ENTREVISTA COM
EDUARDO MENDOZA EM BARCELONA

Adelto Gonçalves

 

Esta entrevista foi publicada pela revista Linden Lane Magazine, Princeton, Nova Jersey, vol. XI, nº 1-2, jan-jun 1990; Jornal de Letras, Lisboa, ano X, nº 415, 19 a 25 de junho de 1990; Suplemento Literário Minas Gerais, Belo Horizonte, ano XIII, nº 1.146, 19 de maio de 1990; O Estado de S. Paulo, Caderno 2, São Paulo, 1 de março de 1990; e A Tribuna, Santos, 19 de fevereiro de 1990.

 

Em 1975, três meses antes da morte do generalíssimo Franco, a Espanha, entre satisfeita e perplexa, descobria um romance que, por sua originalidade, contrastava com tudo o que se escrevia no país àquela época. Chamava-se La verdad sobre el caso Savolta. E seu autor, Eduardo Mendoza, passava a ocupar um lugar no altar reservado a jovens promessas literárias.

Hoje, Mendoza não é mais uma promessa. É, isso sim, um campeão de vendas. O romance La ciudad de los prodigios, de 1986, já vendeu mais de 120 mil exemplares, enquanto La verdad sobre el caso Savolta ultrapassou os 90 mil. São números que fariam a felicidade de qualquer editor e comprovam uma carreira fulgurante. Uma ascensão digna – guardadas as devidas distâncias – de Onofre Bouvila, o personagem principal de La ciudad de los prodigios, que sai da miséria absoltuta para se tornar um dos chamados próceres de uma Barcelona modernista que, ao final do século passado, inventava-se a si mesmo para se mostrar ao mundo como cidade cosmopolita.

Agora, Mendoza, além de industível ponto de referência na literatura espanhola contemporânea, é também, mesmo a contragosto, leitura obrigatória em programas escolares. Seus romances El misterio de la cripta embrujada e El laberinto de las aceitunas, embora não alcancem a transcendência dos outros dois, atraem os jovens por sua agilidade cinematográfica. São igualmente renovadores na forma, embora resgatem a velha tradição picaresca e até uma esquecida fórmula cervantina – a de utilizar como paródia uma linguagem anterior à de sua época. Em 1989, publicou La isla inaudita,romance bem diferente dos demais, que mostra a preocupação do autor em não se repetir.

Nascido em Barcelona em 1943, Eduardo Mendoza Garriga viveu dez anos em Nova York (de 1973 a 1982), época em que trabalhou como tradutor da Organização das Nações Unidas (ONU). Atualmente, vive dos direitos autorais de seus livros, que vendem muito também em outros países. Pode, assim, todas as manhãs exercitar com disciplina espartana o seu novo ofício no amplo apartamento da calle Balmes, próximo à montanha do Tibidado. E reservar as tardes para longos passeios por uma Barcelona que não se cansa de admirar. Foi numa tarde fria do janeiro de 1990 que nos encontramos no Café Samoa, no Passeio de Gracia, quase em frente à insólita Casa Milà, mais conhecida como La Pedrera, uma das mais estranhas entre as obras que o mago modernista Antoni Gaudí espalhou pela cidade. O resultado de quase duas horas de conversa é o que segue.

 

EM QUE MEDIDA OS AUTORES LATINO-AMERICANOS
INFLUENCIARAM SUA OBRA E A DE OUTROS
AUTORES ESPANHÓIS MAIS NOVOS?

Eduardo Mendoza – Esse é um tema um pouco conflituoso e aqui ninguém gosta de falar sobre isso. A verdade é que os escritores espanhóis têm um pouco de complexo em relação aos latinos-americanos. Mas é preciso reconhecer que, num momento em que a literatura espanhola estava morta ou, quem sabe, numa fase de transição, os latino-americanos aqui chegaram e ocuparam o espaço. Isso ocorreu porque, em razão da guerra civil, criou-se um vácuo entre as gerações literárias. Antes da guerra, havia uma geração de escritores importantes que, em 1939, foi para o exílio. É certo que eles continuaram escrevendo, mas, claro, viviam fora da Espanha. E perderam a continuidade. Por isso, a literatura espanhola ficou estancada. E assim estava quando, nos anos 60, os latino-americanos vieram para Barcelona. Eles não só publicaram como passaram a morar aqui, até porque em seus países, governados por ditaduras, não podiam viver. Além disso, na Espanha, ao mesmo tempo em que viam os seus livros publicados, recebiam por esse trabalho. Isso é muito importante. Também ficavam próximos da França, enfim, na Europa. Essa gente – García Márquez, Vargas Llosa, Cabrera Infante, José Donoso, Julio Cortázar, que, embora morasse em Paris, vinha freqüentemente a Barcelona – formava um núcleo que deu vida outra vez à literatura na Espanha. Para os espanhóis, que se consideravam os donos da língua, não era fácil aceitar que viessem outros da América Latina que fossem melhores. Isso provocou uma reação. Alguns escritores espanhóis ainda dizem que não tomaram conhecimento da presença dos latino-americanos. Mas isso é mentira. Eles exerceram uma grande influência sobre todos nós. Não só por causa de seus livros como em razão da atitude pessoal diante da vida. Aqui havia uma posição tímida em relação à literatura. Essa gente, não. Os latino-americanos assumiam uma postura muito mais valente diante da literatura. Era como se dissessem abertamente: “Sou escritor, escrevo teatro, poesia, romance. E quero viver disso e para isso”. Havia um ambiente pouco propício a quem queria se dedicar a essa atividade. Eles vinham de fora e não tinham dentro de si essas barreiras, a exemplo dos franceses e dos ingleses. Por isso, os latino-americanos nos ensinaram a ter outra atitude em relação ao ato de escrever. Nesse sentido, fizeram inovações importantes. Por exemplo: assumiram diante do idioma espanhol uma postura distinta. O castelhano que exibiam era um idioma muito mais vivo, enquanto o nosso parecia morto.

