O CASO DA FLEXÃO DE GÊNERO
E OUTRAS
INADEQUAÇÕES
na
moderna terminologia gramatical
[1]

José Pereira da Silva (UERJ e ABF)

 

Retomando o tema apresentado no IV Seminário Superior de Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Filologia, apresento aqui uma versão acrescida de alguns novos argumentos surgidos a partir das contribuições ali recebidas, principalmente por parte daqueles que tentam contestar a realidade dos fatos aqui apresentados, como se fossem absoluta novidade.

A história da gramaticologia ocidental moderna, afirmei naquele evento, tem base na gramaticologia greco-latina, com numerosas e indesculpáveis conseqüências terminológicas absolutamente distanciadas das diversas realidades lingüísticas descritas ou normatizadas.

Todos sabemos que as modernas gramáticas das línguas românicas, de Nebrija a Bechara, vêm adotando uma adaptação terminológica das gramáticas latinas que, por sua vez, não fizeram uma boa adaptação da terminologia da gramaticologia grega, muito mais fiel à tradição do que à ciência lingüística, que não se pode considerar adolescente.

É natural que a preocupação dos gramáticos greco-latinos não era a descrição da língua, conforme se faz na lingüística moderna, sem qualquer praticidade ou pragmatismo. A gramática greco-latina, em princípio, era uma gramática normativa, com o objetivo de indicar, pedagógica e exemplarmente, as formas corretas da língua, abonadas com a autoridade dos escritores corretos.

Eis o que disse Bruno Fregni Bassetto no VII Congresso Nacional de Lingüística e Filologia em agosto de 2003, absolutamente de acordo com o que pensam os reformistas mais incomodados com a descabida inadequação da terminologia lingüística ocidental moderna (BASSETTO, 2003: 63):

Em relação à nossa terminologia gramatical, urge não esquecer que, em grande parte, ela remonta a Dionísio Trácio, que escreveu a primeira gramática do Ocidente. Os gramáticos latinos (Varrão, Aulo Gélio, Carísio, Donato, Prisciano) apenas adaptaram, traduziram ou apenas decalcaram os termos gregos. No correr dos séculos, muitos desses termos tiveram seu conteúdo semântico ampliado ou reduzido, empanando a indispensável transparência que uma terminologia científica de qualquer área do conhecimento humano precisa ter. Penso que seria muito útil se voltássemos à etimologia dos termos da nomenclatura gramatical das vertentes grego-latinas, evitando sobretudo ampliações semânticas indevidas. O resultado certamente seria profícuo sobretudo nos diversos níveis de ensino. Memorizam-se os termos gramaticais sem que se perceba a relação significante-significado e esse fato impede a compreensão clara do fato lingüístico estudado. Todos os que se dedicam a esse ramo do conhecimento humano, como Gladstone Chaves de Mello, sentem o problema e com ele se angustiam; uma reforma da nomenclatura gramatical deve levar em conta essas vertentes greco-latinas, cujas contribuições não podem se ignoradas mas sim expurgadas de aplicações indevidas e obnubiladas, que lhe foram acrescidas ao longo dos séculos. Os avanços atuais nos estudos da linguagem podem e devem adicionados, mas mesmo esses partem daquelas bases.

Não podemos ignorar o esforço de gramáticos como Walmírio Macedo (1991), Evanildo Bechara (1999 e 2001), Manoel Pinto Ribeiro (2002) e muitos outros, que vêm lutando com essa enorme dificuldade terminológica, além de toda a Academia Brasileira de Filologia, empenhada na reforma da Nomenclatura Gramatical Brasileira vigente (mas não tão vigente).

 

TERMINOLOGIA FONÉTICO-FONOLÓGICA

A inadequação da terminologia relativa à fonética e à fonologia das línguas ocidentais modernas resulta basicamente da falta de adaptação de uma terminologia apropriada para línguas tonais e não para línguas intensivas, como é o caso do português e demais línguas românicas.

Neste caso, seriam inadmissíveis termos como arrizotônico (a), átono (a), atonicidade, oxítono (a), paroxítono (a), postônico (a), pretônico (a), proparoxítono (a), rizotônico (a), subtônico (a), tônico (a), tonicidade, tônico (a) etc., apesar de não dispormos de uma sugestão adequada, pois isto deverá ser feito com as necessárias análises etimológicas e semânticas e enfrentará uma enorme resistência de vários setores tradicionalistas e até de alguns outros não tão tradicionalistas.

Uma reforma dessa envergadura, no entanto, afetaria a gramaticologia de todas as línguas modernas ocidentais e, seguramente, de algumas línguas orientais que caíram na mesma armadilha.

 

QUESTÕES DE FLEXÃO E DE GÊNERO

Em geral, há uma grande dificuldade em distinguir tecnicamente a flexão da derivação, como se pode ver em BECHARA (1999: 341), pois

A flexão consiste fundamentalmente no morfema aditivo sufixal acrescido ao radical, enquanto a derivação consiste no acréscimo ao radical de um sufixo lexical ou derivacional.: casa + s: casas (flexão de plural); casa + inha: casinha (derivação).

...............................................................................

No plano sintagmático, a flexão provoca o fenômeno da concordância: móvel novo móveis novos em oposição a a casa nova → a casinha nova.

Ora, se mal se consegue distinguir flexão de derivação, o que levou a NGB a definir o grau como flexão, e se o conceito de gênero nas línguas românicas tem sido quase sempre confundido com o conceito de sexo, não seria óbvia uma definição adequada para essa categoria.

O Prof. Castelar de Carvalho, defendendo a posição oficial sobre o problema do gênero do substantivo como flexão, indicou-nos o livro Morfologia Portuguesa, do Prof. José Lemos Monteiro (2002), que mais nos ajudou na confirmação de nossa hipótese, que afirma, na página 79, referindo-se às categorias nominais de gênero e de número:

Observemos que nem todo nome ou pronome possui essas quatro subcategorias [de gêneros masculino e feminino e de número singular e plural]. Estruturalmente, uma subcategoria sempre se opõe a outra. Ou seja, uma palavra apresenta a marca do masculino se tiver um feminino correspondente. Nãoplural sem singular e vice-versa.

E continua o Professor, dando o exemplo que nos ajudou, visto que não se pode falar de flexão quando a nova forma significa (no mundo exterior) outra coisa diferente da que supostamente sofreu mera flexão:

Os masculinos saco, ele, doutor, ateu e espanhol estão marcados pela desinência zero (Ø) que se opõe ao morfe [a] dos femininos saca, ela, doutora, atéia e espanhola.

Está evidente que o autor se enganou porque saca não é uma flexão de saco, mas um tipo diferente de embalagem, assim como cavala não é o feminino de cavalo, pasta não é o feminino de pasto e casa não é feminino de caso, como ensina, corretamente, na página 80:

De modo análogo, em máquina, caneta, criatura e sacola, o [a] final não constitui desinência de gênero, mas vogal temática. Será erro considerar o morfe zero como traço desinencial opositivo do gênero das palavras citadas. O zero deve ser usado sempre na ausência de morfe, jamais na inexistência de morfema.

Com relação a formas do tipo cavalo, pasta, casa e carteira, também não se fala em desinência de gênero, embora haja as formas cavala, pasto, caso e carteiro. É que falta a correspondência semântica, fundamental na caracterização do gênero.

Na verdade, para esclarecer grande parte do que discutiremos a seguir, é indispensável distinguir flexão de derivação, o que poderemos fazer, levando em consideração também as palavras de José Carlos Azeredo (2000: 82):

A derivação é um processo queorigem a novos lexemasou palavras [...], enquanto a flexão produz variações da forma de um lexema, dando origem ao que chamamos vocábulos morfossintáticos.

