SIMBOLISMO E PRÉ-MODERNISMO
Ivo Barbieri (UERJ)
De 1893 –
explosão
Cruz e Sousa
com Broquéis e
Missal – a 1922,
ano de A
semana de
arte
moderna
são 4
décadas. Se deslocássemos
um
pouco as
datas
em
razão de
acontecimentos literário-culturais
não
menos
significativos, marcaríamos o
início do
período
em 1888,
ano de publicação de O
ateneu de Raul Pompéia, encerrando-o
em 1917
com a
exposição de Anita Malfatti,
marco
inicial do
escândalo provocado
pela
arte de
vanguarda no Brasil.
São
esses 40
anos
que o
binômio
Simbolismo e Pré-modernismo pretende
abarcar. Na
verdade,
durante o
período ocorrem várias
correntes e múltiplas
tendências
que se encadeiam, sobrepõem, convergem e ramificam.
Daí a
quantidade de
denominações
que Percebe:
simbolismo,
decadentismo,
impressionismo, pós-parnasianismo, pós-simbolismo,
sincretismo, penumbrismo
ou
crepúsculo. Pré-modernismo é o
termo
mais
usualmente
empregado.
Bem
mais
recentemente, entra
em
cena a
expressão art nouveau
com
pretensão à
hegemonia. José Paulo Paes,
que advoga a
adoção deste
último
termo
como
designativo de
toda a
produção cultural do
período, refere-se a
ele
como “espaço
histórico
intervalar”,
“vácuo de
nossa
história
literária”. A
propósito,
argutamente observa
Flora Süssekind: “É
como se
desde a
última
década do
século XIX aos
anos 20 deste
século [XX] a
literatura
brasileira apresentasse uma
estranha
suspensão de
sentido
por
três
decênios.” (O
figurino e a
forja, 33)
Entretanto,
visto
que a
história
não pára
nem cai no
vácuo
em
momento
algum e
que
nenhum
período é de
todo
estéril
ou
insignificante, é
necessário
procurar
apreender o
perfil cultural desses 40
ou 30
anos de
modo abrangente e consistente. A
questão
crucial
com
que o
pesquisador se depara de
saída é o de
encontrar
um
denominador
comum,
um
eixo de
articulação
que respondesse
pela
unidade da
cultura e das
artes
durante o
período
todo.
Mas,
antes de
mais
nada, caberia
indagar da
validade de uma
única
denominação
que desse
conta do diversificado
espectro de
manifestações
nos
vários
campos de
produção cultural. Mirando a
face desse
problema, esbarra-se, de
saída,
com
sérios
problemas. No
campo da
literatura,
por
exemplo,
como
aproximar
autores
tão
díspares
entre
si
como
Machado de Assis e Rui Barbosa,
Coelho
Neto e
Lima Barreto, Euclides da
Cunha e João do
Rio
ou
poetas
como
Cruz e Sousa e Gilka
Machado,
Augusto dos
Anjos e Raul de Leôni, José Albano e Pedro Kilkerry.
Como
enquadrar
um
naipe de
poetas
tão diferenciado
quanto Ernâni
Rosas, Marcelo
Gama e Maranhão
Sobrinho.
Para
complicar
mais
ainda a
questão, deparamos
com
vias antagônicas, ficando num
extremo os
acomodados à literatura-sorriso da
sociedade do
tipo Afrânio Peixoto, alinhando-se no
outro os comprometidos
com as
grandes
questões político-sociais da
época, optando
pela “literatura
como
missão”,
em
cuja
pauta avultam o
debate
abolicionista liderado
por Joaquim Nabuco e José do
Patrocínio, o
abolicionista e o republicano
concomitantemente assumidos
por Raul Pompéia, a
invocação da
ciência
em
apoio à
observação
direta dos
fatos
como fez Euclides da
Cunha
ou a
denúncia do
atraso, do
preconceito, do
arbítrio e das
violências político-sociais
que impregnam a
ficção de
Lima Barreto.
Em
primeiro
plano, num
tempo
como
esse,
em acentuado
processo de transformação, destaca-se o
seu
caráter bifronte – de
um
lado o
ocaso, o
mundo
que declina e se exaure, e do
outro os
sinais de
um
dia
novo de
que,
por
entre
sombras, se vislumbra o
alvorecer. E, se é
verdade
que os
poetas
são a
antena da
raça,
como
quer Pound, será
difícil
identificar
um
só
nome de
rosto
virado
para o
passado. A
maioria fica
exposta e encara
desafios
oriundos de
ambos os
lados.
Figuras privilegiadas, às
vezes, se sobrepõem sobranceiras
acima dos
limites
impostos
pela
visão comensurada ao
alcance do
próprio
limiar.
Momentos
assim
são
propícios à afirmação de
gênios
extraordinários,
como foi Giotto na
fronteira da
Idade
Média
com o
Renascimento, de Cervantes e Camões,
ambos
com
um
pé no
Renascimento e
outro no
Maneirismo, de Marcel Proust sumarizando todas as
conquistas do
romance
literário do Oson dando
tanto a
vertente, do “tempo perdido”
quanto às
alternativas da modernidade, o
tempo renascido. Retornando ao
nosso
terreno, se
nos indagamos a
respeito de
quem
poderia
ter assumido
papel
análogo no Brasil
entre o
século XIX e XX, a
resposta
só pode
ser uma:
Machado de Assis.
Sem
sombra de
dúvida, a
ficção
machadiana, ao
mesmo
tempo
que sumariza
toda a
ficção
literária do
ocidente – de Homero a Flaubert – fazendo-lhe a
crítica, a reformula e renova.
Não
apenas
em
termos cronológicos,
visto
que
sua
obra de
peso vem à
luz
entre 1880 e 1908,
mas
sobretudo
em
virtude das
mutações
por
que passam, o
romance e o
conto de
Machado erguem-se
como
monumentos
literários
até
hoje
não superados.
Passados
exatamente
cem
anos da publicação de Esaú e Jacó,
esse
romance continua
tão
vivo e
surpreendente
como nasceu naquele
centenário 1904. Confirmado
pela
posteridade
como
texto resistente às
vicissitudes do
tempo,
clássico e trans-histórico, Esaú e Jacó
constrói uma
narrativa e tece uma
prosa
que poderíamos
considerar emblemáticas daquele
período.
Diluição da
intriga,
descontinuidade
narrativa,
destaque do
fragmentário, requintada
sensibilidade às
sutilezas de
estilo, auto-reflexividade do
discurso,
relevância das
figura do narrador, duplicidade da
voz
irônica,
tudo
temperado de
humor e
afiado de mordacidade
crítica, fazem do
penúltimo
romance de
Machado
um
exemplar
perfeito da
inquietude
moderna, da
percepção
aguda do
momento
instável
que prenuncia
metamorfoses à
vista.
Por
outra,
esse
mesmo
tempo de
incertezas repercute na
sensibilidade dos chamados
menores de
maneira
completamente
diferente. É perplexidade e
indecisão
que lemos,
por
exemplo, no
soneto “Confusão” de Raul de Leôni:
Alma
estranha esta
que
abrigo,
Esta
que o
Acaso
me deu,
Tem tantas
almas
consigo,
Que
eu
nem sei
bem
quem sou
eu.
Jamais na
Vida
consigo
Ter de
mim o
que é
só
meu;
Para
supremo
castigo,
Eu sou
meu
próprio Proteu.
De
instante a
instante, a
me
olhar
Sinto, num
pesar
profundo,
A
alma a
mudar...mudar...
Parece
que estão,
assim,
Todas as
almas do
Mundo,
Lutando
dentro de
mim...
(Luz
mediterrânea.
1922)
Como se sabe, o
tema do
eu
múltiplo e dividido provém do
romantismo, é a
visão
retrospectiva
que o
poeta assume.
Mas sabemos
igualmente
que essa a
que Hegel chamou de “consciência
infeliz”, vai estender-se
pelo
modernismo a
dentro.
Perplexo
diante de
um
cenário
indefinido e incerto, na
voz auto-reflexiva de Raul de Leôni, reverbera no
horizonte
impenetrável.
Embora competindo
com
outros, Pré-Modernismo é o
rótulo
mais usado e difundido. O
termo foi usado
pela
primeira
vez
por Alceu
Amoroso
Lima no
Quadro
sintético da
literatura
brasileira (1953)
para
designar o
período
entre o
simbolismo e o
modernismo. Delimitando-o
entre as
datas de 1900 a 1920, Alceu admite o
seu
caráter
eclético,
porque o
trecho
que vai
entre o
Simbolismo e o
Modernismo se
caracteriza,
acima de
tudo,
por
não
ser
resumido
numa
escola
dominante e,
ao
contrário,
compreender a coexistência
de simbolistas, realistas e
parnasianos,
até
mesmo os da
geração
que,
em 1920, iriam
desencadear o
Modernismo.
Alfredo Bosi,
não
obstante
considerar a
denominação
ambígua,
pois
tanto pode
designar uma
simples
precedência cronológica
quanto uma
antecipação de
achados do
modernismo, a adota no
volume VI. de A
Literatura
Brasileira,
precisamente intitulado O Pré-modernismo
(1966). Afrânio Coutinho,
depois de
estender a
denominação
Impressionismo a todas as
artes do
final do XIX e
começo do XX,
vê na
década de 1910 a 1920 uma
fase de
transição
em
que predominam
traços
ora
parnasianos,
ora simbolistas,
ora
impressionistas e
cuja
importância reside no
processo de transformações
que desaguará no
Modernismo. (A
literatura no Brasil Vol. IV, 1968,330) Todas
essas
denominações mereceram e merecem
críticas.
Do
termo
sincretismo
como o de
transição, pode-se
dizer
que
não apreendem o
específico
pois
todos as
fases da
história
são sincréticas e transitórias,
visto
que
nenhum
estilo de
época se apresenta esteticamente
puro e
não se conhece
nenhum
momento
estacionário na
história.
Por
outro
lado,
tanto
Impressionismo
quanto Penumbrismo parecem
ambos
muito
restritivos
para
abrigar, de
modo
compreensivo, a
poesia e a
prosa produzidas ao
longo desses
anos.
Estudos
mais
recentes tentaram
cobrir
esse
espaço
com o
conceito de art nouveau,
termo transportado das
artes
visuais
para as literárias
como, de
resto, se havia
feito
com os
designativos
barroco e o
rococó, e tentado
com o
impressionismo. De
toda
maneira,
qualquer
que seja o
termo preferido,
ele deve
ser
conceitual e historicamente
bem
definido, delimitando
com
precisão o
campo de
sua abrangência.
