EMPREGO DOS MODOS E TEMPOS

Adriano da Gama Kury

Introdução

Não é pacífica a determinação do número de modos verbais em nossa e noutras línguas.

Um antigo modo que a Nomenclatura Gramatical Brasileira pôs de lado, o CONDICIONAL, vigorava no castelhano, onde também foi abolido, sob o nome de POTENCIAL.

(E, como veremos adiante, o FUTURO DO PRETÉRITO, nome que substituiu o de CONDICIONAL,

por vezes adquire matiz modal.)

Ao que nos informa Antenor Nascentes (Estudos Filológicos, 3.a série, artigo “Conceito Estruturalista de Modo”, p. 102), um dos três modos constantes da NGB, o Imperativo, não tem cunho de modo no Estruturalismo de Hielmslev, porquanto “implica a chamada do interlocutor e fica fora do quadro dos modos, como o vocativo, que também pertence à apelação, fica fora do quadro dos casos”. A Gramática Estrutural só considera os modos Indicativo e Subjuntivo, que indicam, respectiva-mente, realização e não-realização do processo verbal.

Passo a examinar o emprego, em português, dos modos constantes da NGB, e de cada um dos tempos em que eles se dividem.

O TEMPO indica a relação entre o processo verbal e o momento em que se fala. São três os tempos do verbo:

1.o – o PRESENTE, para a ação que se passa no momento em que se fala: falo, ouves;

2.o – o PRETÉRITO, para os sucessos passados anteriormente ao momento em que se fala: falei, ouvias;

3.o – o FUTURO, para a ação a cumprir-se num momento vindouro, seja em relação ao tempo presente (farei), seja em relação a um fato pretérito (faria).

IO Modo Indicativo

É o INDICATIVO o modo do verbo que apresenta o processo verbal como uma realidade. É o modo por excelência da oração principal.

São tempos do indicativo: 1) o presente; 2) o pretérito imperfeito; 3) o pretérito

perfeito simples; 4) o pretérito perfeito composto; 5) o mais-que-perfeito simples; 6) o mais-que-perfeito composto; 7) o futuro do presente simples; 8) o futuro do presente composto; 9) o futturo do pretérito simples; 10) o futuro do pretérito composto.

PRESENTE

O Presente do Indicativo exprime, entre outros, os seguintes aspectos:

a) Habitualidade ou freqüência. É o ‘presente durativo’, o ‘presente universal’, com que se expressam fatos permanentes ou notórios, doutrinas, conceitos filosóficos, sentenças, provérbios; enfim, ausência de limitação no tempo:

O Sol brilha.

As abelhas fazem o mel.

O homem é mortal.

Dou aulas três vezes por semana.

“O mistério é o encanto da vida.” (M. de Assis)

Quem casa quer casa.

a) Ação próxima, decisão tomada ( ‘presente-futuro’):

O campeonato mundial começa em junho.

Viajo em janeiro para Nova Friburgo.

b) Presente histórico. É empregado em lugar do ‘pretérito perfeito’, para dar realce a fatos passados, que são descritos como se ocorressem no momento em que se fala:

O Presidente recebe festivamente os campeões do mundo.

c) Presente por Imperativo. É usado para traduzir delicadeza, interesse:

Vais a minha casa e trazes a maleta.

2) PRETÉRITO IMPERFEITO

O Pretérito Imperfeito do Indicativo designa, em princípio, um fato passado, mas não concluído. Assim, pode denotar:

a) Duração:

O sol declinava no horizonte.

Íamos de vento em popa.

b) Ação passada habitual ou repetida:

“Antigamente a gente fugia para a praia.” (Rubem Braga)

Emprega-se, ainda, por delicadeza, timidez, em lugar do Presente do Indicativo:

Desejava que o senhor me dispensasse mais cedo.

Podia emprestar-me a caneta?

Usa-se, também, pelo Futuro do Pretérito:

Se me oferecessem o lugar, eu aceitava.

O verbo ser, com sentido existencial, é usado no início de certos contos de fadas, fábulas, lendas, na forma do Imperfeito:

Era uma vez um rei ...