O dicionário registra os lexemas, e não os vocábulos morfossintáticos, porque estes são formas flexionadas.[2]

Mais adiante, no parágrafo 219 o Prof. José Carlos Azeredo (2000: 110-1) dá as seguintes razões que nos esclarecem sobre a distinção entre flexão e derivação, considerando a marcação de gênero de substantivo como uma derivação:

·       o conceito de flexão é incompatível com a quantidade de “exceções” observada na classe dos substantivos. Para muitos substantivos emo não existe contraparte feminina em uso (mosquito, besouro, papagaio, lagarto (lagarta é um inseto), veado, camundongo); em outros pares de nomes, a fêmea é designada por meio de um lexema que nenhuma regra é capaz de produzir (homem / mulher, carneiro / ovelha, cavalo / égua etc.);

·       a flexão expressa a variação formal da mesma palavra (feio / feia / feios / feias, saber / se / sabendo / soubesse, leão / leões). Coelho e coelha não são duas formas da mesma palavra, mas palavras lexicais distintas (MATHEWS, 1974; BECHARA, 1999). A atribuição de um gênero diferente a uma unidade lexical substantiva é uma forma de criar um novo substantivo, isto é, um processo de derivação;

·       a criação e o emprego de certos nomes femininos (chefa, sargenta, presidenta), ou mesmo de certos nomes masculinos (borboleto, formigo, pulgo, possíveis nas histórias infantis) são freqüentemente encarados como opções pessoais ou escolhas estilísticas dos falantes, o que não acontece quando estamos diante de uma flexão regular.

Tratando dos aumentativos e diminutivos, Bechara esclarece mais sobre o conceito de flexão (BECHARA, 1999: 140):

A flexão se processa de modo sistemático, coerente e obrigatório em toda uma classe homogênea, fato que não ocorre na derivação, o que levara o gramático e erudito Varrão a considerá-la uma derivatio voluntaria.

Para não buscar outra bibliografia, relacionei os primeiros cem substantivos abaixo, registrados no Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, encontrei um substantivo que tenha uma forma masculina e outra feminina (“abade” / “abadessa”), com exceção daqueles que tanto podem funcionar tanto como substantivos quanto como adjetivos, evidenciando que a o gênero do substantivo não é formado por flexão:

a

aabora

aachense

aacheniano

aal

aaleniano

aaleniense

aalênio

aalense

aaquenense

aaqueniano

aardvark

aardwolf

aariano

aarônida

aaronita

aaru

ãatá

aavora

aba

ababá

ababaia

ababalhos

ababangai

abá-baxé-de-ori

ababone

ababoni

ababuí

abaca

abacá

abaçá

abacaí

abaçaí

abaçanamento

abacatada

abacataia

abacatal

abacate

abacate-do-mato

abacateiral

abacateiro

abacaterana

abacatirana

abacatuaia

abacatuia

abacaxi

abacaxibirra

abacaxi-branco

abacaxicultor

abacaxicultura

abacaxi-de-tingir

abacaxi-silvestre

abacaxizal

abacaxizeiro

abacé

ábace

abaceias

abacebilidade

abacelabilidade

abacelamento

abacenino

abacense

abaci

abácia

abaciado

abaciamento

abácias

abaciato

abácida

abacinamento

abacisco

abacista

ábaco

abacômita

abacomitato

abacômite

abacondado

abaconde

abacote

abactínea

abacto

abactor

abáculo

abacutaia

abada

abadá

aba-de-estrela

abadágio

abadalassa

abadão

abadavina

abade

abadejo

abadengo

abadense

abadema

abadessa

abadessado

abadia

abadianense

 

O mesmo gramático (BECHARA, 1999: 131) ainda lembra queTodo substantivo está dotado de gênero, que, no português, se distribui entre o grupo do masculino e o grupo do feminino”. Mas, logo no início da página seguinte dá uma informação nova e revolucionária entre os mais conhecidos gramáticos brasileiros: “ que esta determinação genérica não se manifesta no substantivo da mesma maneira que está representada no adjetivo ou no pronome, por exemplo, isto é, pelo processo de flexão”.

Continuarei transcrevendo a Gramática do Bechara, que, além de ser autoridade respeitada entre os filólogos, lingüistas e gramáticos de todo mundo ocidental, teve a coragem de enfrentar os tradicionalistas para desmascarar essa farsa de flexão de gênero dos substantivos (BECHARA, 1999: 132-134):

Apesar de haver substantivos em que aparentemente se manifeste a distinção genérica pela flexão (menino / menina, mestre / mestra, gato / gata), a verdade é que a inclusão num ou noutro gênero depende direta e essencialmente da classe léxica dos substantivos e, como diz Herculano de Carvalho, “não é o fato de em português existirem duas palavras diferenteshomem / mulher, pai / mãe, boi / vaca, e ainda filho / filha, lobo / loba (das quais estas não são formas de uma flexão, mas palavras diferentes tanto como aquelas) – para significar o indivíduo macho e o indivíduo fêmea (duas espécies do mesmogênero”, em sentido lógico) que permite afirmar a existência das classes do masculino e do feminino, mas, sim, o fato de o adjetivo, o artigo, o pronome, etc., se apresentarem sob duas formas diversas exigidas respectivamente por cada um dos termos de aqueles pares opostos –, “este homem velho” / “esta mulher velha”, “o filho mais novo” / “a filha mais nova” –, formas que de fato constituem uma flexão”. (CARVALHO, [s/d.]a: v. 9, s.v. gênero)

A aproximação da função cumulativa derivativa de –a como atualizador léxico e morfema categorial se manifesta tanto em barca de barco, saca de saco, fruta de fruto, mata de mato, ribeira de ribeiro, etc., quanto em gata de gato, porque dá “ao tema de que entra a fazer parta a capacidade de significar uma classe distinta de objetos, que em geral constituem uma espécie de gênero designado pelo tema primário” (CARVALHO, [s/d.]b: 536 n. 38; [s/d.]c: 21). É pacífica mesmo entre os que admitem o processo de flexão em barco barca e lobo loba, a informação de que a oposição masculinofeminino faz alusão a outros aspectos da realidade, diferentes da diversidade de sexo, e serve para distinguir os objetos substantivos por certas qualidades semânticas, pelas quais o masculino é uma forma geral, não-marcada semanticamente, enquanto o feminino expressa uma especialização qualquer:

barco / barca ( = barco grande)

jarro / jarra (um tipo especial de jarro)

lobo / loba (fêmea do animal chamado lobo)

Esta  aplicação semântica faz dos pares barco / barca e restantes da série acima não serem consideradas primariamente formas de uma flexão, mas palavras diferentes marcadas pelo processo de derivação. Esta função semântica está fora do domínio da flexão. A analogia material da flexão de gênero do adjetivo é que levou o gramático a pôr no mesmo plano belo / bela e menino / menina.

Este fato explica por que na manifestação do gênero no substantivo, entre outros processos, existe a indicação por meio de sufixo nominal: conde / condessa, galo / galinha, ator / atriz, embaixador / embaixatriz, etc.

Sem ser função precípua da morfologia do substantivo, a diferença do sexo nos seres animados pode manifestar-se ou não com diferenças formais neles. Esta manifestação se realiza ou pela mudança de sufixo (como em menino / menina, gato / gata) – é a moção –, ou pelo recurso a palavras diferentes que apontam para cada um dos sexos – é a heteronímia (homem / mulher, boi / vaca). Na primeira série de pares, como vimos na lição de Herculano de Carvalho, não temos formas de uma flexão, mas, nelas, como na segunda série de pares, estamos diante de palavras diferentes.

Quando não ocorre nenhum destes dois tipos de manifestação formal, ou o substantivo, com o seu gênero gramatical, se mostra indiferente à designação do sexo (a criança, a pessoa, o cônjuge, a formiga, o tatu) ou, ainda indiferente pela forma, se acompanha de adjuntos (artigos, adjetivos, pronomes ou numerais) com moção de gênero para indicar o sexo (o artista, a artista, bom estudante, boa estudante).

 

Inconsistência do gênero gramatical

A distinção do gênero nos substantivos não tem fundamentos racionais, exceto a tradição fixada pelo uso e pela norma; nada justifica serem, em português, masculinos lápis, papel e tinteiro e femininos caneta, folha e tinta.

