Aspectos sintáticos da língua portuguesa

José Venícius Marinho Frias (CPII e ABF)

Texto

(ponto de partida para o desenvolvimento do assunto)

Mário de Andrade:

1 Nós somos na Terra o grande milagre do amor

2 E embora tão diversa a nossa raça,

3 Dançamos juntos no Carnaval das gentes,

4 E abre alas que eu quero passar.

5 Nós somos os brasileiros auriverdes,

6 As esmeraldas das araras,

7 Os rubis dos colibris,

8 Os abacaxis, as mangas e os cajus

9 Atravessam, amorosamente, a fremente

10 Celebração do universal.

11 Que importa que uns falem mole, descansado,

12 Que os cariocas arranhem os erres na garganta

13 Que os capixabas e paroaras escancarem as vogais?

14 Que tem se o quinhentos réis meridional

15 Vira cinco tostões do Rio pro Norte?

16 Juntos formamos este assombro de misérias e grandezas

17 BRASIL, nome de vegetal!

O texto serve para nos mostrar que a pronúncia dos vocábulos, o vocabulário usado nas regiões, não caracterizam uma língua.

O que a caracteriza é a sua sintaxe (Morfossintaxe)

Assim, começaremos conceituando SINTAXE.

“Sintaxe” é palavra que nos vem do grego “sýntaxis “através do Latim “sintaxis”: sin = com reunião, taxis = arranjo

A SINTAXE é, assim, a parte da gramática que descreve as regras por que se combinam as unidades significativas em frases.. Significa, pois, ordem, disposição, arranjo.

Daí, temos:

a) Sintaxe de colocação

b) Sintaxe de concordância

c) Sintaxe de regência

d) Fonética sintática (ou frásica)

e) Sintaxe, em geral, ensinada através da Análise Sintática.

Como temos apenas duas horas para tratar de tudo, tentaremos ferir o assunto, na expectativa de abrir caminho para a reflexão de vocês, esperando que, numa outra oportunidade, talvez possamos privilegiar cada um dos itens assinalados, debatendo.

Deixamos, propositalmente, para o fim a Análise Sintática porque já vêm estudando o assunto, desde o ensino fundamental, sentindo que não nos sobrará tempo para chegar até lá.

Dentro do possível, procuraremos mostrar o que preconizam as Gramáticas, estabelecendo um confronto com o que realizam os usuários da língua e os escritores.

É comum professores usarem o lápis vermelho para condenar o que usam os alunos, nas suas redações, inibindo-os em seus trabalhos, e muitas vezes sem razão.

SINTAXE DE COLOCAÇÃO OU DE ORDEM

Trata do modo de dispor os termos na oração e as orações no período

O Prof. Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática da Língua Portuguesa, na página 581, diz que “O maior responsável pela ordem favorita numa língua ou grupo de línguas parece ser a entonação”.

O certo é que a colocação segue tendências variadas, já que há interferência rítmica, psicológica e estilística.

De modo geral, o ritmo ascendente que predomina, no português, determina que os termos de acentuação mais fraca ou átona anteponham-se aos termos mais fortes.

Ex.: a caneta / uma caneta / esta caneta.

Às vezes, a mudança da ordem – anteposição ou posposição de termos – determina, gera sentido diferente:

Grande amigo vs Amigo grande

Normalmente, as gramáticas se preocupam muito em estabelecer regras de colocação para os pronomes átonos em relação ao verbo, locuções verbais e início de orações.

Entre os modernistas e nas camadas populares, as discordâncias, neste ponto, são patentes, principalmente, na colocação dos pronomes oblíquos.

As três posições básicas do pronome átono são:

PRÓCLISE (pro = antes / clitos = inclinação) :Não o vejo, há muito.

ÊNCLISE (en = depois) Vejo-o sempre na Igreja.

MESÓCLISE (meso = no meio) – Preocupar-me–ei com você.

A mesóclise merece um comentário, à parte, porque é falsa a doutrina ensinada.

O comum é dizer-se que na próclise o pronome vem antes do verbo, na ênclise, vem depois do verbo e na mesóclise, no meio do verbo, como se fosse possível parti-lo em duas partes.

O que ocorre aí é um futuro promissivo: “hei de louvar-te”.

O pronome passa a ser enclítico ao infinitivo “louvar-te” e ligado por hífen, ao auxiliar, sem o “h”, também enclítico: louvar-te-ei.

Vamos ater-nos à colocação dos pronomes átonos, observando o que preconiza a gramática e o que realizam falantes e escritores.

Diz a gramática: Não se inicia período por pronome oblíquo.

Ex.: Empresta-me tua caneta./ popularmente: Me empresta...

Exemplos de modernistas:

a) “O povo todo de sala do Santa Rosa tinha medo da morte. ME ensinaram a correr de enterros, a me sentir mal com os defuntos...” (José Lins do Rego)

b) “Uma coisa triste no fundo da sala./ ME disseram que era Chopin”. (C.D. de Andrade)

c) “O velho era muito velho, os cabelos compridos...ME recebeu com alegria”. (Adonias Filho)

d) “Meus olhos vadiam nas lágrimas/ TE vejo coberta de de estrelas”. (Mário de Andrade)

e) “Guma pulou da cama...SE atirou para fora”. (Jorge Amado)

f) “Mas não toquei minha flauta. Ao contrário. A escondi com com mão... (Cassiano Ricardo)

g) “O Jijo quase corre. Se foi”. (G. Rosa)

h) “Descansa o rosto sobre a mão que escreverá / LHE embala o sono”.

Ï) “... e eu recuperei o dia / O recuperei para quê?” (C. Ricardo)

COLOCAÇÃO IRREGULAR DO PRONOME

EM LOCUÇÕES VERBAIS

(segundo as regras gramaticais)

Muitos autores, deixando o pronome solto entre os dois verbos, nos tempos compostos, nada mais estão fazendo do que levarem para a língua escrita a modulação da frase do Português do Brasil.