Como o Imperfeito encerra uma idéia de continuidade, de duração, presta-se especialmente para descrições e narrações de fatos passados, alternando com o Pretérito Perfeito, para os fatos pontuais, e com o Mais-Que-Perfeito:

“A feira se desmanchava; escurecia; o homem da iluminação, trepando numa cadeira, acendia os lampiões.” (Graciliano Ramos)

“Conta a fábula que um dia/ no monte estava um pastor;/ era de tarde; fazia/ um tempo esplêndido; a cor/ do ocaso/ punha vermelhas/ as águas lisas do mar.” (Lúcio de Mendonça)

“Vitório era um homem de pouco mais de 40 anos. Seus cabelos grisalhos e seu rosto vermelho formavam um saudável contraste. Tinha uma belo aspecto e fora, na mocidade, um caso sério para as mulheres. Nenhuma, no entanto, conseguira prendê-lo. Vitório prezava a liberdade, incapaz de profundas e duradouras afeições. Desde cedo começara a trabalhar por conta própria. Foi talvez o que o afastou do casamento. Quando tinha dinheiro, gastava tudo. Quando não, retraía-se.” (Marcos Rey)

PRETÉRITO PERFEITO SIMPLES

Este tempo apresenta um fato já terminado numa época passada:

Na minha última viagem visitei Roma.

Quando o reencontrei, ele não me reconheceu.

“Um bem-te-vi assustado fugiu da mangueira próxima.” (Carlos Drummond de Andrade)

PRETÉRITO PERFEITO COMPOSTO

É formado com o Presente do Indicativo do verbo ter e o particípio do verbo principal. Traduz geralmente um fato que se iniciou no passado e pode continuar prolongando-se até o momento em que se fala; ou então um fato habitual:

Tenho escrito um pouco todas as manhãs.

O que tens feito ultimamente?

MAIS-QUE-PERFEITO SIMPLES

Exprime, da mesma forma que o Mais-Que-Perfeito Composto, um fato passado, anterior a outro igualmente passado:

Havia dois dias, uma bomba explodira no saguão do hotel.

“A Maria sentou-se a um canto a chorar e a maldizer a hora em que nascera, o dia em que pela primeira vez vira o Leonardo.” (Manuel Antônio de Almeida)

“O Leonardo abandonara para sempre a casa fatal onde tinha sofrido tamanha infelicidade.” (Id.)

 

MAIS-QUE-PERFEITO COMPOSTO

Tem o mesmo valor que o Simples; forma-se com o Imperfeito do Indicativo do verbo ter (usual) ou haver e o particípio do verbo principal.:

“Saímos então para ver de perto o que o rio tinha feito.” (José Lins do Rego)

Em qualquer dos exemplos, as formas grifadas podem ser substituídas pelas equivalentes: tinha (ou havia) abandonado por abandonara; sofrera ou havia sofrido por tinha sofrido; tinha feito, por fizera ou havia feito.

Observe-se que a 3.a pessoa do plural do Mais-Que-Perfeito é igual à do Pretérito Perfeito Simples, e o uso da forma composta “tem a vantagem de desfazer a dúvida entre pretérito perfeito e pretérito mais-que-perfeito” (Said Ali).

Na linguagem literária pode empregar-se o Mais-Que-Perfeito Simples em lugar do Futuro do Pretérito e do Pretérito Imperfeito do Subjuntivo, por vezes simultanea-mente na mesma frase:

“Que fora (= seria) a vida, se nela não houvera (= houvesse) lágrimas?” (Herculano)

Cabe observar ainda que, na linguagem corrente do Brasil, não tem curso a forma simples do Mais-Que-Perfeito, sempre substituída pela forma composta com o auxiliar ter. Seu uso limita-se a certas frases exclamativas como “–Quem me dera!”, ou “–Prouvera a Deus!”.

FUTURO DO PRESENTE SIMPLES

a) Indica essencialmente um fato como devendo realizar-se num tempo vindouro em relação ao momento em que se fala:

O avião aterrissará dentro de quinze minutos.

Domingo próximo haverá eleições.

Exprime também probabilidade, dúvida, incerteza:

Haverá paz no túmulo?” (Herculano)

Onde andará ele agora?

