TEORIAS
LINGÜÍSTICAS
APLICADAS AO
ENSINO
DO
PORTUGUÊS
Terezinha Bittencourt
(UFF e ABF)
A
constituição
da
lingüística
como
ciência,
configurada num
corpo de
doutrina
com
método e
objeto
próprios, é
relativamente
recente.
Assim,
ainda
que gozando de
um
respeitável
status
na
comunidade
acadêmica,
em
virtude dos
significativos
resultados
alcançados, é
natural
que muitas
questões
concernentes a
seu
objeto de
investigação,
particularmente
aquelas vinculadas ao
ensino de
línguas,
provoquem
debates e
suscitem
controvérsias.
A
chamada
lingüística
moderna,
desenvolvida
fundamentalmente
sob a
égide do
pensamento de
Ferdinand de Saussure, na Europa, e de Leonard Bloomfield,
nos
Estados
Unidos,
mostra
tamanha
multiplicidade de
temas e de
concepções
acerca da
linguagem
verbal,
difundidas num
sem-número de
escolas,
que
hoje
certamente
já
não se pode
mais
tomar a
lingüística
como uma
ciência
unitária.
Cremos
não
estar faltando
com a
verdade, se dissermos
que a
cada
década aparece
uma
nova
proposta de
investigação
da
linguagem. De
fato,
nos
anos sessenta,
os
estudos
lingüísticos
se difundiram
sob a
orientação do
estruturalismo,
nos
anos setenta,
foi a
vez da
gramática
gerativo-transformacional e,
nos
anos oitenta,
começaram a
despontar a
lingüística
textual e as
diferentes
escolas de
análise do
discurso,
fundadas,
por
sua
vez,
em
diferentes
pressupostos
teóricos.
É
bem
verdade
que todas
essas
escolas,
ainda
que
apresentando
um
arcabouço
teórico e
metodológico
próprio,
enquanto
herdeiras do
pensamento de
Saussure e de Bloomfield, unem-se
sempre
em
torno de
alguns
princípios
considerados
básicos
por todas,
ressaltando-se
entre
estes a
concepção de
língua
como
um
sistema
estruturado
para
cumprir a
função
representativo-comunicativa e a
idéia de
que todas as
distintas
normas
lingüísticas
devem
ser examinadas,
sem
nenhum
caráter de
privilégio
ou de
exclusividade
para
qualquer uma
delas.
Todavia,
tal
multiplicidade de
orientações –
legítimas,
vale
lembrar,
pois
que,
em
cada uma
delas, se examina o
objeto
sob
diferentes
perspectivas –
se,
por
um
lado, permitiu
que a
lingüística avançasse
cada
vez
mais
em
seu
propósito de
investigar a
linguagem
verbal
em
seus
diferentes
aspectos,
semântico,
fonológico,
morfológico,
sintático,
por
outro, levou o
estudioso da
linguagem,
sobretudo o
professor de
línguas, a
um
estado de
total
desorientação
diante de
tantas
propostas de
estudo e de
tanta
divergência
acerca de
determinados
temas.
Assim,
diante de
pensamentos
tão
diversificados no
que concerne
aos
estudos de
língua, o
professor
já
não
encontra
segurança
para
discernir
acerca do
que
deva
efetivamente
constituir o
objeto de
seu
ensino
em
sala-de-aula.
Ademais,
não sabe
em
que
escola
fundamentar-se, a
fim de
manter-se atualizado
com as últimas
novidades de
sua
área e
ainda se deve
ou
não
transmitir a
seus
alunos os
conteúdos de
lingüística aprendidos
nos
cursos de
Letras,
pois
já
não sabe se
deve identificar-se
com
um
professor de
língua
ou de
lingüística.
Em
conseqüência
de
realidade
tão confusa, é
muito
comum
encontrar-se,
quer
nos
cursos de
graduação
quer
nos
cursos de
pós-graduação,
profissionais
angustiados,
aturdidos e
inteiramente
desorientados no
que concerne à
sua
atuação, indo
à
Universidade à
procura de
respostas
para determinadas
questões de
fundamental
importância
para
seu
desempenho.
Procuraremos
tratar
aqui de
alguns desses
questionamentos, selecionando os
pontos
que
mais
controvérsia
têm suscitado
entre os
que se ocupam
do
ensino de
língua
materna.
Para
tanto,
tomaremos
como
ponto de
partida as
indagações
mais
freqüentemente
apresentadas
pelos
professores de
língua
portuguesa aos
professores de
lingüística, verificando,
antes de
tudo, os
fundamentos
subjacentes a
cada uma
delas. Nortearemos a
discussão e o
nosso
ponto de
vista
acerca dos
diferentes
temas,
baseando-nos nas
concepções do
lingüista
romeno Eugenio
Coseriu,
em cujas
idéias
encontramos
sempre a
orientação
segura,
fornecida
por uma
sólida
fundamentação
teórica.
As
dúvidas dos
professores de
língua podem
ser sintetizadas nas
seguintes
perguntas:
a)
Que devo
ensinar, na
disciplina de
Língua
Portuguesa, tendo
em
vista
que o
aluno
já conhece a
língua, ao
chegar à
escola?
b)
Como
tornar o
aluno
um
efetivo
produtor/intérprete
de
textos?
c)
Devo
ensinar
gramática?
d)
Caso a
resposta à
pergunta
anterior seja
negativa, o
que devo,
então,
ensinar?
e)
Caso a
resposta seja
positiva,
como devo
ensinar
gramática?
Para tentarmos
responder a
tais
questões,
vamos valer-nos de
alguns
conceitos
básicos
estabelecidos
por Coseriu.