A inconsistência do gênero gramatical fica patente quando se compara a distribuição de gênero em duas ou mais línguas, e até no âmbito de uma mesma língua histórica na sua diversidade temporal, regional, social e estilística. Assim é que para nós o sol é masculino e para os alemães é feminino die Sonne, a lua é feminino e para eles masculino das Mond; enquanto o português mulher é feminino, em alemão é neutro das Weib. Sal e leite são masculinos em português e femininos em espanhol: la sal e la leche. Sangue é masculino em português e francês e feminino em espanhol: le sang (fr.) e la sangre (esp.).

Mesmo nos seres animados, as formas de masculino ou do feminino podem não determinar a diversidade de sexo, como ocorre com os substantivos chamados epicenos (aplicados a animais irracionais), cuja função semântica é apontar para a espécie: a cobra, a lebre, a formiga ou o tatu, o colibri, o jacaré, ou os substantivos aplicados a pessoas, denominados comuns de dois, distinguidos pela concordância: o / a estudante, este / esta consorte, reconhecido / reconhecida mártir, ou ainda os substantivos de um gênero denominados sobrecomuns, aplicados a pessoas, cuja referência a homem ou a mulher se depreende pela referência anafórica do contexto: o algoz, o carrasco, o cônjuge.


 

A mudança de gênero

Aproximações semânticas entre palavras (sinônimos, antônimos), a influência de terminação, o contexto léxico em que a palavra funciona, e a própria fantasia que moldura o universo do falante, tudo isto representa alguns dos fatores que determinam a mudança do gênero gramatical dos substantivos. Na variedade temporal da língua, do português antigo ao contemporâneo, muitos substantivos passaram a ter gêneros diferentes, alguns sem deixar vestígios, outros como mar, hoje masculino, onde o antigo gênero continua presente em preamar (prea = plena, cheia) e baixa-mar.

foram femininos fim, planeta, cometa, mapa, tigre, fantasma, entre muitos outros; foram usados como masculinos: árvore, tribo, catástrofe, hipérbole, linguagem, linhagem (SAID ALI, [1931]: I, 65-70; DOMINGUES, 1932).

Voltando à argumentação contrária a nossa hipótese, transcrevo o tópicoDesinência de gênero ou sufixo?”, do Prof. José Lemos Monteiro (2002: 87-87), ao qual farei alguns comentários em notas de de página:

Alguns autores entendem que o morfe [a], marcador do gênero feminino, se alista entre os sufixos derivacionais, quando o vocábulo for um substantivo. Nessa linha, Bechara (1999) parece defender a idéia de que inexiste o processo flexional na distinção entre os gêneros dos substantivos. E Azeredo (2000), acatando a mesma opinião, afirma que a análise do gênero como flexão, embora muito difundida e consolidada, precisa de uma reformulação. A rigor, segundo tais estudiosos, em lobo loba tem-se uma derivação, desde que as formas do masculino e do feminino expressam significações inerentes diversas.

É evidente que, sendo a hipótese difundida por nomes consagrados como os de Bechara e Azeredo, não é para ser desprezada sem uma reflexão mais acurada. A favor dela há, entre outros, o argumento de que o morfe [a] não se aplica sistematicamente a todos os substantivos.[3] Mas esse mesmo argumento poderia valer, por exemplo, para os chamados adjetivos uniformes (doente, simples etc.).[4]

Desse modo, o grande problema para a aceitação da proposta reside no fato de que, morficamente, o adjetivo tem sob esse aspecto o mesmo comportamento do substantivo.[5] Como se pode entender que ambos são nomes, apenas diversificados quanto à função, afirmar que ocorre flexão, quando se trata de adjetivo, e derivação, quando o nome é substantivo, termina descaracterizando a flexão e a derivação como processos morfológicos. Se a coerência e a simplicidade são os princípios que devem nortear uma boa descrição, parece que tais princípios deixam de ser levados em conta, ao se admitir que o [a], embora seja desinência de gênero nos adjetivos, é sufixo derivacional nos substantivos.[6]

Além disso, há outros fatos complicadores. Conforme explica Azeredo (2000: 111), em vocábulos que são potencialmente substantivos e adjetivos (faxineiro, embaixador, sabichão etc.) “existem contrapartes femininas regularmente formadas por flexão”.[7] Ora, a nosso ver, insistimos mais uma vez, substantivos e adjetivos não são classes de palavras, mas funções (Cf. o capítulo finalClasses e funções”), sendo pouco provável encontrar-s um critério capaz de predizer quando um nome funciona exclusivamente como adjetivo ou como substantivo.[8] Os que se caracterizam preferencialmente como substantivos (inteligência, beleza etc.) em geral não admitem oposição de gênero, caso em que o [a] final, se presente, não é desinência nem muito menos sufixo derivacional.

Por outro lado, se entendermos que em pares do tipo coelho e coelha não se tem a mesma palavra, porém duas palavras distintas, o que dizer dos pronomes ou numerais que admitem a oposição de gênero? Os femininos ela, toda, aquela, duas etc. seriam também palavras distintas dos substantivos correspondentes?[9]

Por essas razões, parece prudente manter nesse ponto a tradição gramatical que considera a marca mórfica de gênero como um mecanismo flexional. Mas o assunto continua polêmico e merece novos estudos.[10]

Depois de esclarecer os fundamentos das formas que nos dão a ilusão de flexão de gênero dos nomes que sãopotencialmente substantivos e adjetivos”, o Prof. José Carlos Azeredo (2000:111-2):

Em todos os demais casos em que à distinção de gêneros não corresponde uma distinção sistemática de significados, como  a oposiçãomacho / fêmea”, os substantivos, embora formados com base no mesmo radical, apresentam relações de significado bastante variáveis ou mesmo de sistematização impossível. Esses pares de substantivos podem ser distribuídos em dois grupos:

Grupo A: nomes que diferem no gênero e na forma: balanço / balança, barco / barca, barraco / barraca, bicho / bicha, bolso / bolsa, braço / braça, caneco / caneca, cerco / cerca, cesto / cesta, cinto / cinta, cunho / cunha, encosto / encosta, espinho / espinha, fosso / fossa, fruto / fruta, grito / grita, horto / horta, jarro / jarra, lenho / lenha, madeiro / madeira, palmo / palma, poço / poça, ramo / rama, saco / saca, veio / veia.

Grupo B: nomes homônimos de gênero diverso: o cabeça / a cabeça, o guarda / a guarda, o caixa / a caixa, o lente / a lente, o moral / a moral, o rádio / a rádio, o capital / a capital, o rosa (cor) / a rosa (flor), o cinza / a cinza, o violeta / a violeta, o guia / a guia.

Como nos lembra John W. Martin (2000: 65), indo um pouco além do que propomos (SILVA, 1999: 9-27) e do que propõe Bechara, “Se não fosse o fenômeno da concordância, não haveria por que falar em gênero para descrever adequadamente a língua”.[11]

O que torna evidente em seu artigo é que os substantivosmarcantes”, que são os femininos, levam os seus determinantes para uma forma “marcada”. O que ocorre quando estão isolados ou em contextospuros”. Em contextosimpuros não concordância. Ex.: Maria é alta. Maria e Joana são altas. Maria e Pedro são altos.

E conclui o articulista (MARTIN, 2000: 68-69):

O termofeminino”, de significação tão francamente polar, faz sentido somente quando oposto a seu contrário, “masculino”, e este, vimos , não tem justificativa numa gramática da língua portuguesa.

No lugar de “gênero”, então, fica o conceito de adjetivos[12] marcados ou não marcados. Os marcados correspondem aos “femininos” da gramática escolar, e aparecem somente quando o adjetivo está relacionado a um substantivo marcante. Os não marcados aparecem EM TODAS AS OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS, haja ou não um substantivo a eles relacionado. É este último fato que determina que o assunto não seja uma mera questiúncula terminológica, pois as conclusões dele decorrentes transformam dum modo essencial nossa maneira de encarar a categorização dos substantivos e o fenômeno da concordância adjetiva.