Ele terá seus vinte anos.”

Na língua falada, o Futuro do Presente Simples é, hoje, de emprego relativa-mente raro. É substituído, mais geralmente, pelo Presente do Indicativo do verbo ir mais o Infinitivo do verbo principal:

Vou sair mais cedo hoje.

Também são usuais, com o valor de futuro, locuções com haver de, ter de, dever e outras:

Tenho de sair mais cedo (indica obrigação); Devo sair (indica probabilidade); Hei de passar (exprime resolução) na prova.

FUTURO DO PRESENTE COMPOSTO (ou ANTERIOR)

É constituído do Futuro do Presente Simples dos verbos ter ou haver com o participio do verbo principal, para indicar:

que uma ação futura será concluída antes de outra:

Quando o inspetor chegar, já terei acabado a prova.

a possibilidade de ter ocorrido um fato passado:

Terá sido de Rui Barbosa essa declaração?

FUTURO DO PRETÉRITO SIMPLES

Esta forma verbal em -ria refere-se a um fato posterior (= futuro) a um dado momento já passado (= pretérito) de que se fala; é, pois, um futuro dentro do passado:

O inspetor avisou que só chegaria às 10 horas.

Se eu obtivesse um empréstimo, compraria um apartamento.

Compare-se: Se eu obtiver um empréstimo, comprarei um apartamento.

OBSERVAÇÃO: Na maioria das vezes, é imprópria a denominação de condicional, hoje abolida, que se dava ao Futuro do Pretérito.

10) FUTURO DO PRETÉRITO COMPOSTO (ou ANTERIOR)

É constituído do Futuro do Pretérito dos verbos ter ou haver mais o particípio do verbo principal. Exprime fato de uma época passada a que nos referimos, mas já acabado antes de outro fato futuro:

Estava previsto que, às 10 horas, a prova já teria terminado.

Se eu tivesse obtido o empréstimo, teria comprado o apartameento.

Eu o teria esperado ontem, caso não tivesse um compromisso.

IIO Modo Subjuntivo

 

É o Subjuntivo o modo do verbo que apresenta o processo verbal como duvidoso, ou possível, ou como simples desejo. Embora apareça também em orações independentes e principais, é o modo por excelência da oração subordinada: Quero que estudes.; Gostaria que estudasses mais.; Se estudares mais, poderás aprender.; Embora estude, não aprende.

São tempos do Subjuntivo: 1) presente; 2) pretérito imperfeito simples; 3) pretérito perfeito (composto); 4) pretérito mais–que-perfeito (composto); 5) futuro simples; 6) futuro composto.

1) PRESENTE

O Presente do Subjuntivo pode exprimir:

– Em orações absolutas ou principais:

a) desejo:

Deus te guie.

b) hipótese, concessão:

Nada de cerimônias: suponham que estão em casa.

c) dúvida (geralmente precedido de talvez):

Talvez a realidade seja mais forte que a ficção.

– Em orações subordinadas, um fato eventual:

Não há quem ignore esse fato.

Não há ninguém que aceite esse encargo.

Não admito que se faça greve.

Procure agir de maneira que agrade a todos.

Deixe que as crianças brinquem à vontade.

Receio que aconteça o pior.

É provável que surja outra oporunidade.

NOTA: É de observar a presença da palavra que antes de quase todas as formas do Subjuntivo dos exemplos, o que levava a usá-la na conjugação desse tempo verbal: que eu faça, que tu faças, etc. Ocorre também o pronome quem (= aquele que).

2) PRETÉRITO IMPERFEITO SIMPLES

Este tempo se usa nas orações subordinadas, quando a principal tiver o verbo num tempo do pretérito:

Não admitia que se fizesse greve.

Quem fizesse greve seria demitido.

Não encontrou ninguém que aceeitasse o encargo.

Não encontrou quem aceitasse o encargo.

Procurava agir de maneira que agradasse a todos.

Deixou que as crianças brincassem à vontade.

Era provável que surgisse outra oportunidade.

Proibiu que revelassem o acordo.

Se tivesses paciência, obterias o que pretendes.

