TRANSPLANTE
da
língua
portuguesa
PARA
o Brasil
Leodegário Amarante de Azevedo
Filho
(UERJ, UFRJ e ABF)
Com
fundamento na
classificação de George Hempl, adotada
por Jespersen
(1928: 201 ss.), podemos
considerar
quatro
casos
teóricos de
língua
transplantada:
Caso
A:
Persistência
da
população
nativa
com
infiltração culturalmente
superior da
população de
fora. É o
caso da
romanização da
Península
Ibérica,
que teve o
seu
território
anexado ao
Império
Romano,
apresentando
como
conseqüência a
implantação do
latim
vulgar naquela
região. A
língua e os
costumes do
povo
mais
culto
absorveram a
língua e os
costumes das
populações
vencidas,
através da
ação de
tropas
militares de
ocupação, das
organizações
comerciais e
industriais e
da
própria
organização de
repartições
administrativas.
Não sendo
veículo de uma
cultura
superior, as
línguas
autóctones
tendem a
desaparecer,
em
tais
casos;
Caso
B:
Eliminação
da
população
nativa
em
proveito
da
que
vem de
fora.
Situa-se neste
caso,
fundamentalmente,
o
transplante
da
língua
portuguesa
para
o Brasil, afugentando-se
ou
escravizando-se os
nativos
que
habitavam o
litoral.
Realmente,
a
chamada
“língua
geral”
dos catequistas
nada
mais
era
do
que
um
produto
de superstrato do
português
em
relação
às
línguas
indígenas,
em
particular
a
língua
dos
tupinambás.
O
fato
já
foi demonstrado
pelo
professor
J. Mattoso
Câmara
Jr. no
livro
Introdução
às
Línguas
Indígenas
Brasileiras
(Câmara
Jr., 1966).
O
tupi
jesuítico,
portanto,
era
apenas
uma
língua
de
intercurso,
como
também
procuramos
demonstrar
no
livro
Anchieta, a
Idade
Média
e o
Barroco
(Azevedo
Filho,
1966),
onde
estudamos,
entre
outros
aspectos,
a versificação
em
tupi
que
nos
deixou
aquele
notável
catequista.
O
que
se tem,
assim,
em
terras
brasileiras,
nos
primeiros
contactos dos
dialetos
indígenas
com
a
língua
dos colonizadores, é
um
período
inicial
de superstrato do
português,
facilmente demonstrável
através
de
estudos
de
fonologia
da “língua
geral”
e da versificação jesuítica
em
tupi.
Por
exemplo:
na
dificuldade
de
pronunciar
o /i/
grosso
ou
gutural
dos
indígenas,
a “língua
geral”
lhe
acrescentava,
não
raro,
a
consoante
/g/.
Assim:
/ig/. No
que
se refere à
técnica
do
verso,
Anchieta
nos
oferece
um
tratamento
de
encontros
vocálicos
tipicamente
românico
em
relação
ao
tupi,
escrevendo
versos
medidos e rimados de
grande
regularidade.
Era
a
ação
do
português
sobre
as
línguas
indígenas
brasileiras numa
fase
inicial
de superstrato do
idioma
mais
culto.
Em
seguida,
já
no
século
XVII, ocorreu
um
período
de
bilingüismo,
em
relação
às duas
línguas
que
se falavam
durante
as
Entradas
e
Bandeiras.
Houve,
então,
empréstimos
de adstrato das
línguas
indígenas
para
o
português,
mas
apenas
em
relação
ao
vocabulário,
como
se pode
ver
em
nossos
nomes
geográficos
ou
em
nomes
de
nossa
flora
e de
nossa
fauna.
Assim
mesmo,
os
vocábulos
oriundos
das
línguas
indígenas
tinham
que
apresentar
roupagem
portuguesa
antes
de
penetrar
em
nosso
léxico,
adaptando-se
fonológica
e morfologicamente à
língua
dos
conquistadores.
Através
desse
processo,
muito
se enriqueceu o
léxico
do
português
do Brasil.
Mas
a
verdade
é
que,
já
no
século
XVIII, o
português
havia suplantado
definitivamente
as
línguas
indígenas,
transformando-se
em
língua
nacional
do Brasil,
após
uma
fase
relativamente
curta
de
bilingüismo.