Vamos aos exemplos: AUXILIAR + INFINITIVO

a) “Quando vieram ME chamar para o almoço, ainda ME encontraram encantado...” (J. L. do Rego)

b) “Nas ondas da praia / Nas ondas do mar/ Quero ser feliz / Quero ME afogar? Nas ondas da praia / Quem vem ME beijar?

c) “...no estouvamento dos irmãos, que querem SE debruçar sobre o caminho de areia...” (C.D. de Andrade)

d) “...não podemos NOS tratar por irmãos”. (Cassiano Ricardo)

AUXILIAR + GERÚNDIO

a) “...Clarisse também estava SE interessando pelo fogão”. (J.L.do Rego)

b) “A semana passada eu estava ME vestindo para sair...” (M. Bandeira)

c) “O rosto estava LHE dizendo poucas...” (R. Braga)

d) “Destino, noturno abismo que sabemos estar NOS espiando”. (Cassiano Ricardo).

AUXILIAR + PARTICÍPIO

a) “Todos tinham SE esquecido que D. Sofia era viúva”. (Diná S. de Queirós)

b) “Todos tinham se erguido com o susto...” (M. de Andrade)

c) “Guma já tinha SE levantado”. (Jorge Amado)

d) “Como teria SE comportado aquela alma de passarinho.... (R. de Queirós)

Na própria norma culta, para efeito estilístico, enfático e outros, a ordem canônica pode ser quebrada. Deve-se evitar, contudo, o deslocamento violento dos termos, gerando confusão de sentido, ambigüidade.

O exemplo clássico, citado em todas as gramáticas e referente ao último item, é retirado de Camões: “:A grita se levanta ao céu da gente”. Se interpretada na ordem em que foi gerada, teremos : A gritaria se levanta ao céu do povo.

Mas o que temos aí, conforme o contexto, é: A gritaria (o vozerio) do povo se levanta ao céu.

A este fenômeno dá-se o nome de Sínquise (alguns) e Hipérbato (outros).

Na oração, quando a ordem sai do esquema canônico: SPC (sujeito, predicado (verbo) e complemento, chama-se INVERSA ou OCASIONAL.

Temos aqui as chamadas figuras de sintaxe, como:

a) Anástrofe – ordem inversa que vai de encontro à norma geral de colocação.

Ex.: Às tuas mãos trêmulas a bênção eu peço agora.

b) Hipérbato – quando a construção pode prejudicar a clareza da mensagem. É o nome que alguns dão ao que outros chamam de Sínquise.

c) Anacoluto – quando se quebra a estruturação lógica da oração.

Ex.: Eu que era branca e linda, eis-me medonha e escura. (M.B.)

SINTAXE DE REGÊNCIA

Para que entendamos a dificuldade que o assunto apresenta, leiamos o que Aires da Mata Machado Filho escreveu, no prefácio da 1ª edição do Dicionário de Verbos e Regimes de Francisco Fernandes: “As dificuldades reais da língua cifram-se, quase, em dúvidas de regência.”

O que torna difícil o assunto não é apenas um mesmo verbo admitir diferentes construções, variando seu significado conforme a alteração da regência. Também é uma certa facilidade que os verbos têm de, mantendo o mesmo sentido, evoluírem quanto à regência, passando de intransitivos a transitivos ou de transitivos diretos a indiretos e vice-versa.

A regência consiste na subordinação de um vocábulo regido a um vocábulo regente.

Pode ser Verbal e Nominal

Verbal: Verbos transitivos diretos / indiretos e diretos e indiretos.

Ex.: Li bons livros, ultimamente. / Gosto muito de sorvete.

Dei um livro ao meu amigo.

Nominal: É estabelecida entre substantivos, adjetivos e advérbios (regentes) e outra palavra ou expressão (regido)

Ex.: Estou atento às perguntas

Relativamente ao que você diz, há muita discussão ainda.

Ele é bacharel em Letras

Impossível será num curto espaço de tempo, relacionar todos os verbos de nossa língua e estudá-los dentro da Sintaxe de Regência.

O plausível é selecionar alguns mais usados para analisá-los.

Seguindo o critério da NGB, classificaremos os verbos quanto à regência, como:

a) Transitivos diretos – verbos de complemento não preposicionado ou representado pelos pronomes ” o,a,os,as “

b) Transitivos indiretos – são os de complemento regido de preposição ou representado pelos pronomes “lhe, lhes”

c)Transitivos diretos e indiretos – (bitransitivos) – dois complementos: um regido por preposição e outro, sem preposição.

d) Intransitivos – são os de predicação completa.

Vejamos alguns verbos e sua regência

AGRADAR / DESAGRADAR

a) “O galante El-Rei Diniz ainda hoje agrada ao belo sexo”. (Ciro dos Anjos)

b) “Dentro de sua política de agradar aos homens influentes de São Paulo...” (Diná S. de Queirós)

c) “Luiz lhe desagradava. Não era tipo dela”. (M. de Andrade)

d) “Tudo ali era seu, só seu, e nada fazia para agradar aquele povo pedinte”. (J.L.do Rego)

e) “Os auxiliares do governo sorriam parcimoniosamente, com o que agradavam o filho sem escandalizar o pai”. (Ciro dos Anjos)

f) “Mas era inegável que tinha boa pinta, como os rapazes diziam, sabia agradar as mulheres...” (Érico Verissimo)

Até aqui o verbo agradar” tem o sentido ”de ser agradável”, “contentar”, “satisfazer” tanto como transitivo direto quanto como indireto.

Entretanto tem também o sentido de “fazer carinho”- “fazer festas”/ Agrado = carinho, festas

Nesta segunda acepção é sempre transitivo direto.

a) “Agradei Maria Paula. Fui de uma ternura de apaixonado”. (J.L.Rego)

b) “Todo homem tinha as suas horas de agrado, de ternura para com os seus. Até aquele Julião Vieira, que... agradava a mulher” (J.L.Rego)

c) “...mergulhava os olhos vivos na claridade e sentia vontade de agradar os outros negrinhos do Morro do Capa Negros”. (J. Amado)

ASPIRAR

É transitivo indireto no sentido de “desejar ardentemente”, “ambicionar”, pretender” e rege objeto direto na acepção de atrair o ar para os pulmões, sorver, respirar.