Segundo
seus
ensinamentos,
a
linguagem é
uma
atividade
humana
universal
que se realiza
individualmente,
mas
sempre
segundo
técnicas
historicamente determinadas (línguas)
e,
por
isso, pode e
deve
ser investigada
em
três
diferentes
dimensões:
universal,
histórica e
individual. Na
primeira,
apresenta-se
como
linguagem, na
segunda,
como
língua e, na
terceira,
como
fala. A
cada
um desses
planos
correspondem
também
um
tipo de
conteúdo e
um
saber
específico: ao
plano
universal concernem o
designado e o
saber elocucional, ao
plano
histórico, o
significado e
o
saber
idiomático e
ao
plano
individual, o
sentido e o
saber
expressivo. O
saber
elocucional
diz
respeito ao
conhecimento
das
coisas, o
saber
idiomático se
refere ao
conhecimento
das
regras,
formas e
conteúdos de
uma
língua
determinada e
o
saber
expressivo
abarca o
conhecimento
de uma
situação de
fala
determinada. È
de
tal
modo
evidente a
existência
desses
três
planos,
quer na
consciência do
falante
quer na
consciência do
lingüista,
que
até os
juízos
concernentes
ao
ato de
fala
também
são
distintos,
dependendo da
dimensão
considerada: congruente
ou
incongruente, no
plano
universal,
correto
ou
incorreto, no
plano
histórico e
adequado
ou inadequado,
no
plano
individual. O
quadro
abaixo
mostra
melhor essas
relações:
PLANO |
UNIVERSAL |
HISTÓRICO |
INDIVIDUAL |
SABER |
ELOCUCIONAL |
IDIOMÁTICO |
EXPRESSIVO |
CONTEÚDO |
DESIGNADO |
SIGNIFICADO |
SENTIDO |
JUÍZO |
CONGRUENTE/
INCONGRUENTE |
CORRETO/
INCORRETO |
ADEQUADO/
INADEQUADO |
É
necessário
ressaltar
que, na
atividade
concreta de
fala,
esses
conteúdos
bem
como os
saberes
que permitem
sua
manifestação
ocorrem
sempre
juntos,
cabendo ao
estudioso
identificá-los e examiná-los, a
fim
justamente de
que possa
perceber
suas
peculiaridades
e, desta
forma,
intervir
com
segurança no
que de
fato constitui
as
dificuldades
dos
alunos.
Já se tornou
fato
corriqueiro os
professores de
todas as
disciplinas, e
não
apenas o
professor de
língua
materna,
queixarem-se de
que os
alunos
não sabem
português,
ou escrevem
mal
ou apresentam
dificuldades
gigantescas no
momento
em
que precisam
interpretar
textos.
Tais
reclamações aparecem
com
freqüência
não
apenas
entre os
professores de
ensino
médio,
mas
também
entre os
docentes de
terceiro
grau, nas
mais
diferentes
áreas.
Todavia,
ainda
que as
deficiências
dos
aprendizes,
traduzidas nessas
queixas,
já tenham
até se
transformado num
lugar-comum
entre
aqueles
que atuam no
magistério,
não se tem,
até
agora,
encontrado
um
caminho
seguro
para
tentar resolvê-las.
Para
atender a
tal
propósito, cremos
ser da
maior
valia a
tríplice
dimensão do
fenômeno da
linguagem
estabelecida
por Coseriu,
pois permite
detectar
com
clareza os
níveis
em
que o
problema deve
ser examinado, dando
margem a
que o
professor
consiga
perceber
com
nitidez as
dificuldades
do
aluno, podendo
concentrar,
assim, os
seus
esforços,
nos
pontos frágeis
de
seu
desempenho.
O
aluno,
quando
chega à
escola,
já tem
um
domínio,
ainda
que
bastante
restrito, das
três
modalidades do
saber
lingüístico,
uma
vez
que
já é
capaz de
produzir e
interpretar
textos,
ou seja,
enquanto
falante,
ele é
capaz de, nas
atividades
corriqueiras
em
que
precisa
interagir
lingüisticamente,
construir
enunciados
em
sua
língua
materna (saber
idiomático),
acerca de
um
dado da
realidade (saber
elocucional), numa
determinada
situação,
para
um
certo
interlocutor (saber
expressivo). É
evidente
que essa
competência
textual
ainda se
encontra num
nível
muito
incipiente,
diríamos
mesmo, num
nível
rudimentar,
já
que
só
lhe concede o
direito de
produzir e
interpretar
textos
cuja
finalidade
manifestativa é
bastante
singela e
cujos
conteúdos
cognoscitivos
são
muito
pobres (p.ex.,
conversar
com
amigos
sobre
esporte
ou
sobre
um
programa de
televisão,
pedir aos
pais
ou
professores
que atendam a
certa
solicitação etc).
Tal
competência
não
lhe permite,
assim,
produzir
ou
interpretar
textos cujas
finalidades
comunicativas
não sejam
imediatas e
cujos
conteúdos
cognoscitivos sejam
mais
elaborados (p. ex.:
textos de
literatura, de
política, de
economia
etc.).
Ninguém põe
uma
criança na
escola
com a
intenção de
que
ela
passe as
aulas
recebendo
lições
acerca do
que
já sabe. É
evidente,
pois,
que o
objetivo do
ensino de
língua
consiste
justamente
em
fornecer ao
aluno o
instrumental
necessário
para
que ascenda de
nível, podendo,
assim,
ter a
oportunidade
de
construir e
interpretar
textos de
modalidades
variadas. Na
verdade, o
que
não se sabe
com
segurança
são os
meios a serem
utilizados
para
que
tal
propósito seja alcançado.
A
atividade
lingüística é
muito
mais
complexa do
que parece, à
primeira
vista,
em
virtude de se
manifestarem,
em
cada
um de
seus
momentos, as
três
modalidades de
saber
acima
referidas. Inúmeras
vezes o
professor percebe
nos
textos de
seus
alunos
equívocos,
mas,
por
não
conseguir
apontar
com
precisão
onde se
encontram, fica
sempre no
terreno
vago da
mera
opinião,
expressa,
via de
regra,
por
frases
como as
que seguem:
Seu
texto
está
sem
sentido.
Você
precisa
aprender
gramática..
Você
não
sabe
escrever.
Você
não
diz
coisa
com
coisa.
Tal
atitude,
além de
ser
inteiramente
estéril, é
nociva,
porque
só faz
com
que o
aluno tome o
caminho
oposto ao
que deveria
tomar
para
superar
suas
dificuldades.
Afirmamos
isto
porque a
linguagem é
uma
atividade
finalística e,
justamente
por definir-se
como
atividade,
só pode
ser aprendida,
enquanto
tal, no
próprio
agir. Dizendo de
outro
modo,
só se aprende
a
fazer, fazendo
ou, no
caso da
atividade
lingüística
especificamente,
só se aprende
a
falar, falando e ouvindo
os
outros
falarem,
assim
como
só se aprende
a
escrever, escrevendo e
lendo o
que os
outros
escrevem.
Embora pareça
um
truísmo,
reside nessa
singela
constatação
todo o
segredo do
aprendizado de
uma
língua.