Os
índios
fugiram
para
o
interior,
quando
não
foram eliminados
ou
escravizados. E os
mestiços,
em
sentido
social,
já
estavam integrados na
nação
dos
conquistadores,
falando o
português.
Em
três
fases,
portanto,
é
possível
estudar-se o
transplante
da
língua
portuguesa
para
o Brasil. Na
primeira,
verifica-se o superstrato do
idioma
do colonizador
em
relação
aos
falares
indígenas;
na
segunda,
ocorre
um
período
de
bilingüismo,
enriquecendo-se o
léxico
do
português
do Brasil; na
terceira,
por
fim,
o
português
se implanta
como
idioma
nacional.
Nos
casos
A e B,
por
conseguinte,
verifica-se o
fenômeno
de radicação da
língua
que
vem de
fora,
situando-se o Brasil no
segundo
caso;
Caso
C:
Organização
governamental
e
política
do
povo
que
vem de
fora,
impondo-se
pela
força
a uma
população
nativa
e coesa. No
caso,
em
geral,
predomina a
língua
nativa,
servindo
como
exemplo
os
normandos
na Inglaterra. A
propósito,
esclarece o
professor
J. Mattoso
Câmara
Jr.:
Os
dois
idiomas
seguem
por
algum
tempo
cursos
paralelos,
assinalando
entre
os
seus
respectivos
falantes
uma
diferença
de
posição
social.
Pouco
a
pouco,
porém,
a
língua
invasora vai-se extinguindo. Rarefazem-se os
quadros
da
aristocracia
governamental
e os
seus
indivíduos
são
colhidos nas
malhas
da
estrutura
social
a
que
se superpuseram. A
caudal
de
empréstimos
é,
entretanto,
volumosa.
Durante
muito
tempo,
é
por
meio
da
língua
estrangeira,
falada
pelos
dirigentes,
que
se
processa
a
vida
política
e cultural da
nação.
A
imitação
das
coisas
da
corte
traz, insensivelmente,
para
as
classes
inferiores
uma
nomenclatura
variada,
que
lhes
era
estranha.
(Câmara
Jr., 1964: 274)
No
caso,
cremos
que
se pode
incluir
também
o
exemplo
do
império
visigótico na
Península
Ibérica,
pois
os
povos
germânicos
invasores
não
conseguiram
eliminar
o
latim
vulgar,
que
persistiu no
território
conquistado.
Caso
D:
Integração
da
população
de
fora
(imigrantes)
numa
organização
social
e
política
já
existente. Incluímos
aqui
a
imigração
de
alemães,
italianos, japoneses,
sírios,
etc. no Brasil.
São
pequenos
núcleos
de aloglotas
que
assimilam o
idioma
do
novo
meio
em
que
se encontram. Os
empréstimos
vocabulares
são
mínimos,
penetrando
muito
discretamente
na
língua
falada
e na
gíria.
Maior
número
de
empréstimos
se verifica
em
relação,
─
ainda
no
caso
do
português
do Brasil, ─ às
línguas
africanas
que
os
escravos
trouxeram
para
a América. Faltava ao
escravo
a
necessária
motivação
social
para
falar
bem
a
língua
dos
senhores,
contentando-se
com
um
falar
crioulo,
ou
seja, contentando-se
em
falar
o
português
a
seu
modo.
Daí decorre,
sobretudo,
extrema
simplificação do
sistema
lingüístico,
por
força
da
introdução
na
língua
dos colonizadores de
traços
próprios
das
línguas
africanas.
Assim,
a simplificação
violenta
do
sistema
fônico, mórfico e
sintático
da
língua
culta
dá
origem
ao
falar
crioulo.
E a
ação
da
mãe
preta
ou
ama
negra
na
educação
dos
filhos
dos
senhores,
em
nosso
sistema
de
aristocracia
rural
vigente na
Colônia,
foi aos
poucos
possibilitando a
penetração
de
empréstimos
de
línguas
africanas no
português
do Brasil.
Mas
tais
empréstimos,
sobretudo
de
ordem
vocabular, adaptaram-se
naturalmente
à
fonologia
e à
morfologia
da
língua
dos colonizadores.