Desde 1985, o
Setor de
Filologia da
Casa de Rui Barbosa
vinha desenvolvendo
um
projeto de
estudo do
período pré-modernista da
literatura
brasileira.
Além da
reavaliação do Pré-Modernismo, o
projeto se propunha
selecionar
alguns
romances do
período e
preparar
sua republicação
em
edições fidedignas.
Em
agosto de 1986, inserida no
desenvolvimento do
projeto, realizou-se na
Casa de Rui Barbosa a
exposição Pré-Modernismo: a
produção
literária e o
contexto, reunindo primeiras
edições de
livros,
manuscritos,
revistas da
época,
fotografias de
diversos
aspectos da
virada do
século.
Durante o
período da
exposição,
um
seminário
sobre o Pré-Modernismo procurava
relacionar
a
produção cultural do
período ao
processo de modernização
por
que passam
então as
grandes
cidades
brasileiras e tenta-se
definir a
literatura
brasileira da
última
década do
século XIX e
dos
dois
primeiros
decênios do XX
não
em
função do
Modernismo
vindouro,
nem
em
função da
simples
diluição de
tendências
estéticas da
segunda
metade do
século
passado (XIX),
mas
com
base
em
características
peculiares a
este
período [...]. Tentou-se
ali
superar a
ambigüidade apontada
por Bosi, ao
mesmo
tempo
que se
produziram
textos visando
à
definição do
conceito
preenchendo-o de
conteúdo
próprio.
Do
seminário resultou o
livro
Sobre o Pré-Modernismo (1988)
que reatualizou a
questão e deu
nova
vida ao
termo,
que
desde
então
não deve
mais
ser sumariamente descartado.
Talvez seja
possível, a
partir do
contexto
histórico,
ancorar as
artes e a
literatura do
período no
concreto de uma
situação
precisa.
Não
obstante observar-se no
panorama
internacional
um
interregno prolongado de
paz,
aqui no Brasil, o
tempo se apresenta
turbulento. As mudanças introduzidas no
sistema de
trabalho e a transformação do
regime
político deixam o
país na
expectativa
constante de
metamorfoses. A
lua de
mel dos
intelectuais
com a
República durou
muito
pouco. Se, no
primeiro
momento, os
históricos
ainda se mantinham coesos, a
luta desencadeada na
constituinte
extrema
posições e cinde os
grupos dando
vez a
polêmicas
entre civilistas e militaristas, nacionalistas
jacobinos e
políticos
liberais.
Além das
incertezas alimentadas
pelo
espectro da
restauração monárquica, os
anos de
implantação da
República defrontam-se
com
dificuldades de
toda
ordem, semeando
pessimismo e
desencantos. “Esta
não é a
República dos
nossos
sonhos”,
era a
frase
que
bem traduzia o
estado de
espírito de uma
geração
que se entregara
confiante e
combativa à
utopia republicana, e
agora se sentia frustrada e desperançada. Desta
visão desencantada e
cética participavam
autores
tão
distintos
entre
si
como
Machado de Assis, Gonzaga
Duque e
Lima Barreto.
Sinais de
instabilidade do
governo
provisório, decretação do
primeiro
estado de
sítio,
corrida à
bolsa e valorização do
câmbio denunciam o
espectro da
crise
política e da
desordem
financeira. De
repente, sai Deodoro e entra Floriano.
Em 1893, o
Marechal de
Ferro enfrenta
com
dureza a
revolta da
armada na
Capital
Federal e a
revolução
federalista no
Sul.
Tempo de radicalizações
xenofobia dos jacobinos
contra a
pregação dos
liberais.
Repressão,
censura,
prisões,
exílios,
fuzilamentos
são a
resposta do
governo militarizado. O florianismo persegue,
prende, exila,
políticos,
jornalistas,
escritores e determina o
fim da
vida
boêmia no
Rio. A
revolta de
Canudos (1896-1897), ao
impor sucessivas e humilhantes
derrotas às
forças
oficiais, dissemina
espanto e
pesadelos no Brasil do
litoral. E a
metrópole,
que
durante
mais de
três
séculos dera as
costas ao
interior, de
repente, sente-se ameaçada
pelos
fantasmas
que brotam do
sertão isolado e esquecido.
Diante da
nação estarrecida, o
violento
impacto produzido
por Euclides da
Cunha
com Os
sertões confere ao
episódio
dimensões de
grandeza
épica, denunciando
como bárbaras e cruéis
práticas e
instituições
que se presumiam promotoras de
civilização.
A
economia
igualmente se apresenta
como
um
mar
revolto. Da
noite
para o
dia,
durante a “febre das
ações”,
que
agita o
mundo das finanças, acumulam-se
riquezas fabulosas nas
mãos de
alguns privilegiados,
como
também da
noite
para o
dia, desmoronam
fortunas
acumuladas ao
longo dos
anos. A
efervescência
que transforma a
bolsa de
valores do
Rio de
Janeiro num
cassino de
apostas, e
que ficou na
história
com o
nome de encilhamento,
toma a
forma de uma
miragem. “Quem
não viu
aquilo
não viu
nada”, diz
Machado no
capítulo LXXIII (Um
El-dorado) de Esaú e Jacó.
Acadêmicos de
renome
como Valentim Magalhães e Emílio de Menezes
afoitamente se aventuram no
mundo da
especulação e dos
negócios.
Mas,
fora do
campo do
jornalismo e da
literatura,
escritores fracassaram
como
empresários, acumulando
prejuízos.
A
quase
totalidade das
empresas
era
fantástica e
não
tinha
existência
senão no
papel. Organizavam-se
apenas
com o
fito de
emitir
ações e
despejá-las no
mercado de
títulos,
onde passavam
de
mão
em
mão
em
valorizações sucessivas. Chegaram a
faltar
nomes
apropriados
para
designar
novas
sociedades, e
inventaram-se as
mais
extravagantes
denominações”,
ensina Caio
Prado
Júnior.
Imperativo da
época, a
paixão de
súbito enriquecimento e o
conseqüente
fracasso deixaram
feridas profundas na
sociedade
brasileira sensibilizando
romancistas
como o
Visconde de Taunay e Júlia Lopes de Almeida
cujos
respectivos
romances O encilhamento –
crônica da
bolsa do
Rio de
Janeiro e A
falência documentam e reconstituem o
clima
social e
espiritual daquela
fase. Do
lado da
economia
produtiva, a
crise do
café
joga
regiões prósperas
como o
vale do Paraíba na
rampa inclinada da
decadência provocando estagnação e
empobrecimento da
população de
que Monteiro Lobato dá
conta
em
Cidades mortas. O
panorama
social
não é
menos
desalentador. A
substituição do
trabalho
escravo
pelo
assalariado
joga
milhões de ex-escravos no
abandono e na
miséria. As desigualdades tornam-se
mais
patentes
com as alterações do
espectro
social. Acelera-se o
declínio da
família
patriarcal, expande-se a
classe
média
urbana e começam a se
delinear os
contornos de uma
nova
camada
social: a
classe
operária.
Mas,
contra o
atraso das
zonas periféricas e a estagnação de
províncias, a
Capital
Federal, embalada
pela
ritmo alucinante do
progresso
material, entrega-se às
facilidades da
vida “civilizada” e às
seduções da
vida
mundana. E,
em
flagrante
contraste
com a
face iluminada da
cidade
que,
exposta num
palco da
fantasia e
ilusões, deslumbra e fascina,
nos
desvãos
sombrios acumulam-se
bolsões de
pobreza.
Expulsa
pelo
avanço do
progresso modernizador, a
população
pobre muda-se
para os
subúrbios, multiplicam-se
cortiços e surgem as primeiras
favelas. Aluísio Azevedo e
Lima Barreto exploram
esse
lado
sombrio,
enquanto
Coelho
Neto e Gonzaga
Duque expõem as
luzes da
cidade.
Em
contraponto à
trilogia da
vida
boêmia – A
conquista,
Fogo
fátuo e
Mocidade
Morta –, temos O
cortiço,
Casa de
pensão, O
triste
fim de Policarpo
Quaresma e
Clara dos
Anjos.
Atravessávamos
então o
ciclo do
verbalismo (Bilac,
Coelho
Neto, Rui Barbosa, Euclides da
Cunha). O
prestígio do beletrismo e o
mito do bem-falar e bem-escrever continham as
aspirações dos
intelectuais
indiferentes às
grandes
questões da
época, e pareciam
satisfeitos
com as
reverências e o
culto
que
lhes tributava o
círculo restrito da
elite
letrada.
Contra o
zelo dos puristas do
vernáculo,
como Rui Barbosa, Castro Lopes e Osório
Duque
Estrada, contrasta o
culto ao
estrangeirismo
que invade os
textos de João do
Rio. À
austeridade do
Positivismo e ao
pretenso
rigor cientificista, contrapõe-se a
cultura do
ornamento, a
vaga de
riso e do bom-humor. A
iniciativas de profissionalização da
atividade do
escritor opõe-se o
gosto do
improviso e a
dissipação da
vida
boêmia.
Face à literatura-sorriso da
sociedade, contrapõe-se a
careta das
charges e o rictus do
grotesco
mórbido.
Em
cena a
veia
cômica. “O
palco no
final do
século dezenove [...] descobrira
que o
que o
público desejava
era
rir”, afirma Décio de Almeida
Prado (O tribofe. Pós-fácio, 257).
A
imprensa se moderniza e cresce
em
importância. O
Rio fim-de-século (XIX) é
centro de
excepcional
animação e
efervescência cultural e
política. A
filosofia
positivista de
Augusto Comte e as
doutrinas
evolucionistas de Spencer mobilizam
espíritos.
Um anticlericalismo
militante investe
contra a
Igreja. A
campanha
abolicionista intensifica-se e a
propaganda republicana ousa
audácias de
revolução. Nas
páginas dos
grandes
jornais
rola a
polêmica.