Resta
saber, no
entanto, de
que
modo o
exercício de
tal
atividade
deva
ser
levado a
cabo.
Valendo-nos
outra
vez da
tríplice
dimensão da
linguagem
estabelecida
por Coseriu,
diríamos
que o
aluno deve
ser
exposto a
toda
sorte de
sistemas
significativos
(textos
escritos,
cinema,
teatro,
obras-de-arte,
charges etc),
de
modo a
ampliar o
seu
saber elocucional. E,
para
tanto, o
professor de
língua
portuguesa
não pode
estar
sozinho
em
tarefa de
tal
magnitude,
devendo
contar
com a
colaboração
dos
professores
das
demais
disciplinas.
Exemplificando
mais
concretamente,
imaginemos a
situação de
um
aluno a
quem se pede
para
fazer
um
trabalho
escrito
sobre o
tema da
globalização.
Claro está
que,
mesmo
possuindo
um
perfeito
domínio das
regras
gramaticais,
um
léxico
razoável (saber
idiomático) e
sabendo o
tipo de
texto a
ser produzido
em
tal
circunstância
(saber
expressivo),
não poderá
redigir
rigorosamente
nada, se
não tiver
conhecimento
do
assunto (saber
elocucional). Cabe a
tarefa de
ampliar
esse
saber, no
exemplo
em
questão, aos
professores de
História e de
Geografia,
sem a
ajuda dos
quais
nada poderá
ser
feito.
Tarefa
semelhante
caberia ao
professor de
Biologia, se o
trabalho fosse,
por
exemplo, a
respeito da
clonagem
humana.
Um
outro
exemplo
para
ajudar a
compreender
melhor o
nosso
tema.
Lembramo-nos de uma
situação
vivida
por
nós,
quando
tratávamos
justamente do
conceito de
saber elocucional
com
nossos
alunos da
graduação de
Letras.
Levamos uma
charge
sobre o
episódio de
triste
lembrança,
conhecido
entre
nós
pela
expressão
chacina
da Candelária. Na referida
charge, o
autor
reproduziu o
painel de
Guernica de autoria de Pablo Picasso, substituindo os
rostos
contorcidos dos civis da
guerra
espanhola pelas
faces
desesperadas de
crianças
brasileiras.
Muitos de
nossos
alunos
não souberam
interpretar o
sentido do
texto,
porque
não conheciam
a referida
obra do
renomado
pintor e
tinham
apenas uma
vaga
idéia do
que ocorrera
na Espanha
nos
anos trinta.
Na
verdade,
ainda estamos
reduzindo o
problema,
quando
confiamos a
tarefa de
ampliar o
saber elocucional
apenas à
escola,
pois, a
rigor,
tal
tarefa
pertence à
comunidade
como
um
todo e,
por
isso
mesmo,
todos têm de
estar empenhados
para
que
ela possa
ser
levada a
cabo
com
êxito.
Assim, se na
família,
por
exemplo, se
cultiva o
hábito de
discutir
acerca de
questões
variadas,
ver
programas
educativos na
televisão,
assistir a
filmes e
peças de
teatro de
qualidade, é
natural
que o
aluno
já apresente
material
para
ser
objeto de
reflexão.
Sabemos,
todavia,
que
tal
situação
ideal está
longe de se
transformar
em
realidade,
em
virtude de
muitos
fatores,
entre os
quais
sobressai, a
nosso
ver,
não o
fator
econômico,
como se pode
imaginar numa avaliação
apressada,
mas a
própria
mentalidade da
população
como
um
todo. Na
verdade,
mesmo nas
comunidades
mais
carentes, é
perfeitamente
possível
criar-se,
desde
cedo,
um
modus vivendi
cujo
cerne seja a
valorização da
cultura,
com o
incentivo à
leitura de
diferentes
sistemas
semióticos, concretizada
através de
visitas
periódicas a
museus e a
bibliotecas,
idas a
cinemas,
teatros,
concertos etc.
Naturalmente
que
isso
só será
exeqüível, se
houver
vontade e
empenho de
todos,
sobretudo dos
grandes
meios de
comunicação de
massa,
particularmente
do
rádio e da
televisão,
cuja
responsabilidade,
a
esse
respeito,
deveria
ser a
maior de
todas, uma
vez
que constituem
uma
concessão de
serviço
público. É
preciso
levar-se
sempre
em
conta
que
grande
parte do
que constitui
o
saber elocucional da
criança e do
adolescente é
construído
desde
cedo
pela
televisão e,
por
isso, o
Estado deveria
ter a
obrigação de
cuidar
permanentemente
de
sua
programação,
obrigando as
concessionárias
a
apresentar uma
programação
de
bom
nível. É
evidente
que
tal
exigência
só será
cumprida, se a
própria
comunidade
tomar
para
si o
dever de
cobrar
tal
comportamento.
Levando-se
em
conta as
carências de
toda
sorte próprias
de
um
país
subdesenvolvido
como o
nosso, parece
que estamos
fazendo uma
proposta
educativa
absolutamente
utópica,
mas
tal avaliação
não
corresponde à
verdade. De
fato, há
inúmeras
atividades
culturais de baixíssimo
custo à
disposição de
todos
que,
por
falta de
interesse, de
costume e de
estímulo
não
são
aproveitadas
por
aqueles
em
que se devia
desde
cedo
inculcar
hábitos
culturais: o
educando.
Posso
citar, a
título de
ilustração, a
Universidade
Federal
Fluminense,
instituição
onde
trabalho, e a
Prefeitura de
Niterói, ambas costumam
apresentar uma
programação
cultural de
excelente
nível,
gratuitamente
ou
com
preços
quase
que simbólicos
para o
público.
Não vemos
outro
caminho
para
que as
reivindicações dos
professores e
dos
pais na
direção de
um
melhor
desempenho
lingüístico de
nossos
jovens possam
ser atendidas e,
insistimos, é
dever de
todos e
não
apenas dos
professores de
língua
materna.
Sem
criar as
condições
adequadas
para
que o
saber elocucional se
amplie
em
cada
educando
paulatina,
mas,
ininterruptamente,
não será
possível
contar
com
um
falante/ouvinte
competente
para
construir e
interpretar
textos.
Não queremos
com
isso
dizer,
todavia,
que seja
suficiente,
para
tornar
alguém
competente
lingüisticamente, ampliar-se o
saber elocucional.
