os
substantivos
que denotam
ação
são
deverbais (isto
é,
palavras
derivadas de
verbos) .Ex.:
caça
< de
caçar, o
substantivo
denota
ação, será
palavra
derivada e o
verbo,
palavra
primitiva.
Mas se o
nome
denota
algum
objeto
ou
substância, se verificará
o
contrário,
isto é, o
nome será
primitivo e o
verbo,
derivado. Exemplifica o
autor: de
fuzil (objeto)
formou-se
fuzilar; de
azeite
(substância)
formou-se
azeitar.
Mas,
perguntamos,
diante de
palavras
como
dúvida,
anseio,
devaneio,
enlevo,
que
são
deverbais?
Não se
constata o
traço
semântico de
ação.
São
nomes
que denotam
sentimento,
algo de
caráter
abstrato.
Já a
palavra
golpe,
que indica
ação,
não é
deverbal .
Vê-se,
pois,
que o
critério
semântico
falha.
O
mesmo diremos
dos
critérios
formal
e
funcional.
Formalmente,
as
marcas do
nome,
por ex.:
caça
e do
verbo (ele)
caça
não indicam
precedência de
um
ou de
outro.
Funcionalmente,
o
nome na
frase exercerá
as mesmas
funções seja
proveniente de
formação
progressiva
ou
regressiva.
A
distinção,
portanto,
baseia-se na
etimologia,
logo,
critério
diacrônico.
O
trabalho
mais
amplo
sobre o
assunto,
mas de
ordem
diacrônica,
pertence ao
Prof. Alfredo Marques de
Oliveira
Filho (Problemas
de
Lingüística e de
Gramática)
onde relaciona
475
deverbais,
explicando-lhes a
origem.
Para
refutar o
critério de
caráter
semântico, o
Prof.
Oliveira fez
um
estudo
diacrônico,
partindo do
indo-europeu. Conclui
que, de uma
mesma
raiz, tira-se
o
substantivo e
o
verbo, tendo o
substantivo a
característica de
expressar
ação
ou
resultado.
Exemplifica no
grego, no
latim e nas
línguas
românicas,
onde
este
processo formativo
apresenta
considerável
número de
substantivos
deverbais.
Diz-nos
ainda o Prof.
Oliveira
que
este
tipo de
formação
já no
grego e no
latim
era
normal e
multissecular.
Propõe
este
autor ,
para
não
termos
que
recorrer à
diacronia,
considerar-se
sempre o
substantivo
depois do
verbo,
logo,
pós-verbal. Ex.: 1o
verbo:
aterrar; 2o
subst.:
aterro.
PROPOSIÇÃO DE
UM
NOVO
CRITÉRIO
(Horácio Rolim)
Levando
em
conta
que o
único
critério
seguro é o
diacrônico,
através da
etimologia;
·
que
não
consideramos
processo de
derivação
uma
vez
que
não há
adição
ou
subtração de
sufixo
derivacional; há,
sim,
um
radical
nominal:
pesca,
combate,
grito,
com
temas
em -a, -e,
-o, e
um
radical
verbal
:
pescar,
combater,
gritar,
caracterizado
morfologicamente
pela
vogal
temática
mais o
sufixo
flexional -r;
·
que há uma
coincidência
de
radical, de
ordem
semântica;
·
que coexistem
no
uso
lingüístico o
nome
e o
verbo (pesca
-
pescar),
não importando
a
precedência
deste
ou daquele;
·
que,
sincronicamente,
tal
distinção
em
nada contribui
para o
conhecimento
da
língua
pelo
estudante,
proponho
que
tal
processo formativo seja
excluído dos
compêndios
gramaticais,
ficando
seu
estudo no
ensino
universitário
e no
campo da
diacronia.
Obs.: A
criação de
verbos e
nomes é
um
processo
produtivo,
principalmente,
na
linguagem
popular. O
nome de
ação pode
ser
criado a
qualquer
tempo,
como podemos
observar no
português
contemporâneo: sufoco,
chego, xingo, aprovo, revogo, rejeito,
agito etc. E
também
verbos
como
xerocar.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BECHARA, Evanildo.
Moderna
Gramática
Portuguesa. 37ª ed.
Rio de
Janeiro:
Lucerna, 1999.
CÂMARA JR., J. Mattoso.
Dicionário de
Filologia
e
Gramática. 2a
ed.
Rio de
Janeiro: Ozon,
1964.
––––––.
Problemas
de
Lingüística
Descritiva. Petrópolis:
Vozes, 1968.
DUARTE,
Padre Antônio
da
Costa.
Compêndio
da
Gramática
Portuguesa. Maranhão:
Tipografia
Nacional,
1829.
FREITAS, Horácio Rolim de.
Princípios
de
Morfologia.
4a ed.
Rio de
Janeiro:
Oficina do
Autor, 1997.
MACEDO, Walmírio.
Gramática da
Língua
Portuguesa.
Rio de
Janeiro:
Presença, 1991.
––––––.
Elementos
para uma
estrutura
da
Língua
Portuguesa. 2a ed.
Rio de
Janeiro:
Presença, 1987.
NIDA, E. Morphology. – The
Descriptive Analysis of Words. 2a ed. Ann Arbor: The University
of Michigan Press, 1970.
OLIVEIRA,
Fernão de.
Gramática da
Linguagem
Portuguesa (1536).
Edição
Crítica,
Semidiplomática e Anastática
por Amadeu
Torres e
Carlos
Assunção.
Lisboa:
Academia das
Ciências de
Lisboa, 2000.
SAUSSURE, F. Cours de Linguistique Générale.
5a ed. Paris: Payot, 1955.
SILVEIRA,
Olmar Guterres da.
Fundamentos
da
Análise
Morfológica in A
Obra
de Olmar Guterres da
Silveira
–
sua
contribuição
aos
estudos das
línguas
portuguesa e
latina.
Organizada
por Horácio
Rolim.
Rio de
Janeiro:
Metáfora,
1996.
UCHÔA, Carlos Eduardo
Falcão (Org.).
Dispersos
de J. Mattoso
Câmara Jr.
Rio de
Janeiro:
Lucerna, 2004.
................................................................................................................................................................... |
Copyright © Círculo Fluminense
de Estudos Filológicos e
Lingüísticos |