Exemplos:

a) “Sua vigilância exasperava-me, no íntimo, fazendo-me aspirar, com ânsia, à libertação”. (Ciro dos Anjos)

b) “E como a porta dos fundos / também escondesse gente / que aspirava ao pouco de leite...” (C. D. de Andrade)

c) “...girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver...” (C.D.Andrade)

d) “Giusepe bem sabia que ela (...) aspirava a andar na sociedade...” (J. Amado)

e) “A felicidade perfeita a que aspirava, sem poder concebê-la... (Graciliano Ramos)

f) “Pedro aspirou com delícia o cheiro de salsichas feitas que dominou o ambiente...” (Tasso da Silveira)

g) “Cheiro de mulher verde sentiu, quando aspirou o ar...” (Adonias Filho)

ASSISTIR

Tem duas acepções básicas: “presenciar”- “estar presente”- e “ auxiliar”- “ajudar”- “prestar assistência ou socorro a alguém.

“Com o sentido de “presenciar”, assistir é transitivo indireto. Não admite, contudo, como complemento a forma lhe (s) que é substituída por “a ele (s)” – “a ela (s) “

Significando “prestar assistência ou socorro a alguém”, os autores divergem. Há os que dizem que com tal sentido, o verbo exige objeto direto. Outros sustentam, ao contrário, que se constrói com preposição “a”. E ainda há os que afirmam ser indiferente esta ou aquela construção.

Exemplificando:

a) “De início assistiu a tudo aquilo como se fosse uma coisa natural”. (J.L. do Rego)

b) “Assisto a uma discussão do barbeiro André Laerte com o negociante Filipe Benigno”. (Graciliano Ramos)

c) “Um dia, quando assistia a uma sessão .surpreendeu-se”. (Tasso da Silveira)

d) “Naquela manhã assistira a uma cena desoladora”. (Érico Verissimo)

e) “Há matrimônios assim.../ Ninguém os assistirá nos jamais... (Mário de Andrade)

f) “Ao assistirem a cerimônia, os amigos de Rodolfo...” (Diná Silveira de Queirós)

g) “Um bodegueiro de defronte assistiu tudo...” (R. de Queirós)

h) “Dois anos correndo pela cidade, assistindo partidas de futebol...” (Jorge Amado)

Ainda há um emprego do verbo Assistir + EM, significando “morar”- “habitar”- pouco usado.

Em Marília de Dirceu, Tomás Antonio Gonzaga escreveu:

“Eu não sou, Marília, algum vaqueiro

Que viva de guardar alheio gado.

Tenho próprio casal e nele assisto”.

Bandeira escreveu “Todos (os sonetos) em louvor dessa que ora assiste / Em teu lar, dois destinos misturando.:

CHAMAR

No sentido de “fazer vir alguém” é sempre transitivo direto. Ex.: Chamei o menino.

Apresenta, contudo, mais quatro construções:

a) “Chamar a alguém” (objeto indireto) “alguma coisa” (predicativo não preposicionado): Chamei-lhe inteligente

b) “Chamar alguém” (objeto direto) “alguma coisa” (predicativo não preposicionado) Chamei-o inteligente.

c) “Chamar a alguém” (objeto indireto) “de alguma coisa” (predicativo preposicionado): Chamei-lhe de inteligente.

d) “Chamar alguém” (objeto direto) “de alguma coisa” (predicativo preposicionado): Chamei-o de inteligente.

Alguns gramáticos ainda relutam em abonar a 3ª construção “chamei-lhe de inteligente”.

Vamos a alguns exemplos das quatro construções:

a) “A mulher, Juliana Gouveia, toma ar aborrecido e chama-lhe antipático”. (Ciro dos Anjos)

b) “Chama-lhe Madrinha e toma-lhe a bênção.... (R. de Queirós)

c) “Por isso tudo, lhe chamavam maricas”. (Érico Veríssimo)

d) “As crianças lhe chamariam sempre Fräulein...” (M.Andrade)

e) “Teria vergonha de chamá-lo meu irmão”. (C.D. de Andrade)

f) “Antes a chamaremos malmequer”. C.Ricardo)

g) “...nós o chamávamos D. Pedro”. (R. de Queirós)

h) “O povo chamava-o maluco”. (J.L.do Rego.)

i) “...ao importuno os mineiros chamam de entrão”. (R.de Q.)

j) “Quando ao meu pai chamavam de bom, a sua resposta invariável era... “ (M. Bandeira)

l) “De sorte que estava no começo da zona a que chamam de Oeste de Minas”. (G. Rosa)

m) “Por que chamara ao botequim de “Lanterna dos Afogados” ninguém sabia”. (Jorge amado)

n) “Seu Ernesto chamava-os de ratos”. (J.L.do Rego)

o) “...chamou o filho de bobo e se acalmou...” (M. de Andrade)

p) “Vinte-e-um a chamou de companheira...” (R. de Queirós)

ESQUECER

Na sua significação própria, - perder a lembrança de – olvidar – admite três construções que se distinguem por levar matizes explícitas.

1- Transitivo direto: Esqueci os presentes em casa.

2- Transitivo indireto (seguido de pronome reflexivo)

Esqueci-me dos presentes em casa.

3- Com deslocação do objeto para sujeito, em cruzamento sintático: Esqueceram-me os presentes em casa.

Observem os exemplos:

a) “Só desejo agora que ela esqueça tudo e uma vida nova comece para os dois”. (Ciro dos Anjos)

b) “Não esqueçamos também o perdigueiro”. (M. de Andrade)

c) “Por instantes, o moço esqueceu a aflição com que chegou”. (Tasso da Silveira)

d) “Esquecendo-se das confidências que me fez há pouco, continuou...” (Ciro dos Anjos)

e) “E eu não me esquecia do pequeno cego, tão calado”. (Raquel de Queirós)

f) “Nunca me esqueci de sua figura, certo dia, em pleno Largo da Carioca”. (Manuel Bandeira)

g) “Mesmo falando de seus amores terrenos, não lhe esquecia nunca a imagem das coisas santas”. (M. Bandeira)

h) “Esqueceu-me dizer-lhe que a vida parou e...” (Ciro dos Anjos)

i) “Esqueceram-me todas as mágoas, e comecei a gostar desse Belmiro...” (Ciro dos Anjos)

MORAR

Não há dúvida sobre a melhor regência deste verbo. Usa-se com preposição em, para indicar morada junto de nomes de praças e ruas.

