ALGUMAS QUESTÕES MORFOLÓGICAS
DA LÍNGUA PORTUGUESA

Leodegário Amarante de Azevedo Filho (UERJ, UFRJ e ABF)

1. INTRODUÇÃO

A linguagem humana, submetida a uma análise lingüística, apresenta dupla articulação. Na primeira, relaciona-se uma estrutura sonora a um conceito, dando-se o nome de significante à estrutura sonora e de significado ao conceito. Assim, a forma lingüística mínima – a que Martinet dá o nome de monema – é um signo bifacial, pois exprime uma relação entre um significante e um significado. Não pode um monema (lexema ou morfema), portanto, ser analisado em elementos menores formando sentido. A segunda articulação se refere ao significante lingüístico e é estudada no capítulo referente à fonologia. Cabe à morfologia, assim e basicamente, estudar os morfemas e a sua estruturação no sintagma lexical.

1. MORFEMAS

Como forma lingüística mínima, o morfema tem um significante (estrutura fônica) e um significado, que é a noção gramatical por ele acrescentada ao lexema.

Do ponto de vista de seu significante, o morfema pode ser:

a) Aditivo: um segmento fônico, constituído de um fonema ou de um grupo de fonemas. Ex.: alunas = alun-a-s. Os morfemas –a (categoria gramatical de gênero feminino) e –s (categoria gramatical de número plural) são aditivos, pois se acrescentam ao lexema alun-;

b) Subtrativo: a subtração de parte do lexema. Ex.: de sarampão obteve-se sarampo;

c) Alternativo: a substituição de fonemas no lexema, que passa a ter duas formas alternantes, daí resultando o morfema. Ex.: avô / avó (alomorfe);

d) Reduplicativo: a reduplicação da parte inicial do lexema. Ex.: papá, mamã (linguagem infantil); Lulu, Zezé (denotação de carinho em nomes de parentesco); hipocorísticos em geral e onomatopéias;

e) Posição: colocação de um lexema em relação a outro num enunciado. Ex.: homem grande; grande homem (efeito denotativo e efeito conotativo do adjetivo). Pedro ama Maria (sujeito: Pedro, por posição);

f) Zero: a ausência de qualquer morfema aditivo, estabelecendo-se uma oposição entre duas formas lingüísticas. Ex.: aluno + 0 (número singular) e aluno+s (número plural).

Como se vê, em nossa língua, o mecanismo gramatical se fundamenta, sobretudo, em morfemas aditivos e posicionais.

Do ponto de vista do significado, os morfemas podem ser:

a) Categóricos: indicam as categorias gramaticais da língua, como: gênero, número, modo, tempo, pessoa, aspecto;

b) Relacionais: indicam uma relação sintagmática dentro de um enunciado, através de conjunções, preposições e através da posição;

c) Lexicais: indicam palavras distintas formadas com o mesmo lexema, através de afixos (prefixos e sufixos).

Flexão é o processo de variação da forma vocabular por meio de morfemas categóricos. E derivação (assunto a ser estudado adiante) é o processo de se obterem novos vocábulos por meio de morfemas lexicais. Por fim, dá-se o nome de alomorfe de um único morfema a significantes diversos com função idêntica. Em nossa língua, por exemplo, o morfema de feminino é –a (menino – menina), mas há como alomorfe a alternância ó/ô em avó e avô. Alguns lingüistas não incluem o índice temático na classe dos morfemas, ao contrário de outros. O índice temático caracteriza morficamente um conjunto de vocábulos formando uma estrutura e um sistema. Observe-se que, em nossa língua, a vogal temática participa do mecanismo gramatical como um tipo de morfema classificatório. Assim, as vogais temáticas a, e, i distribuem os verbos portugueses na primeira, na segunda e na terceira conjugações. Não havendo declinação nominal em português, somos de opinião que não há vogal temática nominal em nosso idioma. Essa posição, de caráter inteiramente sincrônico, difere do que em geral é aceito entre nós. Qualquer apelo à diacronia, no caso, não tem sentido, pois a gramática é sempre sincrônica.

3. CATEGORIAS GRAMATICAIS

Em português, o mecanismo gramatical da flexão se opera na base de morfemas aditivos (sufixos flexionais ou desinências) e na base da derivação (sufixo lexical ou derivacional).