Tal
tarefa, a
rigor, é
condição
sine qua non,
mas é
necessário
ainda
que
outros
conhecimentos
sejam considerados, a
fim de
que
efetivamente o
aluno seja
capaz de
expressar-se
bem. De
fato,
como vimos
mais
atrás,
precisamos
ainda
tratar dos
outros
dois
saberes,
indispensáveis
também
para a
constituição
de
textos.
Comecemos,
pois,
pelo
saber
idiomático,
aquele,
conforme ficou
visto,
responsável
pelas
regras e
unidades
sígnicas de uma
língua
determinada.
O
conceito
que a
comunidade faz
da
língua
leva
em
consideração
os
vínculos
históricos e
culturais compreendidos no
que se costuma
chamar de
tradição
e,
por
tal
razão, a
língua existe
na
consciência do
sujeito
como
um
objeto
unitário e
homogêneo.
Só na
condição de
observador é
que se pode
perceber a variação
apresentada
por uma
língua. E
em
virtude de
tal
diversidade é
que se costuma
fazer uma
oposição
entre
língua
culta
ou
norma
padrão (modo
de
falar
característico de
pessoas
com
alto
grau de
instrução) e
língua
vulgar
ou
norma
subpadrão (modo
de
falar
característico das
pessoas
analfabetas
ou
com
baixo
índice de
escolaridade).
A
primeira é a
norma
prestigiada
pelo
conjunto da
sociedade,
vale
dizer, valorizada
tanto
por
aqueles
que utilizam a
norma
padrão
quanto
por
aqueles
que utilizam a
norma
subpadrão.
Por
isso, é a
norma
padrão aquela
considerada
como
objeto
privilegiado do
ensino,
condição de
prestígio no
seio da
comunidade e
modelo de
correção
lingüística.
Embora o
próprio
falante
costume
rejeitar a
norma
subpadrão (domine
ele a
norma
padrão
ou
não), do
ponto de
vista
estritamente
lingüístico,
isto é, do
ponto de
vista da
finalidade do
ato de
fala,
quer
um
texto
manifeste uma
ou
outra
norma,
em
qualquer dos
casos a
função
cognoscitivo-manifestativa da
linguagem será
cumprida, se respeitadas as
regras do
sistema,
porque ambas
possuem
sua
própria
gramática. É
preciso,
todavia,
entender
exatamente o
que estamos
afirmando,
pois o
termo
gramática, no
âmbito da
metalinguagem
e da
linguagem
corrente admite
acepções
diferentes.
Observemos os
dois
enunciados:
a)
Os
porco
morreu.
b)
Os
porcos
morreram.
Ambos
comunicam
igual
estado de
coisas, de
modo
que,
empregando-se
um
ou
outro,
estaremos dizendo o
mesmo
acerca da
realidade extralingüística
e,
portanto, é
lícito
dizer
que os
dois
enunciados
cumprem a
função de
comunicar.
Com
efeito, se
realizam a
finalidade
comunicativa,
é
porque foram
construídos
consoante as
regras
pertencentes ao
saber
idiomático
que configura
a
língua
portuguesa, sendo, neste
sentido,
possível
afirmar
que
ambos possuem
sua
própria
gramática.
Todas as
regras
utilizadas
para a
construção desses
enunciados
constituem o
que estamos
denominando de
gramática,
ou
melhor,
gramática1,
e
são conhecidas
pelos
falantes de
língua
portuguesa, pertencendo,
assim, a
seu
saber
idiomático.
São
elas,
justamente,
que
nos permitem
construir e
interpretar a
cada
momento
um
novo
texto
constituindo,
por
conseguinte,
condição
sine qua non
para
que o
texto se
manifeste.
Tais
regras foram
aprendidas
por
todos
segundo a
mesma
forma de
aprendizado de
qualquer
saber
técnico – e o
saber
lingüístico é
um
saber
técnico,
já
que consiste
numa
capacidade
para
executar
algo –,
através da
própria
atividade:
ouvindo os
outros falarem
e falando.
É
certo,
por
outro
lado,
que o
usuário da
língua,
quando se
encontra
em
atividade,
não se dá
conta da complexidade das
operações de
natureza
cognitiva
que é
obrigado a
executar
para
produzir
um
enunciado,
por
mais
banal
que
ele seja, uma
vez
que,
enquanto
utente da
língua,
sua
preocupação
está
inteiramente
voltada
para a
finalidade do
instrumento
lingüístico e
não
para o
instrumento
em
si
mesmo.
Assim, o
enunciador da
primeira
frase
não é
capaz de
explicar as
razões pelas
quais
preferiu, no
primeiro
enunciado,
apagar a
manifestação
morfossemântica,
ou
concordância,
entre
determinante e
determinado e
entre
sujeito e
verbo, e,
analogamente, o enunciador da
segunda
também
não é
capaz de
explicitar os
motivos
pelos
quais optou
por
informar
quatro
vezes ao
enunciatário
que
mais de
um
porco havia
morrido.
Os
dois
falantes, o
que proferiu a
frase a) e o
que proferiu a
frase b),
vale
ressaltar,
não sabem e
nem precisam
saber,
para
desempenhar
tal
atividade,
justificar as
regras
que
atualizaram
para produzirem as
respectivas
frases, o
que
não
quer
dizer
que
eles
não conheçam
tais
regras,
tanto num
caso
como no
outro.
Baseando-nos
mais uma
vez nas
preciosas
lições do
mestre
romeno,
diremos
que
ambos se
encontram na
dimensão do
conhecimento
denominada de
conhecimento
claro-distinto-inadequado.
Em
tal
dimensão, o
objeto do
conhecimento é
identificado
com
segurança e
não
precisa
ser justificado. É,
por
exemplo, o
mesmo
conhecimento
que
nos permite
dirigir
um
carro: sabemos
os
movimentos
que devemos
executar, aprendidos
durante o
próprio
exercício e
não precisamos
refletir
sobre
sua
engrenagem
para fazê-lo mover-se.
O
lingüista,
por
outro
lado,
encontra-se
em
outro
plano
ou num
grau
mais
elevado do
conhecimento,
aquele
denominado de
conhecimento
distinto
adequado. Neste
grau do
conhecimento,
procura-se
justificar o
próprio
objeto do
conhecimento,
fundamentando-o
com
razões,
teses,
princípios,
consistindo,
por
conseguinte,
num
conhecimento
de
caráter
reflexivo,
especulativo.
