LÍNGUAS
AFRICANAS
EM
CONTACTO
COM
O
PORTUGUÊS DO
BRASIL
Leodegário A. de Azevedo
Filho
(UERJ, UFRJ e ABF)
Com o
livro
Falares
africanos
na Bahia, publicado
pela Topbooks
em
convênio
com a
Academia
Brasileira de
Letras, a
ilustre
professora e pesquisadora Yeda
Pessoa de Castro, doutora
em
línguas
africanas, acaba de
enriquecer a
nossa
bibliografia
científica
sobre a
matéria,
como
muito
bem acentuaram Alberto da
Costa e Silva,
na
orelha do
volume, e Luís
Beltrán, na “Apresentação”
da
obra.
Historicamente,
entre
nós, foram
pesquisas
pioneiras os
clássicos
livros de
Jacques Raymundo (O
elemento
afro-negro na
língua
portuguesa) e de Renato Mendonça (A
influência
africana
no
português do
Brasil),
além de
outros
estudos
devidamente
referidos na
bibliografia
da
obra
em
questão.
Em
quatro
partes,
após a “Introdução”
e
importantes
observações
sobre “A
ortografia dos
nomes”, a
competente
africanóloga da Bahia disserta
sobre: a)
Povos e
línguas
africanas,
onde se
ressalta a
importância do
grupo
banto num
conjunto de
1900
línguas
ágrafas; b) A
matriz
africana no
português do Brasil,
onde fica
bem
claro
que a
língua dos
escravos,
em contacto
com o
português do Brasil,
gerava
um
discurso
mestiçado
ou
crioulo; c)
Níveis
socioculturais de
linguagem, a
saber: a
linguagem
religiosa dos
candomblés
ou
línguas-de-santo; a
linguagem de
comunicação
rural do
povo-de-santo; a
linguagem
popular da
Bahia; a
linguagem
cuidada e de
uso
corrente
ou
familiar na
Bahia; e o
português do Brasil
propriamente
dito.
Parece
evidente
que os
dois
primeiros
níveis citados
naturalmente
vão
apresentar,
com
maior
intensidade, o
fenômeno de
africanização e
não o
fenômeno de
aportuguesamento, atenuando-se
isso no
terceiro
nível,
que é o da
linguagem
popular da
Bahia.
Nos
dois
últimos
níveis, o
quarto (a
linguagem
cuidada
ou de
uso
familiar na
Bahia) e o
quinto (o
português do Brasil
propriamente
dito) o
que se vai
impor,
definitivamente,
é o
fenômeno de
aportuguesamento
sobre o
fenômeno de
africanização.
Em
tudo
isso,
não se
esqueceu a professora Yeda
Pessoa de Castro de
referir-se,
ainda
que
ligeiramente,
à
importante
contribuição
indígena,
pois
bem se sabe
que, no
século XVI, a
chamada
língua
geral
ou
franca, de
que Anchieta
nos deixou
excelente
gramática,
era a
língua
mais
falada na
costa do
Brasil,
com
base na
língua dos
Tupinambás. No
século XVII,
época das
Entradas e
Bandeiras, a
língua
portuguesa e a
língua dos
índios
conviviam
lado a
lado,
com
empréstimos de
adstrato do
tupi
amplamente
visíveis na
antroponímia e
toponímia
nacionais.
Somente no
século XVIII,
como demonstra
Serafim da
Silva
Neto
em
sua
História
da
Língua
Portuguesa, é
que o
português estaria
definitivamente
implantado
em
solo
brasileiro,
naturalmente
enriquecido
com todas as
contribuições
lexicais de
aportes
ou
empréstimos
lingüísticos
das
línguas
indígenas e
das
línguas
africanas
em
nosso
território. Na
verdade, as
línguas
africanas eram
línguas de
povos
imigrantes,
pois os
escravos
nada
mais eram
que
imigrantes
forçados,
diferentemente
do
que
mais
tarde iria
ocorrer
com
imigrantes
espontâneos,
tais
como
italianos, franceses,
alemães,
sírios,
japoneses e
outros. E
qualquer
povo
imigrante (forçado
ou
espontâneo),
como
bem assinala Otto
Jespersen
em
seus
estudos
lingüísticos,
não
passa de
grupo de
aloglotas
cuja
tendência é a
de
assimilar a
língua do
novo
meio
em
que se
encontra.