Os vocábulos sujeitos ao fenômeno de flexão são variáveis ou flexionais, compreendendo: nomes (com os pronomes, numerais e artigos) e os verbos. As desinências nominais se referem às categorias de gênero e número, enquanto as desinências verbais são: modo-temporais (categorias de modo e tempo) e número-pessoais (categorias de número e pessoa). O acréscimo de uma desinência ao lexema, não raro, determina fenômenos de adaptação fonológica, estudados pela morfofonêmica.

Eis o quadro de categorias gramaticais em português:

 

a) Categoria gramatical de gênero

Em português, a categoria gramatical de gênero é bipartida (masculino e feminino) e apresenta um significado muito variável. Assim, a distinção entre sexos é um significado para os nomes de seres do reino animal, como em: marreco, marreca. Entretanto, há nomes que só apresentam um gênero, independentemente do sexo, como: cônjuge, masculino; testemunha, feminino; etc. A indicação de sexo pode vir em caráter subsidiário, no caso de animais irracionais: cobra macho e cobra fêmea (nomes epicenos), etc.

Do ponto de vista morfológico, em grande maioria de nomes, o feminino costuma ser indicado pelo morfema desinencial –a, em oposição ao morfema desinencial –o. Ex.: aluno, aluna. Mas há, complementarmente, outros casos. Assim, em avó – avô, ocorre alternância vocálica com o morfema desinencial. Em outros exemplos, falta qualquer indicação de gênero, como em vocábulos terminados em –e. Ex.: intérprete, tiste, etc. Também falta indicação de gênero em nomes como: poeta, sabiá, colibri, tatu, etc. Observem-se, porém, as exceções: mestre – mestra; espanhol – espanhola; etc.

Nos casos em que o gênero está implícito no lexema, a concordância é que irá exprimi-lo. Assim, a concordância do artigo ou de um adjetivo (terminado em –o) com o nome indicará a categoria de gênero: o sabiá, a tribo, etc. Ou, então, com os substantivos comuns de dois gêneros: o intérprete – a intérprete; o artista – a artista; etc. Além disso, para substantivos referentes a seres do reino animal, não raro há formas supletivas, como em: homem – mulher; bode – cabra; boi – vaca; etc. Por fim, há sufixos lexicais indicadores de gênero, como em: conde – condessa; imperador – imperatriz; poeta – poetisa; etc. Veja-se ainda: bom – boa; aldeão – aldeã; etc.

Tudo isso nos mostra que a categoria de gênero, em português, é extremamente variável e arbitrária, desafiando a técnica descritiva tradicional por sua complexidade. Daí sugerir o Prof. J. Mattoso Câmara Jr. (in: Estudos lingüísticos, vol. I – nº 2, dezembro de 1966) seja o feminino, em nossa língua “uma particularização mórfico-semântica do masculino, uma forma marcada pela adjunção da desinência –a.” Ou seja: trata-se de uma oposição privativa em que a forma marcada é o feminino (morfema desinencial –a) em face de uma forma não marcada ou de morfema desinencial 0 (zero) para o masculino. Mas não é a simples presença de um /a/ átono final que indicará o gênero feminino. O que importa, no caso, é a sua presença em oposição a uma forma de masculino, sem /a/ final. Ela não existe, portanto, em vocábulos indivisíveis, como: terra (embora de gênero feminino); curinga (gênero masculino); artista (comum de dois gêneros); poeta (masculino); etc. O que se tem, no caso, são vocábulos-lexema, como ainda nos seguintes exemplos: livro, tribo, dente, ponte, pente, sofá, urubu, abacaxi (final vocálico átono ou tônico) e mar, cor, sol, etc (final consonântico). Não há, é claro, em tais formas, a indicação de qualquer índice morfológico de gênero masculino ou feminino. Portanto, assim como não há qualquer indicação de gênero em substantivos de gênero único, assim também não há indicação alguma de gênero em substantivos como: artista, mártir, pianista, etc. E isso por falta de mudança morfológica, cabendo ao contexto ou ao fenômeno da concordância indicar a categoria de gênero em causa. Conseqüentemente, o gênero do substantivo, em português, decorre da seleção formal do artigo ou do adjetivo modificadores, não passando de redundância os casos de forma marcada e forma não marcada.