Na mesma época em que publicávamos o artigo de John W. Martin, Azeredo publicava o livro acima referido, em que escreveu o seguinte nas páginas 108 a 109:

Gênero é uma propriedade gramatical inerente aos substantivos e que serve para distribuí-los em dois grandes grupos: nomes masculinos (carneiro, porco, caderno, muro, caramelo, sol, dia, brilho, clarão) e nomes femininos (ovelha, porca, borracha, parede, bala, lua, noite, claridade, escuridão). Todo substantivo pertence, portanto, a um gênero, que ordinariamente vem indicado nos dicionários. O gênero é, de um modo geral, uma característica convencional dos substantivos historicamente fixada pelo uso. Iso explica por que alguns substantivos mudaram de gênero ao longo do tempo (fim e mar, que foram femininos e hoje são masculinos) ou apresentam gêneros diferentes conforme a variedade de língua (grama (unidade de peso) e cal, cujos gêneros variam conforme os usos da língua: coloquial e informalmente diz-se e escreve-se duzentas gramas, o cal é branco, enquanto nos usos técnicos e formais prefere-se duzentos gramas e a cal é branca).

Nos casos de carneiro / ovelha  e  porco / porca, o falante de português se vale da oposição de significados entre macho e fêmea para identificar corretamente o gênero desses substantivos. Pode-se, portanto, dizer que, nestes últimos exemplos, o gênero, que é uma classificação eminentemente gramatical, corresponde à – e é motivada peladistinção de conteúdos lexicais. O mesmo não se pode dizer, contudo, dos demais exemplos. O mesmo não se pode dizer, contudo, dos demais exemplos. O gênero de caderno, muro, caramelo, sol, dia e brilho não tem qualquer fundamento além da convenção social; esse é também o caso de borracha, parece, bala, lua e noite. Quanto a claridade e escuridão, são femininos por força de uma regra morfológica – a que nos diz que são femininos todos os substantivos formados de adjetivos com acréscimo das terminações idade e –idão

Como se , as verdades milenarmente estabelecidas também são dignas de revisões e de novas formulações, com base nas novas ciências que surgem a cada momento e, agora, com muito mais velocidade do que acontecia antes da globalização virtual dos conhecimentos.


 

TERMINOLOGIA GRAMATICAL
SEGUNDO O DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS
DA
LÍNGUA
PORTUGUESA[13]

Como o tempo disponível para essa exposição é muito curto, tratamos apenas de alguns tópicos, deixando registradas algumas poucas notas apensas ao extrato feito do Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.

acento[14] Destaque, relevo, realce que uma sílaba ou uma palavra têm em comparação com outras na mesma cadeia falada, seja pela maior intensidade com que é pronunciada (acento de intensidade), seja pela maior altura (acento tonal) ou seja pela maior duração (acento de quantidade); acento tônico. Uso lingüístico desse acento, seja como o único elemento distinguidor de palavras com significados diferentes (por exemplo fábrica e fabrica), seja para marcar a fronteira de unidades lingüísticas (função demarcativa), como ocorre no francês, onde a sílaba mais forte indica onde termina um vocábulo e começa outro, ou ainda para dar a feição peculiar de cada palavra tal qual o falante nativo a conhece (por exemplo, todo falante nativo de português reconhece a palavra sagrada, mas estranhará *ságrada ou *sagradá). Sinal diacrítico, gráfico, com que se indica como deve ser pronunciada uma vogal quanto à tonicidade ou quanto ao timbre.

adjetivo Que serve para modificar um substantivo, acrescentando uma qualidade, uma extensão ou uma quantidade àquilo que ele nomeia (diz-se de palavra). Que tem função de adjetivo (diz-se de locução, oração, pronome[15] etc.), como por exemplo: homem de coragem = homem corajoso; pessoa sem memória = pessoa desmemoriada, móvel D. João V (equivalente a móvel no estilo do período de D. João V); o homem é um animal que ri. Palavra de natureza nominal que se junta ao substantivo para modificar o seu significado, acrescentando-lhe uma característica. Em lingüística estrutural, elemento não essencial do sintagma nominal e usado como núcleo de certos tipos de predicados.

adjunto que serve para modificar ou restringir o sentido de outra palavra, sem ser exigido necessariamente por esta (diz-se de palavra ou locução). Adjunto adnominalpalavra ou expressão acessória, de valor adjetivo que, junto de um substantivo, delimita ou especifica o significado do mesmo (p.ex., pão duro, pão integral, pão com passas etc.). Adjunto adverbialpalavra ou expressão de valor adverbial que indica alguma circunstância do fato expresso pelo verbo ou que intensifica o sentido do mesmo, de um adjetivo ou de um advérbio; adjunto circunstancial. Adjunto circunstancial é o mesmo que adjunto adverbial. A NGB, entretanto, deu preferência a adjunto adverbial, em detrimento de adjunto circunstancial.

advérbio[16] Palavra invariável que funciona como um modificador de um verbo (dormir pouco), um adjetivo (muito bom), um outro advérbio (deveras astuciosamente), uma frase (felizmente ele chegou), exprimindo circunstância de tempo, modo, lugar, qualidade, causa, intensidade, oposição, afirmação, negação, dúvida, aprovação etc.

arrizotônico Diz-se do vocábulo cujo acento tônico não recai na raiz, mas num sufixo derivacional ou flexional (por exemplo, livr-eiro, am-amos).

artigo Subcategoria de determinantes do nome; tem o traço semântico definido (o, a, os, as) ou indefinido (um, uma, uns, umas), e pode ser precedido de um pré-artigo (todo o país ) ou seguido de um pós-artigo (o mesmo assunto); em português, é sempre anteposto ao nome, mas existem línguas (como o romeno e o búlgaro) em que ele é posposto.

artigo definido Artigo que indica determinada pessoa ou coisa entre outras da mesma espécie, que o falante supõe ser do conhecimento do ouvinte, ou que tenha sido mencionado antes, como por exemplo, o em ele trouxe o livro; a em ele tem uma casa linda: é a casa mais confortável desta rua; indica, ainda, genericamente, o conjunto dos seres da mesma espécie (o papagaio é uma ave falante).

artigo indefinidoArtigo que indica pessoa ou coisa de modo indeterminado, não particularizado, como p. ex. um em um amigo sempre ajuda nas horas difíceis; serve ainda para se referir a algo que se pressupõe não ser de conhecimento do ouvinte, como por exemplo, estou esperando uma colega.

aspecto[17] Categoria semântica que expressa detalhes qualitativos ou quantitativos internos de uma determinada ação, processo ou estado.

CATEGORIA Cada uma das classes de elementos do sistema lingüístico, organizada de acordo com um determinado critério: semântico, gramatical, funcional etc. Ex.: <Categoria de palavras> <Categoria do tempo> <Categoria do gênero> <Categoria do discurso>

categoria flexional - Agrupamento de palavras de acordo com as modificações flexionais que podem receber para indicar gênero, número, caso, pessoa, tempo etc.

categoria funcional - O conjunto das unidades que equivalem a cada um dos constituintes imediatos da frase: sintagma nominal, sintagma verbal, etc. e os constituintes destes: verbo, substantivo, etc.; categoria sintática

categoria gramatical Cada uma das classes de palavras que compõem o léxico de uma língua, e que são possíveis núcleos de sintagmas: nomes, verbos, preposições, advérbios; categoria sintática

circunfixação – Processo de formação de palavras através de circunfixos. É o que se costuma chamar de parassíntese.

circunfixo – Afixo formado por duas partes, entre as quais se situa o radical ou tema da palavra.  Essas duas partes do circunfixo costumam ser confundidas com um prefixo e um sufixo que, entretanto, não podem funcionar separadamente nesta situação. . Ex.: a+noit+ec+er, a+manh+ec+er etc.

colocação[18] Ordem dos vocábulos na frase e sua disposição com relação aos outros termos. Ex.: <colocação dos pronomes átonos> <sintaxe de colocação>.

combinação Relação de uma unidade da língua com outras unidades, no plano do discurso [Na teoria saussuriana, o eixo sintagmático é o das combinações.]. Tipo de formação de palavra, em que se unem partes de duas (ou mais) palavras para formar uma terceira; p. ex., Grêmio + Internacional deu Grenal (clássico do futebol gaúcho); Flamengo + Fluminense deu Flaflu (clássico do futebol carioca); português + espanhol deu portunhol (mescla de português com espanhol) etc.; blend, palavra-valise.

complemento Sintagma nominal, sintagma preposicional ou oração que desempenham na frase a função de complementar o sentido de um substantivo (por exemplo: fazer o elogio da virtude), do adjetivo (por exemplo: estar confiante no resultado), do verbo (por exemplo: fechar o armário, desejar que o natal chegue logo), do advérbio (por exemplo: dormir depois do almoço).[19]

Complemento nominal[20] Sintagma que complementa o sentido de um substantivo derivado de verbo e que na frase com o verbo equivalente corresponde a um complemento (direto ou indireto), expresso por um sintagma nominal ou uma oração integrante objetiva; por exemplo: convidar para o casamentoconvite de casamento; viu a cenaa visão da cena.