A
história
do
transplante
da
língua
portuguesa
para
o Brasil,
por
conseguinte,
situa-se
nos
casos
B e D,
exatamente
porque
se verificou
entre
nós
a
eliminação
cultural da
população
nativa
em
proveito
da
cultura
dos colonizadores, envolvendo a
língua
e os
costumes.
No
caso
D,
porque
as
levas
de
imigrantes
que
chegaram ao Brasil se integraram no
sistema
lingüístico
predominante no
território
nacional,
o
que
já
havia ocorrido
muito
antes
em
relação
aos
africanos
que
foram transportados
para
a
Colônia
como
escravos.
O
caso
B explica a
formação
histórica
da
nacionalidade
brasileira,
através
da
implantação
de
um
regime
de colonização portuguesa,
que
superou
inteiramente
a
invasão
temporária
de
outros
povos
europeus,
como
foi o
caso
dos holandeses no
Nordeste
ou
dos franceses no
Rio
de
Janeiro.
O
efeito
dessas
invasões
bem
cedo
desapareceria, retomando-se
sempre
os
caminhos
da colonização portuguesa. O
caso
D,
finalmente,
explica a
integração
cultural do
negro
em
nossa
sociedade
colonial,
bem
assim
a
integração
posterior
de
imigrantes
estrangeiros
de
procedência
diversa,
sendo cronológica e
quantitativa
a
diferença
entre
os
dois
últimos
aspectos.
Cronológica
porque
a
presença
de
escravos
no Brasil é
muito
anterior
à
presença
de
imigrantes.
Na
casa
grande
a
mãe
preta
cuidava dos
filhos
dos
senhores,
falando
um
português
crioulo,
que
servia de
modelo
para
as
crianças.
O
caso
dos
imigrantes
é
diferente
porque
já
encontram uma
sociedade
plenamente
constituída,
não
participando de
sua
formação,
como
se deu
em
relação
ao
negro
africano.
Com
efeito,
os
imigrantes
é
que
têm o
maior
interesse
em
aprender
o
português
do Brasil, muitas
vezes
ocorrendo o
fato
de
que
os
seus
netos
já
não
sabem
falar
a
língua
paterna.
O
próprio
sotaque
estrangeiro
tende a
ir
desaparecendo
com
o
tempo,
por
força
de
um
fenômeno
contínuo
de
integração
lingüística
e
social.
Não
admira,
assim,
que
o
número
de
empréstimos
que
o
português
do Brasil recebeu de
línguas
africanas,
quantitativamente,
seja muitas
vezes
superior
aos
empréstimos
lingüísticos
que
nos
vieram
por
meio
dos
imigrantes,
quase
todos
circunscritos
a
falas
especiais
e a
gírias.
Unificação
e
diferenciação
do
português
do Brasil
Atualmente,
portanto,
em
face do
português
comum,
que se
constituiu historicamente
em Lisboa,
conforme
tese defendida
pelo
professor J. Mattoso
Câmara Jr.,
há duas subnormas. Existe a subnorma
brasileira e a
subnorma portuguesa, ambas sofrendo modificações,
através dos
tempos,
em
face da
norma
comum
que
lhes deu
origem. A
nosso
ver, o
fenômeno de
enfraquecimento
vocálico
que se observa
na
pronúncia
portuguesa
atual
representa,
entre
outros
elementos, uma
diversificação
em
face da
norma
comum. No
Brasil, ao
contrário, se
mantemos
um vocalismo
tenso,
por
outro
lado a
nosso
pronúncia
revela
certos
fenômenos de
enfraquecimento
das
articulações
consonantais.
São
dois
exemplos de
variação das duas subnormas (a do Brasil e a de Portugal)
em
relação à
norma
originária.
Note-se
ainda
que mantemos
no Brasil o
uso de
certos
arcaísmos,
sobretudo na
língua
falada
em
áreas
laterais,
que estão
bem próximas da
norma
primitiva e
que
desapareceram da subnorma portuguesa
contemporânea.
