O texto numa aula de Língua Portuguesa

Evanildo Cavalcante Bechara (ABF, ABL, UERJ, UFF)

 

Os Clássicos,
Modelos
Eternos da Linguagem
 

A boa estimação dos[1] clássicos, o carinho e o amor com que devemos cercá-los, é o fruto da madureza do espírito, quando cessa a altivez de idéias novas ou apenas diferentes, soberbas, bizarras extravagantes.

A juventude não ama aos clássicos porque não tem a “consciência do ridículo” e não está ainda desenganada de presumidas ciências e maravilhas que lhe avultam na alma, como estranhas revelações. Ao cabo de tantos lances, mais serena filosofia a modera e refreia e quebranta aqueles primeiros ímpetos. E não homem que, vivendo um pouco, não lhe chegue[2] a hora de dizer, como o velho rei bíblico, que sub sole nihil novum.

Nada mais velho que a moda, nada mais fácil que a originalidade das desobediências.

O grande e puro escritor que foi Herculano dizia, referindo-se ao influxo dos livros franceses:

Cada livro que chega é como um indivíduo daquela nação que vem falar no meio de nós; indivíduo, por via de regra, mais civilizado, mais rico de idéias ou pelo menos de idéias[3] bem ordenadas que os que escutam.

Estou com o grande historiador, que certamente algum fruto e proveito nessa anarquia e nessa indisciplina juvenil.

Mas vencida essa crise de crescimento, se não se quer ser infante toda[4] a vida, não outro endereço mais que o do amor e respeito aos modelos eternos da linguagem.

O mais moderno e o mais livre de todos os escritores portugueses, Eça de Queirós, consagrou os últimos restos da vida a limar e a castigar o seu formoso e suave estilo, restituindo-o, quanto pôde, à nobreza antiga da língua. É que o espírito, na morte, se reintegra e continua eterno na sua própria espécie, e o corpo se contenta com volver e perder-se em outras fermentações e outras tantas modas e mutações da vida universal.


 

(RIBEIRO, João. Páginas de Estética. Lisboa, 1905, p. 120-1)

 

Tópicos para estudo do texto “Os clássicos, modelos eternos de linguagem”, de João Ribeiro, numa aula de português.

 

(1)  Classes de palavras

(a)    o mais moderno e o mais (31)

o do amor (29)

os que (23)

(b)    que (24)

(2)  Pronome demonstrativo

(a)    nessa (25)

essa (27)

(b)    aqueles (11): coesão textual

(3)  Conjunção coordenativa

(a)    E (11)

(b)    Mas (27)

(4)  Conjunção subordinativa

(a)    que = do que (16; 22; 29)

(5)  Análise sintática

(a)    lhe (9; 12)

(b)    que... lhe: anacoluto (12)

(6)  Discurso direto (19-23)

(7)  Concordância: é (2)

(8)  Regência

(a)    Ama aos clássicos (6)

(b)    desenganada de (7-8)

(c)    amor e respeito aos (29)

(d)    a modera e refreia (10-11)

(e)    é como (19)

(9)  Colocação

(a)    velho rei bíblico (13)

(b)    o grande e puro escritor (17)

(10) Pontuação

(a)    vírgula + como (9; 13)

(b)    vírgula + vivendo (12); referindo-se (18); quanto pôde (34)

(c)    por via de regra (22); na morte (35); pelo menos (19); certamente (24-25)

(d)    mais que (15): sem vírgula.

(e)    com que devemos cercá-los, é (2)

(f)     vírgula + e (36-37)

(11) Repetição

(a)    o carinho e o amor (1-2)

(b)    modera e refreia e quebranta (10-11); nessa anarquia... nessa indisciplina (26-27): da conjunção, da preposição e do adjunto

(c)    a limiar e a castigar (33)

(d)    sua própria (36)

(12) Elipse

(a)    do verbo (15)

(b)    da preposição: toda a vida (28)

(c)    do pronome complemento: modera e refreia (10-11)

(d)    do adjunto (33-34)

(13) Léxico

(a)    estou com (24)

(b)    repetição sinonímica, modera / refreia (10-11); fruto e proveito (25); anarquia e indisciplina (25-26); amor e respeito (29); modas e mutações (38-39)

(c)    E (vicário) (37)

(14) Formação de palavras

(a)   variedade sinonímica: estimação (1); madureza (2-3); infante (28).


 

[1] estimação dos. A preposição de denotando o objeto de um sentimento.

[2] homem que... não lhe chegue. Anacoluto.

[3] ou pelo menos [mais rico] de idéias, etc.

[4] As palavras toda, endereço e portugueses eram escritas com acento circunflexo diferencial até a reforma ortográfica de 18 de dezembro de 1971, que eliminou esse acento meramente diferencial de timbre. [NOTA DO EDITOR]