Exemplos:

a) “Veio morar na Rua dos Frades”. (J.C. de Carvalho)

b) “...deixou o navio, desembarcando, indo morar na Rua da Alfândega”. (Adonias Filho)

c) “Ainda não disse que moro na rua do Macena, perto da usina elétrica”. (Graciliano Ramos)

OBEDECER E DESOBEDECER

Não oferece dificuldade a construção com o verbo obedecer. É transitivo indireto

Exemplos

a) “Docilmente lhe obedeceram os homens”. (D.S. de Queirós)

b) “Obedecia-lhe, deixava-me dominar por ela”. (R. de Queirós)

c) “obedecendo a um velho hábito, abri a gaveta”. (Graciliano Ramos)

Não é boa construção hoje, usar o verbo obedecer como transitivo direto, como o faziam os clássicos antigos.

Como “obedecer”, o seu antônimo “Desobedecer”” também se constrói com objeto indireto.

a) “A avó já dissera que ele não podia mais desobedecer a Deus”. (J. L. do Rego)

b) “Rio-me, e ela gostava de me ver alegre, mesmo quando era para desobedecer aos seus pedidos..”. (J. L. do Rego)

PERDOAR

Celso Cunha em sua Gramática do Português Contemporâneo, ensina que o verbo Perdoar, “ na língua culta de hoje, constrói-se, preferencialmente, com objeto direto de coisa e indireto de pessoa”.

Entretanto, na literatura modernista brasileira não faltam exemplos do uso deste verbo como transitivo direto.

Exemplos:

a) “Ele havia perdoado os infames”. (D.S. de Queirós)

b) “Ela é Maria e Deus a perdoe por não odiar o mar...” (Adonias Filho)

VISAR

Os gramáticos ensinam que este verbo se constrói com a preposição A, quando empregado no sentido de “ter em mente”, “ter por objetivo”.

Há, contudo, exemplos na literatura moderna de seu uso como transitivo direto, mesmo nessa acepção.

Exemplos:

a) Viso a um bom emprego.

b) “A polícia se desmandava na repressão, visando os adversários da situação”. (J. L. do Rego)

c) “...se minha desconfiança não me houvesse insinuado que suas palavras continham antes, um remoque, e visavam a me desvalorizar aos olhos do filho”. (Ciro dos Anjos)

Com o sentido de “mirar” – “pôr visto” visar é sempre transitivo direto.

a) “...ensaiou a pontaria, visando o gato. (Tasso da Silveira)

b) O contínuo visou o documento.

SINTAXE DE CONCORDÂNCIA

Consiste em adaptar o determinante ao gênero, número e pessoa do determinado.

Exemplos:

Os meninos travessos encontraram a menina bem comportada no caminho.

Pode ser nominal e verbal.

Nominal: adaptação do determinante ao gênero e número do determinado.

Exemplos:

Caminhos estreitos foram percorridos pela bandeirante solitária.

Verbal: ocorre entre o número e pessoa do sujeito e, às vezes, do predicativo e o verbo de uma oração.

Exemplos:

Os meninos gritavam e jogavam pedras na tapera da velhinha.

São dezenove de novembro.

A gramática estabelece regras para o bom uso da construção frasal no campo da concordância nominal e verbal.

Vamos analisar alguns casos que fogem ao padrão.

É comum no português arcaico e até em obras de escritores mais recentes e muito freqüentemente em redações escolares aparecerem exemplos do verbo no singular com sujeito no plural, quando aquele precede a este.

Exemplos:

Assim terminava todas as nossas brigas.

Não podia faltar os refrigerantes.

Atrás vinha os padrinhos.

Na língua literária, contudo, os modernistas continuam fiéis ao princípio geral: sujeito no singular, verbo no singular; sujeito no plural verbo no plural.

Exemplos:

a) “Começaram os sonhos delirantes, começou a fase de euforia com a morfina”. (Diná S. de Queirós)

b) “Faltam-me as forças! Falta-me o ar”. (Mário de Andrade)

c) “Que me importavam as grades negras e pegajosas?” (G. Ramos)

Mas ocorrem exemplos no singular:

a) “Quando falavam da Rússia, vinha-lhe na cabeça os marujos do engenho”. (J. L. do Rego)

b) “Nem parecia que daqueles olhos que o clarão da madrugada iluminava houvesse brotado tantas lágrimas”. (J. L. do Rego)

Casos especiais:

Nas construções do tipo “aluga (m)-se casas, desfez-se (desfizeram-se os contratos), a tendência é usar o verbo no plural.

Exemplos:

a) ”...já se avistavam os contornos da serra que iriam subir”. (J.L.Rego)

b) “Viam-se homens caindo no despenhadeiro sem fim”. (D. S. Q.)

c) “Ouvem-se novos estampidos”. (Ciro dos Anjos)

d) “...Mas se ouvem os ruídos dos corpos no amor”. (J. Amado)

Entre os modernistas, encontram-se construções com o verbo no plural e no singular, sendo preferido o plural.

a) “... toda a ternura e bondade de sua raça se podiam encontrar naquele centenário coração de escrava”. (J. L. do Rego)

b) “...onde a qualquer hora podem encontrar-se pessoas conhecidas que espreitam”. (G. Ramos)

c) “Podia-se escutar os rumores dos bichos de terra naquele silêncio do mundo parado”. (J.L. do Rego)

d) “Pode-se ser rico como se for, não se pode aumentar em nada as extremas de nossa natureza”. (R. de Queirós)

Alguns gramáticos fazem restrições ao emprego do verbo no singular, quando o sujeito posposto se constitui de nomes de pessoas O normal, realmente, é o uso do plural.