Como é
compreensível,
faltava ao
negro
escravizado a
necessária
motivação
social
para
falar
bem a
língua dos
senhores,
contentando-se
com
um
falar
crioulo. Daí
decorre
extrema
simplificação do
sistema
lingüístico,
por
força da
introdução, na
língua dos
colonizadores, de
traços
próprios dos
falares
africanos.
Assim, a
simplificação do
sistema
fônico, mórfico e
sintático da
língua
portuguesa, no Brasil, dá
origem a
um
discurso
mestiçado. E a
ação da
mãe
preta
ou
ama
negra na
educação dos
filhos dos
senhores,
em
nosso
sistema de
aristocracia
rural, foi aos
poucos
possibilitando a
penetração de
empréstimos de
línguas
africanas no
português do Brasil.
Mas
tais
empréstimos,
sobretudo de
origem
vocabular,
como
bem demonstra o
livro da
professora Yeda
Pessoa de Castro,
adaptaram-se à
fonologia e à
morfologia da
língua dos
colonizadores,
em
nítido
processo de
aportuguesamento.
Como
estudioso do
português do Brasil
em
longa
carreira
universitária,
já
em 1968
me ocupava do
assunto
em
foco na
conferência
que proferi na
Alemanha, a
convite do
meu
amigo e
colega Kurt
Baldinger,
então
Reitor da
Universidade
de Heidelberg,
com
texto
mais
tarde
publicado na
miscelânea de
estudos
em
homenagem a Joseph M. Piel,
da
Universidade
de
Colônia.
Veja-se: “Aspectos
do
português do Brasil”, in
Philologische Studien für Joseph M. Piel, Heidelberg, Carl Winter, 1969,
p. 16-23.
Por
isso,
despertou-me
muito
interesse a
importante
obra da
professora Yeda
Pessoa de Castro,
detendo-me
naturalmente
no
capítulo
sobre “Níveis
socioculturais de
linguagem”.
Para a
análise
minuciosa de
tão
interessante
pesquisa, é
claro
que teria de
escrever
outro
livro,
não sendo
este o
caso.
Portanto,
limito-me a
tecer
apenas
alguns
comentários
sobre a
unificação e a
diferenciação
do
português da América
em
face ao
português da Europa,
em
função de
três
níveis: a)
Linguagem
padrão
ou
exemplar
escrita; b)
Linguagem
padrão
ou
exemplar
coloquial; e
c)
Tendências da
língua
popular. No
primeiro
caso, a
língua oferece
uma
estrutura
ideal
que abrange a
nação
inteira,
com
disciplina
gramatical
ensinada nas
escolas; no
segundo,
acentuam-se algumas
diferenças
em
relação ao
português de Portugal,
que
vão
além das
próprias
distinções
entre
língua
falada e
língua
escrita; e, no
terceiro,
cabendo
distinguir
aqui a
língua
popular das
classes
incultas da
língua
popular das
classes
rurais,
notam-se algumas
tendências
específicas do
português
popular do
Brasil,
em
contraste
ou
não
com o
português
popular de
Portugal,
tanto na
fonologia,
como na
morfossintaxe. A
propósito disso,
já o
nosso Gilberto
Freire assinalava,
em
Casa
Grande
&
Senzala,
que: “A
ama
negra fez
muitas
vezes
com as
palavras o
mesmo
que
com a
comida:
machucou-as, tirou-lhes as
espinhas, os
ossos, as
durezas,
só deixando
para a
boca do
menino
branco as
sílabas
moles.”
Poderia
haver
melhor
explicação
para a
doçura melodiosamente
vocálica da
pronúncia
brasileira
em
face do
consonantismo
tenso e,
por
vezes,
um
tanto
áspero da
pronúncia
portuguesa?
