SINTAXE E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Claudio Cezar Henriques (UERJ, UNESA e ABF)

 

A. Nascentes: Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (1955)

"Sintaxe – Do grego syntaxis, ordem, arranjo, disposição, pelo latim syntaxe."

"Análise – Do grego análysis, dissolução."

 

Diz o primeiro parágrafo do texto de Apresentação dos Parâmetros Curriculares Nacionais:

O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. Por isso, ao ensiná-la, a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes lingüísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos.

No volume destinado ao Ensino Médio (item 3.1), lê-se:

O estudo gramatical aparece nos planos curriculares de Português, desde as séries iniciais, sem que os alunos, até as séries finais do Ensino Médio, dominem a nomenclatura. Estaria a falha nos alunos? Será que a gramática que se ensina faz sentido para aqueles que sabem gramática porque são falantes nativos? A confusão entre norma e gramaticalidade é o grande problema da gramática ensinada pela escola. O que deveria ser um exercício para o falar/escrever/ler melhor se transforma em uma camisa de força incompreensível.

Essas palavras iniciais nos encaminham para algumas questões básicas para o professor que se dispõe a trabalhar com o assunto SINTAXE (e não apenas este) em sala de aula:[1]

-      Como equilibrar norma e gramaticalidade (e o que é isso?) ?

-      Qual o principal objetivo do ensino de Língua Portuguesa nos níveis fundamental e médio ?

-      Quais os assuntos de sintaxe que devem ser apresentados em sala de aula ?

-      Que fazer com a nomenclatura tradicional e com a moderna/sofisticada terminologia lingüística ?

-      (...)

Diz-nos Eugenio Coseriu quetrês níveis de competência lingüística, o “saber elocutivo” (= competência lingüística geral, isto é, a capacidade de falar), o “saber idiomático” (= competência lingüística particular, isto é, a capacidade de falar em uma língua determinada) e o “saber expressivo” (= competência discursiva ou textual, isto é, a capacidade de construir textos em situações determinadas). Um uso lingüístico deve estar adequado às situações e aos contextos em que se fala ou escreve. Assim, no nível do “saber expressivo”, o usuário competente necessita responder, antes de mais nada, a três perguntas: de que pretende falar?; com quem pretende falar?; em que contexto pretende falar? Com isso, importam-lhe não as noções de certo e errado, mas de adequado e inadequado, cujas definições são deveras discutíveis e numerosas, fixando-se em graus bastante diferentes.

O tema põe à vista muitos encaminhamentos instigantes. Tratemos aqui, porém, de algo muito prático para a tarefa do professor de Língua Portuguesa, que pretende fazer de seu aluno um usuário competente (e "poliglota") em sua própria língua, dotado de discernimento acerca do ato de escrever com a necessária correção / adequação gramatical.

É como se disséssemos que as aulas de sintaxe da Língua Portuguesa procurassem fazer uma descrição para a (e não da) linguagem culta contemporânea, com a expectativa de que a sutileza semântica na substituição da preposição corresponda às necessidades de seus discentes.

Em vista disso, selecionamos alguns exemplos merecedores de comentários que partem do conhecimento/estudo da sintaxe, mostrando que a leitura e a interpretação de um texto podem ser enriquecidas com boas lições a respeito da estrutura da oração e do período.

(01)  As boas intenções enchem, piedosas, os porões infernais.

(02)  Apreciei em demasia aquela firme atitude do síndico durante a última reunião de condomínio.

(03)  Menor ladrão era colega da vítima.

A frase foi manchete de notícia publicada em O Globo, onde se lia: "O menor, que confessou à polícia ter participado do assalto, apontou os cúmplices e disse que foi colega do filho do proprietário da casa. (...)"

(04)  Grandes espanhóis buscam recuperação.

A frase foi manchete de notícia publicada em O Estado de S. Paulo, onde se lia: "Real Madrid e Barcelona têm, hoje, a oportunidade de afastar a má fase em que vivem no Campeonato Espanhol. (...)"

(05)  Quando ante Deus vos mostrardes, / Tereis um livro na mão: / O livro esse audaz guerreiro / Que conquista o mundo inteiro / Sem nunca ter Waterloo... (Castro Alves)

(06)  De repente escutou-se um choro horrível de criança dentro. (Mário de Andrade)

(07)  Idéias não se queimam.

(08)  dez por cento da turma vinha/vinham de ônibus.

(09)  Agora é tudo ou nada; O filme de hoje está bom; Ali parece sujo; Não gosto de um livro assim.

(10)  Há/Faz três dias ele (que) partiu daqui.

(11)  – "Não deixarei que tirem retrato de mim nua"– declarou a atriz global.

(12)  Em 1958, não gostei da convocação de Zagalo, mas em 1998 gostei da convocação de Zagalo.

(13)  As lágrimas vieram aos meus olhos com a lembrança de Maria.

(14)  Na ocasião, a Agência Estado divulgou que o relatório era desfavorável ao Brasil (OESP, 22/ago/2002)

(15)  Certamente, quando decidiram-se por torneiras de ouro em seu banheiro, o casal   Ceaucescu tinha perdido toda noção do real. (L. F. Verissimo)

(16)  Todos estão surpresos, (contudo) essa (contudo) é (contudo) a realidade (contudo).

(17)  O herói foi traído por quem se dizia seu amigo.

(18)  Não trouxemos o livro que você pediu que nós comprássemos.

(19)  Em vez de acompanhar a família, ele fica jogando bilhar.

(20)  Era ave-maria quando chegamos ao adro; perdida a esperança de romper a mole* de gente que murava cada uma das portas da igreja, nos resignamos a gozar da fresca viração que vinha do mar, contemplando o delicioso panorama da baía e admirando ou criticando devotas que também tinham chegado tarde e pareciam satisfeitas com a exibição de seus adornos. (José de Alencar) *mole = massa.


 

[1] Os exemplos citados (exceto o no 07) foram extraídos do livro Sintaxe Portuguesa para a linguagem culta contemporânea. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 2003. 3aed.