Como se
percebe,
em
nossos
dias,
tanto a
subnorma
brasileira
como a
subnorma portuguesa apresentam
diversificações
específicas
em
relação à
norma
comum,
interessando-nos
aqui
apenas os
fenômenos
ocorridos no
português do Brasil,
que podem
ser estudados
em
função de
três
aspectos:
a) A
língua
padrão
escrita;
b) A
língua
padrão
coloquial;
c) A
língua
popular.
A
língua
padrão obedece
a uma
estrutura
ideal
que abrange a
nação
inteira,
apresentando
disciplina
gramatical.
Quando
utilizada
por
escritores,
em
poesia
ou
ficção,
naturalmente
apresenta
propriedades
estilísticas
individuais. A
língua
literária,
portanto,
não
raro
reestrutura esteticamente os
elementos da
língua
padrão,
para a
criação de
um
estilo
próprio.
Fora do
âmbito
literário
ou
artístico,
ou seja,
em
estudos
técnicos, a
língua se
mantém
fiel à
sua
tradição
gramatical. E
assim é
ensinada nas
escolas.
Na
língua
padrão
coloquial,
acentuam-se algumas
diferenças
em
relação ao
português da Europa,
diferenças
que
vão
além das
próprias
diferenças
normais
existentes
entre a
língua
falada e a
língua
escrita. Na
verdade,
como
procuramos
demonstrar,
tanto a
subnorma do
português do Brasil
como a
subnorma do
português de Portugal
apresentam modificações
em
face da
norma
originária.
Tais
modificações ocorrem,
sobretudo,
nos
domínios da
fonologia,
onde mantemos
um vocalismo
tenso
em
oposição à
pronúncia de
base
consonântica dos portugueses. Na
morfologia e
na
sintaxe
não há
diferenças
essenciais,
por
isso
mesmo
que a
colocação dos
pronomes
átonos na
frase é
mais
um
fenômeno
fonológico
que
sintático. Mantendo-se
extremamente
átonas as variações
pronominais na
pronúncia
portuguesa, é
natural
que venham
em
ênclise no
início da
frase. No
Brasil, ao
contrário, o
vocalismo
tenso confere
certo
grau de
atonicidade aos
pronomes
átonos,
que
normalmente
aparecem iniciando
frases
em
nossa
língua
coloquial.
Além disso,
ainda no
domínio da
fonologia, as
vogais átonas
postônicas (sobretudo
as
finais) se
reduzem a
três, no
português do Brasil: /a/ –
/i/ – /u/.
Não temos,
com
efeito, o
chamado /e/ reduzido
português,
quase
não
pronunciado
como no
vocábulo: pel(e).
Entre
nós,
em
tais
casos, ocorre
sempre
um
fenômeno de neutralização
vocálica,
aparecendo o arquifonema /i/.
Assim,
pronunciamos
com /i/
átono
final o
vocábulo
pele: /peli/,
conforme o
exemplo
dado. Essa
neutralização do /e/
em /i/ é
sistemática
em
posição
átono
final, de
acordo
com a
pronúncia do
Rio de
Janeiro,
tida
como
padrão no
Brasil.
São
aspectos de
pequenas
diferenças no
campo
fonológico,
que devem
ser consideradas
como
variantes da
língua
padrão
falada
pelos
dois
povos.
Tendências
da
língua
popular
Por
fim, na
língua
popular, as
diferenças
muito se
acentuam.
Inicialmente,
cabe
distinguir
entre a
língua
popular das
classes
incultas e a
língua
popular e
regional das
classes
rurais.
Isso
não significa,
entretanto,
que
não haja
certas
coincidências
entre o
português do Brasil e o de
Portugal,
como na
construção:
haviam
homens
no
lugar de
havia
homens,
verificando-se a
flexão do
verbo
haver
impessoal na
língua
popular (e
até na
língua
literária) dos
dois
povos.
Mas
pretendemos
indicar
aqui,
apenas,
algumas
tendências
específicas do
português
popular do
Brasil
em
contraste
ou
não
com o
português da Europa,
tanto na
fonologia
como na
morfossintaxe, a
saber:
a)
Fonologia
No
caso, há
três
grandes
tendências:
1.
Predominância
do vocalismo
sobre o
consonantismo;
2.