Exemplos:

a) “Lá estavam Margarida e Maria Paula no mesmo lugar”. (J.L.R.)

b) “E ia-me sentando à mesa, quando chegaram João Nogueira Azevedo e padre Silvestre”. (G. Ramos)

c) “Ali estavam, porém, Fritz, Hans, Camilo”. (Tasso da Silveira)

Mas encontra-se também o singular, como nos exemplos de J.L do Rego e Ciro dos Anjos:

d) “Lá se fora seu compadre José, o negro passarinho, o cego Torquato”. (J. L. do Rego)

e) “Que me importava Carlota, o lar, a sociedade e seus códigos”. (Ciro dos Anjos)

Quando os termos do sujeito composto são ligados pela conjunção NEM, repetida ou não, a tendência é usar o verbo no plural:

a) “Agora nem Rufino nem Esmeralda viviam mais.’ (J. Amado)

b) “Nem o meio nem o ofício podiam convir a sua natureza”. (M.B.)

c) “...uma criança nascida quando não existiam nem Pizzarro, nem Chile, nem Brasil, nem América”. (C.D. de Andrade)

d) “Amanhã nem o inglês, nem seu Godofredo o conhecerão mais...” (J.Amado)

Há, contudo, contudo exemplos com o verbo no singular:

a) “Nem Siderúrgica nem Central nem roda manhosa de Ford / sacode a modorra de Sabará-buçu”. (C.D. de Andrade)

b) “Não vê que uma amante / nem outra mulher / entende a verdade / que a gente confessa...” (M. de Andrade)

Sujeitos ligados pela preposição COM

O verbo, às vezes, fica no singular, às vezes, no plural. Parece-nos que razões estilísticas é que determinam a preferência por esta ou aquela construção

a) “No outro dia pela manhã, choramingando. balbuciando peditórios, a Rosa, com cinco filhos (três agarrados às saias, um nos braços, outro no bucho) atracam-me no pomar”. (G. Rosa)

Pode-se entender que “cinco filhos” é um adjunto adverbial de companhia. Não foram as cinco filhos (um no ventre) quem praticou a ação de atracar. Ela é que o fez.

b) “Não tinha ninguém no palácio e a copeira do vizinho contou que Piamã com toda a família fora na Europa descansar da sova”. M.Andrade)

c) “Aparício, com mais de cem homens. dera um cerco na cidade...” (J.L. do Rego)

d) “Ali ele, com os outros meninos, fazia o quartel de suas brincadeiras...” (J. L. do Rego)

e) “Meu marido com mais três companheiros, formava uma pequena embarcação”. (D. S. Queirós)

f) “...onde a mulher com os filhos à porta tomavam a fresca da boca da noite”. (J. L. do Rego)

g) “Maanape com Jiguê resolveram fazer uma fachada para pegarem algum peixe...” (M. de Andrade)

Concordância com o COLETIVO no singular, tendo como complemento um substantivo ou pronome no plural

Aí distinguimos dois casos:

1º) Pode-se fazer a concordância indistintamente com o complemento ou com o coletivo, se este for partitivo (parte, porção, punhado. maioria, metade etc.) ou expressar uma porção indeterminada, mais ou menos sinônima de “muitos” (multidão, infinidade, grande número etc.)

É, pois, indiferente dizer-se: A maioria dos alunos colou (concordância com o coletivo) ou a maioria dos alunos colaram (concordância com o complemento).

2º) Deve-se fazer a concordância com o coletivo, quando este for geral (povo, tropa, exército, bando, grupo, turma, dúzia etc.).

Exemplos:

a) Um bando de aves invadiu a cidade.

b) Uma dúzia de bananas custa barato.

Os autores continuam a usar as duas construções, quando o coletivo é partitivo ou expressa porção indefinida.

Concordância com o coletivo:

a) ”O que acontece de ordinário é que a maioria dos leitores não faz caso do prefácio”. (M. Bandeira)

b) “Não era apenas um líder, mas um pai que a maioria dos associados enxergam nele”. (Tasso da Silveira)

c) “Porém a maior parte das coisas não está nas barracas”. (J.Amado)

d) “O resto dos animais ficava longe, suando na vegetação rala...” (G. Ramos)

Concordância com o complemento:

a) “Uma porção de moleques me olhavam admirados”. (J. L. do Rego)

b) “Ele me afirmou ... que a maioria dos esforços eram inúteis...” (D.S.Queirós)

c) “Eram próprias a maior parte das peças que executava...” (M.Bandeira)

d) “Um ror de moscas, encantadas com o carregamento duplamente precioso, tinham vindo também”. (G. Rosa)

Sujeito é a expressão MAIS DE UM...

Geralmente o verbo fica no singular

a) “...e mais de um garantiu que subi em arvoredo”. (J. Candido de Carvalho)

b) “Mais de um crítico já assinalou o que há de genuíno na inspiração...” (M. Bandeira)

c) “Mais de um antepassado ilustrou o nome da família”. (Ciro dos Anjos)

d) “Mais de um casamento apareceu”. (J.L. do Rego)

Alguns casos a considerar – Comentários

1. “…Santinha (era o apelido da mãe de Manuel Bandeira) nunca foi para mim o diminutivo de Santa, / Nem Santa nunca foi para mim a mulher sem pecado/ Santinha eram dois olhos míopes, quatro incisivos claros `à flor da boca”. (M. Bandeira)

2. “Naná é só problemas” (Ciro dos Anjos)

3. “Fräulein são dois braços, duas pernas, tronco, seios, qualquer cara, cabelos compridos”. (M. de Andrade)

4. “E a gente, numa rede maranhense,/ Ao som dum jazz bem blue,/Balancearemos no calor da noite...” (Mário de Andrade)

5. “Misericórdia! – bradou a multidão ao passar por el-rei. E caíram de bruços sobre as lájeas do pavimento”. (A. Herculano)

6. “O gado, de cabeça baixa, voltava para casa sem ninguém na frente. De barriga cheia, desciam para a várzea, para o conforto do curral...” (J. L. do Rego)

7. “Todos os brasileiros aprendemos desde meninos que Pedro Américo foi o maior pintor brasileiro...” (M. Bandeira)

8 “Todos ríamos, todos comiam bolinhos e diziam pilhérias”. (R. de Queirós)

FONÉTICA SINTÁTICA (FRÁSICA)

Só há um livro sobre o assunto escrito por Sousa da Silveira Fonética Sintática e uma tese de Doutoramento, de José Venícius M. Frias.

A importância do assunto aparece, quando passamos a analisar os fenômenos da língua viva que utilizamos em nossas comunicações interpessoais e da língua escrita, que, cada vez mais lança mão de casos de fonética frásica para veicular, de modo atraente e rápido, a mensagem, sobretudo na área da propaganda.