Complemento verbal[21]O que completa o sentido do verbo e normalmente vem ligado a ele; pode ser: o objeto direto, o objeto indireto e o predicativo.

COMPOSIÇÃO Formação de palavra pela união de elementos léxicos independentes, da qual resulta um novo conceito único e autônomo, e que pode ocorrer por justaposição (passatempo, vaivém, escola-modelo, amor-perfeito) ou por aglutinação (agricultura, tragicômico) [Da composição das palavras eruditas, participam radicais gregos e latinos (geografia, telefone, vermífugo etc.).].[22]

concordância [gramatical] - Fenômeno sintático pelo qual, no português, um substantivo ou um pronome impõe alteração formal sobre outros termos com os quais forma sintagma, sejam verbos de que ele é sujeito, sejam adjetivos, particípios ou demais modificadores que a ele se referem, resultando na adequação, entre ambos, das marcas de pessoa, gênero e número; acordo gramatical, concordância [As regras de concordância variam de língua para língua.].

concordância modo-temporal[23] Fenômeno sintático pelo qual os verbos das orações subordinadas se põem no tempo e no modo que o sentido da oração principal exige; correlação de tempo, consecutio temporumtípico das línguas românicas, mas não é uma regra universal.] Ex.: <queremos que eles façam / queríamos que eles fizessem> <comerá quando tiver fome / comeu quando teve fome>

concordância nominalConformidade entre o gênero e/ou o número de um ou mais substantivos[24]  e as flexões dos seus modificadores (adjetivos, artigos, numerais, pronomes demonstrativos, possessivos, indefinidos etc.)

concordância verbal Conformidade de flexão do verbo com as categorias de pessoa e o número do sujeito da oração.

conjugação Conjunto das formas (sós ou acompanhadas de verbos auxiliares) de um verbo,[25] geralmente dispostas segundo uma ordem tradicionalmente estabelecida, que obedece a diferenças de modo, tempo, pessoa, número, voz etc. Ato ou efeito de dizer ou escrever as diversas formas do(s) verbo(s), especialmente como prova ou exercício escolar. Ato de flexionar um verbo; utilização, na escrita ou na fala, das diversas flexões de um verbo. Ex.: ele está falando razoavelmente o português, mas não é forte em conjugação de verbos. Cada um dos subconjuntos de verbos de qualquer língua, agrupados segundo suas características flexionais. Ex.: amar é um verbo da primeira conjugação. Nas línguas semíticas e no sânscrito, entre outras, designação do sistema constituído pelas formas flexionais simples de um verbo e cada uma das formas derivadas que alteram o sentido deste, acrescentando-lhe significações aspectuais (verbos freqüentativos e intensivos), modais (verbos desiderativos), de voz (voz passiva ou reflexiva) ou uma noção semântica de outro tipo (verbos causativos).

crase Na gramática grega, fusão ou contração de duas vogais, uma final e outra inicial, em palavras unidas pelo sentido, e que é indicada na escrita pela corônis. Fusão de duas vogais idênticas numa , que ocorre, por exemplo:, na evolução das línguas românicas (por exemplo: latim colore 'cor' > português coor > cor). Contração da preposição a com o artigo a ou com o pronome demonstrativo (à = a + a; àquele = a + aquele; àquela = a + aquela; àquilo = a + aquilo). A contração da preposição a e o artigo a (ou no pl.: as), grafada à, às, e seu emprego na língua escrita ( que na fala essas formas geralmente não se distinguem). Ex.: <erra muito em crase.> <fez muito erro de crase.>. O acento grave que marca na escrita a contração.

desinência – nas línguas flexionais, sufixo flexional que aparece no final de vocábulos adicionando ao seu radical significados gramaticais.[26]

dígrafo[27] Grupo de duas letras usado para representar um único fonema; digrama, monotongo [No português são dígrafos: ch, lh, nh, rr, ss, sc, , xc; incluem-se também am, an, em, en, im, in, on, om, um, un (que representam vogais nasais), gu e qu antes de <e> e de <i>, e também ha, he, hi, ho, hu e, em palavras estrangeiras, th, ph, nn, dd, ck, oo etc.].

ditongo[28] Emissão de dois fonemas vocálicos (vogal e semivogal ou vice-versa) numa mesma sílaba, caracterizada pela vogal, que nela representa o pico de sonoridade, enquanto a semivogal é enfraquecida [Além do ditongo intraverbal – no interior da palavra, como pai, muito –, ocorre em português também o ditongo interverbal, entre duas palavras, como por exemplo: Ana e Maria, que exerce papel importante na versificação portuguesa.].

ditongo crescente O que tem a semivogal como primeiro som (por exemplo, quadro).

ditongo decrescente – Aquele que tem a semivogal como segundo som (por exemplo, mau).

feminino[29] Diz-se de ou gênero gramatical que se opõe ao masculino nos idiomas que têm dois gêneros e que, nos que têm três, se opõe ao masculino e ao neutro [Classificam-se por este critério os seres animados do sexo feminino e, por convenção, certos substantivos que designam seres inanimados, bem como os determinantes desses termos.].

flexão[30] Processo morfológico que consiste no emprego de diferentes afixos acrescentados aos radicais ou aos temas (nominais, verbais etc.) das palavras variáveis para exprimir as categorias gramaticais (número, gênero, pessoa, caso, tempo, etc.). Cada uma das formas flexionadas de uma palavra (substantivo, pronome, verbo) que variam segundo o caso, o gênero, o número, a pessoa etc. O conjunto das formas flexionadas de uma palavra.

flexão de grau[31] Indicação de comparação (de igualdade, inferioridade e superioridade) entre dois termos, e da noção de superlativo (relativo ou absoluto) nos adjetivos e advérbios, ou seja, da intensificação da qualidade que eles denotam, ou da noção de aumentativo e diminutivo nos substantivos (indicação de que eles são maiores ou menores do que a norma, ou, metaforicamente, expressão de conteúdos afetivos, irônicos etc.). Categoria lingüística que acrescenta a uma palavra ou a um semantema a noção de quantidade, intensidade ou tamanho; pode ser explícito, quando expresso numa construção sintática: mais feliz, o mais feliz; ou implícito, quando incluído na denotação da palavra: muito, pouco, maior, grande, felicíssimo, casinha, facão, saltitar, voejar.

Futuro do presente Tempo verbal do modo indicativo que situa uma ação ou um estado em momento posterior àquele em que se fala; futuro. Ex.: ‘Eu estudarei.’ ‘Eu terei estudado.’

Futuro do pretérito - Tempo verbal que situa uma ação ou estado no futuro em relação a um momento passado (por exemplo, 'a filha nasceu em 1976, e em 1977 nasceria [ou teria nascido] o filho'); ou mais freqüentemente indica um fato dependente de uma condição (por exemplo, 'se fosse convidado, claro que iria' [ou teria ido’); ou ainda é usado quando o locutor não quer responsabilizar-se pela informação do enunciado (por exemplo, 'os ossos encontrados seriam (ou teriam sido) de um homem pré-histórico').

