O EMPREGO DO INFINITIVO
FLEXIONADO E SEM FLEXÃO NA LOCUÇÃO VERBAL

José Geraldo Paredes (ABF e EGN)

O verbo

O verbo é a palavra que exprime, por flexões diversas, ação (falar, vender); fenômeno (chover, trovejar); estado (ser, estar); mudança de estado (tornar-se, ficar). Expressa movimentos, fenômenos, estados, o que se passa nos seres ou por intermédios dos seres.

A classificação tradicional entre verbos de ação e de estado não corresponde mais à realidade lingüística. O verbo, como qualquer outra palavra só se realiza dentro da oração. Fora é pura abstração. Conclui-se, portanto, que na verdade não há verbo de ação ou de estado. O que há são valores que os verbos assumem, segundo o emprego que se faça deles (MACEDO, 1977).

ü “Os alunos fazem seus deveres” – temos aí um verbo de ação; no entanto, quando dizemos que “dois e dois fazem quatro” temos um verbo de estado.

Da compreensão do que seja verbo de ação e verbo de estado, tem-se a noção do que seja frase verbal e frase nominal.

Na realidade, um verbo indica não apenas ação, mas também realidade.

O nome situa o ser no espaço; o verbo representa-o no tempo. Ao representar a idéia temporal, o verbo indica o momento da ocorrência e, em consonância com a forma temporal, a propriedade aspectual revela a duração ou o resultado do processo.

O verbo tem desempenho importante como elemento integrante da oração. No processo da comunicação, a flexão verbal constitui componente que indica o sujeito da oração. Pela desinência núnero-pessoal tem-se o falante, emissor ou comunicador, o receptor e a mensagem, isto é, quem fala, com quem se fala e de que ou de quem se fala.

O sistema verbal do português proveio do latim corrente com inúmeras alterações no romanço: teve origem na linguagem falada, não linguagem literária.

Registram-se, também, formas que recebiam o tratamento de nome, constituindo, assim, uma forma nominal do verbo. É o caso do particípio, do gerúndio, do infinitivo.

As formas nominais

Chamam-se formas nominais do verbo as que por sua natureza mais se aproximam do nome substantivo e do adjetivo e têm função ora de verbo, ora de nome – é o caso do infinitivo e do particípio.

O infinitivo pode ter função própria do substantivo na estrutura da oração (viver é lutar) –a vida é luta; daí os termos: o jantar, o dever, o comer, o brincar...; o particípio pode valer um adjetivo ou um substantivo: profissional incipiente, menina sabida, o agente, o ouvinte, o vidente, o guisado, o cozido.

Rodrigues Lapa na sua obra Estilística da língua portuguesa chama essas formas de verbo substantivo e após citar uma série desses nomes os caracteriza como formas verbais cristalizadas.

No caso do particípio, cabe considerar os dois particípios: o presente e passado.

O particípio presente latino deu, em português, formas em -nte: amante, movente, ouvinte, palavras deverbais, procedentes da 1ª, 2ª, 3ª conjugações, caracterizadas pelas vogais temáticas: a, e, i.

Essas formas, hoje, são usadas em geral como substantivos: a amante, o ouvinte, o vidente; e como adjetivos propriamente ditos: coração amante, médico assistente, mulher pedinte. Poucos foram os vestígios deixados da antiga função verbal – homem temente a Deus.

O particípio presente já no século XVI, período quinhentista, constituía arcaísmo. Não há, por conseguinte, particípio presente no português moderno.

O particípio passado era em latim uma estrutura nominal. Tinha a morfologia de um nome adjetivo, com flexão nominal de gênero, número e caso, como os demais nomes adjetivos.

No português, como adjetivo, é variável em gênero e número: aluno estimado; filhas dedicadas... Nesse caso, não há valor participial, só função de adjetivo.

O gerúndio como forma nominal adquire função adverbial ou adjetiva, como ocorre nesses períodos.

a) chegando ao aeroporto, foi logo recebido pelas autoridades. – Chegando ao aeroporto: oração subordinada adverbial reduzida de gerúndio – chegando = assim que ou logo que chegou

b) Havia ali um bêbado tresvariando em voz alta. Graciliano Ramos, apud Adriano da Gama Kury. NLAS, 81. Tresvariando em voz alta: oração subordinada adjetiva restritiva reduzida de gerúndio –tresvariando = que tresvariava.

É freqüente o gerúndio em locuções verbais: estou trabalhando muito; vou indo bem nos estudos; vive pensando na namorada; assim você acaba brigando.