3) PRETÉRITO PERFEITO

Só possui a forma composta: verbo ter (ou haver) no Presente do Subjuntivo mais particípio do verbo principal. Pode exprimir:

a) um fato passado já presumivelmente terminado:

É precipitado afirmar que ele tenha sido culpado.

b) um fato futuro já terminado em relação a outro:

Quando chegarmos, é provável que a palestra já tenha acabado.

4) PRETÉRITO MAIS-QUE PERFEITO

Só possui a forma composta: verbo ter (ou haver) no Imperfeito do Subjuntivo mais particípio do verbo principal. Denota, dentro das características de possibilidade próprias do subjuntivo:

a) uma ação anterior a outra já passada:

Se ele houvesse escutado os conselhos da mãe, teria evitado o acidente.

b) um fato eventual no passado:

Não acreditei que ele tivesse perdido a partida.

5) FUTURO DO SUBJUNTIVO SIMPLES

Exprime uma ocorrência futura possível, eventual. É um tempo verbal que ocorre sobretudo:

a) nas orações subordinadas adverbiais temporais iniciadas por uma conjunção subordinativa temporal:

Quando puderes, vem visitar-nos.

Assim que ele se desocupar, virá atendê-lo.

b) nas orações subordinadas adverbiais condicionais iniciadas por uma conjunção subordinativa condicional:

Se (ou caso) ele puder, te trará o livro.

c) em certas orações iniciadas por quem:

Quem viver verá.

6) FUTURO DO SUBJUNTIVO COMPOSTO

É formado pelo Futuro Simples do Subjuntivo do verbo ter (ou haver) mais o particípio do verbo principal. Indica um fato futuro dado como concluído em relação a outro fato futuro, dentro das características de eventualidade próprias do subjuntivo:

Só é capaz de responder quem tiver lido o livro recomendado.

NOTAS SOBRE O EMPREGO DO SUBJUNTIVO

1. É de observar que, na fala das pessoas incultas, aparece o indicativo em lugar do subjuntivo. É comum ouvir “O senhor quer que eu faço?”, por “O senhor quer que eu faça?”.

2. Sempre que se trate de uma possibilidade, de uma eventualidade, e não de uma certeza, usa-se o subjuntivo. Compare-se:

O cidadão que ama sua pátria engrandece-a. (realidade)

O cidadão que ame sua patria engrandece-a. (conjectura)

(Apud Bechara, Moderna Gramática)

3. Nas orações subordinadas adverbiais concessivas iniciadas pelas conjunções embora, ainda que, mesmo que, conquanto, posto, posto que e outras, usa-se o subjuntivo, com raras exceções:

“Sendo preciso despir a camisa e dá-la a um mendigo, Nóbrega o faria, ainda que a camisa fosse bordada.” (M. de Assis, EJ)

Posto não achasse já nenhum conhecido antigo, Nóbrega tinha medo de tornar ao bairro.”(Id.)

“Nenhum falou logo, posto que ambos sentissem necessidade de explicar alguma cousa.” (Id.)

4. Nas orações subordinadas adverbiais temporais temporais introduzidas por antes que, assim que, até que, enquanto, depois que, logo que, quando ocorrem nas indicações de possibilidade (e não de realidade, caso em que ocorre o indicativo), usa-se o subjuntivo:

Cuide dessa gripe, antes que ela se transforme em pneumonia.

Amar-te-ei até que a morte nos separe.

Enquanto o mundo for mundo, não te esquecerei.

Só sairei depois que ele chegar.

Logo que termine esta carta, vou atendê-lo.

Compare:

Assim que terminou a carta foi atendê-lo.

Amaram-se até que a morte os separou.

Nosso amor foi grande enquanto durou.

(Nestas três frases, não se trata de uma eventualidade, mas de um fato real, acontecido.)

5. Também têm o verbo no subjuntivo as orações, geralmente intercaladas, que atenuam a generalidade de uma afirmativa:

Não há, que eu saiba, qualquer proibição nesse sentido.

6. O subjuntivo empresta suas formas às pessoas do Imperativo que não as tem próprias.

Adriano da Gama Kury.