Dois
animadores se destacam: José do
Patrocínio
que, na
Gazeta da
tarde e
Cidade do
Rio,
abriga
um
grupo
seleto de
escritores,
enquanto
Ferreira Araújo, na
Gazeta de
notícias,
emprega
um
elenco do
mesmo
quilate. O
prestígio dos
homens de
letras se irradiava a
partir de
periódicos
como A
estação,
um
jornal de
modas
com
suplemento
literário,
Vida
moderna de Artur Azevedo e Luís Murat,
a
Gazeta
literária de Capistrano de Abreu,
Revista da
semana,
órgão de
informação ilustrado e
popular, abrindo
espaços
para a publicação de
contos e
romances. A Fon-Fon (1907) e a
Careta (1908) privilegiam o
humor,
enquanto O
malho (1902) insiste na
crítica. Kosmos (1904) de
feitio
moderno, pretendendo
ser
um
álbum de “nossas
belezas
naturais, dos
primores de
nossos
artistas” e
embora desse
abrigo à
nota
mundana e
social,
era uma
revista de
cultura
com
predomínio da
parte
literária emoldurada de
ilustrações e
fotografias. O
elenco de colaboradores reunia
nomes consagrados tendo sido a
revista
mais
charmosa do
nosso 1900, coincidindo o
seu
aparecimento
com a
abertura da
Avenida (1904) (Cf. Brito
Broca, 228-9). Floreal (1907) de
Lima Barreto surgia
em
oposição aos
círculos fechados e
contra os
medalhões da
época. O
pirralho (1911), a
mais
importante de
São Paulo, representava
bem o
nosso pré-modernismo submetendo
literatura,
política e
sociedade aos
acentos do
humor. Lançou
nomes
que se tornaram
famosos
como o de Voltolino, o
maior
caricaturista da
vida
paulistana e Juó Bananere,
que,
através de uma
linguagem
macarrônica, transpirava
irreverência e demolição. Oswald de Andrade, o
grande
animador, publicou
ali
alguns
capítulos das
Memórias
sentimentais de João
Miramar (1924). Prenunciando o
Modernismo,
em 23/01/15 registrava,
entre
aspas, a
expressão “literatura
futurista”,
primeira
referência à
vanguarda,
que se tornaria
pedra de
escândalo na
primeira
década da militância modernista.
Praticamente
todos os
escritores militam
nos
grandes
jornais, neles publicando
não
só as
suas
produções literárias,
mas
também participando
vivamente dos
debates e
polêmicas travadas
em
torno de
questões
como
abolicionismo, republicanismo,
evolução,
progresso e modernização.
Como
decorrência da
introdução dos
processos de
reprodução fotomecânica, a
partir do
início dos
anos de 1880, a
imprensa ilustrada no Brasil inicia uma
nova
fase
com a
reprodução
sistemática de
fotografias. É a
Revista da
semana
que
pela
primeira
vez no Brasil imprime
texto e
imagem numa
mesma
máquina, e ao
mesmo
tempo, foi a
primeira
revista ilustrada
que conseguiu,
entre
nós,
implantar
um
modelo de foto-reportagem
que perdura
até os
dias
atuais.
Através da
charge e da
caricatura,
aumenta o
poder da
sátira e da
crítica
política,
já
presentes
nos
textos
impressos. Rompendo
convenções, cronistas,
contistas,
críticos,
folhetinistas fazem da
irreverência
moeda
corrente.
Jornalismo e
literatura competem,
por
vezes, no
mesmo
espaço. E, nas reportagens de João do
Rio, é
difícil
decidir
onde termina o
jornalismo e
onde
começa a
literatura. Tratava-se de uma
relação
crucial. (“O
jornalismo,
especialmente no Brasil, é
um
fator
bom
ou
mau
para a
arte
literária?” – perguntava João do
Rio no
questionário dirigido aos 28
escritores
mais
famosos e consagrados na
época – 1904).
Por
outro
lado, o
jornalismo torna-se
assunto de
invenção
literária. O
arbítrio dos
senhores da
imprensa e as
intrigas da
redação de
um
grande
jornal,
como sabemos, é a
matéria
principal das Recordações do
escrivão Isaías
Caminha,
romance de
estréia de
Lima Barreto. No
capítulo VIII,
todo dedicado à
descrição da
atividade febricitante
desenvolvida na
sala de
redação do
jornal O
globo, o narrador faz a
sátira da
grande
imprensa.
Ali se impõe o
poder
autoritário do diretor-proprietário, a
ascendência
presunçosa do redator-chefe
sobre a mediocridade de
inteligência e a
subserviência de
caráter dos
redatores.
Em
justificativa à
presença
forte do
traço caricaturesco,
Lima Barreto diz
que
lá pôs “certas
figuras e o
jornal, [...]
para
escandalizar e
provocar a
atenção”.
Foi
ainda na
prática
jornalística
que se inventou a
crônica
como
forma
literária
inteiramente
nossa: Cronica tota nostra est, escreve
Tristão de Ataíde parodiando Quintiliano,
que afirmara: Satira tota nostra est.
Todos os
grandes
escritores da
época contribuem
para a
configuração e
consolidação do
gênero.
Mas é
graças ao
talento de
Machado de Assis,
Lima Barreto e João do
Rio,
que a
crônica tomou
corpo, assumiu
fisionomia
própria e se estabilizou
como
forma
literária
autônoma.
Com
graça,
ironia e
humor,
Machado imprimiu-lhe agilidade e
leveza de
linguagem mesclando
nos faits-divers, “o
útil ao
fútil”, ao
comentar,
com
sutileza e
fina
ironia, os
acontecimentos da
semana reunidos numa
mesma
coluna.
Lima Barreto, interessado
em
estabelecer
um
compromisso
entre o
escritor e o
público, manejou-a
como
arma de militância
crítica, desnudando
veleidades,
presunções,
preconceitos,
engodos e
misérias da
sociedade
em
que vivia. João do
Rio,
por
sua
vez, deu-lhe o
feitio da reportagem
moderna
para
com
ela
penetrar a
fundo
nos
desvãos da
sociedade relegados ao
esquecimento. De
maneira
inédita, o
autor de A
alma encantadora das
ruas desvendou
zonas de
prostituição, invadiu
presídios, documentou
práticas religiosas e
festividades
populares.
Ele trouxe
para a
crônica a
experiência do
repórter
que,
freqüentador dos
salões,
varejava
também as
baiúcas e as
tavernas, os
antros do
crime e do
vício. Subia o
morro de
Santo Antônio
pela
madrugada
com
um
bando de
seresteiros e ia aos
presídios
entrevistar
os sentenciados.[...] A
crônica
deixava de se
fazer
entre as
quatro
paredes de
um
gabinete
tranqüilo,
para
buscar
diretamente na
rua, na
vida da
agitada
cidade o
seu
interesse
literário,
jornalístico e
humano. (Brito
Broca, 247)
Adotando
atitude contrastante
em
relação à
mentalidade
que se servia da
literatura
como
frívolo
passatempo,
Lima Barreto, afrontava
ostensivamente o establishement, adotando
posições contrárias às
convenções
então imperantes. Estudada
por Brito
Broca, num
livro
que se tornou
obra de
referência
obrigatória (A
vida
literária no Brasil – 1900 (1956)), a
vida
literária no
Rio de
Janeiro desdobra-se
então
em
dois
cenários
distintos: o
oficial –
formal e
solene, exibia, nas
tribunas do
judiciário e do
parlamento,
opulência de
linguagem e
riqueza vocabular
enorme.
Embora
com
mais
sobriedade, a
voz
oficial fazia-se
ouvir
igualmente nas
sessões da ABL
sob o
comando de
Machado e,
mais
informalmente, na
livraria Garnier. O
discurso
não
oficial corria
paralelo
nos
tempos e
espaços de
lazer liberados
pela
urbe modernizada.
Era a
vida
boêmia
que se comprazia no
brilho
fugaz de
improvisos e
repentes, nas “respostas
rápidas e espirituosas às
mais
diferentes
situações” (Mônica, 44),. O
Rio,
elegante e
mundano, deslumbrado
com as
luzes da belle époque –
progresso e modernidade – torna-se
ambiente
propício ao
surgimento de
figuras exóticas
como o flâneur e o
dândi,
que circulavam pelas
ruas e
casas de
diversão da
metrópole, (botequins,
cafés,
confeitarias,
sorveterias),
que
então aspiravam
rivalizar
com as
melhores do
gênero
em Paris e Londres. A
moda, oscilando ao
sabor do
momento, deslumbrava o
Rio da belle
época, preservando
sabores
antigos e importando
novidades.
Em 29/7/07, João do
Rio escrevia na
Gazeta de
Notícias:
– Há 7
pecados
mortais, 7
maravilhas do
mundo, as 7
idades do
homem, os 7
sábios da
Grécia, as 7
pragas do
Egito... O
Rio tem 7
prazeres: o
bicho, o
maxixe, a
vissi d’arte,
os
meetings
da
oposição, a
polícia, a
propaganda
[...] e os
cinematógrafos.
A
chamada “cultura da
modernidade” instaurada no
final do XIX
muda a
percepção das
coisas e do
tempo: é
preciso
fruir as
sensações do
presente
já
que os
dias
são
fugazes. É de
Machado de Assis a
observação: “depois da
Guerra do Paraguai,
não há
dúvida de
que os
relógios andam
muito
mais
depressa”.Mônica
Pimenta Velloso acrescenta: “Inovações
tecnológicas
como o
telégrafo
sem
fio, o
telefone, o
cinematógrafo, a
fotografia, o
avião, o
automóvel modificam
radicalmente a
percepção e a
sensibilidade humanas.” As transformações do
meio e do
momento comparecem no
texto
literário
através de
um
conjunto de
traços,
tais
como:
fragmentação do
discurso,
descontinuidade da
narrativa,
relevo
plástico da
imagem,
ampliação do
diálogo intertextual,
diversidade e hibridização de
registros de
linguagem,
concomitância de
ritmos e
tempos
históricos
diferentes etc...
O
poeta Raul de Leôni anteviu o
surgimento de uma
nova
arte decorrente dessa
nova
visão do
mundo gerada a
partir da
experiência da
vida
moderna:
A
ciência
moderna,
provocando uma
espantosa
aceleração de
todos os
ritmos da
vida
exterior,
criou, logicamente,
para o
homem uma
necessidade de
síntese
extrema de
todos os
movimentos e
operações do
seu
mundo
psíquico.
Obrigado a
viver
mais
depressa,
ele teve de
sentir, de
pensar e de
agir
mais
depressa, e,
em
conseqüência,
de
dar uma
expressão
mais
rápida ao
que sente, ao
que
pensa, ao
que faz, ao
que vive.