Mas a
língua,
como
sistema, é a
mesma
em
todo o
mundo
lusófono,
com
naturais
variações de
norma e de
uso,
como ocorre
em
qualquer
outro
grande
bloco
lingüístico do
mundo. No
caso,
tais variações
não atingem o
sistema (la
langue), situando-se
apenas no
espaço da
parole,
ou seja, no
espaço da
norma
e do
uso da
língua. Na
verdade, a flexibilidade e
a plasticidade do
português, amoldando-se às
necessidades
de
expressão de
povos
etnolingüisticamente
distintos,
graças à
ductilidade
com
que se deixou
usar, atingiram
limites
que seriam
insuportáveis
em outras
línguas do
mundo.
Mas será
bom
distinguir
sempre
africanização de aportuguesamento,
como
aqui
já foi
observado.
Os
empréstimos
ou aportes
lingüísticos
de
línguas
indígenas e
africanas,
que se
ajustaram à fono-morfologia portuguesa,
nada têm a
ver
com os
fenômenos
lingüísticos
de tupinização
ou
africanização e
sim
com o
fenômeno de
aportuguesamento, enriquecendo-se o
léxico do
português do Brasil. Ao
contrário,
quando
línguas
africanas recebem
empréstimos
ou aportes
lingüísticos
do
português,
bem indicados
pela
professora Yeda
Pessoa de Castro
nos
três
primeiros
níveis
socioculturais de
sua
classificação de
linguagem e
não
nos
dois
últimos,
então o
que se tem é o
fenômeno de africanização,
próprio de
discursos
mestiçados
ou
dialetos
crioulos.
Evidentemente,
não na
língua
padrão
ou
exemplar,
mas nas
tendências da
língua
popular
brasileira é
que
tais
influências
podem
ser observadas
em
nível fono-morfossintático.
Em
síntese,
em
nossos
estudos
sobre o
assunto, temos
indicado as
seguintes
tendências
gerais da
língua
popular:
Na
fonologia:
a)
Predominância
do vocalismo
sobre o
consonantismo; b)
Enfraquecimento
da
articulação
consonântica; c) Redução de
sílabas
travadas a
sílabas
livres.
Na morfossintaxe:
a) Remodelação do
sistema de
plural e,
portanto, de
todo o
mecanismo da
concordância;
b) Remodelação morfossintática
pronominal;
c) Remodelação morfossintática
verbal e
nominal. E
disso
já
demos
exemplificação no
livro
Ensaios
de
lingüística,
filologia
e ecdótica.
Rio de
Janeiro, SBLL/UERJ,
1998, p. 45-53, exemplificação
em
seguida
transcrita:
TENDÊNCIAS DA
LÍNGUA
POPULAR
Na
língua
popular, as
diferenças
muito se
acentuam.
Inicialmente,
cabe
distinguir
entre a
língua
popular das
classes
incultas e a
língua
popular e
regional das
classes
rurais.
Isso
não significa,
entretanto,
que
não haja
certas
coincidências
entre o
Português do Brasil e o de
Portugal,
como na
construção:
haviam
homens
no
lugar de
havia
homens,
verificando-se a
flexão do
verbo
haver
impessoal na
língua
popular (e
até na
língua
literária) dos
dois
povos.
Mas
pretendemos
indicar
aqui,
apenas,
algumas
tendências
específicas do
Português
popular do
Brasil
em
contraste
ou
não
com o
Português de Portugal,
tanto na
fonologia
como na
morfossintaxe, a
saber:
a)
Fonologia
No
caso, há
três
grandes
tendências:
1.
Predominância
do vocalismo
sobre o
consonantismo;
2.
Enfraquecimento
da
articulação
consonântica;
3. Redução de
sílabas
travadas a
sílabas
livres,
como na
pronúncia:
memo no
lugar de
mesmo,
entre
muitos
outros
exemplos,
adiante
examinados.
b) Morfossintaxe
No
caso,
observam-se
três
grandes
tendências:
1. Remodelação do
sistema de
plural e,
portanto, de
todo o
mecanismo da
concordância;
2. Remodelação morfossintática
pronominal;
3. Remodelação morfossintática
verbal e
nominal.