Para introduzir o assunto, observemos que o sintagma verbal (SV), contendo um pronome oblíquo adverbal, pode confundir-se, na fala, com um sintagma nominal, como em:

/ a’sala / = SV = assá-la

/a’sala / = SN = a sala

/ka’valu/ = SV = cavá-lo

/ka’valu/ = SN = cavalo

Isto ocorre, porque nossa língua é de ritmo intensivo, isto é, falamos alternando sílabas acentuadas (fortes) com sílabas átonas (fracas).

Assim, quando passamos pela Rio-Petrópolis e lemos num posto de gasolina “:Pneus novos e usados CREDITOTAL, embora percebamos que “Creditotal”corresponde a crédito total, não nos damos conta, talvez, de que aí ocorreu um dos fenômenos de fonética frásica mais constantes e comuns na língua (haplologia e aglutinação).

O estudo desses fenômenos remonta à gramática indu de Pânini.

Nosso estudo se fundamenta num fato básico e comum: normalmente não falamos com palavras isoladas, a não ser em casos onde ocorrem situações extralingüísticas que levem à compreensão do que se quer comunicar: (exemplo).

Então o que vem a ser fonética sintática?

É o estudo das modificações fonéticas que sofrem as palavras por influência de outras, com que, na frase estão em contato ou formam unidades fonéticas.

Comecemos com o cacófato (= som desagradável)

É resultado de uma seqüência vocabular que cria vocábulos fonológicos diferentes dos vocábulos mórficos a que se referem.

Vamos apenas exemplificar, porque não é nele que se concentra nosso assunto, Os exemplos são colhidos a esmo, em novelas, rádio e autores.

Exemplos:

a) Ela trina como um rouxinol. /la’trina/

b) “Alma minha gentil que te partiste...” (Camões) /mami’nha/

c) Ele sempre banca gay, embora não o seja.

d) É um poema heróico-cômico.

e) O Bar Badinho fica na Rua X

f) “Mer da Silva” (nome de aluna de um colégio estadual do Rio)

g) A bata tinha uma cor extravante.

h) “Aqui em Mariana, a bunda a pita, aliás a pita abunda.

i) “Eu sou apenas um amador esforçado” (frase de um pianista da novela “Campagne”)

Observemos agora fenômenos de Fonética Sintática ou Frásica:

1 .ELISÃO (explicação oral)

a) “: Deviam atacá-la justamente por aquel’outro lado, para não contrariar os veios da pedra”.

b) “Se mandar m’embora eu fico / Se mandar ficar vou m ‘embora.

c) “Não posso me’ irmão / Que ele está lá dentro”.

d) “...que será ind’hoje de Serra.

e) “Qu’é de sua mãe, M iguilim

f) Bandeira escreveu em “O Trem de Ferro”

Vou mimbora

Vou mimbora

Não gosto daqui

Nasci no Sertão

Sou de Ouricuri.

Há casos em que está presente a elisão, clara no ritmo frasal, mas mantém-se a letra:

a) “A vida é séria e tolo é quem se ilude”.

b) “Romano quando se zanga

Treme o norte, abala o sul”.

c) “A certa altura, tirava o relojinho do bolso”.

Interessante observar o seguinte: Tendo havido a elisão, pode ocorrer a aglutinação que, às vezes, gramaticalizando-se, vai formar novo vocábulo significativo e ainda depois da elisão e da aglutinação, pode ocorrer a deglutinação.

A elisão também pode explicar construções tidas como errôneas pelos puristas

ELISÃO + AGLUTINAÇÃO

a) “Vamos passar na casa de tia Zica, para ver se tiantônio...”

b) “...quanto mais em dia de eleição, sentado como dantes, na sua...

c) “E depois duma pausa, com ternura – vá dormir, ande...

d) “Quede o processo que estava aqui?

(que é de > qu’e de> quede?)

e) “Cadê Maria?” (qu’é dele > quede?)

f) “Quedele, porcaria?”

ELISÃO + AGLUTINAÇÃO + DEGLUTINAÇAO

“Rogavam para o rugoso Céu, com estrelas, mas cheio de sobrolhos, se serenando na estrada-de-santiago”.

Diacronicamente: Sanctu Iacob> Sant’iacob > Sant’iago > Santiago – São Tiago.

Explicação: Em conseqüência da deglutinação, no ritmo frasal, é que surgem, em nossa língua palavras como “aleijão”, “bispos”, “relógio”.

Exemplos:

Fulano tem uma leijão (palavra feminina) – Pelo ritmo frasal, o /a/ de “uma” se deglutina e aglutina-se à palavra “leijão”, modificando-lhe, inclusive, o gênero.

Observemos apenas o 1º exemplo “aleijão”

Temos em latim a palavra “laesione (m)” que por evolução resulta em português em duas formas, uma da língua popular “leijão” e outra da língua erudita “lesão”, femininas.

Numa frase como “Fulano tem uma leijão”, pelo ritmo frasal, o /a/ de “uma” se deglutinou, amalgamando-se à palavra “leijão”, e modificando-lhe, inclusive, o gênero: um aleijão.

Pela fonética sintática, podemos explicar como construções sintáticas normais, certas frases que alguns gramáticos e puristas consideram erradas, como:

“...sabeis que a abóbada do capítulo desabou ontem à noite?

– Sabia-o, senhor, antes do caso suceder”. (Herculano)

Explicação por que condenam a construção (oralmente)

CRASE

Fusão de dois sons vocálicos idênticos e contíguos

Por ser o hiato de desagradável pronúncia (hiare= abrir a boca), as línguas românicas procuram eliminá-lo de vários modos, sendo um dos utilizados a crase intervocabular.

Em francês, verbi gratia, despreza-se, em certos casos, a concordância do determinante com o determinado, para evitar o hiato: “Mon amie”, em lugar de “Ma amie”

Numa série de frases da língua culta em que não ocorre a crase, pela inexistência de duas vogais iguais, na linguagem popular, o falante interpreta como existindo e cria verbos como “avoar – arrir – amostrar”e outros.

Mário de Andrade transcreve a linguagem popular nos versos abaixo:

Andorinha andorinha

Andorinha avuou!

Andorinha caiu,

Curumim a pegou.

Levantamos a hipótese de que muitos verbos usados, na linguagem popular, com um “a” inicial, além da analogia com os que apresentam o prefixo “a” devem ser fruto de uma falsa crase.

a) “Ela amostrou os brincos que comprou”.

b) “...na sombra arreunia

Depois da crase, pode dar-se a aglutinação.