Essas formas nominais são constituídas do tema (radical + vogal temática) acrescidas das seguintes desinências:

a) r para o infinitivo: am+a+r; vend+e+r, part+i+r

b) do sufixo do particípio: am+a+do; vend+i+do; part+i+do;

Obs.: “as formas aceito, eleito, omisso; visto; expulso etc...são formas de particípios de tema nominal, sem sufixo caracterizador, conhecido como formas supletivas” (FREITAS, 1997).

c) -nte para os nomes procedentes do particípio presente latino: ama+a+nte; vid+e+nte; ouv+i+nte.

d) -ndo para o gerúndio: am+a+ndo; vend+e+ndo; part+i+ndo

A locução verbal

A locução verbal é formada por diversas formas de um verbo auxiliar com qualquer das formas nominais – infinitivo, particípio, gerúndio, formando assim um todo semântico: vai chover, vamos ler, tinha ido receber, vinha carregada, vive zangado, vai ficando, estou almoçando...às vezes, entre o auxiliar e o verbo principal no infinitivo pode aparecer ou não uma das preposições a, de, por, para: começou a trabalhar, hei de ganhar, estávamos por sair. As locuções verbais são também conhecidas por locuções perifrásticas, conjugações perifrásticas.

Na locução verbal, a forma nominal fixa a idéia central, e o auxiliar indica as diversas flexões: de tempo, modo, voz, pessoa e número.

Vários são os papéis dos auxiliares

a) ter e haver – auxiliam na conjugação dos tempos compostos na voz ativa: tenho estudado; hei de vencer. Nessa composição só o auxiliar flexiona.

b) Ser e estar – auxiliam na conjugação dos tempos compostos na voz passiva: elas foram elogiadas pelo professor; ele foi designado diretor. Na voz passiva, o verbo principal sofre flexão de gênero e número.

c) Os auxiliares nas locuções verbais determinam também no processo verbal com mais precisão os aspectos no ato da ação

ü início da ação: vai começar a escrever

ü continuidade da ação: continua dormindo

ü momento final: acabou de fazer o trabalho

Verbos causativos e sensitivos

Chamam-se causativos e sensitivos os verbos mandar, fazer, deixar e sinônimos (causativos) e ver ouvir sentir e sinônimos (sensitivos) que não formam locução verbal com os infinitivos que deles dependem.

Exemplos:

a) Mandei-os sair

Mandei

– oração principal

os sair

– oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo

os

– sujeito de sair

   

Mandei

os sair - reduzida de infinitivo

 

que eles saíssem – desenvolvida

b) “O barão, que havia tomado a cabeceira, fizer sentar o filho a seu lado” (Aluísio Azevedo)

O barão fizera

–oração principal

Sentar o filho a seu lado

–oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo

O filho

sujeito de sentar

   

O barão fizera

sentar o filho a seu lado (reduzida)

 

que o filho sentasse a seu lado (desenvolvida)

c) “Esta consideração fez-me chegar francamente à porta da loja”. (M.de Assis)

Esta consideração fez

– oração principal

me chegar francamente à porta da loja.

– Oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo

me

sujeito de chegar

   

Esta consideração fez

me chegar francamente à porta da loja (reduzida)

 

que eu chegasse francamente à porta da loja (desenvolvida)

Obs.: pode ocorrer flexão do infinitivo, quando o sujeito vier anteposto ao verbo:

Deixai os pequeninos virem a mim.

Emprego do infinitivo

Não se flexiona o infinitivo

a) quando tiver sentido imperativo

ü Cessar fogo!

ü Atenção, soldados, olhar para frente!

ü À esquerda, volver!

b) quando regido da preposição de, tiver sentido passivo e funcionar como complemento de um nome adjetivo

ü Esses trabalhos são fáceis de fazer

ü Esses livros são bons de ler

c) quando fizer parte de uma locução verbal

ü Quero pedir-te um favor

ü Queremos pedir-te um favor

ü Deve haver pessoas interessadas neste estudo

ü Devem existir pessoas interessadas neste estudo

ü Precisamos trabalhar

Obs.: Na locução verbal, somente o verbo auxiliar é flexionado, mas, quando o verbo principal estiver afastado do auxiliar e desejarmos dar destaque à pessoa a quem a ação se refere, o infinitivo pode ser flexionado. (BECHARA, 1999)

Vejamos o exemplo nos versos de Gonçalves dias

Possas tu, descendente maldito

De uma tribo de nobres guerreiros,

Implorando cruéis forasteiros,

Seres presa de vis Aimorés.

d) quando depende dos verbos causativos (mandar, fazer, deixar e sinônimos) e dos verbos sensitivos (ver, ouvir, sentir e sinônimos) e tiver por sujeito um pronome pessoal átono.

Faça-os entrar

Obs.: Se o sujeito do infinitivo vier anteposto ao verbo e representado por um nome substantivo, ocorre a flexão.

Deixai os pequeninos virem a mim..

e) com os verbos causativos e sensitivos não ocorre exatamente a mesma sintaxe. Com os verbos sensitivos pode acontecer:

- tendo eles por sujeito um pronome pessoal átono, o infinitivo não se flexiona

ü o professor viu-nos chegar

ü ouvimos-te cantar

- tendo o infinitivo por sujeito um substantivo, poderá flexionar-se, ou não. Flexionar-se-á se estiver afastado ou se houver intenção de realçar o sujeito.

ü “verão morrer com fome os filhos caros” (C).

ü “verá braços e pernas ir andando” (M. de Assis).