Em resumo, morfologicamente, o morfema desinencial /a/ indica gênero feminino em oposição ao morfema 0 (zero) existente na forma não marcada do masculino, seja qual for a sua terminação. Quando não há oposição, o gênero é indicado pelo contexto ou pelo fenômeno da concordância.

 

b) Categoria gramatical de número

Como a de gênero, a categoria gramatical de número, em português, é bipartida: singular e plural. O número se refere aos indivíduos designados nos nomes (essencialmente os substantivos) e pronomes. Pela concordância, a categoria gramatical de número se estende aos adjetivos e aos verbos.

Diz-se que o número é singular quando o substantivo designa um só indivíduo ou vários indivíduos num coletivo. E plural, quando há um morfema próprio indicando tratar-se de mais de um indivíduo.

O morfema de número plural é a consoante posvocálica –s, enquanto o morfema de número singular é 0 (zero). Diante de pausa ou consoante surda, por morfofonêmica, o morfema de plural é surdo. Ex.: mesas chatas. Será sonoro o morfema de plural /-z/ diante de vogal ou consoante sonora. Ex.: mesas brancas – mesas alvas. Diante de vogal, o morfema /-z/ funciona como consoante prevocálica dessa vogal. Ex.: mesas alvas = /meza zálvas/. Em ambos os casos, ortograficamente recorre-se à letra s.

Em alguns exemplos, há uma vogal de ligação entre o lexema e o morfema de plural. Ex.: mar – mares. (Aqui se pode admitir que –es seja variante de –s). Em outros casos, quando o lexema termina em /l/, verifica-se, por morfofonêmica, a perda dessa consoante ao mesmo tempo em que ocorre um fenômeno de ditongação. Ex.: lençol – lençóis. Com /i/ tônico, verifica-se apenas a perda do /l/ final. Ex.: barril – barris. Quando o /i/ é átono, passa a /e/ e há ditongação concomitante. Ex.: fácil – fáceis. Os lexemas terminados em vogal nasal (ã ou õ) apresentam no singular uma forma variante em –ão = /ãw/, fazendo o plural assim: leão – leões, cão – cães. Mãe, entretanto, faz o plural em mães. Por fim, em nomes não oxítonos terminados em –s, não há oposição singular-plural, por falta de morfema próprio. No caso, a oposição se manifesta através do fenômeno de concordância. Ex.: o lápis – os lápis; o pires – os pires; o alferes – os alferes. A concordância, evidentemente, também pode ser com um adjetivo ou numeral. Ex.: alferes valentes; dois pires; ourives competentes.

Em resumo, a categoria gramatical de número, em português, basicamente se exprime pela oposição entre um morfema 0 (zero), indicador de número singular, e um morfema indicador de número plural: -s ou –z, sempre grafado com a letra s.

c) Categoria gramatical de modo

A categoria gramatical de modo exprime uma atitude mental do falante através do processo verbal. Em nossa língua há três modos:

1º) Indicativo: modo da certeza ou da realidade;

2º) Conjuntivo: modo da dúvida, hipótese ou da opção.

3º) Imperativo: modo que exprime comando, apelo, súplica ou pedido.

A caracterização, evidentemente, é sumária. Como se sabe, há sempre uma gama de matizes estilísticos interferindo na expressão da categoria de modo, assunto que não será examinado agora. Aqui apenas desejamos assinalar que a categoria gramatical de modo se associa à categoria gramatical de tempo, ambas exprimindo-se através de morfemas desinenciais próprios, como adiante se verá.

d) Categoria gramatical de tempo

A categoria gramatical de tempo, em princípio, situa o processo verbal em relação ao momento em que se fala. Em nossa língua, associando-se a expressão do tempo à expressão do aspecto verbal, – que adiante será examinada, – tem-se:

1º) Presente;

2º) Passado ou pretérito: perfeito, imperfeito e mais-que-perfeito;

3º) Futuro: do presente e do pretérito.

Eis um quadro de morfemas modo-temporais, em relação aos verbos regulares:

1º) Presente do indicativo: 0 (zero);

2º) Presente do subjuntivo ou conjuntivo: e (primeira conjugação); a (segunda e terceira conjugações);

3º) Imperfeito do indicativo: -va / -ve (primeira conjugação); -a /-e (segunda e terceira conjugações);

4º) Imperfeito do conjuntivo: -sse;

5º) Perfeito do indicativo: ) 0 (zero). No caso, o morfema será indicado por um processo de acumulação de funções por parte dos morfemas desinenciais de pessoa;

6º Mais-que-perfeito: -ra / -re (átonos);

7º) Futuro do presente: -ra / -re (tônicos);

8º) Futuro do pretérito: -ria / -rie;

9º) Futuro do conjuntivo: -r.