Sua
arte,
para
ser uma
coisa
viva, deverá
ser
portanto
extremamente
sintética,
intensa,
dinâmica,
livre,
consistindo,
quase,
em
pura
sugestão,
em
que se
condense, no recorte de uma
imagem,
todo
um
mundo de
idéias
associadas.
Economia de
formas.
Arte de
um
homem
que
não pode
perder
tempo
interior
(Apud
Castañon Guimarães, 51)
A
nova
arte,
que
então dominou o
mundo da
arquitetura,
pintura,
escultura, decoração,
cartazes,
encadernação,
gravura,
desenho,
ilustrações,
em
suma,
todo o
repertório das
artes
visuais, é
conhecido
sob o
rótulo de art nouveau,
denominação do
estilo de
arte e
vida
característico da belle époque. Partindo dos
livros de B. Champigneulle: A “art nouveau”.
São Paulo, EDUSP, 1976; Martin Battersby: Art
nouveau.
Rio de
janeiro, Ao
Livro
Técnico, 1985; P. Wittlich: Art nouveau 1900.
Praga, Polygrafia, 1975, apresento
um
esboço
didático desse
estilo.
Informações a
respeito de
sua
chegada e
implantação no Brasil foram colhidas no
livro de
Patrícia de Vasconcelos:
Interiores.
Rio,
Sextante, 2002.
O
nome Art nouveau surge
em 1895
por
ocasião da
abertura de uma
loja especializada
em
estilo
moderno e
já
em 1900 é
termo de
uso generalizado, aplicado às
artes da decoração
que entraram
em
alta
atividade na França
durante o
período de 1890-1900. A
expressão designa
um
estilo decorativo
caracterizado
pela
leveza e
assimetria das
formas inspiradas
em
motivos
florais,
temas da
natureza
postos a
serviço da
beleza
feminina. Numa
época
em
que os
aposentos apareciam atulhados de
móveis
cercados de
peças decorativas,
todos os
objetos devem
mostrar á
superfície
vida e
movimento de
modo a
agradar os
olhos.
Um
móvel,
um
tecido,
um
lustre, uma
tesoura,
qualquer
objeto, deve
ser
tão
digno de
atenção
quanto uma
estátua
ou
um
quadro.
Linhas
curvas e
flexíveis,
paredes
em
tons de
rosa
ou
verde,
suaves
matizes,
traços
tênues. O
novo
estilo dá
relevo a
mulheres e
flores, consideradas ambas
como
expressão
máxima do
que é
puro e
delicado. A
beleza
excêntrica e
duradoura da
arte japonesa, combinada
com o
que havia de
melhor no Roccó
francês, dominam o
estilo
novo e o
espírito da
arte de decoração francesa
em 1893. Na
exposição
universal de 1889 (centenário da
Revolução Francesa), afirma-se o
objetivo de
unir a
indústria
com a
arte
através da
exploração de
técnicas avançadas de
construção, do
uso de
novos
materiais
como o
ferro, o
vidro e a
cerâmica,
tudo embelezado
com
adornos esmaltados e envernizados.
Paris,
mais do
que
nunca,
era
então a
cidade dedicada ao
prazer.
Mulheres extraordinárias
como Sarah Bernhardt no
teatro, Loie Fuller dançando no Folies Bergère, no
Ballet de l’Opéra, Clode de Mérode, “a
mulher
mais
linda da França”, dominavam a
cena
parisiense e deslumbravam o
mundo.
Estatuetas
em
bronze
dourado de dançarinas,
figuras femininas desnudas e eróticas,
gravuras japonesas,
vestes
esvoaçantes,
jóias de
ouro e
prata,
pentes esculpidos
em
forma de
flores
ou
insetos, salpicados de
diamantes, enobreciam o
culto da feminilidade. A
natureza
era a
fonte donde se tiravam
formas de
plantas, de
frutas e de
flores
bem
como
figuras pré-históricas
ou
insetos,
principalmente a
libélula, la libellule,
muito
querida dos
desenhistas da
época. Emil Gallé,
um dos
maiores
artistas
em
vidro de
todos os
tempos e
quase
sinônimo de art nouveau estava
convencido de
que a
natureza devia
constituir a
base da
nova
escola de
desenho e,
por
isso, escolheu
como
lema os
dizeres inscritos
acima da
porta do
seu
ateliê: “Nossas raízes encontram-se
dentro das
florestas,
entre os
musgos e
perto das
fontes” –
lema inspirado no
pensamento de Moleschott
que dizia: “São as
plantas
que
nos unem à
terra;
elas
são as nossas raízes.”
Cartazes
bastante coloridos eram abundantes e tornou-se
moda colecioná-los. A
arte da
encadernação chegou a
extremos
como o de
ser
necessário
colocar o
livro
em uma
posição
fora do
comum
para
poder
ser apreciado. O
enfeite de
placas metálicas impediam
que os
volumes pudessem
ser colocados
em
estantes
sem danificá-los.
Moda na
virada do XIX
para o XX, o art nouveau completou
cedo o
seu
ciclo e
já
em 1905 o
movimento estava praticamente encerrado
em Paris,
embora algumas
manifestações sobrevivessem
até
por
volta de 1914.
O art nouveau chegou ao Brasil
por
volta de 1900,
através de
revistas européias e americanas,
catálogos de
arquitetura e de
livros. As
revistas brasileiras
Renascença,
Malho,
Careta, Fon-Fon,
Íris, A
avenida,
Pirralho e Kosmos reproduziam os
modelos
estrangeiros. Nas
charges e
caricaturas de J. Carlos, Voltolino, Raul
Pederneiras, Kalixto e Di Cavalcanti, encontram-se
exemplos de
adaptação
brasileira ao linearismo artenovista. Na
virada do XIX e primeiras
décadas do XX,
um
grupo de
intelectuais impregnados de uma
visão satírico-humorista se congrega e
expressa
através de
caricaturas e
sátiras. Mônica P. Velloso:
O
humor é
um dos
sinais
mais
expressivos da
modernidade
carioca [...]
Pelo
seu
caráter de
impacto,
condensação de
formas,
ilustração do
cotidiano e agilidade na
comunicação,
apresenta-se
como uma
linguagem
identificada
com as
demandas da
modernidade.
Mônica
vê “estreita
conexão
entre
caricatura e modernidade.”
Mas,
além das
revistas, chegavam da Europa,
particularmente da França,
produtos industrializados e
materiais de
construção e decoração,
como
ferro,
mármore,
madeira,
louças,
vitrais e
porcelanas. O
novo
estilo foi adotado no Brasil
como a
última
moda, convivendo,
freqüentemente,
com
composições ecléticas,
que misturavam
linhas arquitetônicas modernas
com os
elementos
característicos dos
estilos
históricos (neoclássico,
renascentista,
rococó etc).
Raro, afirma Paulo
Santos, é o
prédio do
centro da
cidade do
Rio de
Janeiro
construído
por
volta de 1910 cujas
grades
não sejam art nouveau. A
linha
serpentina
com o
típico
vergalhão
quadrado de
ferro, submetido a
caprichosos
movimentos, recebia nas
extremidades
motivos
florais.
Embora os
interiores dos
edifícios
nem
sempre acompanhassem os
estilos das
fachadas, os
ambientes, nas
casas reformadas, eram decorados
com
riqueza e
exuberância,
em
que entravam
cerâmica,
azulejos,
vidros,
lambris,
lustres e
vários
objetos importados. Os
ferros das
escadas, dos
vitrais, das
clarabóias e dos guarda-corpos ostentavam
ramos de
lírios,
violetas e
íris de
inspiração art nouveau. A
luz filtrada
pelos
vidros coloridos das
clarabóias e dos
vitrais, valorizava a decoração. As
linhas
curvas e as
formas
vegetais eram
largamente usadas
nos
entalhes de
madeira dos
móveis e
vitrines. As
confeitarias estavam na
moda, recebendo
para o
chá
ou o
lanche a
sociedade
rica e
elegante. As
mais
bem freqüentadas eram a Paschoal, o
Braço de
Ouro, a Déroche, o
Café Paris e o
Café
Rio. O
mobiliário e os
elementos usados na decoração,
como
vitrais,
espelhos, e gradis de
inspiração francesa, atendiam aos
padrões de
exigência das
classes
mais
altas.
A
Confeitaria Colombo,
criada
em 1894, passaria
por várias reformas
até
atingir o
auge do
requinte e da
fama na
década de 1920.
Em 1894 a
maior
parte dos
intelectuais
boêmios transferiu-se da
Pascoal
para a Colombo. Emílio de Menezes batizou
sua
mesa,
onde compunha
seus
sonetos, de “gabinete
de
trabalho”. A
roda da Colombo
era freqüentada
também
por
políticos,
altos
funcionários,
empresários e
capitalistas,
que
geralmente pagavam as
contas dos
boêmios. A
sua
importância
como
ponto de
reunião cresceu
depois
que o
poeta Olavo Bilac e
seus
amigos tornaram-se
presenças assíduas na
casa. A reforma de 1912, transformando a
antiga
sala num
amplo
salão feericamente decorado, fez dela o
templo do
estilo art nouveau.. A
clarabóia de
vidros coloridos
ainda
hoje
projeta no
salão uma
luminosidade
especial, ampliando-se
nos
reflexos dos
espelhos de
cristal
que cobriam as
paredes
laterais.
Cristais belgas,
molduras de
jacarandá talhadas
por Antonio Borsoi transpiravam
espírito
moderno
através de
formas decorativas
que pareciam
crescer
naturalmente, formando
um
todo harmônico. A
nova Colombo, inaugurada
em 1913,
era o
ponto
chique do
chá das
cinco. As
melhores
famílias, indo às
compras,
não deixavam de
fazer
seu
lanche na Colombo.
Depois das
seis e
até as
oito, as cocotes substituíam as
famílias, contagiando o
ambiente
com
sua
alegria e
agitação.
Se é
verdade
que o art nouveau conforma o
ambiente e invade todas as
formas de
expressão do
período, é de
supor
que
também se estendeu ao
domínio da
literatura. José Paulo Paes,
em
dois
capítulos de
Gregos e
baianos (1985),
estuda a
presença de
componentes artenovistas na
literatura
brasileira da
época numa
perspectiva
que
não a das
histórias literárias.
Depois de
afirmar
que o art nouveau é
um
estilo de
época
comum à
arquitetura,
pintura,
desenho, e
artes aplicadas à decoração,
como
mobiliário,
vitrais,
adereços,
tipografia,
ilustração,
vestuário,
cartazes a
encadernação
bem
como à
poesia e à
prosa de
ficção, estendendo-se
ainda à
filosofia, à
ética e ao
comportamento.