ü “vi os brutos inclinarem-se mais” (M. de Assis).

f) quando o sujeito do infinitivo for o mesmo da oração principal.

Estamos aqui para cumprir as nossas obrigações.

Obs.: se desejarmos pôr em destaque a pessoa a quem se refere, o infinitivo pode ser flexionado.

Estamos aqui para cumprirmos as nossas obrigações.

g) com o verbo parecer, pessoal (= infinitivo não se flexiona)

ü Os concursados parecem temer o resultado

Obs.: Se o infinitivo vier afastado, poderá flexionar-se.

ü “As aves aquáticas pareciam nos seus vôos incertos, vagarosos, folgarem com os primeiros dias ...” (A. Herculano)

h) com o verbo parecer, impessoal (flexiona-se o infinitivo)

ü Pareceu-me estarem os candidatos confiantes.

Obs.1: no primeiro exemplo, parecem temer recebe tratamento de uma locução verbal. Nesse caso, cabe ao verbo auxiliar concordar com o sujeito.

Obs.2: no segundo exemplo, a construção nos mostra duas orações.

1a. Pareceu-me (verbo que exprime dúvida)

2a. estarem os candidatos confiantes (infinitivo flexionado por apresentar sujeito próprio).

Nas orações: viver é lutar; fumar é proibido; comer faz bem; estudar é bom – nessas construções, os termos viver, lutar, fumar, comer, estudar são formas substantivadas e, como tal, recebem o tratamento de nome

Comer faz bem – o comer faz bem

Comer – sujeito de faz

Flexiona-se o infinitivo

a) quando tiver sujeito próprio – diferente do sujeito da oração principal

ü Julgamos serem eles os culpados

Oração principal - Julgamos (sujeito nós - elíptico)

Oração subordinada - serem eles os culpados (sujeito eles)

ü Acredito estarem meus alunos preparados.

Eu – sujeito de acredito

Meus alunos – sujeito de estarem

ü “Veio-me à lembrança a notícia lida naquela manhã de estarem fechadas todas as farmácias da cidade.” M. de Assis, apud Rocha Lima

notícia lida – sujeito de veio

todas as farmácias – sujeito de estarem fechadas

b) No caso dos verbos sensitivos, mesmo com sujeito próprio, o infinitivo pode deixar de flexionar-se

ü “Verá braços e pernas ir andando” (M. de Assis)

c) quando a oração introduzida por infinitivo regido de preposição, anteceder à oração principal, nesse caso, ora o infinitivo flexiona, ora não. No dizer de Said Ali: “é árbitro o intuito do próprio autor, e não um preceito gramatical fixo.”

ü Para realizar esta tarefa, precisamos de tempo.

ü Para realizarmos esta tarefa, precisamos de tempo.

d) quando a oração subordinada iniciada com a expressão ao+infinitivo, com valor temporal, anteceder à oração principal.

ü Ao ouvirem o Hino Nacional, todos os presentes se levantaram

ü Ao apresentarmos a candidata, todos acorreram para cumprimentá-la

Ocorre o mesmo emprego do caso anterior com preposições. Pode ocorrer flexão, ou não, independente de a oração reduzida anteceder à principal.

ü “Os árabes adivinharam-no ao descortinarem o espetáculo que tinham ante si.” (A. Herculano)

ü “Não causariam nem estranheza nem receio ao aparecerem ahi com seus donos.” (idem)

e) quando houver interesse de enfatizar o agente da ação verbal, isto é, de dar destaque especial ao sujeito.

ü Lutamos para conquistarmos um espaço importante na nossa profissão.

Considerações gerais

Somente em 1908, com a publicação da obra Dificuldades da Língua Portuguesa, Said Ali, partindo do real com farta exemplificação de autores de vária épocas deu a orientação segura para o bom emprego do infinitivo.

Said Ali conclui que o emprego do infinitivo em português é antes de caráter estilístico que de imposição gramatical

no emprego do infinitivo enfático, como na ênfase em geral deve-se levar em conta a intenção, o elemento subjetivo, e neste ponto o gramático, não podendo colaborar no pensamento do autor, fica impossibilitado de decretar leis.

BIBLIOGRAFIA

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37ª ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

CAMARA Jr. Joaquim Mattoso. História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão, 1976.

––––––. Dicionário de filologia e gramática referente à língua portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro: J. OZON, 1964.

FREITAS, Horácio Rolim de. Princípios de morfologia. 4ª ed. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1997.

LAPA, Manuel Rodrigues. Estilística da língua portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

MACEDO, Walmírio. Análise sintática – em nova dimensão. 4ª ed. Rio de Janeiro: Departamento gráfico do M.A.F.C., 1977.

MELO, Gladstone Chaves de. Iniciação à filologia portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1957.

SAID ALI, Manuel. Dificuldades da língua portuguesa. 5ª ed. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1957.

––––––. Gramática histórica da língua portuguesa. 3ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1964.

SOUSA DA SILVEIRA. Lições de português. 6ª ed. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1960.