Expliquemos os
dois
quadros,
começando
pelo
fonológico,
onde podemos
observar: a) Palatalização
das dentais,
principalmente
antes de /i/,
como
em:
mentira (mentxira)
ou
medida
(medjida).
Traço
um
tanto
regional; b)
Alargamento
em
ditongo de
final
tônica
terminada
em
s
ou z
gráficos,
como
em:
rapaz
(rapais),
luz (luis),
nós (nóis);
c)
Intercalação
de uma
vogal
para
desfazer
certos
núcleos
consonânticos,
como
em:
obter (obiter),
advogado
(adevogado),
absoluto
(abisoluto),
pneu (peneu),
etc.; d)
Vocalização do
/l/
final,
como
em:
final (finau),
mel (méu),
carnaval
(carnavau), etc.; e)
Enfraquecimento
das
consoantes
posvocálicas
finais,
como
em:
amar (amá),
dever (devê),
ouvir (ouvi), etc.
que
são
pronunciadas, à
maneira
francesa; f) Redução de
ditongo a
vogal:
quejo
por
queijo,
bejo
por
beijo,
etc. num
fenômeno
que é
geral
em
Português,
diante
de chiantes; g) Despalatização
1:
mulher
(muié),
velho (véio),
alho (aio),
etc.; h) Redução de
proparoxítonos
a
paroxítonos,
conforme o
padrão
prosódico
(acentuação
grave
predominante)
geral da
língua:
exército
(exerço),
música
(musga),
abóbora
(abobra), etc.; i) Na
área dialectal
do
Norte,
em
geral, as
pretônicas
são
abertas,
enquanto
são fechadas
na
área dialectal
do
Sul,
traço
lingüístico
que
em
si
mesmo
já estabelece
uma
distinção
entre duas
áreas.
São
apenas
alguns
exemplos de
fenômenos
que se
observam na
estrutura
fonológica da
língua
popular,
revelando
certas
tendências
comuns a
várias
regiões,
sobretudo às
rurais.
Insistimos: falamos de
língua
popular.
No
quadro
morfossintático, observamos: a)
Eliminação das
variações átonas: o, a, os, as,
como
em:
Vi
ele;
Mandei
ele
sair,
etc.; b) Transposição da variação
lhe
para o
tratamento
dado ao
ouvinte
em
terceira
pessoa
pelo
padrão de
me e
te,
como
em:
Ele
me
viu.
Ele
te
falou.
Eu
lhe
vi.
Eu
lhe
falei; c)
Fixação do
pronome
ele
e de
suas
flexões
como
único
pronome de
terceira
pessoa,
como
em:
Ele
viu. Vi
ele.
Falei
com
ele; d)
Substituição
do
sistema de
três
pronomes
demonstrativos
(falante,
ouvinte e
terceira
pessoa)
com o
desaparecimento
da
oposição
gramatical
entre
este
e
esse,
que se tornam
intercambiáveis, havendo
preferência
para
esse,
forma
oposta a
aquele;
e)
Eliminação das
formas
verbais de
imperativo,
como
em:
Não
faz. Venha
cá,
etc.; f)
Tendência a
substituir o
sistema
pretérito-presente-futuro
pelo
sistema
bipartido de pretérito-presente,
como
em:
Vou
amanhã.