Tomando
ainda a
nossa
analogia
com o
desempenho do
carro, seria a
justificativa
para o
funcionamento
de
seu
motor: é
certo
que,
para
dirigir,
não é
necessário
saber
rigorosamente
nada
sobre o
mecanismo
que permite
tal
atividade.
Como se
vê,
são duas
dimensões
distintas do
conhecimento:
a
segunda
depende da
primeira, uma
vez
que o
objetivo é
precisamente o
de justificá-la. No
tocante à
linguagem
verbal, é
necessário
que se tenha
adquirido o
saber
lingüístico
para
que se possam
fazer
reflexões
acerca dele. A
rigor,
tais
reflexões
começam a
ser
feitas
muito
cedo na
vida do
falante,
mas se
trata de
observações
muito
simples,
por
ser
simples
ainda o
seu
saber, e ocorrem,
via de
regra,
quando,
eventualmente,
no
ato
comunicativo,
há
um
desvio
em
relação ao
que
era esperado.
Por
exemplo,
quando
alguém produz
um
enunciado
com
marcas, no
plano fônico,
diversas daquelas
empregadas
pelo
conjunto da
comunidade,
aparecem
frases
como as
que seguem,
reveladoras
já de uma
observação
metalingüística
bem
incipiente:
Ele
não
é daqui.
Pelo
sotaque
ele
parece
ser
baiano. Os
baianos
falam
diferente
de
nós.
Os
baianos
falam cantando.,etc.
Ora, se o
saber metalingüístico
encontra-se voltado
para o
saber
lingüístico,
existindo tão-somente
para explicá-lo, é
evidente
que o
primeiro
só deve
aparecer,
quando o
segundo
já existe,
não podendo
ser de
outro
modo, uma
vez
que o
seu
fundamento
encontra a
sua
legitimidade
na
prévia
existência de
um
objeto a
ser investigado e, se
não há
ainda
objeto
algum,
não há
igualmente
justificativa
para a
investigação.
De
fato,
como
salienta Picardo,
es
absurdo
suponer
que no se
habla correctamente
una lengua
hasta
que se escribe
su
gramática . No la hablaron,
acaso, los
grandes
clásicos griegos mucho
antes de la
creación de la grammática? Y ciertos pueblos
que aún no la
tienen, no hablan correctamente sus lenguas?
Voltando à
nossa
analogia
com o
carro,
diríamos
que de
nada
adiantaria,
para
dirigir, refletir-se
sobre o
motor do
carro, seria
um
conhecimento
inteiramente
inútil e
dispensável.
O
ensino de
língua
materna,
tal
como é
feito
habitualmente
em nossas
escolas,
consiste,
desde as
séries
iniciais, de
reflexões
sobre
um
objeto
cujo
domínio o
falante possui
de
forma
muito
incipiente,
isto é, o
seu
saber
lingüístico
permite-lhe
apenas
produzir
atos
comunicativos
para a
satisfação de
objetivos
imediatos e,
por
conseguinte,
qualquer
possível
reflexão de
caráter
metalingüístico é
muito
singela
também.
Trata-se,
por
isso
mesmo, de
um
conteúdo
programático
inteiramente
equivocado,
com o
dispêndio de
um
tempo
precioso
que
poderia
ser
gasto na
ampliação do
saber
sobre o
qual se
quer
refletir.
Os
professores de
língua
portuguesa costumam
constatar consternados
que,
habitualmente,
ao perguntarem aos
alunos se
já viram
determinado
conteúdo na
série
precedente,
eles costumam
responder
negativamente,
ainda
que
tal
conteúdo tenha
sido
visto e
revisto
pelo
professor no
ano
anterior. Os
alunos, na
verdade,
não ficam
esquecidos subitamente do
que foi
exaustivamente
ensinado,
nem estão de
má-fé
quando dizem
não se
lembrar:
eles, de
fato,
não se
lembram,
porque
não sabem e
não sabem,
porque
não podem
refletir
sobre
algo
que
ainda
não se
encontra
bem sedimentado.
Comprova-se facilmente o
que estamos
dizendo, examinando o
programa de
língua
portuguesa da
primeira à
última
série do
ensino
médio:
tal
programa é
repetitivo,
havendo, na
passagem de
uma
série
para
outra,
pouquíssimas alterações no
conteúdo. E,
ainda
que repisando
os
velhos
temas, o
aluno tem
sempre a
impressão de
nunca tê-los
visto,
acarretando
com
sua
atitude
um
enorme
sentimento de
frustração no
professor,
que constata,
com
enorme
desalento, a
inutilidade de
seu
esforço,
diante de
resultados
invariavelmente
negativos.
O
saber metalingüístico
apresentado aos
alunos na
escola diz
respeito ao
que
costumeiramente
se designa
por
ensino
de
gramática. O
termo
gramática, neste
caso, designa
a
investigação,
sob uma
certa
perspectiva,
do
conjunto de
unidades e
regras
que configuram
o
que
mais
atrás
denominamos de
gramática1,
ou
ainda, dizendo
de
outro
modo, na
investigação
da
gramática1
consiste
precisamente a
tarefa da
disciplina
que passamos
agora a
designar
gramática2.
A
pergunta
feita
inicialmente
sobre o
ensino de
gramática refere-se,
portanto, à
gramática2
e parece,
diante do
que foi
exposto e
discutido,
já
estar respondida,
mas, a
rigor,
só está
respondida
parcialmente,
pois
que
ela envolve
outras
questões
que precisam
ser
bem entendidas,
para
poder compreender-se
tema de
tamanha
magnitude na
sua
integralidade.
Vamos
retomar
nossa
analogia
com o
carro. É
certo
que
para
dirigir
um
carro
não há a
menor
necessidade de
conhecer-se o
mecanismo
que garante
seu
movimento.
Todavia,
depois
que
já se sabe
dirigir, o
conhecimento
das
engrenagens de
que
um
motor se constitui pode,
em
certas
situações,
ser de
bastante
utilidade.
Por
exemplo, num
determinado
momento,
quando, numa
estrada
deserta
em
que
não há
possibilidade de
socorro, o
carro
enguiça, o
conhecimento
de
seu
mecanismo será
com
certeza de
grande
valia.