Arte
típica da belle époque,
longo
interregno de
paz
que vai de 1870 à
primeira
guerra mundial,
durante o
qual, prosperou uma
rica
sociedade burguesa,
brilhante e
fútil,
amante do
luxo, do
conforto e dos
prazeres. Na
literatura, o
traço
típico desse
estilo seria a
escrita
artística, a écrite artiste dos
irmãos Goncourt na França, de Oscar Wilde na
Inglaterra e de Raul Pompéia no Brasil.
Então, o
escritor aburguesado destrona a
figura do
boêmio e dá
lugar ao
dândi. João do
Rio,
nome
literário de Paulo Barreto,
elegantemente trajado
com
seu
chapéu-coco,
monóculo e
polainas,
suas
ficções mescladas de
observações da
vida
cotidiana e de
elementos de
invenção
fantástica,
suas
crônicas
em
forma de reportagens e enfeitadas
com
palavras inglesas e francesas, representaria
socialmente o
papel
típico do
dândi e literariamente o do
escritor artenovista. Nas
tentativas de
fixar
elegâncias e
vícios
mundanos da belle époque, figuram ao
lado de João do
Rio,
romancistas
como Afrânio Peixoto (A
Esfinge), Theo
Filho (Dona
Dolorosa), Benjamin Costallat (Guria),
Hilário
Tácito (Madame
Pomméry). A
esfinge (1911) –
pintura
minuciosa do
alto
mundo
carioca, dos
salões aristocráticos, do
meio diplomático e
político, da
sociedade
elegante
que vai
veranear
em Petrópolis,
conquista o
mundo
feminino e colhe
êxito
mundano. O
essencial do
romance consistia
nos
quadros do
ambiente do
Rio da belle époque
quando a
Capital se modernizava e procurava
em
tudo
imitar Paris.
Antípoda do
dândi,
Lima Barreto dirige-se aos
subúrbios
em
busca dos
estratos
onde vive a
cultura
popular.
Para
ele a flânerie será
motivo de
reconhecimento das
discrepâncias
sociais da
cidade. Faz do
passeador Gonzaga de Sá o flâneur
que percorre
ruas e
bairros
para
flagrar
momentos
distintos e
fixar
paisagens a
partir de
ângulos
inéditos.
Alheio aos
requintes da
escrita
artística, interessa-lhe
mais
captar o quotidiano
com
suas
asperezas e
sinalizar as
pegadas históricas impressas na
paisagem
urbana. Caracterizando o
personagem
pelo “abuso
que fazia da
faculdade de
locomoção”, acompanha.
Gonzaga de Sá [enquanto]
andava
metros, parava
em
frente a
um
sobrado,
olhava, olhava e continuava. Subia
morros, descia
ladeiras,
devagar
sempre, e
fumando voluptuosamente,
com as
mãos
atrás das
costas,
agarrando a
bengala. (V –
O
passeador, 63)
Ia
em
procura de
sobrados, das
sacadas, dos
telhados,
para
que à
vista deles
não se
lhe morressem
de
todo na
inteligência as várias
impressões,
noções e
conceitos
que essas
cousas mortas sugeriram
durante
aquelas
épocas de
sua
vida.
Reformulando o voyeurismo do flâneur,
Gonzaga de Sá, se afasta do
puro
diletantismo
que caracterizava o
tipo,
para
encarnar nele o
papel do historiador
ambulante
que, tendo memorizado os
mínimos
detalhes da
cidade, iria fazer-lhe a
história
oral, animando-a numa
narração
plástica, “pontilhada de
graça, de
considerações eruditas, de
aproximações imprevistas.” A
prosa
seca, despojada dos
artifícios de
efeito
sedutor, coloca
Lima Barreto à
parte de
prosadores esteticamente requintados
como Raul Pompéia e João do
Rio.
Contemporâneo desses
autores e
imerso na
atmosfera belle époque, o
autor do Policarpo desafina
em
relação ao
tom
dominante.
Raul Pompéia, o
primeiro a
praticar
entre
nós a
escrita
artística,
também
chamada “prosa de
arte”, antecipa a
moda do
estilo
adornado e
construído
com
vistas a
surpreendentes
efeitos.
Para Pompéia a
linguagem tem de
ser
eloqüente
para
ser
artística e,
tanto na
prosa
quanto no
verso, o
grande
fator de
relevo
são as
imagens plasticamente trabalhadas e sensivelmente
ritmadas. Atingindo
quase a indistinção
entre
poesia e
prosa nas
Canções
sem
metro,
já
em O
Ateneu
metáforas e
imagens
contundentes “ornamentam” o
seu
estilo. O
livro foi anunciado
em 8/4/88,
como
romance
inteiramente
moderno,
sem
intriga, de
pura
observação e
finura
crítica passando
por
temas
escabrosos
com a
delicadeza e o
tato de
um
consumado
artista. A
narrativa se compõe à
maneira de
um
mosaico formando
um
conjunto de
quadros
que,
embora integrados no
todo, valem
por
si
mesmos. Abre a
série a
imagem apoteótica do
Ateneu
em
dia de
gala tendo à
frente a
figura
caricata de Aristarco, autopromovido a
maior
promotor da
educação
nacional. O
último
quadro, antiteticamente
oposto ao
primeiro,
mostra o
colégio
em
ruínas
depois de destruído
por
incêndio
criminoso. Aristarco, arruinado, é
agora a
imagem da
derrota: “aquilo
não
era
um
homem,
era
um de profundis”. Permeando o
discurso ficcional, a
galeria de
retratos de
adolescentes
internos,
desfile de
paixões,
invejas,
traições e
amizades. De
permeio insinuam-se
três
figuras femininas: Melica, a
filha do
diretor,
que gostava de
visitar o
colégio
para
derramar
com
altivez,
mistura de
sexo e
hierarquia, e
despejar os
seus
desdéns
sobre a
idolatria de trezentos
corações apaixonados. Ângela, a
criada
canarina,
que “sob a
viseira
impenetrável do
pudor”, “rodava
em
explosão o sabah das
lascívias”. E
Ema,
esposa do
diretor,
que se aproxima de Sérgio
com
ternura de
mãe e a
sensualidade de uma
alucinação
erótica. Narrado
em
primeira
pessoa, o
texto é
dado a
partir do
ponto de
vista de Sérgio
adulto rememorando as
experiências dos
dias de
internato. A
perspectiva
memorialista é
responsável
pelo
tom
lírico, nostálgico e melancólico. Numa
primeira
crítica do
livro, Araripe
Júnior afirma
que “Sérgio
não é Sérgio. Sérgio é
um
composto de
transfigurações dolorosas.”
Perspectivas caleidoscópicas combinadas na
composição do
todo, conferem a’O
ateneu
posição
singular na
história do
romance
brasileiro. “Primeiro
romance
psicológico”, disse dele Araripe, a
que
não se pode
deixar de
acrescentar:
primeiro
exemplar da
escrita
artística à
maneira
impressionista dos Goncourts,
primeira
sátira
implacável à
violência das
instituições fechadas
como a praticada
contra
adolescentes no
internato do
colégio,
revelação de
extremos de
sensibilidade
ante os
valores melódicos e
plásticos da
língua
literária –
fenômeno de hiperestesia –
como o
mesmo Araripe denominou essa “exageração da
função
artística”.
Já
em Adelino Magalhães e
Graça
Aranha, a
marca artenovista deve
ser localizada no
efeito
estético visado. No
primeiro, rotulado de
impressionista, transparece o
processo de captação fragmentada do
instante,
lampejos de
inventividade
moderna ornada de
neologismos e
hipérboles
gritantes. O Canaã de
Graça
Aranha é
um
romance de
tese de
ranço
racista
em
que ao
nativo, “rebento fanado de uma
raça
que se ia extinguindo”, contrapõe-se à
energia dos
colonos
alemães. Da
síntese de
ambos surgirá, de
acordo
com a
visão do
autor, o “futuro
povo”.
Tanto
em
relação vitalismo nietzschiano
quanto ao
fascínio encantatório da
terra transparece o
espírito art nouveau,
que se materializa
em determinadas
cenas de
efeito
feérico
como a de Maria adormecida na
floresta,
corpo
coberto de
pirilampos
acesos, homólogo
brasileiro daquelas misteriosas
mulheres revestidas de
pedrarias de Gustav Klim, o
maior
pintor
vienense no
período
áureo do
Império Austro-húngaro.
Assim,
traços
que Afrânio Coutinho aponta
como
características do
impressionismo, Paes identifica
com a
voga artenovista,
que,
segundo o ponto-de-vista
que defende, cobriria
tanto a
prosa
quanto a
poesia da
época. De Pompéia a Euclides, de
Augusto dos
Anjos a Adelino Magalhães. O
eterno
feminino,
agora
sob as
aparências da
mulher
moderna,
liberta dos
preconceitos e das
convenções vigentes,
chega
com a Lola de A
capital
federal de Arthur Azevedo e
Madame Pomméry de
Hilário
Tácito a
extremos da
prostituição de
alto
bordo.
Traço
relevante desse
tipo de
narrativa é a
dissolução de
fronteiras
entre os
gêneros
literários, estabilizados
desde a
retórica
clássica.
Lima Barreto descreve:
O
livro de
Hilário
Tácito obedece
a
esse
espírito e é
esse o
seu
encanto
máximo: tem de
tudo. É
rico e
sem
modelo; e,
apesar da
intemperança de
citações, de
uma
certa
falta de
coordenação,
empolga e faz
pensar.