Fazia
isso,
etc.; g)
Manutenção da
desinência
arcaica do
pretérito
perfeito: -arom,
-erom e -irom
com
desnasalização
da
vogal
final,
como
em:
Os
menino
chegárô; h) Remodelação no
sistema de
verbos
irregulares,
como
em
vir,
para
distinguir
formas
homônimas
com
ver (viemos
no
lugar de
vimos),
presente do
indicativo, de
ver
no
lugar de
vir,
futuro do
subjuntivo; i)
Criação de
oposição
por
alternância
vocálica
entre a
primeira e a
terceira
pessoas das
formas
fortes
em -ou
(pronúncia:
ô),
como
em: sube,
truxe, etc.; j) Remodelação das
formas
rizotônicas de
certos
verbos
em
virtude de
fenômenos
fonéticos
já apreciados,
como
em
roubar (robar),
inteirar
(interar),
ritmar (ritimar),
etc.; l)
Tendência
para redução das
flexões
verbais,
opondo-se a
primeira às
demais
pessoas,
como
em: vô,
vai, vai, etc.; m)
Preferência
dada à
preposição
para
na
regência do
objeto
indireto,
como
em:
Falar
para
ele,
etc.; n)
Emprego do
verbo
ter
no
lugar do
verbo
haver,
como
em:
Tem
lugar
aí?,
etc.; o)
Desinência do
gerúndio
em -ano, -eno,
-ino (por
assimilação do /d/ à
nasal),
como
em: falano,
dizeno, pedino; p)
Morfema de
plural
apenas no
determinante,
como
em:
Os
menino
chegô
ou
chegárô.
Meus
cóbri
não
chega
pra
nada,
etc.; q) Os
verbos
irregulares
tendem
para a regularidade,
como
em;
Eu
cabo.
Si
eu
fazê, etc.; r)
Preposição
rejeitada
antes do
relativo
para o
fim da
oração,
como
em:
O
homem
que
eu
falei
ontem
com
ele,
etc.; s)
Verbo
botar
no
lugar do
verbo
pôr,
como
em:
Bote
em
cima
da
mesa,
etc.; t)
Mistura de
tratamento,
que se reflete
no
seguinte
verso de
Manuel
Bandeira:
“Entra, Irene,
você
não
precisa
pedir
licença”; u)
Uso de
forma
oblíqua de
pronome da
primeira
pessoa do
singular
como
sujeito de
infinitivo,
como
em:
Isso
é
para
mim
fazê, etc.; v)
Preposição
para (e
não a)
com os
verbos
dizer e
fazer,
como
em:
Dizia
pra
mim.
Falô pro dotô
que
não
tava
sentino
nada
não.
(Cf. Camões: “Pera o
avô
cruel assi
dizia”,
Lusíadas,
III, 125). O
mesmo
com o
verbo
dar,
como
em:
Dá
Café
pra
nóis, etc.; x)
Uso de
mais
em
lugar de
já,
como
em:
Não
chove
mais -
no
lugar de:
Já
não
chove. (Cf.
Francês: II
ne pleut plus); z)
Uso da
preposição
em
com
verbos de
movimento,
como
em:
Vou no
cinema,
etc., etc.
São
apenas algumas
tendências
observadas,
como uma
espécie de
denominador
comum, na
língua
popular de
várias
regiões do
País.
Em
alguns
casos,
encontramos
autênticos
arcaísmos.
No
vocabulário,
de
modo
geral,
verifica-se uma
tendência a
preencher
lacunas
com tupinismos
e africanismos:
cochilar,
mirim,
moleque,
pereba,
xará,
caipora,
etc.
Além disso, a
massa
vocabular dos
fatos
dialectais,
em
geral, é
comum
em
todo o
País:
causo
(=caso),
tamei
ou tombei
(=também),
rijume (=regime),
inguinorante (=ignorante),
drumi (=dormir),
quaradô (=coradouro),
intaliano (=italiano), premero (=primeiro),
barbuleta (=borboleta),
saluço (=soluço),
aribu (=urubu),
Ogeno (=Eugênio), coresma (=quaresma),
rúim (=ruim),
otomove (=automóvel),
súbi (=soube), xiringa (=seringa),
memo (=mesmo),
cumpádi (=compadre),
trabaio (=trabalho),
dino (=digno),
pobrema (=problema),
barde (=balde),
etc. No
sentido de
certas
aproximações
de
fatos da
língua
popular do
Brasil e de Portugal, Gladstone
Chaves de Melo
traça
um
interessante
paralelo
entre o
denominador
comum da
língua
popular
brasileira e o
dialeto
interamnense de Portugal.