Além de uma expressão modo-temporal específica, o processo verbal pode ser encarado em si mesmo (infinitivo); participar de uma função adjetiva (particípio); ou participar de uma função adverbial (gerúndio). São as chamadas formas nominais do verbo, apresentando os seguintes morfemas desinenciais:

1º) Infinitivo: -r;

2º) Gerúndio: -ndo;

3º) Particípio: -d(o).

Para exprimir matizes próprios de significação modo-temporal, a língua dispõe ainda das locuções verbais, ampliando-se as possibilidades de enunciação. Nas locuções verbais, há um verbo auxiliar modal seguido de infinitivo ou de gerúndio. Assim, por exemplo, através de uma locução verbal como: consigo excrever, será possível exprimir-se a sutileza modal da consecução de um processo.

e) Categoria gramatical de aspecto

Em português, como já assinalamos, a categoria gramatical de aspecto coexiste com a categoria gramatical de tempo. Por aspecto se entende a duração do processo verbal ou o prisma sob o qual ele é apreciado. Assim, designando a duração, o processo verbal pode ser momentâneo ou durativo. Designando o aspecto propriamente dito, pode ser: incoativo (começo de ação); em seu curso e ainda inconcluso (imperfeito); em seu fim já concluso (perfeito); e concluso, mas permanente em seus efeitos (permansivo). Vejamos alguns exemplos:

1º) Aspecto momentâneo. Ex.: Ele passa por ali agora (tempo presente);

2º) Aspecto durativo. Ex.: A terra gira em torno do sol (tempo presente);

3º) Aspecto incoativo. Ex.: Amanhece (tempo presente);

4º) Aspecto inconcluso. Ele falava, quando foi interrompido (tempo pretérito imperfeito do indicativo);

5º) Aspecto concluso. Ex.: Ele falou e saiu (tempo pretérito perfeito do indicativo);

6º) Aspecto permansivo. Ex.: Tens estudado muito (tempo pretérito perfeito composto).

Além dessa ligeira exemplificação, baseada no quadro das conjugações verbais, a língua dispõe de certos recursos supletivos com auxiliares chamados aspectuais (locuções verbais). Vejamos:

1º) Aspecto durativo. Ex.: Estou escrevendo;

2º) Aspecto incoativo. Ex.: Começo a escrever;

3º) Aspecto freqüentativo. Ex.: Costumo escrever;

4º) Aspecto de ação iminente. Ex.: Vou escrever;

5º) Aspecto concluso. Ex.: Acabei de escrever.

O assunto naturalmente comporta ampla discussão, indo além dos limites traçados para este trabalho. Aos interessados, recomendamos a leitura da tese do Prof. Ataliba T. de Castilho, intitulada “Introdução ao estudo do aspecto verbal na língua portuguesa”. (In: Alfa, revista da F.F.C.L. de Marília. Nº 12, outubro de 1967).

f) Categoria gramatical de pessoa

A categoria gramatical de pessoa indica, morficamente:

1º) Pessoa do falante – primeira;

2º) Pessoa do ouvinte – segunda;

3º) Pessoa de tudo o que é distinto do falante e do ouvinte – terceira.

Tais pessoas tanto podem vir no singular como no plural. No último caso, o falante se incorpora a uma pluralidade (primeira pessoa do plural); o falante se dirige a uma pluralidade (segunda pessoa do plural); o falante se refere a uma pluralidade distinta de si e do ouvinte (terceira pessoa do plural).