Vale
sobretudo
pela
suculenta
ironia de
que está
recheado,
ironia
muito
complexa,
que vai da
simples
malícia ao
mais
profundo
humour,
em
que
assenta
afinal o
fundo de
sua
inspiração
geral. (Impressões
de
leitura,
116)
O
verbalismo
ornamental culmina
em Rui Barbosa,
Coelho
Neto e Euclides da
Cunha. Nesses
autores a
exuberância
léxica, a
solene empostação
retórica, a
caça de
efeitos
visuais e
auditivos lembram a
pletora de
elementos decorativos
nos
interiores artenovistas,
repletos de
alfaias,
bibelôs e
móveis
caprichosamente enfeitados. Num
pequeno
artigo de
jornal (4
páginas), intitulado “Pornéia”
e publicado
em 12/12/1899, Rui Barbosa
usa vinte
sinônimos de
prostituta,
nunca repetindo a
mesma
palavra e empregando
sempre
termos
eruditos.(Cf. zabaneiras,Vênus,
Afrodite,
crápula, rascoas, traviatas, michelas,
marafonas, Madalenas, Dalilas, hetairas, perdidas,
meretrizes, barregã, prostitutas,
odaliscas,
rameiras, messalinas,
cortesãs, frinéias,
ralé
venérea)
Os
sertões,
além da
opulência
verbal,
busca a
fusão da
ciência
com a
literatura
que se
já
era
ambição do
romance naturalista,
em Euclides
ganha a
força
expressiva da
descoberta
pessoal de uma
natureza atormentada e
violenta. Pode-se, no
entanto,
ver nessa
composição
um
traço
próprio do art nouveau
que aproximava
natureza e
cultura, elaborando
produtos
técnicos inspirados
em
formas
naturais.
Mas o
verbalismo alcança
também a
poesia.
Nem é
preciso
ir aos
parnasianos
para identificá-lo.
Basta
lembrar a
conhecida “Antífona”
de
Cruz e Sousa
em
que os
adjetivos rolam
em
avalanche:
alvas... brancas...
claras..
vagas... fluidas... cristalinas... errastes...
mádidas... indefiníveis... trêmulas...
estremas...
serenos... flébeis... soluçantes... volúpicos...
sutis...
suaves...
mórbidos...
radiantes...
dispersos...
inefáveis...
edênicos...
aéreos... etc., etc. O
recurso ao
vocabulário
científico da
época,
expressivamente utilizado na “prosa
de
arte” de Euclides, pode
também
ser identificado na
poesia de
augusto dos
Anjos. Adensando-lhe a
expressão
lírica, o
vocabulário
exógeno combina
perfeitamente
com a dramaticidade do
seu
discurso. No
ensaio “A
costela de
prata de A. dos
Anjos”, Anatol Rosenfeld vale-se da
expressão de
Adorno “exogamia
lingüística”
para
designar a
conexão da
terminologia clínico-científica
com o
ambiente poético, a
montagem do
termo
técnico no
contexto tradicional.
Ante o
impacto dessa
poesia,
tanto o
ser
humano
quanto a
linguagem metafórica se desagregam desmascarando a
superfície
harmônica e açucarada do
pacato
mundo
burguês. No
mundo de A. Dos
Anjos, o
verme é o
operário das
ruínas, o
luar é “da
cor de
um
doente de
icterícia”; a
lua “paralelepípedo
quebrado”, os
astros reduzem “os
céus [...] a uma
epiderme de
sarampo”. Neste
mundo
reina a “matilha
espantada dos
instintos”, o
calçamento copia “a
polidez de
um
crânio
calvo” e a
sombra transforma-se
em “pele de
rinoceronte”. (1969:
Texto /
contexto, 261).
Paes lembra
que o art nouveau
não foi
apenas
aquele “sorriso da
sociedade” proposto
por Afrânio Peixoto, na belle époque
carioca de
Pereira
Passos.
Isso
porque, no artenovismo
brasileiro,
além da literatura-sorriso de
que as
crônicas
sociais e os
romances
mundanos de João do
Rio
são a
ilustração
mais
acabada, havia uma literatura-esgar
com o
seu
gosto
mórbido e
cruel.
Tal
pendor
para a
morbidez
vinha do
decadentismo
literário fin de siècle e é assumido
integralmente
por
Augusto dos
Anjos.“Poeta do
hediondo”, AA,
em
franca
ruptura
com o sediço
bom
gosto parnasiano-simbolista, cultivava o “horrendo
mau
gosto”. O
anseio de
penetrar na
intimidade das
coisas, aquela “pátria
da
homogeneidade”, evocada
em “Debaixo do
tamarindo”, aproxima-se das
estruturas sintéticas das
formas
animais
em
processo de
dissolução, “química
feroz dos
cemitérios” celebrada
nos
versos de “Os
doentes”.
Ainda o
signo da
morte, o
poeta
lança
mão de uma
linguagem metafórica impregnando o
texto de
um
vocabulário
oriundo da
biologia,
anatomia,
microbiologia, é a “bacteriologia
inventariante” do “Monólogo
de uma
sombra”,
para
induzir o
leitor ao
efeito de estranhamento,
próprio dos
inovadores antiacadêmicos. O ornamentalismo
verbal
oriundo de uma
pletora cientificista da
linguagem,
longe de
denunciar
aparato decorativo de
superfície, consubstancia uma
visão
poética desencantada e angustiante do
mundo.
Como se sabe
desde Max Weber, o
mundo
desprovido de
magia e dessacralizado, essa
visão desencantada do
mundo
marca de
modo
indelével a modernidade. A
confiança na
ciência e a
fé no
progresso
material viriam, de alguma
forma,
compensar a
perda de
referências e
valores
transcendentes. De uma
parte, o
ceticismo melancólico e de
outra, o
cientificismo
utópico. O
macabro
patético explorado
por AA
vinha de Baudelaire
que, visitando
recorrentemente o
tema da
morte
em As
flores do
mal, gravou na
memória da
posteridade,
em
imagens
repugnantes, a
visão desencantada do
poeta. No
poema “Uma
carniça”, essa
estética de
choque
chega ao
extremo de se
deter na
contemplação de
um
corpo de
mulher apodrecendo na
rua, à
luz de uma “bela
manhã
radiante”.
Zumbiam
moscas
sobre o
ventre e,
em
alvoroço,
Dali saíam
negros
bandos
De
larvas, a
correr
como
líquido
grosso
Por
entre
esses
trapos
nefandos.
O
legado
macabro de Baudelaire, traduzido
pela
primeira
vez
entre
nós
por Teófilo
Dias, repercutiu
vivamente na
poesia
brasileira da
primeira
geração simbolista
como se pode
ver
em
muitos
poemas de
Cruz e Souza
como
nos
versos:
Múmia de
sangue e
lama e
terra e
treva /
podridão
feita deusa de
granito (Múmia);
Vala
comum de
mortos
que apodrecem, / esverdeada
gangrena (Tédio) /
Vermes,
abutres a
correr
pedaços / da
carne
deletéria.(Tédio);
Olhos
que foram
olhos,
dois
buracos /
agora
fundos, no
ondular da
poeira... /
Nem
negros,
nem azuis e
nem
opacos.
Caveira! (Caveira);
Mas ah!
Quanta
ironia
atroz,
funérea, /
imaginária e
cândida (Princesa); és
igual a uma
simples camponesa /
nos apodrecimentos da
Matéria! (A
ironia dos
vermes).
Num
texto de duas
páginas de
prosa
poética, Gonzaga
Duque elege o
sapo
como
imagem
grotesca do
poeta:
Ah!
Triste
vivente,
asqueroso
batráquio,
horrendo
sapo!...
que
doce
alma de
poeta
tu possuis!
Bom e
simples
animal,
solitária e
inofensiva
criatura,
ninguém
te
quer,
ninguém
te
ama,
porque és
feio, és
feíssimo, tens o
aspecto nojento de uma
bostela, e
porque
não ofendes, e
porque
não seduzes, a
maldade dos
homens,
que é a
normalidade
humana,
te repele,
te injuria,
te
assassina!
[...] És
sapo!
Sapo!
Irmão dos
desgraçados
que se
amamentaram na
Desgraça,
igual aos
infelizes
que nasceram
da
Infelicidade,
enxotados,
batidos,
infamados,
porque
ninguém os
quer
ouvir,
ninguém os
quer
amparar!... / A tua
pele é
negra e
horrenda,a tua
forma
enoja, os
teus
gestos, os
teus
movimentos, a
tua
obscuridade irritam...
não,
não podes
ter
um,a
alma,
não podes
ser
bom. És
mau e
estúpido.
Por
quê?
Porque és
sapo,
unicamente
sapo!...
sapo!... (in
Panorama do
movimento
simbolista
brasileiro, I,
202-3)
Essa
vertente
que Mário de Andrade definiria
mais
tarde
como o “belo
horrível” emerge
com
força e inaugura
um
processo de
inversão
poética
em
que os
pólos comparecem
com
sinal
trocado: o
sublime é degradado e o
grotesco, sublimado.
Postos na
gangorra, o poeticamente enobrecido decai,
enquanto o
vulgar e
prosaico é promovido a
níveis
superiores de
consideração. A
subversão coloquial-irônica provoca
curtos-circuitos, adequando a
intensidade
lírica ao sermo humilis mesclando
vocábulos
procedentes de
estratos
distintos da
língua. O
sapo e o
charco usurpam
agora o
lugar do
sabiá e da
palmeira
que os românticos tinham emblematizado. A
inovação verifica-se
particularmente
em
alguns
poetas isolados e resistentes a enquadramentos
formais. Na
tradução de Pedro Kilkerry do
poema Le crapaud de Corbière,
justamente o
sapo, “essa contra-imagem
que percorre o
Simbolismo e vai
desaguar
em
Bandeira” (Sebastião Uchoa
Leite:
Crítica
clandestina, 100), pode
ser tomado
como
súmula dessa
inversão de
valores poéticos. A dessublimação de
sabiás e rouxinóis ocorre
explícita
nos
versos: “Mas, olha-o,
sem
asa, é
um
poeta
pelado / O
rouxinol da
lama [...] – E o
sapo,
não sou
eu?” (in
Augusto de
Campos: Re-visão de Kilkerry, 81) De
Baudelaire a Corbière, de
Cruz e Sousa a Kilkerry, no
entanto, vai uma
grande
distância, abrangendo
um percurso de transformações
poéticas de
dimensões inéditas. A
vertente
mais
radical do
Simbolismo, identificada
com o
estilo coloquial-irônico –
registro
dominante na
poesia de Corbière e Laforgue – pode,
entre os
nossos simbolistas,
ser rastreada
nos
textos de Pedro Kilkerry, Marcelo
Gama, Gilka
Machado, Maranhão
Sobrinho, Mário
Pederneiras.