Em
alguns
casos, temos
apenas
arcaísmos
vocabulares.
Embora Révah
pretendesse,
até
certo
ponto,
reconstituir algumas
características
do
sistema
fonético dos
falares de
portugueses dos
séculos XVI e
XVII, partindo de
fatos da
língua
popular
falada no
Brasil de
hoje, convém
sempre
prevenir
que o
Português
que recebemos
no
século XVI
não foi
propriamente o
clássico,
mas o
arcaico,
pelo
menos do
ponto de
vista da
língua
falada.
Vejam-se,
como
exemplo, os
seguintes
arcaísmos de
Anchieta, –
já na
segunda
metade do
século XVI, –
por
nós apontados
no
livro
Anchieta, a
Idade
Média e o
Barroco:
a)
Hiato
em
encontros
vocálicos de
e,
que
e se,
ainda
que
não
sistemáticos (conjunções),
como
em: “E/ os
enche de benções”; b)
Emprego do
verbo
haver
por
ter. “Quem
quiser
haver victoria”; c)
Rima home
com
fome;
d)
Emprega a
expressão
de contino no
lugar de:
de
contínuo;
e) Vianda (de
origem
provençal)
por
carne;
f) Padar
por
paladar;
g) Enfrascar-se
por
embebedar-se; h)
Hiato
em ceos:
“Quanto
nos ceos
guardado”; i)
Rima may
(ver
galego e
mirandês)
com
pai; j)
Convite
por
banquete:
“Seja
gracioso
convite”; l)
Emprega
calma
no
sentido de
calor.
“Ar
fresco de
minha
calma”; m)
Rima
beijo
com
desejo:
“doce
beijo /
mitigador do
desejo”;
entre
outros
exemplos
que apontamos,
com
indicação
bibliográfica, no
livro
acima
mencionado. Na
língua
como
nos
costumes,
partimos da
Idade
Média
para o
Barroco,
em
nossa
formação
colonial,
sem
qualquer
contacto
com o
Renascimento. Do
ponto de
vista da
língua
falada, é
claro
que o
padrão
coloquial dos
fins da
Idade
Média penetrou no
início do
século XVI.
Cumpre
distinguir
bem, acrescente-se
aqui, a
língua
padrão
oral da
língua
popular, esta
última
envolvendo
dialetos e
gírias. A
primeira é uma
língua
culta,
superpondo-se à
língua
popular e dela
distinguindo-se
não
apenas
por
maior
nitidez e
constância na
fonação,
mas
também
pela
observância
das
formas
gramaticais e
pela
riqueza de
vocabulário. A
língua
popular,
quando diverge
da
disciplina
gramatical da
língua
padrão, é
que apresenta
gradações
que
vão dos
dialetos à
gíria. Os
dialetos
agrupam
falares
que apresentam
simplificação de
oposições
lingüísticas
em
face da
língua
padrão,
revelando
ainda
possível
influência de
substrato
indígena
ou
africano,
sobretudo nas
áreas
rurais.
E a
gíria se
caracteriza
pelo
emprego
particular de
certos
vocábulos, –
incluindo-se
aí o
calão, –
que na
verdade coexistem ao
lado dos
vocábulos
comuns da
língua.
Afinal, a
unificação e a
diferenciação
do
Português do Brasil é
matéria
que está
exigindo
estudos
monográficos
específicos,
esperando-se
ainda,
para
melhores
resultados, a
aplicação
mais
ampla do
método da
geografia
lingüística
em
nossa
pesquisa
dialectológica.
Nem pode uma
língua
manter-se
uniforme num
vasto
território
em
que é
falada
por
muito
mais de
cem
milhões de
pessoas
agrupadas
em
classes
sociais
diferentes.
Mas, a
despeito das
formações
dialectais, o
Português é a
língua
padrão no
Brasil, havendo
unidade
lingüística
entre as duas
nações
(Portugal e Brasil),
através de
duas
normas cultas
em
relação ao
Português
comum de
que se
originaram, o
português quinhentista,
ainda
impregnado de
arcaísmos.