Enfraquecimento
da
articulação
consonântica;
3. Redução de
sílabas
travadas a
sílabas
livres,
como na
pronúncia:
memo no
lugar de
mesmo,
entre
muitos
outros
exemplos,
adiante
examinados.
b) Morfossintaxe
No
caso,
observam-se
três
grandes
tendências:
1. Remodelação do
sistema de
plural e,
portanto, de
todo o
mecanismo da
concordância;
2. Remodelação morfossintática
pronominal;
3. Remodelação morfossintática
verbal e
nominal.
Expliquemos os
dois
quadros,
começando
pelo
fonológico,
onde podemos
observar: a) Palatização
das dentais,
principalmente
antes de /i/,
como
em:
mentira (mentxira)
ou
medida
(medjida).
Traço
um
tanto
regional; b)
Alargamento
em
ditongo de
final
tônica
terminada
em s
ou z
gráficos,
como
em:
rapaz
(rapais),
luz (luis),
nós
(nóis); c)
Intercalação
de uma
vogal
para
desfazer
certos
núcleos
consonânticos,
como
em:
obter
(obiter),
advogado
(adevogado),
absoluto
(abissoluto),
pneu (peneu),
etc.; d)
Vocalização do
/l/
final,
como
em:
final
(finau),
mel
(méu),
carnaval
(carnavau), etc.; e)
Enfraquecimento
das
consoantes
posvocálicas
finais,
como
em:
amar
(amá),
dever (devê),
ouvir (ouvi), etc.
que
são
pronunciados à
maneira
francesa; f) Redução de
ditongo a
vogal:
quejo
por
queijo,
bejo
por
beijo,
etc. num
fenômeno
que é
geral
em
português,
diante de
chiantes; g) Despalatização:
mulher
(muié),
velho (véio),
alho (aio),
etc.; h) Redução de
proparoxítonos
a
paroxítonos,
conforme o
padrão
prosódico
(acentuação
grave
predominante)
geral da
língua:
exército
(exerço),
música
(musga),
abóbora
(abobra), etc; i) Na
área
dialetal do
Norte,
em
geral, as
pretônicas
são
abertas,
enquanto
são fechadas
na
área
dialetal do
Sul,
traço
lingüístico
que
em
si
mesmo
já estabelece
uma
distinção
entre as duas
áreas.
São
apenas
alguns
exemplos de
fenômenos
que se
observam na
estrutura
fonológica da
língua
popular,
revelando
certas
tendências
comuns a
várias
regiões,
sobretudo as
rurais.
No
quadro
morfossintático, observamos: a)
Eliminação das
variações átonas: o, a, os, as,
como
em :
Vi
ele;
Mandei
ele
sair;
etc.; b) Transposição da variação
lhe
para o
tratamento
dado ao
ouvinte
em
terceira
pessoa
pelo
padrão de
me
e
te,
como
em:
Ele
me
viu.
Ele
te
falou.
Eu
lhe
vi.
Eu
lhe
falei; c)
Fixação do
pronome
ele e
de
suas
flexões
como
único
pronome de
terceira
pessoa,
como
em:
Ele
viu. Vi
ele.
Falei
com
ele;
d)
Substituição
do
sistema de
três
pronomes
demonstrativos
(falante,
ouvinte e
terceira
pessoa)
por
um
sistema de
dois
pronomes (falante
e não-falante)
com o
desaparecimento
da
oposição
gramatical
entre
este
e
esse,
que se tornam
intercambiáveis, havendo
preferência
para
esse,
forma
oposta a
aquele;
e)
Eliminação das
formas
verbais de
imperativo,
como
em:
Não
faz. Venha
cá,
etc.; f)
Tendência a
substituir o
sistema
pretérito-presente-futuro
pelo
sistema
bipartido de pretérito-presente,
como
em:
Vou
amanhã.