Além de
Augusto dos
Anjos, temos
aí
meia
dúzia de
autores,
atuantes e
inovadores,
cuja
lembrança vem
preencher a
tal de
lacuna
assinalada
por historiadores e
críticos
literários: a
precariedade da
poesia
durante o chamado Pré-Modernismo. Desenvolvendo a
idéia de
que no
período “a
posição
mais
desconfortável cabe
certamente à
poesia”, Júlio Castañon Guimarães (in
Sobre o Pré-Modernismo, 83-102)
recapitula
juízos
negativos
como o de Alfredo Bosi: “
que,
sem meios-termos, refere-se à “geral
caducidade da
poesia pré-modernista”; de Luciana Stegagno Picchio,
segundo a
qual “de
um
ponto de
vista estilístico, a
denominação Pré-Modernismo cabe
melhor aos
prosadores
que aos
poetas.”(História
da
literatura
brasileira, 52); de José Paulo Paes,
que considera
que “as
suas
marcas [do Pré-Modernismo]
não
são
significativamente
visíveis na
poesia.”. A
quase unanimidade de
tais
julgamentos parece
não
levar
em
conta uma
plêiade de
poetas dos
mais
inventivos do
período
que,
por se terem afastado
radicalmente dos
padrões vigentes, tornaram-se de
difícil
assimilação e permanecido
por
muito
tempo excluídos do
círculo dos eleitos, condenados
que foram à “treva
inferior” dos “poetas
malditos”.
Caso
típico é o do
maranhense Maranhão
Sobrinho. Circulando
entre o
seu
estado
natal e a Amazônia,
ele gozou
em
vida de
prestígio e
fama
regional tendo sido considerado
pelos
seus
contemporâneos
como o
maior
poeta da
época (1879-1915) no
Norte.
Autor de
alguns
textos
desabusados
que
vão de
encontro ao
gosto
então imperante,
aqui e
ali deparamos
com
notas dissonantes e
atitudes provocativas prenunciando
certas
posturas da
década de vinte. É o
caso do
poema “Poetas
malditos”,
expressão inventada
pelos simbolistas franceses,
onde ao
longo de sessenta
versos, Maranhão revive o
tema do
satanismo emplacado
pelos românticos,
agora reformulado e transposto
para
um
registro
sarcástico e auto-irônico. Parodiando Dante,
Maranhão desce à “Treva
Inferior”
para
contemplar o “horror da
satânica
orgia”
entre
gritos,
imprecações, o
delírio dos condenados “que
as
chamas retalhavam”.
Mas o
registro
mais revelador da
intenção do
poema está no
encontro
com a
família de
poetas de
sua
eleição. “Nas
grutas do
Demônio”,
ele
encontra Tristan Corbière “cantando umas
canções remotas”.
Lá estavam
também Desbordes e Mallarmé, Rimbaud e Villiers de
L’Isle-Adam. O
último
verso,
tornado
famoso,
fecha o
poema
com o
alexandrino formado de uma
única
palavra,
seis
vezes repetida: “Satã!
Satã!
Satã!
Satã!
Satã!
Satã!”. Satanizando
literalmente o
alexandrino,
medida de
ouro
para os
parnasianos, Maranhão parodia e exorciza
um dos
ícones
sagrados da
poética
oficialmente reconhecida e cultuada
pela
elite
letrada de
então.
Sinal
distintivo dos
poetas
malditos, o coloquial-irônico,
que será a
marca
pessoal da
lírica do
Bandeira pré-modernista e
também modernista,
assenta
como uma
luva nesses
poetas.
Em
ensaio revelador, Sebastião Uchoa
Leite
mostra
como Marcelo
Gama se destaca do
conjunto dos simbolistas
pelo
tom coloquial-irônico,
pela
observação do
cotidiano
urbano,
pelo
espectro vocabular
que incorpora
estrangeirismos (snob, flirt, chic) e
coloquialismos da
época (casquilho,
janota, peralvilho).
Em
três
poemas
longos – “Rua da
Azenha”, “Noite de
insônia”e “Mulheres”–
em
que o
poeta sai do intimismo
convencional e
deriva
para a
observação do
cotidiano
urbano, o
crítico
vê uma
ponte
para o
modernismo.
Especialmente
em “Mulheres”, solto
na
Avenida, o
olhar do
poeta se move
curioso e
crítico À
curiosidade do
voyeur se associa o
deambular do flâneur
por
entre “snobs e Apolos de
pulseira” extraindo do
desfilar de
banalidades o “maravilhoso
assunto” Vejam a
ousadia de prosaísmo nestes
versos
aparentemente
banais:
Por
isso às
três da
tarde e às
vezes
antes,
desconhecido
entre
desconhecidos,
levo
para a
Avenida uns
ares
importantes
e afinado o
quinteto dos
sentidos.
O flâneur, seguindo as
passantes
com
olhar dissecador,
muda a
ótica
em
relação ao
protótipo angelizado
ou satanizado da
mulher, flagrando-a na quotidianidade
contingente,
material,
ambígua e
imperfeita:
Olho-as, remiro-as de
alto a
baixo, sigo-as
dispo-as, ponho-as
em
pose,
impassíveis e
brancas,
ora qui
desvendando
imperfeições
ambíguas
de atafulhadas
ancas,
ora
ali
descobrindo,
entre
êxtase e
surpresa,
formas
definitivas de
beleza.
O
universo
semântico é
novo e a
linguagem preciosista, corrompida
com
estrangeirismos e
expressões
vulgares.
Datado de 1909,
pouco
depois de inaugurada a
Avenida
Central, o
poema “Mulheres”
ultrapassa o
legado da
visão hierática do epigonismo
parnasiano
assim
como as
evocações
místicas do
Simbolismo, prenunciando a
irrupção modernista da
década
seguinte.
Ernâni
Rosas é
outra
encarnação
estranha de
poeta
maldito do
simbolismo do
começo do
século XIX. Chamando
atenção
para a singularidade de
sua
obra, Andrade Muricy identifica nele a
precedência
divinatória do
Surrealismo,
dada “a sondagem
vertiginosa das
regiões subterâneas do
espírito” e
suas
afinidades
com os
poetas portugueses Mário de Sá-Carneiro e Luís de
Montalvor (Panorama, III, 36). A
sua
linguagem fulgura de
imagens
deslumbrantes,
neologismos e
inovações sintáticas:
Floresci,
como a
cor de
um
Poente de
escarlata! (O
meu
ruivo
destino). Pareces
caminhar magnetizada, /
sob
um
chover de
estrelas e de
rosas... /
pelo
florir da
Luz
quimerizada / surges de
um
mar de
nuances
misteriosas... (Alucina-te a
cor).
Inesperadamente,
entardeci! (Quem
és
tu,
loba). O
Sonho-Interior
que renasceste
/
era o
Poema dum
Lírio do
Deserto, / o
vinho d’Outras
-Almas
que bebeste /
fatalizou o
meu
destino incerto... (O
Sonh-Interior). A
Tarde
em
lírios
nos cinge /
Para o
longe
que a
deslumbra...(À
tarde o
poente
desfia).
Autor de uma
obra
pequena, de
sabor
raro e
repassada de repentinas
iluminações(Muryci,36),
Rosas
ainda
hoje
nos surpreende
com
ousadias
como estas:
Senti-Me
arrebatar
por
teus
segredos, /
escravo do
teu
Elo
imaterial... /
Coluna
envolta à
vida dos
teus
dedos...(Quem
és
tu,
loba).Sonho
em
Cristal
teu
corpo de
Champagne? /
mansa
luz
que morrendo
sem
alarde, /
não há
sol de
crepúsculo,
que a
estranhe...(Depois
de
te
sonhar). O
segundo
terceto do
soneto À
Tarde o
poente
desfia...
desarticula a
linearidade
sintática, acavalga
imagens e
trava
compacto o
sentido do
texto: Cintilos d’Astros,
Poema! /
Diluir d’Opalas,
Jardim... / De Salomé: o
Diadema! Salomé,
figura
emblemática do pré-modernismo belle époque
irá
retornar
em
Silêncios: “E a
hora é Salomé
sob
aplausos de
Luz.”
Em “contam
que o
teu
olhar urde”, pratica
com a
desenvoltura e
maestria de
um
Bandeira,
por
exemplo, o
verso
livre.
Bem
típico da
melancolia fin de siècle é a
que encontramos no penumbrismo
ou
poesia crepuscular
que continua
ativo no
primeiro
Bandeira,
tanto
em
Cinza das
horas(1917)
enquanto
em
Carnaval (1919), persistindo
ainda na
dicção de
Ritmo
dissoluto. É o
que se pode
ver no
Epílogo do
primeiro.
Eu quis
um
dia,
como Schumann,
compor
Um
Carnaval
todo
subjetivo:
Um
Carnaval
em
que o
só
motivo
Fosse o
meu
próprio
ser
interior...
Quando o
acabei — a
diferença
que havia!
O de Schumann é
um
poema
cheio de
amor,
E de
frescura, e de
mocidade...
E o
meu
tinha a
morta
morta-cor
Da
senilidade e
da amargura...
— O
meu
Carnaval
sem nenhuma
alegria!...
No
volume Re-visão de Kilkerry,
Augusto de
Campos, resgatando a
poesia desse
autor
que, tendo disseminado
textos
em
jornais e
revista,
sem
ter deixado
sequer
um
livro publicado
em
vida, destoou do
conjunto e abre
novos
horizontes
para a
poesia simbolista
brasileira:
Kilkerry traz
para o
Simbolismo
brasileiro
um
sentido de
pesquisa
que
lhe
era,
até
então,
estranho, e
uma
concepção
nova,
moderníssima, da
poesia
como
síntese
como
condensação:
poesia
sem
redundâncias,
de audaciosas crispações metafóricas e, ao
mesmo
tempo, de uma
extraordinária
funcionalidade
verbal, numa
época
em
que o
ornamental
predominava e os
adjetivos
vinham de
cambulhada,
num
borbotão
sonoro-sentimental
que ameaçava
deteriorar os
melhores
poemas. [...]
Em Kilkerry a
dicção
poética atinge
uma
contenção [...],
um
despojamento, uma
consciência
artística e
artesanal
raramente
logrados na
poesia
brasileira.
(p.11)
Mas, destacando
como a
grande
figura
Augusto dos
Anjos e repetindo
iniciativas no
sentido de
identificar a verdadeira
face da
poesia pré-modernista
em
autores resgatados – Pedro Kilkerry, Marcelo
Gama, Maranhão
Sobrinho, Gilka
Machado – e
mesmo
Bandeira, acaba-se
por
contornar a
questão do
Simbolismo
por
onde
efetivamente
todos
eles passam.