Para a
imensa
maioria dos
casos
acima
indicados, o
livro da
professora Yeda
Pessoa de Castro traz
hipóteses e
explicações
bastante
convincentes.
Mas,
em
termos de
língua
padrão, no
que se refere
ao
léxico do
português do Brasil, de
origem
indígena
ou
africana, será
bom
insistir nisso,
não há
qualquer
espécie de
tupinização
ou
africanização, e
sim de
aportuguesamento.
Aliás, o
léxico de
qualquer
língua é
sempre uma
estrutura
aberta.
Veja-se o
caso do
romeno,
que mantém a
sua
estrutura de
língua
românica,
com
mais
ou
menos oitenta
por
cento do
seu
vocabulário de
origem
eslava.
Por
isso,
em
lingüística, é
costume dizer-se
que a
língua
não
muda, se
suas
formas
gramaticais
permanecem as mesmas,
pouco
importando as renovações e
inovações
em
seu
vocabulário.
Portanto,
em
nível de
sistema,
não
em
nível de
norma
ou de
uso, a
língua
portuguesa permanece a
mesma no
amplo
espaço
geolingüístico do
mundo
lusófono,
porque
apresenta
unidade
em
sua
rica
variedade. A
propósito disso, escrevem
os
professores
Celso
Cunha e
Lindley Cintra: “Na
área
vastíssima e
descontínua
em
que é
falado, o
português apresenta-se,
como
qualquer
língua
viva,
inteiramente
diferenciado
em
variedades
que divergem
de
maneira
mais
ou
menos
acentuada
quanto à
pronúncia, à
gramática e ao
vocabulário.” (A
nova
gramática do
português
contemporâneo.
Rio de
Janeiro,
Nova
Fronteira,
2001, p. 9). E acrescentam,
em
seguida: “Embora
seja
inegável a
existência de
tal
diferenciação,
não é
ela
suficiente
para
impedir a
superior
unidade da
nossa
língua,
fato,
aliás,
salientado
até
pelos
dialectólogos”. (op. cit. p. 9).
Concluindo, o
livro
aqui
apreciado,
por
levantar
um
sem-número de
questões de
alto
interesse
lingüístico,
merece
todos os
aplausos da
filologia no
Brasil, tornando-se
mesmo
indispensável
aos
estudos
voltados
para a
inovação e
renovação do
léxico do
português do Brasil, na
linha das
pesquisas
deixadas
pelo
professor Joseph M. Piel,
de
saudosa
memória. A
título de
colaboração e
com os
olhos
já voltados
para
nova
edição da
obra,
lembramos
que é
preciso
rever
pequenos
dados de
caráter
lexicográfico, dando-se
aqui
apenas
um
simples
exemplo:
nádega (lat.
vulgar: natica)
não é, na
língua
corrente
falada
em Portugal, o
termo
correspondente
à
palavra
bunda (origem
banto) na
língua
corrente
falada no
Brasil. O
termo
correspondente
a
bunda,
em Portugal, é
rabo (lat.:
rapu),
como
em
castelhano.
Nádega é
palavra
culta
normalmente
usada
nos
dois
lados do
Atlântico.
Sugiro,
pois,
minuciosa
revisão de
caráter
informativo na
segunda
parte do
livro,
aliás a
mais
extensa e
mais
importante
em
termos
lexicográficos,
pois apresenta
rico
levantamento de
palavras de
origem
africana no
português do Brasil,
como
excelente
subsídio
para os
nossos
dicionários de
língua
portuguesa.
Em
áreas
dialectais,
que
não se
confundem
com a
língua
padrão
oral,
sobretudo
em
áreas
rurais, é
possível
admitir-se a
presença de
substrato
indígena
ou
africano,
como no
fenômeno de
despalatização,
aqui
examinado.
Mas
isso
ocorre
apenas
em
áreas
dialectais.