As formas verbais portuguesas, por isso mesmo, expressam cumulativamente a pessoa e o número através de morfemas número-pessoais. Para formas verbais regulares, tem-se:

1ª P.S. –o (presente do indicativo: fal+o); -i (com ditongação, elisão ou crase morfofonêmica para o pretérito perfeito do indicativo e futuro do presente: fale+i; part+i, fala+re+i). Morfema 0 (zero): fala+va+0 (zero);

2ª P.S. –s / -ste (presente do indicativo e pretérito perfeito: fala+s; fala+ste);

3ª P.S. –u (com ditongação morfofonêmica) e 0 (zero) – presente do indicativo e pretérito perfeito do indicativo: fala+0 (zero); falo+u;

1ª P.P. –mos – fala+mos, etc.;

2ª P.P. –is (com ditongação ou crase morfofonêmica: fala+is; parti+is; –stes – fala+stes (pretérito perfeito do indicativo); –des – fala+r+des (futuro do conjuntivo);

3ª P.P. – nasalidade representada por m ou til ou por ditongação. Ex.: fala+m = /falãw/. Para o perfeito: -ram; para o futuro: -rão; para o futuro do conjuntivo e infinitivo flexionado: -em.

Observações:

a) No pretérito perfeito os morfemas número-pessoais acumulam as funções de morfemas modo-temporais;

b) Em português, um ou mais ouvintes podem ser indicados por formas de terceira pessoa;

c) Em português, pode ainda haver pluralização na indicação do falante ou do ouvinte.

g) Categoria gramatical de voz

A categoria gramatical de voz indica a forma em que se apresenta o verbo para exprimir a relação existente entre ele e o seu sujeito. Há, em português, três vozes verbais:

a) Ativa: em que o sujeito, embora nem sempre seja o agente do processo verbal, é concebido como o seu ponto de partida. Ex.: O cachorro avança; o cachorro recebe uma paulada; o cachorro morre.

b) Passiva: em que o verbo apresenta duas formas especiais para exprimir passividade. Na primeira, com verbo transitivo direto, recorre-se ao auxiliar ser ou estar, e transforma-se em sujeito o objeto direto da ativa. Na segunda, recorre-se ao pronome apassivador se (morfema de voz passiva), o que se verifica apenas na terceira pessoa gramatical. No português contemporâneo, não se usa o agente da passiva na chamada voz passiva pronominal ou sintética. Ex.: O menino pegou a borboleta (voz ativa). A borboleta foi pegada pelo menino (voz passiva com o auxiliar ser). Pegou-se a borboleta (voz passiva com pronome apassivador).

Observação:

Passividade é fenômeno que se observa tanto na voz ativa, como na voz passiva. A passividade, algumas vezes, decorre da própria significação do verbo e aparece na voz ativa. Ex.: O cachorro recebeu uma paulada. Outras vezes, a passividade se exprime através das duas formas de voz passiva (com os verbos ser, estar, ficar ou com pronome apassivador se), como vimos. A passividade, portanto, não se restringe às duas modalidades formais da chamada voz passiva, podendo apresentar-se também na voz ativa. É ainda fenômeno de passividade a construção de infinitivo regido de preposição. Ex.: Quadro digno de ver. (= Quadro digno de ser visto).

c) Reflexiva: em que o sujeito é, ao mesmo tempo, agente e paciente do processo verbal. A voz reflexiva consiste na forma ativa combinada com um pronome pessoal de caso oblíquo e átono, da mesma pessoa que o sujeito. Ex.: Cortei-me; o menino se cortou; nós nos lançamos ao trabalho. A reflexibilidade pode ser recíproca. Ex.: Os dois amigos se cumprimentaram.

4. ESTRUTURA E FORMAÇÃO DAS PALAVRAS

As palavras podem ser divisíveis ou indivisíveis quanto à sua estrutura mórfica. No primeiro caso, temos:

1º) Palavra divisível simples: lexema e morfemas flexionais (desinências). Ex.: mar+es; pat+a; fal+á+va+mos;

2º) Palavra divisível complexa: lexema e afixos ou dois semantemas. Ex.: contra+por; papel+aria; guarda+roupa; perna+alta.

No segundo caso, as palavras são indivisíveis porque apresentam apenas um monema (lexema ou morfema). Ex.: de, mar, hoje, poeta, colibri, livro, pente.

Como se sabe, monema é uma forma lingüística mínima ou uma unidade bifacial, constituída de significante e significado. O monema pode ser:

1º) Lexema: forma lingüística mínima que simboliza um conceito do mundo exterior. Ex.: pente. No caso, convém lembrar que a vogal átona final /e/ não é índice temático, pois não há declinação nominal em português. Vogal temática existe apenas em relação às conjugações verbais. Por isso, entendemos que pente seja uma palavra indivisível.