Fazia
isso,
etc.; g)
Manutenção da
desinência
arcaica do
pretérito
perfeito: -arom;
-erom e -irom
com
desnasalização
da
vogal
final,
como
em:
Os
menino
chegáro; h) Remodelações no
sistema de
verbos
irregulares,
como
em
vir,
para
distinguir
formas
homônimas
com
ver
(viemos no
lugar de
vimos),
presente do
indicativo, e
ver no
lugar de
vir,
futuro do
subjuntivo; i)
Criação de
oposição
por
alternância
vocálica
entre a
primeira e a
terceira
pessoas das
formas
fortes
em -ou
(pronúncia:
ô),
como
em: sube,
truxe, etc.; j) Remodelação das
formas
rizotônicas de
certos
verbos
em
virtude de
fenômenos
fonéticos
já apreciados,
como
em
roubar
(robar),
inteirar
(interar),
ritmar
(ritimar), etc.; l)
Tendência
para redução das
flexões
verbais,
opondo-se a
primeira às
demais
pessoas,
como
em: vô,
vai, vai, etc.; m)
Preferência
dada à
preposição
para
na
regência de
objeto
indireto,
como
em
Falar
para
ele,
etc.; n)
Emprego do
verbo
ter
no
lugar do
verbo
haver,
como
em:
Tem
lugar
aí?,
etc.; o)
Desinência do
gerúndio
em -ano, -eno,
-ino (por
assimilação do /d/ à
nasal),
como
em: falano,
dizeno, pedino; p)
Morfema de
plural
apenas no
determinante,
como
em
Os
menino
chegô
ou
chegáro.
Meus
cóbri
não
chega
pra
nada,
etc.; q) Os
verbos
irregulares
tendem
para a regularidade,
como
em:
Eu
cabo.
Si
eu
fazê, etc.; r)
Preposição
rejeitada de
antes do
relativo
para o
fim da
oração,
como
em;
O
homem
que
eu
falei
ontem
com
ele,
etc.; s)
Verbo
botar
no
lugar do
verbo
pôr,
como
em:
Bote
em
cima
da
mesa,
etc.; t)
Mistura de
tratamento,
que se reflete
no
seguinte
verso de
Manuel
Bandeira:
“Entra, Irene,
você
não
precisa
pedir
licença”; u)
Uso de
forma
oblíqua de
pronome da
primeira
pessoa do
singular
como
sujeito de
infinitivo,
como
em:
Dá
café
pra
nóis, etc.; x)
Uso de
mais
em
lugar de
já,
como
em:
Não
chove
mais
– no
lugar de
Já
não
chove. (Cf.
francês: Il
ne pleut plus; z)
Uso da
preposição
em
com
verbos de
movimento,
como
em:
Vou no
cinema,
etc., etc., etc.
São
apenas algumas
tendências
observadas,
como uma
espécie de
denominador
comum, na
língua
popular de
várias
regiões do
País.
Em
alguns
casos,
encontramos
autênticos
arcaísmos.
No
vocabulário,
de
modo
geral,
verifica-se uma
tendência a
preencher
lacunas
com tupinismos
e africanismos:
cochilar,
mirim,
moleque,
pereba,
xará,
caipora,
etc.
Além disso, a
massa
vocabular dos
fatos
dialetais,
em
geral, é
comum
em
todo o
País:
causo
(≡
caso),
tamẽi
ou tombẽi(=
também),
rijume (=
regime), inguinorante
(=
ignorante),
drumi (=
dormir), quaradô (=
coradouro),
intaliano (= italiano), premero (≡
primeiro), barbuleta
(=
borboleta),
saluço (=
soluço),
aribu (=
urubu),
Ogeno (≡ Eugênio), coresma (=
quaresma),
rúim (=
ruim),
otomove (=
automóvel), subi (≡
soube), xiringa (≡
seringa),
memo (=
mesmo),
cumpádi (=
compadre),
trabaio (≡
trabalho), Dino (=
digno),
pobrema (=
problema),
barde (=
balde) etc. No
sentido de
certas
aproximações
de
fatos da
língua
popular do
Brasil e de Portugal, Gladstone
Chaves de Melo
traça
um
interessante
paralelo
entre o
denominador
comum da
língua
popular
brasileira e o
dialeto interamnense de
Portugal. (Cf. MELO, 1946)
Em
alguns
casos, temos
apenas
arcaísmos
vocabulares.
Embora Révah
(Cf. Révah) pretendesse,
até
certo
ponto,
reconstituir algumas
características
do
sistema
fonético dos
falares
portugueses dos
séculos XVI e
XVII, partindo de
fatos da
língua
popular
falada no
Brasil de
hoje, convém
sempre
prevenir
que o
português
que recebemos
no
século XVI
não foi o
clássico,
mas o
arcaico.