Futuro do subjuntivo[32]Tempo verbal do modo subjuntivo que exprime um fato futuro em relação ao momento da elocução, mas com a nuance modal de ação hipotética, em frases condicionais, temporais etc. (por exemplo, 'se ele for' ou ‘se ele tiver ido’; 'quando ele vier' ouquando ele tiver vindo’).

gênero[33] (dos substantivos e dos adjetivos) – Categoria das línguas que distingue classes de palavras a partir de contrastes como masculino / feminino / neutro, animado / inanimado, contável / não contável etc.; nas línguas, a distribuição das palavras nessas classes pode coincidir em parte com uma distinção semântica, como, por exemplo, a distinção de sexos, pela qual a classe de palavras designando machos é gramaticalmente masculina, e a classe de palavras designando fêmeas é gramaticalmente feminina (por exemplo: cavalo e égua); mas as palavras podem também entrar numa ou noutra classe gramatical por critérios convencionais, como se , por exemplo, em garfo (masculino) e faca (feminino), onde não é pertinente a distinção natural entre os sexos.

gerúndio[34] Uma das formas nominais do verbo, formada pelo sufixondo (por exemplo, cantando, vendendo, partindo). Forma nominal do verbo, terminada emndo, usada para exprimir uma circunstância ou formar, quando conjugada com os auxiliares andar e estar, verbos freqüentativos, ou para expressar a ação incoativa de um verbo, quando estiver junto dos auxiliares ir e vir.

grau Vide FLEXÃO DE GRAU.

masculino[35] – Diz-se do ou o gênero gramatical que, nos idiomas com dois gêneros, se opõe ao feminino e que, nos que têm três gêneros, se opõe ao feminino e ao neutro; nas línguas indo-européias nomes relativos a seres animados do sexo masculino são do gênero masculino, mas este inclui também nomes que designam seres inanimados, e até alguns nomes aplicáveis ao sexo feminino. Cf. FEMININO.

número Categoria gramatical que indica a unidade (número singular) ou a pluralidade (número plural) de substantivos, adjetivos, pronomes, artigos e verbos; o número pode ser expresso flexionalmente (ele / eles; gato / gatos) ou lexicalmente (eu / nós).[36]
a
) a construção pequeno número de foi considerado galicismo pelos puristas, que sugeriram em seu lugar: poucos, poucas b) podemos distinguir na categoria gramatical de número o aspecto sintático e o aspecto semântico; o primeiro, sintático, refere-se à forma, por exemplo, o singular é caracterizado pela ausência do morfema de plurals; o segundo, semântico, refere-se à interpretação, por exemplo, a noção de 'coisa unitária', que é sistematicamente associada à forma de singular, não constitui sua única interpretação, pois que podemos também expressar a idéia de 'mais de um', portanto de plural, por meio de construções sintaticamente singulares como 'tenho muito livro'.

objeto direto[37] complemento de verbo transitivo direto introduzido sem preposição, representado por um sintagma nominal ou por pronome oblíquo átono (recebendo geralmente a interpretação de paciente) ou por uma oração completiva.

objeto direto preposicionado ou preposicional - Objeto direto que, em certos casos, vem regido de preposição; ocorre para evitar ambigüidade (por exemplo: à cobra matou o lavrador), com os verbos que expressam sentimento (por exemplo: Maria ama a João), quando o verbo é omitido (por exemplo: respeito meu mestre como você a seu confessor), para enfatizar o sentido do verbo (por exemplo: sacar da arma); é obrigatório quando expresso pelos pronomes pessoais oblíquos tônicos e pelo pronome relativo quem (por exemplo: chamou a mim e a ti; esta foi a atriz a quem vimos como Medéia).

objeto indireto[38] Complemento de verbo transitivo indireto, a ele ligado por uma preposição (o objeto indireto pode ser representado pelos pronomes pessoais oblíquos átonos, neste caso, sem preposição).

oração absoluta Oração é uma frase, ou membro de frase, que contém um verbo. Oração absoluta é a que forma, sozinha, um período (por exemplo: as folhas cobriam as árvores); período simples.

oxítono[39] Diz-se de ou vocábulo de duas sílabas ou mais cuja sílaba tônica é a última (por exemplo: café, coração, também, tatu). Ex.: <as palavras oxítonas trazem mais força e vigor aos versos> <os oxítonos terminados emem, como porém, levam acento agudo>.

palavra[40] Unidade da língua escrita, situada entre dois espaços em branco, ou entre espaço em branco e sinal de pontuação. Unidade pertencente a uma das grandes classes gramaticais, como substantivo, verbo, adjetivo, advérbio, numeral etc., não levando em conta as modificações que nela ocorrem nas línguas flexionais, e sim, somente, o significado; vocábulo. Para o estruturalismo norte-americano, unidade mínima com som e significado que pode, sozinha, constituir enunciado; forma livre mínima, vocábulo.

parassíntese[41] Processo de formação de palavra por prefixação e sufixação, simultaneamente (por exemplo, anoitecer [a- + noit- + –ecer]). Ver conceito de circunfixação.

paroxítono[42] Palavra em que o acento tônico ocorre na penúltima sílaba (por exemplo, busto, casado, pororoca).

pessoa Categoria lingüística, ligada especialmente a verbos e pronomes, que mostra a relação dos participantes do ato de fala com o(s) participante(s) do acontecimento narrado

predicado Aquilo que se afirma ou se nega a respeito do sujeito da oração (por exemplo, na frase ele é o maior mentiroso que existiu, o predicado é quase tudo, com exceção de ele; na frase morreu o maior mentiroso que existiu, o predicado é morreu).

pronome pessoal do caso oblíquo[43]Com exceção do nominativo, diz-se dos demais casos de um paradigma de declinação. Diz-se dos pronomes pessoais que exercem na frase a função de complemento ou adjunto (o, a, lhe, me, te, se, nos, vos, mim, ti, si, comigo, contigo, consigo, conosco, convosco)

pronome pessoal do caso reto – Diz-se do caso nominativo. Diz-se de pronomes pessoais que exercem na frase a função de sujeito (eu, tu, ele, ela, nós, vós, eles, elas)

proparoxítono[44] Palavra em que o acento tônico cai na antepenúltima sílaba (por exemplo, câmara, tímido, amávamos etc.)

radical[45]Parte da estrutura de uma palavra que contém seu significado básico e recebe os sufixos flexionais, como, por exemplo, livro / livros; pode ou não ter afixos derivacionais: livreiro / livreirossimples, se constituído de um único morfema: feliz; e complexo, se constituído por mais de um morfema: infeliz (in- + feliz), livreiro (livr- + –eir- + –o).]; base.

raiz Elemento que forma a base de uma palavra, obtido quando todos os afixos são retirados (por exemplo: feliz em in- + feliz +mente); semantema, lexema. Em gramática histórica, o mínimo segmento lexical de uma língua antiga, documentada ou reconstruída pelo método comparativo, que teria dado origem às formas posteriores de uma ou várias línguas aparentadas (por exemplo, a raiz hipotética *sed- do indo-europeu, que originou sedere em latim, sit 'sentar' em inglês, sedentário em português, sidet' 'estar sentado' em russo etc.).

rizotônico Cujo acento tônico cai em sílaba do radical (por exemplo, cant-o, am-o) [diz-se de vocábulo].

subtônica – Numa palavra polissílaba, a vogal ou a sílaba em que ocorre o acento secundário.

sufixo[46] Afixo que, posposto a uma raiz, radical, tema ou palavra, produz formas flexionadas ou derivadas.

sujeito[47] Termo da oração sobre o qual recai a predicação da oração e com o qual o verbo concorda.

surdos[48] – Diz-se de cada um dos sons vocais em cuja articulação as pregas vocais não vibram, por estarem semi-abertas, sendo, portanto, inexistente a produção de ondas sonoras de origem laríngea (por exemplo, os sons [p], [t], [f], [s] etc.).

tema[49] Parte da estrutura da palavra constituída de uma raiz ou de um radical mais uma vogal temática, a que se acrescentam os sufixos flexionais (por exemplo, a vogal temática de ponto é –o, a de pente é –e, a de mapa é –a; a vogal temática dos verbos da 1ª conj. é –a-; da 2ª é –e- e da 3ª é –i-: amamos, vendemos, partimos).