2º) Morfema: forma lingüística mínima que simboliza um conceito gramatical. Exprime, por isso, as diferentes categorias gramaticais da língua: gênero, número, modo, tempo, pessoa, aspecto, voz. Os afixos, que entram no mecanismo gramatical da língua, são morfemas derivacionais. Como se sabe, afixo é o elemento mórfico de valor determinável que se prende ao lexema. O afixo pode ser anteposto ao lexema (prefixo) ou a ele posposto (sufixo). O valor determinado do afixo pode ser: o de mudar o sentido de uma palavra (mandar – desmandar); o de introduzir uma idéia acessória (papel – papelucho); e o de incluir uma palavra numa determinada classe (justo – justiça). Apenas o sufixo muda a classe de uma palavra, quando não a leva para a mesma classe da palavra primitiva. Daí a classificação dos sufixos em: nominais, verbais e adverbiais. Ex.: folhagem (sufixo –agem, formador de substantivos); luminoso (sufixo –oso, formador de adjetivos); finalizar (sufixo –izar, formador de verbos); e calmamente (sufixo –mente, único formador de advérbios).

Quanto à formação das palavras, dispõe a nossa língua de dois processos estruturais: a derivação e a composição, em seguida examinados.

a) Derivação

Derivação é o processo pelo qual se forma nova palavra, partindo-se de outra já existente na língua.

A derivação pode ser:

1º) Derivação com prefixo (prefixal)

Consiste na formação de nova palavra, com a anteposição de prefixos. Ex.: in + feliz: infeliz.

2º) Derivação com sufixo (sufixal)

Consiste na formação de nova palavra, com a posposição de sufixos. Ex.: brasil + eiro: brasileiro.

3º) Derivação sem afixo (derivação regressiva)

Consiste na formação de nova palavra, com supressão de um elemento mórfico final. Ex.: janta, de jantar; aboio, de aboiar; sarampo, de sarampão; e ataque, de atacar. Parece que se cria, no caso, uma suposta palavra primitiva, construída de um radical mais os elementos mórficos a, e, o. Há também derivação sem afixo e sem qualquer alteração morfológica, quando se muda a classe de uma palavra. Ex.: O belo de sua atitudes a todos encantou. (Derivação imprópria).

4) Derivação com prefixo e sufixo (derivação parassintética)

Consiste na formação de nova palavra, com emprego simultâneo e obrigatório de prefixo e sufixo. Ex.: empobrecer. Dizemos emprego simultâneo e obrigatório de prefixo e sufixo, porque não há um adjetivo empobre, nem um verbo pobrecer. Assim, o vocábulo não existe, quando dele se retira o prefixo ou o sufixo.

b) Composição

Composição é o processo pelo qual se forma nova palavra, associando-se outras já existentes na língua.

A composição compreende os seguintes casos:

1º) Composição com palavras que mantêm integridade fonética e gráfica. Ex.: guarda-chuva. (Justaposição).

2º) Composição com palavras que perdem a integridade fonética e gráfica. Ex.: pernilongo (de perna longa). Há fenômenos de composição histórica, que pouco importam quando se trata da língua atual. É o caso de relógio, de hora e lógio. Em português, considera-se relógio como palavra primitiva. (Aglutinação).

3º) Composição com elipse da preposição. Ex.: guarda-marinha (de guarda de marinha).

Observação:

Não está bem demarcada a fronteira entre a derivação com prefixo e a composição, divergindo os autores neste ponto. Os prefixos são, na maior parte dos casos, preposições e advérbios, isto é, palavras de existência independente. Por isso, alguns autores vêem, no caso, um fenômeno de composição. Seguindo a doutrina de Said Ali, optamos pela derivação com prefixo, pois os afixos são morfemas derivacionais.

c) Hibridismo

Hibridismo é a formação de uma palavra com elementos que provêm de línguas diferentes. Ex.: endovenoso (endo grego e vena, latim). Em palavras como caiporismo, por exemplo, em que aparece caipora (tupi) mais –ismo (grego) sente-se que o sufixo –ismo já é vernáculo, e, dentro da língua atual, em tais casos, perde-se a noção de hibridismo.

Em qualquer gramática tradicional há relações de prefixos e sufixos, inclusive em nossa Gramática básica da língua portuguesa.