Não bastasse o
registro de Andrade Muricy
que os inclui a
todos no
seu
Panorama do
movimento simbolista
brasileiro (1952), convém
ainda
assinalar a
adequação dos
poemas simbolistas à
moldura das
revistas art nouveau da
época, o refinamento da
sensibilidade e o sofisticadíssimo
requinte da
linguagem,
traços
perfeitamente afinados
com a
moda belle époque. Clive Scott
em Symbolism, decadence and impressionism,
observa
que o
final do
século XIX
era
pródigo
em
nomes
para
designar
aquele
momento
literário, enfatizando exageradamente as
diferenças
entre
eles.
Hoje,
mais
claramente, pode-se
ver múltiplas
afinidades. E detecta o
que seria
seu
traço
fundamental: “O
Simbolismo contém
em
si
mesmo a
passagem de
estética romântica
para a
estética ironicamente
moderna.” (Apud
Castañon, 60)
Sem
forçar a
barra, poderíamos
transferir
esse
traço
para a
estética pré-modernista
enquanto abre
passagem
para o
Modernismo.
Tal
movimento, de
resto,
já havia sido
assinalado
por Andrade Muricy no
primeiro
volume do
Panorama,
onde propõe uma
correção
radical à
maneira
como a historiografia e a
crítica
literária tinham considerado o
simbolismo
brasileiro.
Em
vez de situá-lo a
partir do
prestígio do
campo do
parnasianismo, o
gráfico do
seu
desenvolvimento segue a
linha de
um
semicírculo
que, emergindo do
Romantismo, inscreve-se no
semicírculo
maior do
Parnasianismo
para,
mais
adiante,
depois de
descer
abaixo da
linha de
superfície
onde o
Parnasianismo morre,
emergir no
espaço do
Modernismo. A
interpretação do
gráfico afirma
que
A renovação de
valores
poéticos,
iniciada
por
Baudelaire, nela confirmado
pela
influência de Edgar Poe,
manifesta-se
sob
influxos
vários: de
Verlaine, de Mallarmé, de Rimbaud. A
vaga de
fundo, o
maremoto
estético
tingiu-se das
cores
requintadas daquele fin-de-siècle. Naquele
crepúsculo do
século
das
luzes,
que foi
positivista,
cientificista
fanático,
adorador
totêmico das próprias
invenções e
descobertas,
naturalista e ideológico,
descendente de
Jean-Jacuqes Rousseau, acenderam-se
luzes outras,
de
cores
delicadas, raras,
luzes de
espiritualidade
e de
misticismo.(Muricy:
op. cit. I,17-8)
Pelo
que vimos a
respeito do
estilo art nouveau, Muricy parece
ter sumarizado, no
trecho
acima, as
propriedades artenovistas do
simbolismo
brasileiro.
Invocada a “renovação de
valores poéticos”,
ali comparecem as “cores
requintadas” da belle époque,
cores “delicadas, raras” acesas
por
luzes outras, “luzes
de
espiritualidade e
misticismo”
que, procedendo de
Cruz e Sousa e Alphonsus Guimaraens, renascem
em Cecília Meireles, Jorge de
Lima e Murilo Mendes.
Sobre o
fundo desse
horizonte, projetam-se
inovações
técnicas
como a
descoberta do
verso
livre,
que vai
desaguar
nos “ritmos
inumeráveis” de
Bandeira, e
ainda a flexibilização da
forma
fixa do
soneto, a fluidez do
verso decassílabo e do
alexandrino
assim
como o amaciamento de
contornos da
rigidez
parnasiana e a
ampliação de
horizontes
que libertam a
visão do
poeta
para
ousadias inéditas. As
mais preciosas
jóias dessa
magnífica
coroa encontram-se reunidas
nos
Últimos
sonetos de
Cruz e Sousa
dentre as
quais cabe
destacar
alguns
modelos de
perfeição
como:
Caminho da
glória, De
alma
em
alma, O
grande
momento,
Cárcere das
almas,
Supremo
verbo,
Único
remédio, Crê, O
soneto,
Asas
abertas,
Invulnerável, Cavador do
infinito,
Sorriso
interior,
Triunfo
supremo.
Com a
lâmpada do
sonho desce
aflito
e sobe aos
mundos
mais
imponderáveis,
vai abafando as
queixas
implacáveis,
da
alma o
fundo e
soluçado
grito.
Ânsias,
Desejos,
tudo a
fogo
escrito
sente,
em
redor,
nos
astros
inefáveis.
Cava nas
fundas
eras
insondáveis
o cavador da
trágico
Infinito.
E
quanto
mais
pelo
Infinito
cava
mais o
Infinito se
transforma
em
lava
e o cavador se perde nas
distâncias...
Alto levanta a
lâmpada do
Sonho
e
com
seu
vulto
pálido e
tristonho
cava os
abismos das
eternas
ânsias!
O
soneto se move
em
espiral
em
torno de uma
única
idéia: a
ânsia do
infinito. Os 14
versos decassílabos se encadeiam numa
espécie de
moto continuo,
sem
hiatos,
sem
pausas,
sem
repouso,
sem
conclusão.
Nada de
chave de
ouro
com
que os
parnasianos adoravam
concluir
seus
sonetos.
Aqui o
último
verso é
mais
um
acorde do
tema
dominante lançado
nos
versos
iniciais, retomado
nos
subseqüentes e integrado num
conjunto
harmonioso. De
imediato, vem à
mente a
forma
ideal da
sonata:
expressão de uma idealidade
transcendente
que
visa à
perfeição.
À
guisa de
introdução ao
livro Art nouveau 1900, P. Wittlich diz
que
entre os
anos oitenta do XIX e o
início da I
Guerra Mundial, a
arte européia passou
por uma
subversão (bouleversement)
que pôs
fim ao
domínio da
concepção realista da
imagem
artística e deu
lugar a
concepções
diferentes
que mudaram a
percepção e a
compreensão do
universo.
Por
volta de 1900, a
arte se apresenta
como
um
mosaico. O
individualismo extremado da
época apregoado
por filósofos
como Nietzsche
goza de
grande
prestígio e repercutia extraordinariamente
entre os
artistas.
Ele exprimia a
vontade da
participar no
desenvolvimento
social,
pois o entre-dois-séculos foi
um
período de
crise
geral –
tanto
social
quanto
espiritual. Decorrente do
processo de
industrialização, alastra-se na
esfera
política, ideológica,
intelectual e
artística a
impressão de
rupturas de
superfície
com
elos
em
relação a
camadas profundas da
história e da
alma
humana.
Um
ceticismo convicto é
fonte de
melancolia e denuncia a
fragilidade dos
sonhos,
ilusões e
utopias. Mudanças na
arte provocadas
pelo
desejo de
liberdade
abala as
tentativas de
impor
domínio da
situação
mediante
pletora de
ornamentação.
Para
visualizar esquematicamente as
correlações da
ação no
campo da
arte, o
autor
desenha
um
triângulo
semiológico
em
que ficaram as
três
componentes
que
ele considera as
mais sintomáticas do
programa da
arte
por
volta de 1900.
S
O N
1.
Naturalismo:
acuidade
óptica,
senso do
detalhe,
tendência ao
conhecimento
empírico e
imediato da
realidade.
Influência de Zola, da
literatura
científica e da
pintura
quase materialista do
impressionismo. Os
impressionistas orientavam a
atenção do
espectador
para o
mundo
cotidiano,
ordinário e
banal,
para a
vida
em
sua
energia
natural. A
luz torna-se o
tema
fundamental e o
último Monet culmina
com a
fusão de
impressões misteriosas
com os
fundamentos da
existência.
2. Ornamentalismo: Na
extremidade da
orientação decorativa, a
noção de “estilo” no
fim do XIX e
início do XX estava intimamente
ligada ao
problema do
ornamento. Via-se nele a
função
social da
arte. Os
objetos decorativos
com
suas
curvas e
arabescos
graciosos sobrepõem-se às
barreiras
entre “arte
nobre” e “arte
vulgar”,
entre
arte “livre” e
arte “aplicada” o
que
lhe permite
penetrar nas
esferas da
vida
cotidiana.
3.
Simbolismo: A
arte do
fim do XIX e
começo do XX continha
aspectos
secretos e
esotéricos.
Esse
lado misterioso – o
mais
importante – unido à
corrente da
época
encontra
sua
expressão
mais
integral. Os
manifestos
literários do
Simbolismo invocam a
noção de “idéia”
que,
para os simbolistas
não
tinha significação racionalista
nem representava uma
noção de
filosofia
sistemática. Davam-lhe
interpretação
metafísica
mais
concreta
que a dos filósofos. O
emprego
relativamente
livre
deixa
entrever
um
sentido de
magia e da “alquimia do
verbo”.Mallarmé, o
maior representante do
Simbolismo, traduzia a
concepção simbolista do
mundo e condensava
sua
contribuição à
arte
moderna
com estas
palavras:
Referir-se a
um
objeto
pelo
seu
nome é as
suprimir
três
quartas
partes do
prazer de
fruição do
poema
que consiste
na
felicidade de
adivinhar
pouco a
pouco;
sugeri-lo,
eis o
que sonhamos.
É o
uso
perfeito desse
mistério
que constitui
o
símbolo:
evocar
pouco a
pouco
um
objeto
para
mostrar
um
estado de
alma,
ou,
inversamente,
escolher
um
objeto e
desprender dele
um
estado de
alma
por uma
série de
decifrações. (Divagations: 1896)
Pode-se
correlacionar essa
relação do
objeto
com
estados
subjetivos
com as
correspondências de Baudelaire: A
Natureza é
um
templo,”[...]
um
bosque de
segredos”,
onde “Os
sons, as
cores e os
perfumes se harmonizam.” Podemos
ainda
invocar o correlato
objetivo de Eliot –
expressão usada
pelo poeta-ensaísta
para
denominar a
correlação de
imagens concretas
tiradas do
mundo
exterior a
estados de
alma
imponderáveis e
fugidios. A
idéia, assumindo
forma de
imagem, é concebida
como
pensamento
em
processo de autoconstituição. A
definição de Mallarmé
encerra os
componentes
duplos da
ação simbolista:
introspecção,
sugestão
poética encantatória, de
um
lado,
interesse
material,
respeito ao
suporte
ou o medium da
expressão
artística. O
objeto simbolista se refere a
esses
dois
pólos e,
não
obstante a heterogeneidade das
manifestações artísticas, a
arte desse
período se apresenta
como
um
sistema
coerente. Essa
perspectiva abre
para a possibilidade de
inscrever o
simbolismo no
espaço do pré-modernismo
ou
estilo art nouveau. (op. cit. 9-14)