Tom[50] Fonema supra-segmental que consiste na diferença de altura da vogal de determinadas sílabas de uma palavra, permitindo opor dois vocábulos, iguais quanto aos fonemas segmentais, mas com significados distintos [Tal oposição é encontrada em línguas como o sueco, o norueguês, o servocroata, o chinês, o japonês, o vietnamita, o hotentote etc.].

Tonema[51] Em qualquer língua tonal, cada tom, visto como fonema (elemento que distingue palavras).

vocábulo[52] Cada uma das unidades átonas do léxico (preposições, conjunções, artigos, pronomes oblíquos) que, não podendo constituir um enunciado sozinhas, se agregam a outra formando um vocábulo fonético [Não se confunde com afixo, porque admite intercalação de outros elementos entre ela e a unidade a que se liga.]; palavra, pseudopalavra.

vocativo[53] – Diz-se de ou forma lingüística usada para chamamento ou interpelação ao interlocutor no discurso direto, expressando-se por meio do apelativo, ou, em certas línguas, da flexão casual.

vogal (e consoante) de ligação[54] –Trata-se de vogal (ou consoante) desprovida de significado que, na formação de nossas palavras e das que importamos de línguas estrangeiras, principalmente quando o radical termina por vogal tônica, se intercala para facilitar a pronúncia ou para evitar hiatos. Ex.: dent-i-frício, gas-ô-metro, cha-l-eira, pedr-e-gulho.

vogal temática[55] – A que se junta a uma raiz ou radical, constituindo o tema, a que se juntam as desinências: casuais para os nomes e os adjetivos, e verbais para os verbos; no latim dominus, por exemplo, a raiz é domin-, a vogal temática é o (no latim arcaico dominos) e a desinência do nominativo é –s; nos verbos em português, as vogais temáticas são a, e e i, para a 1ª, 2ª e 3ª conjugações, respectivamente, em amar, vender e partir, seguidas da desinência r do infinitivo impessoal.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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RIBEIRO, Manoel P. Nova gramática aplicada da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Metáfora, 2002. [ está na 14ª edição].

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José Pereira da Silva

Mestre e Doutor em Lingüística e Filologia Românica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

Professor Adjunto de Filologia Românica, Língua Latina e Língua Portuguesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Membro efetivo da Academia Brasileira de Filologia, do Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos e da Confederação das Academias de Letras do Brasil, de cujas diretorias participa atualmente

Autor de numerosos trabalhos acadêmicos e organizador e editor de diversas periódicos científicos da área de Letras

Organizador de diversos eventos da área de Letras, entre os quais o Congresso Nacional de Lingüística e Filologia, Semana Nacional de Estudos Filológicos e Lingüísticos, Encontro Nacional com a Filologia, Jornada Nacional de Filologia, Semana Nacional de Língua Portuguesa, Seminário Superior de Língua Portuguesa e Seminário Superior de Literatura Brasileira

 

Rio de Janeiro, março de 2004


 

[1] Texto apresentado como Conferência de Abertura do Curso de Pós-Graduação de Língua Portuguesa na Universidade Castelo Branco, como um desenvolvimento da aula-conferência apresentada em fevereiro de 2004 no IV Seminário Superior de Língua Portuguesa, realizado pela Academia Brasileira de Filologia.

[2] Veja que os dicionários registram, por exemplo: menino e menina, pato e pata, gato e gata, homem e mulher, mas não, por exemplo: pequena (feminino de pequeno).

[3] Faço questão de lembrar ao Prezado Colega que (exceto os que são potencialmente substantivos e adjetivos) praticamente não se aplica o morfema de gênero ao substantivo.  Cf. mais abaixo a lista extraída de HOUAISS (2001).

[4] É claro que o argumento não vale para os adjetivos uniformes, pois estes não mudam de significado como mudam os substantivos dos pares (masculinos / femininos) apresentados como sendo formas flexionadas da mesma palavra. Alguém pode achar que o substantivo menino indica o mesmo ser que o substantivo menina, aos quais se indentifique uma acomodação gramatical?

[5] Engana novamente o Prezado Colega, pois o adjetivo se modifica para concordar com o substantivo a que se refere. E é nisto que consiste a principal diferença entre flexão e derivação, conforme informou o Prof. Bechara, no tópico acima transcrito. Substantivo algum se modifica para concordar com outro, como também ficou mostrado.

[6] Engana-se novamente o Prezado Colega, pois é muito mais incoerência ter de justificar a inexistência de flexão de gênero para mais de noventa por cento dos substantivos de qualquer lista não selecionada, recolhida em qualquer dicionário.

[7] Eis a íntegra do tópico 220, de Azeredo (2000: 111):

220.      “Devemos, entretanto, reconhecer que, para nomes derivados como sabichão, beberrão, trapalhão, francês, português, italiano, americano, cantor, professor, embaixador, verdureiro, faxineiro, existem contrapartes femininas regularmente formadas por flexão (sabichona, francesa, italiana, cantora, faxineira). Explica-se esse fato, seja porque tais nomes são potencialmente substantivos e adjetivos, seja porque contêm ‘sufixos que se flexionam’. Com efeito, os sufixos de grau –(z)ão e –(z)inho variam em gênero. O sufixo –ão apresenta no feminino o alomorfe –on(a). Isso explica a existência de formas tipicamente populares e coloquiais como mulherona, bolsona, cinturona, volona, portona, criados para recuperar o valor de ‘aumentativo’ de certo modo perdido pelas formas em –ão: mulherão, bolsão, cinturão, bolão, portão.

             O sufixo –(z)inho / -(z)inha também se comporta como unidade autônoma em relação ao gênero. É ele, e não o substantivo como um todo, que se flexiona em nomes como pontezinha e pelezinha, que os nomes ponte e pele são de tema em –e. O –a dos diminutivos portinha, ruazinha, pontezinha e pelezinha é desinência de gênero própria do sufixo. A regularidade da presença do –a nos substantivos femininos derivados por meio do sufixo aumentativo ão, e dos sufixos –ês, -or e –eiro também é uma prova de que esse –a é uma desinência de gênero anexa ao próprio sufixo (sabichona, solteirona (subst. ou adj.), francesa (subst. ou adj.), burguesa (subst. ou adj.), escritora, perdedora, lavadora, leiteira, laranjeira, sapateira, banheira).”

[8] É claro que, para dissolver funcionalmente essa dúvida, basta considerar que o nome ambivalente é substantivo quando é o termo determinado e é adjetivo quando é determinante.

[9] É óbvio, caros colegas, que os artigos, pronomes, numerais e adjetivos flexionam em gênero para concordarem com os termos determinados por eles, não carregando nenhuma diferença semântica, mas apenas a alteração de gênero gramatical.

[10] Como está evidente, concordamos com o Ilustre Lingüista e Sócio Correspondente da Academia Brasileira de Filologia quanto a sua última frase, mas, para o bem da ciência lingüística, lutaremos pelo reconhecimento de que os substantivos não flexionam em gênero, enfrentando essa tradição que não quis ver nem deixar que fosse vista uma realidade tão perfeitamente coberta que poucos se deram conta de tamanha inadequação.

[11] Talvez fosse melhor partir da teoria do Prof. John W. Martin (2000) para evitar o que o Prof. José Lemos Monteiro disse sobre a coerência e a simplicidade comoprincípios que devem nortear uma boa descrição”.

[12] O autor exemplifica e argumenta com adjetivos para defender sua tese, proposta para qualquer determinante nominal.

[13] Além das notas de de página, alguns verbetes foram adaptados para a finalidade a que nos propomos neste extrato, além de não constarem aqui todo o vocabulário dessa especialidade, pois somente isto seria suficiente para constituir um substancioso volume.

[14] Apesar de não constar em nossa nomenclatura, o acento grave, a partir da reforma de 1972, pode ser adequadamente chamado de acento de crase, visto que tem esta função no português do Brasil atual.

[15] A expressãopronome adjetivo” é inadequada porque o pronome tem a função de substituir o nome, que é, de fato, o que está na origem da palavrapronome” – no lugar no nome.