Do
mesmo
modo,
para os
atos
comunicativos
rotineiros e
simples da
atividade
lingüística quotidiana,
tal
conhecimento
metalingüístico é
inteiramente
dispensável,
entretanto,
para
atos de
fala
em
que os
conteúdos
cognoscitivos manifestados
são
complexos, o
saber metalingüístico –
ainda
que
não seja
imprescindível
– tem
um
grande
valor e
mais,
sem
seu
domínio, há
grandes
possibilidades,
em
alguns
casos, de
não se
lograr
êxito
total na
finalidade
comunicativa.
De
fato,
nos
textos
em
que se exige a
obediência à
chamada
norma
culta, a
reflexão
metalingüística pode
funcionar
como
um
instrumento
pedagógico da
maior
importância,
permitindo ao
produtor do
texto
fazer
reflexões
acerca da
construção
mais
apropriada.
Vejamos
um
exemplo
concreto,
através da
análise da
seguinte
frase:
Não
haverá
jamais
dificuldades
econômico-sociais
intransponíveis
para
um
presidente
em
cujo
desempenho
o
povo
depositou
sua
esperança.
Digamos
que, ao
produzir
tal
texto, o
falante de
língua
portuguesa, numa
situação de
formalidade na
qual se faça
exigir o
uso da
norma
culta,
manifeste
dúvida
quanto ao
emprego do
verbo
haver, no
singular
ou no
plural. Se
tiver estudado
análise
sintática,
saberá
que,
consoante o
que estabelece
a
norma
prescritiva, o
verbo
haver deve
manter-se na 3ª
pessoa do
singular,
porque no
sentido de
existir
não tem
sujeito
com
que faça a
concordância;
se estiver na
dúvida
acerca do
emprego da
preposição
antes do
relativo
cujo,
poderá lembrar-se das
lições de
regência e da
função do
relativo e,
então,
verificará
que a
presença do
elemento de
ligação é
necessária.
Observe-se
que todas as
reflexões
que fizemos e
que
nos permitiram
um
desempenho
lingüístico
mais adequado
para a
situação
imaginada tornaram-se
possíveis
graças,
justamente, ao
saber metalingüístico,
ou à
gramática2.
Para
constatar o
que estamos
afirmando,
basta
que se observe
a
quantidade de
termos da
metalinguagem
que fomos
obrigados a
empregar,
para explicarmos,
justificarmos, esclarecermos
com
segurança a
nossa
atividade,
aquele
saber
prévio
denominado de
gramática1.
Assim, é
possível
afirmar-se
que, se
por
um
lado a
aquisição de
um
saber metalingüístico,
através do
que
costumeiramente
se entende
por
ensino
de
gramática, é
absolutamente
dispensável
para a
produção de
textos nas
situações
rotineiras do quotidiano, nas
quais os
enunciados
são produzidos
de
maneira
quase
que
imediata,
com
um
mínimo de
reflexão e de
consciência,
por
outro, pode
ser
muito
útil
para
todos os
que pretendem
fazer
uso do
instrumento
lingüístico
também
naquelas
circunstâncias
em
que,
por muitas
razões, há uma
necessidade
imperiosa de
se
construir
um
texto
mais
elaborado,
para
cuja
produção o
conhecimento
metalingüístico tem
valor
inquestionável.
Não se deve
perder de
vista,
todavia,
que o
saber metalingüístico
não pode,
como tem sido
feito na
maior
parte das
nossas
escolas – e
nós
mesmos podemos
dar o
nosso
testemunho de
alunos
que fomos –
ser utilizado
como se
tivesse
um
fim
em
si
mesmo,
desvinculado
inteiramente
do
saber
lingüístico
para o
qual deve
orientar-se.
Tal
distanciamento
costuma
ocasionar uma verdadeira
distorção no
ensino do
idioma
pátrio,
gerando
toda
sorte de
confusões,
além de
determinar a
manutenção de
um
ensino
equivocado e
estéril.
É
muito
comum as
escolas
separarem as
aulas de
língua
portuguesa
em
dois
diferentes
blocos: no
primeiro, considerado o
núcleo
duro e
a
própria
razão de
ser do
ensino de
português, a
que se concede
uma
carga
horária
maior,
concentram-se as
aulas de
gramática (saber
metalingüístico) e no
segundo,
relegado a
um
secundaríssimo
plano,
contando
com uma
carga
horária
mínima,
inserem-se as
aulas de
redação (saber
lingüístico).
Ora,
como
já foi
discutido, o
saber metalingüístico
só
encontra
sua
justificativa
na
escola de
ensino
médio se se
consubstanciar num
meio
para
um
melhor
desempenho da
atividade
lingüística, de
modo
que,
exposto desta
forma,
como se
seu
motivo de
existir encontrasse
legitimidade
em
si
mesmo, é
evidente
que se
transforma num
saber
inútil e
inteiramente
dispensável.
Cumpre
lembrar
ainda
que ,
para o
saber metalingüístico
ser alcançado, é
mister
um
domínio
razoável do
saber
lingüístico,
uma
vez
que,
conforme
já ficou
visto,
este é
objeto de
investigação
daquele.
Por
isso, é
óbvio
que, nas
séries
iniciais, a
metalinguagem
é
inteiramente
dispensável,
devendo
começar a
fazer
parte dos
conteúdos
programáticos nas
séries
finais,
quando o
aluno
já tiver
constituído, ao
longo dos
anos, uma
competência
lingüística
sólida,
adquirida
através da
exposição
permanente e
dinâmica a
todos os
tipos de
sistemas
significativos
possíveis.
Só
então,
insistimos, o
saber metalingüístico
poderá
prestar
grande
auxílio ao
aprendiz.
O
domínio do
saber
idiomático,
todavia,
ainda
não é
suficiente
para
fornecer ao
aluno a
competência de
que
ele necessita
para
cumprir as variadas
finalidades da
atividade
comunicativa,
pois é
necessário
ainda o
domínio do
saber
expressivo,
aquele
concernente ao
nível
individual da
fala.
De
fato, no
ato
verbal
concreto,
estão
sempre
presentes
dois
sujeitos
historicamente
determinados:
um
eu,
que
fala
acerca de
algo da
realidade (empírica
ou imaginada)
para
um
tu, num
tempo e num
espaço
determinados,
numa
certa
situação
social.
Para
tal
atividade
lograr
êxito,
isto é,
para
que
aquilo
que está na
intenção do
falante seja
alcançado
pelo
ouvinte, é
necessário
que inúmeros
requisitos
sejam preenchidos,
entre os
quais
salientamos os
seguintes:
um
conhecimento
de
mundo (saber
elocucional) e uma
tradição
lingüística (saber
idiomático)
comuns
ou
parcialmente
comuns, o
esforço
conjunto dos
interlocutores
em
direção a
um
sentido
partilhado.