Assim, observemos:

1º) Crase sem aglutinação:

a) “É a minha aventura com um defunto”

b) “... ave e chave, chave...”

c) “Acordou Eduardo, a dormir de boca aberta”.

d) “...esse ano hei de vender meu cacau pelo menos a vinte e dois”.

e) “Como um gambá!”

2º) Crase seguida de aglutinação

a) “Por último Donaninha veio onde estavam os Capitães de Areia”.

b) “Ela beladormeceu

c) “Poucusados. Grande Rio. Revendedor de qualidade ford”.

d) “Fure, lixe e esmerilhe com um tranqüilusado Guanauto”.

HAPLOLOGIA

Supressão de uma de duas sílabas ou par de sílabas semelhantes e contíguas.

Parece-me que a causa básica é que repugna ao falante a repetição de sílabas iguais e também a formação de cacófatos.

É comum, depois da haplologia, dar-se a aglutinação das palavras que passam a constituir um só corpo mórfico.

Exemplos:

a) “Não tenho me (do) de macho”.

b) “O con (de) São Francisco e o seu amigo da marinha”.

c) “Seu aspecto tem o quer que seja de arrojado”.

d) Vamos tomar um cal (do) de cana.

e) Rua Con (de) Bonfim

f) Colégio Viscon (de) Cairu.

Além da haplologia, encontramos a aglutinação dos elementos, como abaixo:

a) “Um gordoidão no país da inflação”.

b) “Domingo, temos Festivolks (festival volks)”.

c) “Compre na Brastel. Baratotal.

d) “A cidade explode nos clubes.

Cantassambando

Sambatucando” (samba batucando)

e) “Loucademia de Polícia 2. Primeira missão (louca academia).

f) Artêxtil do Rio (arte têxtil)

Como conseqüência da haplologia, pode uma palavra englobar dois valores gramaticais, como no exemplo de Antonio Ferreira:

“Antes Deus quer que se perdoe um mau que um bom padeça”.

Fazendo-se a haplologia do primeiro “que” (conjunção comparativa):

Antes Deus quer que se perdoe um mau que que um bom padeça – o segundo “que” assume dois valores: conjunção comparativa e conjunção integrante.

SONORIZAÇÃO

Abordaremos o fenômeno, na Fonética Sintática, apenas em relação aos fonemas alveolares /s/ e palatal / s /.

Na frase, como intervocálicos ou então entre vogal e fonema consonantal sonoro, também se sonorizam.

a) “A essas horas Piedade de Jesus ainda esperava pelo marido”.

b) “Mas há outro modo...”

c) “Onde os ratos e os anjos se devoram”.

d) “Os dedos da menina eram delicados”.

e) “Os gatos faziam grande algazarra”.

FONEMAS DE TRANSIÇÃO

Na juntura dos vocábulos, pelo ritmo frasal, surgem fonemas de transição que criam novos vocábulos fonológicos diferentes dos vocábulos mórficos.

Podem ser vocálicos e consonantais.

O único caso em que se registra, na escrita, o fonema palatal nasal de transição ocorre no pronome indefinido “nenhum” (nem um).

a) “Eu vim aqui e não te encontrei”.

b) “Café preto que nem a preta velha...”

c) “Fui à fonte de Schimidt / beber água, lá fiquei”.

d) “...o matador – foi à traição – caiu no mundo”.

e) “O homem sem aspecto...”

MODIFICAÇÃO DE FONEMAS

1. Assimilação total e parcial

2. Nasalação ou Nasalização

3. Desnasalação, desnasalização, ectlipse.

1. Assimilação – aquisição por um fonema de traços fônicos de fonema vizinho. Pode ser total ou parcial.

a) Total: aquisição de traços fônicos de fonema vizinho, integralmente.

O fonema assimilador e o fonema assimilado, neste caso, têm traços fônicos comuns.

Os casos mais comuns ocorrem na conjugação de nossos verbos seguidos dos pronomes de 3ª pessoa lo (s) – la (s)

O mesmo ocorre, com freqüência absoluta, na contração da preposição arcaica “per” com o artigo também arcaico “lo (s) – la (s)”.

É doutrina simples no campo da fonética sintática, mas exposta de modo artificial e sem fundamentação lingüística em nossas obras didáticas.

Veja o que se lê aí: quando as formas verbais terminam em (/r, s, z/) e são seguidas dos pronomes “o – a – os – as” cai o /r/, cai o /s/, cai o /z/ e o pronome passa a ser “lo – la – los – las.

Observando o fenômeno com verbos, o que se tem é o seguinte:

Amar + lo (e não “ö”) > amallo > amalo > amá-lo.

Tem-se aí assimilação total do /r/ ao /l/ em que o /r/ se transforma, pela aquisição integral de seus traços fônicos: amá-lo.

Há abundância de exemplos desse tipo

a) “Esperamo-los aqui, disse Lídia, sentando-se com um vago suspiro.

b) “...um farfalhar de sedas, entrando no gabinete, fê-lo erguer-se”.

O mesmo fenômeno ocorre com a palavra denotativa de designação EIS seguida dos pronomes “lo (s) – la (s)”

c) “Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário / Convive com teus poemas antes de escrevê-los”.

(eis+los > eillos> ei>los > ei-los)

A assimilação parcial está presente na conjugação dos nossos verbos. Principalmente, na 2ª pessoa do plural de alguns tempos e na 1ª e 3ª pessoa do singular do pret.perf. simples do indicativo da 1ª conjugação:

Exemplos: am + a + va+ is > amáveis

Fora da conjugação verbal também ocorrem muitos casos:

a) “Era uma mulher de uns trinta e cinco anos”.

b) “... têm cordas e cadafalsos, na era de noventa e dois”..

c) “Mandou chamar o médico –

Diga trinta e três

Trinta e três...”

NASALAÇÃO (NASALIZAÇÃO)

Transformação de fonema oral em nasal, por influência de nasalidade anterior.

É fenômeno cristalizado que ocorre com os pronomes “o, a, os, as” adverbais, mas também ocorre fora dessa ambiência, no corpo da frase:

a) ”Mandaram-no esquartejar”.

b) ”...fizeram-no em paga de seus muitos merecimentos”.

c) ”Façam-no como quem morre / ou quem vive, que ele viva”.

d) “Segredos não nos” tenho”.