[16] É incrível conceber que pessoas tão inteligentes quanto as que redigiram a Nomenclatura Gramatical Brasileira tenham percebido que o advérbio é uma palavra invariável e lhe tenham atribuído uma flexão de grau, que é mais uma de suas contradições.

[17] A maioria de nossas gramáticas mal se refere à categoria de aspecto, que indica a idéia de tempo interno do processo verbal.

[18] Trata-se de um fenômeno sintático da linguagem que se justifica, muitas vezes, pela fonética, principalmente pelo ritmo ou melodia da frase. É difícil, portanto, justificar a colocação dos pronomes átonos no português, falado em vários países por quase 200.000.000 de usuários.

[19] A terminologia se torna inadequada por omissão, por ser negada aos adjuntos adverbiais de frases como “Vou a São Paulo” e “Venho de Sergipe”, que são, de fato, complementos circunstanciais de lugar.

[20] Como seriam classificados sintaticamente os elementos pospostos aos núcleos de expressões como “A minha chegada ao Rio de Janeiro” e “A necessidade de mais recursos”, além, naturalmente, daquelas em que o núcleo é um adjetivo como “... necessário ao País ou a um advérbio como “... perto do Maracanã”?

[21] Além da dificuldade prática de se distinguir um adjunto de um complemento, a terminologia se torna mais inadequada quando temos necessidade de classificar sintaticamente “UERJ” em frases comoPreciso da UERJ” e “Vou à UERJ”, cuja função completiva é evidente em relação ao verbo, mas não pode ser objeto indireto nem objeto indireto.

[22] Neste caso, há gramáticos que consideram compostas algumas palavras formadas por prefixação, o que seria, na opinião dos ortodoxos, uma inadequação.

[23] Expressão omitida pela maioria das gramáticas, que, geralmente, nem tratam do assunto.

[24] É importante destacar, principalmente, que o substantivo não flexiona em gênero, pois, na categoria de gênero masculino, um substantivo nomeia um ser diferente daquele que nomeará na forma feminina, caso a possua.      
É
um acinte à inteligência humana a continuação de uma tradição gramatical totalmente desvinculada da realidade do mundo.

[25] Apesar de constar nas gramáticas a referência às formas compostas do verbo, raramente registram essas formas nos modelos que apresentam aos estudantes, apesar de reconhecerem todos as marcas aspectuais  que indicam.

[26] Alguns substantivos, em analogia com a flexão de gênero dos adjetivos, têm formas aparentemente flexionadas para indicarem seres claramente diferentes como, por exemplo: menino / menina, pato / pata, porto / porta, linho / linha, professor / professora etc.

[27] Falta-nos, entretanto, um termo gramatical adequado para indicar uma letra que representa dois fonemas, como a letra “x”, nas palavrastáxi”, “oxítono” etc.

[28] Se nossa língua fosse tonal, tudo bem Mas onde estão os dois tons? Um  japonês ou um chinês certamente pensará que se trata de encontro com tons crescentes ou decrescentes, quando se trata de fonemas vocálicos crescentes ou decrescentes em intensidade.

[29] A palavra sugere a idéia de fêmea ou de femina mulher”, criando uma bela confusão, quando o termo nada tem a ver com o sexo do ser a que se refere, assim comomasculino nada tem a ver com a idéia de macho ou másculo. A inadequação desses termos pode levar a pensar que “a cobra”, “a onça” e “a fera” sejam sempre de sexo feminino e que “o mulherão”, “o sapatão” e “o jacaré” sejam sempre de sexo masculino; ou mesmo a ligar a idéia de sexo a rio / lagoa, trovão / chuva ou cavalo / cavala, pinto / pinta, raio / raia etc.

[30] O mais importante é, quase sempre, esquecido: As palavras se flexionam para concordar com outras.  Assim, o artigo, o adjetivo, o pronome e o numeral flexionam em gênero e número para concordar com o substantivo; o verbo flexiona em número e pessoa para concordar com o seu sujeito (e com o predicativo em alguns casos) e em tempo e modo para concordar (correlativamente) com outro tempo e modo. Como o substantivo é sempre um termo-base, jamais flexiona (pelo menos em gênero), nem mesmo para concordar com outro substantivo. Ex.: Minha mulher é o meu cônjuge. A Professora é um violão. Meu colega foi a testemunha principal.

[31] Apesar da NGB, todos sabemos que não se trata de uma flexão, principalmente por dois motivos: não é exigida por uma necessidade de acomodação (ou concordância) com outros termos ou palavras nem se faz necessariamente por meio de sufixos flexionais ou desinências.

[32] Apresento aqui três definições de tempo (extraídas do Dicionário Eletrônico Houaiss), a cuja exemplificação acrescentei as formas compostas para mostrar que são elas, em geral, que indicam o aspecto perfeito do verbo em português, com exceção apenas dos pretérito perfeito e do pretérito mais-que-perfeito do indicativo.

[33] A categoria de gênero, em português e em muitas outras línguas, não é uma flexão, como regularmente se ensina.

[34] Em se tratando do valor aspectual do gerúndio nas formas compostas com certos auxiliares, aproveita-se a oportunidade para pedir aos gramáticos que não se esqueçam do aspecto no capítulo que trata do verbo.

[35] Na verdade, masculino indica oposição a feminino quando esta categoria precisa ser explícita. Em geral, masculino é o gênero não marcado em oposição ao gênero marcado.

[36] Portanto, é inadequado falar de flexão de número dos pronomes pessoais, com exceção apenas dos de terceira pessoa.

[37] Termo inadequado por se considerar a sua conexão ao verbo que completa sem necessidade de preposição, o que acarreta uma série de exceções.  Por sua vez, nem sempre o objeto indireto seria ligado indiretamente ao verbo.

[38] Além do fato de não ser ligado ao verbo sempre indiretamente, ocorre também em situações em que seriam mais adequados os termos “complemento relativo”, “complementos circunstancial” ou outro.

[39] Termo inadequado para as línguas românicas porque significa “o que tem o acento tonal no fim”, já que essas línguas não são tonais.

[40] Confunde-se, com demasiada freqüência, o uso de “palavra” por “vocábulo” e vice-versa, usando-se um pelo outro contextos absolutamente incabíveis.

[41] Termo inadequado por se supor a presença simultânea de prefixo e sufixo, quando, na realidade, trata-se de um circunfixo e de um derivado circunfixal.

[42] Termo inadequado por ser aplicado à descrição de línguas intensivas e não tonais.

[43] Raramente um gramático se dá ao cuidado de definir as subcategorias dos pronomes pessoais, supondo (inadvertidamente) que isto é evidente a seus leitores e consulentes.

[44] Inadequado por se tratar de um termo próprio de uma língua tonal e não a uma língua de acentuação intensiva.

[45] Confira a definição de RAIZ e confirme o uso inadequado que se faz desses dois termos em nossas gramáticas.

[46] No primeiro caso, tem-se um sufixo desinencial ou desinência.

[47] É inadequada a classificação da oração sem sujeito, visto que se trata de situações em que o sujeito é tão evidente que se torna dispensável a sua explicitação. Mais inadequado ainda é informar isto no quadro da classificação do sujeito.

[48] Surdez se refere à percepção auditiva e não à característica de não sonoridade.

[49] A definição de tema traz à tona a confusão terminológica entre raiz e radical, que não são sinônimos.

[50] Algo semelhante na fonética do português brasileiro é a entoação que os homossexuais utilizam quando desejam exibir-se como tais. Ex.: Veja como eu estou linda, bofe!..

[51] Esse elemento não faz parte, naturalmente, de nossa descrição gramatical.

[52] Apesar de tecnicamente diferenciados, os termos “palavra”, “vocábulo” e “termo” costumam ser utilizados um pelo outro, como sinônimos absolutos.

[53] Nem todos concordam que o vocativo seja um termo da oração.

[54] Os termos “vogal de ligação” e “consoante de ligação” não constam do Dicionário Eletrônico Houaiss.

[55] Há freqüente omissão na referência às vogais temáticas nominais, assim como quase não se refere à possibilidade de uma palavra possuir mais de uma vogal temática em sua constituição composta ou derivada.