Vejam-se,
como
exemplo, os
seguintes
arcaísmos de
Anchieta, –
já na
segunda
metade do
século XVI, –
por
nós apontados
no
livro
Anchieta, a
Idade
Média e o
Barroco:
a)
Hiato
em
encontros
vocálicos de
e,
que e
se,
ainda
que
não
sistemáticos (conjunções),
como
em: “E / os
enche de benções”; b)
Emprego do
verbo
haver
por
ter: “Quem
quiser
haver Victoria”; c)
Rima home
com
fome;
d)
Emprega a
expressão,
de contino no
lugar de
de
contínuo;
e) Vianda (origem
provençal)
por
carne;
f) Padar
por
paladar;
g) Enfrascar-se
por
embebedar-se; h)
Hiato
em
ceos: “Quanto
nos
ceos guardados” i)
Rima may
(ver
galego e
mirandês)
com
pai;
j)
Convite
por
banquete:
“Seja
gracioso
convite”; l)
Emprega
calma
no
sentido de
calor:
“Ar
fresco de
minha
calma”; m)
Rima
beijo
com
desejo:
“doce
beijo /
mitigador do
desejo”;
entre
outros
exemplos
que apontamos,
com
indicação
bibliográfica, no
livro
acima
mencionado. Na
língua
como
nos
costumes,
partimos da
Idade
Média
para o
Barroco,
em
nossa
formação
colonial,
sem
qualquer
contacto
com o
Renascimento.
Conclusão
Finalizando, cumpre
distinguir
bem a
língua
padrão
oral da
língua
popular, esta
última
envolvendo
dialetos e
gíria. A
primeira é uma
língua
culta,
superpondo-se à
língua
popular e dela
distinguindo-se
não
apenas
por
maior
nitidez e
constância na
fonação,
mas
também
pela
observância
das
formas
gramaticais e
pela
riqueza de
vocabulário. A
língua
popular,
quando diverge
da
disciplina
gramatical da
língua
padrão, é
que apresenta
gradações
que
vão dos
dialetos à
gíria. Os
dialetos
agrupam
falares
que apresentam
simplificação de
oposições
lingüísticas
em
face da
língua
padrão,
revelando
ainda
possível
influência de
substrato
indígena
ou
africano,
sobretudo nas
áreas
rurais.
E a
gíria se
caracteriza
pelo
emprego
particular de
certos
vocábulos, –
incluindo-se
aí o
calão, –
que na
verdade coexistem ao
lado dos
vocábulos
comuns da
língua.
Afinal, a
unificação e a
diferenciação
do
português do Brasil é
matéria
que está
exigindo
estudos
monográficos
específicos,
esperando-se
ainda,
para
melhores
resultados, a
aplicação
mais
ampla do
método da
geografia
lingüística
em
nossa
pesquisa
dialectológica, a
exemplo do
que fez Nelson
Rossi e
sua
equipe
com o
Atlas
Prévio
dos
Falares
Baianos.
Nem pode uma
língua
manter-se
uniforme num
vasto
território
em
que é
falada
por
mais de
noventa
milhões de
pessoas
agrupadas
em
classes
sociais
diferentes.
Mas, a
despeito as
formações
dialetais, o
português é a
língua
padrão do
Brasil, havendo
unidade
lingüística
entre as duas
nações
(Portugal e Brasil),
através de
duas subnormas cultas
em
relação ao
português
comum de
que se
originaram.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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Filho,
Leodegário A. de. Anchieta, a
Idade
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Barroco.
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Câmara
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Rio de
Janeiro:
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Acadêmica,
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––––––.
Princípios
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4ª ed.
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Piel,
Joseph M. “Sobre
Alguns
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Renovação e
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Révah. Comment et jusqu’á
quel point les parlers brésiliens permetent-ils de
reconstituir le
système phonétique des parlers portugais des XVI et XVII siècls?
(III
Colóquio
Internacional
de
Estudos
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Rossi, Nelson.
Atlas
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dos
Falares
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Rio de
Janeiro:
Instituto
Nacional do
Livro, 1963.