Nos
atos
rotineiros da
atividade
lingüística,
esses
elementos
são
conhecidos
pelos
sujeitos e
não costumam
revelar
maiores
problemas. De
fato,
dentro da
nossa
comunidade,
normalmente
sabemos
como devemos
comportar-nos lingüisticamente,
porque
nos orientamos
pelo
conhecimento
vago
ou
definido
que temos de
nosso
interlocutor,
pelo
ambiente
em
que
nos
encontramos,
enfim, pelas
circunstâncias
que envolvem o
ato de
fala e
por todas as
condições
que
lhe permitem a
concretização.
Tais
elementos
funcionam de
modo
silencioso e
estão
dados de
antemão
para
todos os
que pertencem
a uma
certa
cultura, de
modo
que
só
nos
chama a
atenção,
quando ocorre
qualquer
desvio
com
respeito ao
que
era esperado
numa
dada
situação.
Em
virtude
justamente da
multiplicidade de
fatores
que concorrem
para
um
texto
adquirir
sentido,
um
mesmo
ato de
fala pode
ser interpretado de
modo
diverso,
bastando,
para
tanto,
que se altere
um desses
elementos a
que fizemos
referência.
Imaginemos
três
situações: na
primeira,
um
estrangeiro,
com
um
pequeno
grau de
conhecimento
de
nossa
língua,
chega a
um
bar, no
Rio de
Janeiro, e
pede
um
café ao
atendente,
dirigindo-se a
ele
com o
pronome
vós; na
segunda,
um
falante
carioca, ao
chegar ao
bar, faz o
mesmo
pedido,
utilizando o
mesmo
pronome; na
terceira,
por
fim,
nosso
ator do
pequeno
drama
verbal,
encontra-se numa
igreja, e ouve
o
oficiante
rezar o
Pai
Nosso,
empregando, ao dirigir-se à
entidade
divina, o
pronome
vós. A
reação do
ouvinte
não será
igual
diante da
utilização de
idêntica
unidade
sígnica: no
primeiro
caso,
ele
certamente
compreenderá
que se
trata de
um
desconhecimento
de
quem
não domina
com
segurança o
idioma; no
segundo, pode
pensar
que se
trata de
alguma
brincadeira
ou
ficar
até ofendido,
imaginando
que se
quer
com
isso
humilhá-lo
ou
ridicularizá-lo; no
terceiro,
por
fim, o
ouvinte
não terá
nenhuma
sensação de
estranheza e
nem atentará
para
tal
detalhe.
Note-se
que
ainda estamos
reduzindo a complexidade da
situação,
desconsiderando
outros
fatores,
porque, a
rigor,
nós poderíamos
ir
longe nas
múltiplas
interpretações
acarretadas
apenas
pela
mudança de
uma
circunstância.
A
fragilidade no
conhecimento
do
saber
expressivo
pode
ser ilustrada
com
muitos
exemplos,
sobretudo
em
sala-de-aula.
Assim, é
muito
comum
ouvir de
alunos
com
um
pleno
domínio da
norma
padrão e do
próprio
tema de
que estamos
tratando,
queixas de
que
não encontram
a
forma adequada
para se
expressar. Fazem muitas
vezes
trabalhos
primorosos
sob
determinados
pontos de
vista e,
todavia,
sente-se
que o
texto
não está
bom. A
razão disso
reside
justamente na
falta de
conhecimento
do
saber
expressivo
relativo
àquela
modalidade de
texto.
Ora, o
usuário de
língua
materna sabe,
como dissemos
acima,
orientar-se
perfeitamente
nas múltiplas
situações
concretas do
ato de
fala do
quotidiano,
mas
com
certeza
não se sente
tão
seguro
em outras
tantas
com as
quais
não está
familiarizado.
Para
superar
tais
dificuldades,
só existe
aquele
caminho
apontado
lá
atrás: a
exposição a
modalidades
diferentes de
texto.
Quando dizemos
que é
imperioso
apresentar ao
aluno
diferentes
tipos
textuais, ao
longo de todas
as
séries
escolares,
estamos
nos referindo
rigorosamente
a
todos os
tipos de
texto,
tanto
àqueles
construídos
consoante as
regras da
gramática normativa
quanto
àqueles
construídos de
conformidade
com as
regras da
norma
subpadrão.
Não se
trata, cumpre
ressaltar, de nenhuma
proposta de
caráter
demagógico,
mas de uma
proposta
pedagógica
efetiva,
que apresenta
a
educação
lingüística
como
um
meio
para
que
todos, e
não
apenas uma
parte da
população,
possam
alcançar a
efetiva
cidadania.
Sua
concretização,
entretanto,
depende de
que
todos tenham o
seu
conhecimento
valorizado,
sobretudo o
conhecimento
lingüístico,
pois a
língua é,
entre os
instrumentos
simbólicos,
aquele
que
mais confere
identidade a
um
segmento
social e,
por
isso
mesmo, deve
ser observada
como
realmente é:
uma
rica
pluralidade de
normas,
adequadas
cada uma delas
a uma
certa
situação.
O
professor
não pode
nunca
perder de
vista
que,
antes de
ser
professor de
português
ou de
qualquer
outra
disciplina, é
um
educador e,
enquanto
tal,
sua
responsabilidade
vai
muito
além da de
um
mero
transmissor de
conhecimentos.
Ademais, no
que
toca
especialmente
ao
professor do
idioma
pátrio, a
magnitude de
seu
papel transcende e
muito o
papel desempenhado
pelos
docentes de
outras
disciplinas.
Em
primeiro
lugar,
porque o
objeto
ensinado nas outras
disciplinas é
ministrado
em
português e
em
segundo,
não
em
ordem de
importância,
naturalmente,
porque é
através da
forma de
aquisição desse
saber
que o
aluno
espelhará
seu
desempenho
verbal.
Se o
próprio
professor se encarrega de
ser o
instrumento
veiculador do
preconceito
lingüístico, é
certo
que
não está
atendendo ao
que se
espera de
um
educador,
pois deve
fazer
uso do
prestígio
reconhecido
pelo
conjunto da
sociedade, a
fim de
ser o
principal
agente de
transformação e
não
instrumento
para a
sedimentação
do
autoritarismo
subjacente ao
discurso
monofônico,
sob a
cômoda
alegação de
que
sempre se
ensinou dessa
forma e,
portanto,
tal
forma de
agir,
ainda
que
perversa, deve
ser mantida a
qualquer
custo,
até
mesmo ao
custo de uma
péssima
educação.