DESNASALAÇÃO (DESNASALIZAÇÃO – ECTLIPSE)

É fenômeno inverso do precedente e menos freqüente.

Camões apresenta um exemplo, quando escreve “no” e, lugar de “não” – “No mais, Musa, no mais”.

Encontra-se na linguagem popular um interjeição, resultante da desnasalização: Homem essa! Homessa!

Outros exemplos:

a) “Co’mito dissolvido”.

b) “Tempo feito c’os bagaços”.

c) “Virge Maria, que foi isso. Maquinista?”

d) “Isto é despovoar o Ceará, isto é fazer pouco caso do Ceará. C’os diabos!”

SINALEFA

No corpo da frase, pelo contato de fonema, aparecem encontros vocálicos intervocabulares, como ditongo e tritongo, mais comuns na linguagem poética, com ritmo mais acentuado que na prosa.

A esse fenômeno chama-se sinalefa, diferente da elisão.

A abundância de exemplos dá bem a medida do fenômeno.

a) “E alimentou, noutros tempos” /yalimentow/

b) “Dava detalhes, como se o negócio fosse dele”. / syu/

c) “Sem que eu de luto prossiga”. (kyew/

d) “Minha mãe me dê dinheiro / Pra comprar um cinturão / Que eu só acho a vida boa/ se andar mais Lampião”. / kyew – sya/

FENÔMENOS DEVIDOS À POSIÇÃO DO VOCÁBULO

PRÓCLISE

Antecipação, em sentido amplo, de um vocábulo a outro, num grupo de força, acarretando a subordinação do acento do 1º vocábulo ao acento do 2º.

A próclise dos pronomes átonos adverbais é apenas um dos casos de próclise.

Em português, são normalmente proclíticos os artigos, preposições e conjunções.

Exemplos:

A palavra embora resulta de sintagma locucional gramaticalizado:

Ir em boa hora > ir em bo’hora > ir embora.

Para a palavra popular “evém” (variante de “envém”) pode-se estabelecer, como caso correlato, o seguinte processo de formação.

Aí vem > ay vem > ey vem > e vem – evém

Na linguagem paulista, o fenômeno ocorre com relativa freqüência;

Exemplos:

Tio Geraldo / tiw gerawdo/

Frio bárbaro / friw barbaro/

Exemplos de palavras que sofreram as conseqüências da próclise:

a) “Faz mal não, Miguilim, hoje é dia de São” Gambá.

b) “Mas a amanhã ele volta, de manhã, antes de ir s’bem”ora para a cidade”.

c) “Cês” não viram o Misael, no mutirão”.

d) “Minha filha, boca presa / vosso pai evém chegando”.

e) “Coitadim do catingueira”.

f) “Miguilim me dá um beijim..”

ÊNCLISE

Posposição de um vocábulo a outro num grupo de força, acarretando a subordinação do acento tônico do vocábulo posposto ao do anteposto.

Conseqüência da ênclise: formação de vocábulos bisesdrúxulos ou sobredáctilos.

Exemplos:

Contaram-se-lhe coisas horripilantes..

É abundante a exemplificação:

a) “...notava-se-lhe no canto dos olhos...”

b) ”Mas a idéia não ia e agarrava-se-lhe ao cérebro”.

c) “...para D. Terezinha, procurando, puxando conversa, oferecendo-se-lhe para pentear o cabelo”.

d) “...bigodes punham-se-lhe mais hirtos”.

e) “...por uma espécie de remorso afigurava-se-lhe fugir debaixo dos pés o chão sólido”.

OUTROS FENÔMENOS

Fato comum e digno de registro é o que acontece entre falantes, principalmente os do interior de alguns estados brasileiros, com respeito à queda de vogal átona postônica em vocábulos proparaxítonos, transformando-os em paroxítonos.

Documentamos o fenômeno, na língua escrita, pelo menos em algumas palavras, em “Um Velho Caderno Sul-mineiro”e “A língua e o Folclore da Bacia do São Francisco” –MEC.

a) “...rapaziada do beira corgo / De relógio na algibeira”.

b) “... nem arvre frondosa / na sombra os pas’sos arreunia”.

c) “Ele é trovão de estalo / Eu sou relampo interisso”.

d) “Do figo desse garrote / Eu fiz um sarapaté”.

e) “Seu vigaro tão bão!”

f) “...cabou-se a fartura / agora é só misera”.

Finalizando, chamamos a atenção para a observação do ritmo frasal, que é de capital importância para o entendimento de mensagens, às vezes, com mais de uma leitura, maxime, na linguagem da propaganda, como se pode verificar num anúncio da Soda Limonada Antártica.

Como é musicado, a linha melódica permite mais de uma leitura, levando-se em conta a posição do acento tônico..

1. ”Só limonada Antártica (só se fala em... entre os demais refrigerantes, sobressai a soda limonada Antártica)

2. Soda Limonada Antártica (nome, pura e simplesmente, do refrigerante).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALI, M. Said. Gramática histórica da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1966.

ARCAINE, Enrico. Principes de Linguistique Appliquée. Paris: Payotes, 1972.

BECHARA. Evanildo C. Moderna gramática portuguesa. 3ª ed. São Paulo: Cia. Ed. Nacional.

CÂMARA, Jr. J. Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes 1980.

––––––. Dicionário de lingüística e gramática. Petrópolis: Vozes.

––––––. Para o estudo da fonética portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1077.

DUBOIS, Jean et alii. Dicionário de lingüística. São Paulo: Cultrix, s/d.

AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. A técnica do verso em português. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1997.

FRIAS, José Venícius Marinho Frias. Descrição e análise de fenômenos fonéticos que sofrem as palavras no nível da Frase. (Tese). Rio de Janeiro, 1998.

LESSA, Luiz Carlos. O modernismo brasileiro e a língua portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Grifo, 1976.

SEHNE, Sanford. Fonologia gerativa. Tradução de Alzira Soares da Rocha e Helena Maria Camacho.

SILVEIRA, Sousa da. Fonética sintática. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1952.

Um caderno sul mineiro e Brasil de chapéu de couro. MEC