Promover a
reprodução de
comportamentos
sob
todos os
aspectos
condenáveis,
sobretudo
quando
feita
por
quem tem
legitimidade
para
funcionar
como
modelo
para
um
segmento
permeável à
incorporação de
toda
sorte de
mundivisões, é,
para
dizer o
mínimo, uma
atitude de
total
irresponsabilidade.
E,
vale
ressaltar,
irresponsabilidade
não
só
para os
que recebem
diretamente
tais
concepções
distorcidas,
mas
também
para a
nação
como
um
todo,
pois se formam, deste
modo,
cidadãos
que
vão
refletir nas
mais
diferentes
situações de
sua
vida – algumas
cruciais
para
todo o
país,
como o
momento da
escolha dos
governantes –
práticas
alimentadas
por
falsos
ensinamentos
ou
por
ensinamentos
equivocados.
Vejamos
como se
pronuncia Carlos Eduardo
Falcão Uchôa,
pesquisador
dedicado aos
problemas
relativos ao
ensino de
língua
materna, a
respeito do
tema da
variação
lingüística:
O
problema da
variação
lingüística vem levantando
muitas
indagações e
controvérsias
no
ensino
atual de
Português,
apesar de
vários e úteis
trabalhos de
orientação
pedagógica
que têm
surgido
entre
nós,
mas
pouco
conhecidos
em
geral do
professorado.
Não
obstante
tudo o
que tem sido
dito
pela
Lingüística, e aos
avanços
particularmente
da Sociolingüística, convivem
atualmente
em
nosso
ensino uma
forte
tradição
repressora, dialetofágica,
cuja
superação
continua a
ser
um
desafio
para o
professor de
Português – haja
vista inúmeras
séries
didáticas
que,
apesar de
falarem
em
variedade de
usos
lingüísticos,
deixam
não
raro
transparecer o
preconceito
quanto aos
usos
não
cultos – e uma
tendência,
igualmente
redutora de
encarar o
fenômeno da variação, ao
identificar o
juízo de
correto
com o
que é
usual.
Modos de
dizer
usuais
nem
sempre
serão
corretos
ou
adequados.
A
título de
ilustração do
que estamos
discutindo
acerca da
apresentação das
diferentes
normas
lingüísticas
ao alunado, observe-se o
poema
transcrito
abaixo:
Seu dotô,
só
me parece
Que o
Sinhô
não
me conhece,
Nunca sôbe
quem sou
eu
Nunca viu
minha paioça,
Minha muié,
minha
roça
E os
fio
que
Deus
me deu.
Se
não sabe,
escute
agora
Que
eu vou contá
minha
história
Tenha a
bondade de uvi:
Eu sou da
crasse
matuta
Da crasse
que
não desfruta
Das
riqueza do Brasi.
Sou
aquele
que conhece
As
privação
que padece
O
mais
pobre
camponês;
Tenho
passado na
vida
De
cinco
mês
em
seguida
Sem cumê
carne uma
vez.
Sou o
que
durante a
semana
Cumprindo a
sina
tirana,
Na
grande
labutação
Prá sustentá a famia,
Só tem
direito a
dois
dia,
O
resto é
para o
patrão.
Sou
sertanejo
que cansa
De votá
com
esperança
Do Brasil ficá mió;
Mas o Brasil
continua
Na
cantiga da
perua:
Que é – pió,
pió, pió...
Sofrendo a merma
sentença
Tô quage perdendo a
crença
E prá
ninguém se
enganá
Vou dexá
meu
nome
aqui:
Eu sou
fio do Brasi,
E
meu
nome é Ceará.
Certamente o
poeta
não alcançaria
os
efeitos
estilísticos desejados, se tivesse optado
pela
norma
padrão
para
construir
tal
texto,
pois é
justamente o
emprego da
norma
subpadrão
que
lhe confere o
sabor de uma
fala
eminentemente
popular,
orientando,
assim, a
interpretação
do
leitor
para
um
sentido
determinado.
Por
outro
lado, o
texto
que estamos
construindo ao
longo destas
páginas,
exige,
em
virtude das
circunstâncias
que envolvem
sua
produção, o
emprego da
norma
padrão.
Dizendo de
outro
modo,
ambos estão
corretos,
tendo
em
vista a
finalidade
para a
qual foram
elaborados.
Esperamos
ter deixado
claro
que
não estamos
propondo a supressão do
ensino da
norma
culta dos
currículos
escolares,
pois
isso revelaria
a
mesma
forma,
antes
condenada, de
autoritarismo
e de
irresponsabilidade
educativa.
Sabemos
perfeitamente
que a
norma
padrão,
além de
ser o
veículo
em
que se
manifestam
muitos
campos do
conhecimento
aos
quais o
aprendiz deve
ter
acesso, é
necessária
para a
ascensão
sócio-econômica. Assumimos,
apenas, a
posição de
que a
língua
portuguesa deve
ser estudada e apresentada
tal
como
ela
realmente é,
na
sua
complexa
diversidade,
resultado das
variedades
diatópicas, diastráticas e diafásicas, e
nos
seus
múltiplos
aspectos.
Cremos
que o
ensino de
língua nesses
termos,
levando
em
conta todas os
diferentes
sentidos
que o
instrumento
lingüístico
permite
manifestar,
longe de
empobrecer a
língua,
conforme
expressão
já
gasta,
utilizada
por
aqueles
que tentam
desempenhar o
papel de
lingüistas
sem
que tenham
recebido
fundamentação
para
tanto,
só pode
servir
para enriquecê-la,
ampliando-a
com a
criação de
novos
signos e de
novas
construções.
Ademais, o
educando
só tem a
ganhar
com essa
atitude do
professor,
pois poderá
optar,
entre as
inúmeras possibilidades
que
lhe
são
apresentadas,
por aquela
que,
em
cada
caso,
servir
melhor a
seus
propósitos
comunicativos,
sendo-lhe
permitido
ainda
conhecer
diferentes
sistemas
significativos
e
ampliar, desta
forma,
seu
saber elocucional e
sua
visão
crítica
sobre a
realidade circundante.
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