 

VOCÊ SE CONSIDERA UM AUTOR CATALÃO? QUANDO VOCÊ ESCREVE PENSA EM CATALÃO?

Mendoza – Escrevo em espanhol. Meu pai não era catalão; minha mãe, sim. Em casa, falava-se espanhol. Aprendi catalão com minha mãe, mas o meu idioma é o castelhano. Penso em espanhol e o idioma de minha cultura é o espanhol. Aprendi a ler e a escrever em castelhano. Já escrevi em catalão, mas com problemas. Escrevi uma obra de teatro em catalão, mas com certa dificuldade. Meu idioma natural é o castelhano, como o de muitos escritores de Barcelona. Quando escrevo, faço-o dentro de uma tradição literária espanhola. Naturalmente, aprendi muito com a tradição catalã, que é muito diferente. E procurei incorporar aos meus escritos essa tradição, muito mais que a francesa ou a inglesa, que conheço bem, mas que me são alheias.

Há críticos que dizem que, em sua escritura, há muita influência da literatura inglesa e do romance policial norte-americano, a “novela negra”.

Mendoza – Os críticos dizem o que querem – e têm de fazê-lo porque essa é a sua função. Gostam muito de classificar, rotular, fazer comparações. Mas eu nunca disse a mim mesmo que iria escrever como alguém ou que seguiria um modelo.Escrevo, e pronto. Mas é natural que tudo que esteja ao meu redor influencie o meu modo de escrever.

 

COMO VOCÊ EXPLICARIA O SEU SUCESSO NA AMÉRICA
HISPÂNICA E ATÉ MESMO NO BRASIL EM TRADUÇÃO?

Mendoza – Vou lhe contar uma história como exemplo. Fui, certa vez, em Nova York, ver um filme de Buñuel em companhia de um primo dele, amigo meu, que vivia também na cidade. Fomos ver um filme que estava fazendo muito sucesso – os americanos gostavam muito. E, à saída do cinema, disse ao meu amigo que não compreendia como o público americano podia entender um filme que só podia ser entendido por espanhóis. Então, ele me disse: “E eu não entendo como você pode ter entendido esse filme, sem ter conhecido Buñuel, sua prima, sua tia, pois ele só fala de sua família. Se é incrível que você tenha entendido, o que posso pensar dos americanos que, para nós, são de outro planeta? Bem, as coisas são assim. Pensa-se que as pessoas nunca poderão entender nada, mas entendem. Como podemos entender um escritor russo que fala de coisas que aconteceram no século passado em São Petersburgo? É claro que, se Dostoievski reaparecesse, ficaria surpreso ao ver que entendemos os seus romances. Na verdade, o que entendemos é outra coisa. O romance existe em três planos: como o escritor o imagina antes de escrevê-lo; depois, quando está escrito; e, por fim, quando o leitor abre o livro. Nesse momento, o leitor faz outro romance. O que está dentro de um livro fechado não existe. Mas, quando alguém termina de ler um romance acaba também de escrevê-lo outra vez porque imaginou coisas que não conhece. E essa coisa imaginada será mais verdadeira porque resultará como produto final de todo o processo criativo. Agora, se você me pergunta por que alguém gosta de meus livros, não sei o que dizer. É um estranho fenômeno que já foi estudado, mas que ninguém desvendou até agora. A linguagem é um mistério.

 

COMO FOI A SUA FORMAÇÃO LITERÁRIA?

Mendoza – Foi muito diversa como a de todo mundo. Lia o que encontrava. Mas tive várias influências claras. Pertenço a uma família que tinha muitos livros em casa. Lia autores clássicos espanhóis, como Cervantes, Galdós e outros. Lia até por obrigação. Afinal, esses autores faziam parte da vida intelectual da família. Não que fôssemos eruditos, mas porque simplesmente era um hábito familiar. Meu pai era advogado e também um homem de letras. Minha mãe vinha de uma família catalã culta, cosmopolita, que lia em vários idiomas. Eu tinha um tio muito culto que me fazia ler Balazc, Flaubert, Stendhal, Dostoievski, Tolstoi, Dickens, todo o grande romance do século 19. Ele me orientava. Mas li também outras coisas. Foi uma mescla muito grande. Os críticos querem ver uma cadeia de influências única, mas sempre há muitas.

 

VOCÊ MOROU EM NOVA YORK DURANTE DEZ ANOS.
ESSA DISTÂNCIA PREJUDICOU O SEU ESTILO OU
INFLUENCIOU O SEU MODO DE TRATAR O IDIOMA?

Mendoza – Quando morei em Nova York, vivi muito dentro da sociedade americana, integrei-me à vida local. Lia os jornais da cidade, tornei-me amante dos esportes americanos, enfim, procurava ver as diferenças de costumes e de idioma que poderiam, sobretudo, ser transferidas para o romance espanhol. A narrativa americana contemporânea é muito interessante. Creio que a narrativa deve estar constantemente absorvendo águas de muitos rios. Aquele escritor que se apega apenas à sua tradição está condenado a repetir o antigo. É preciso ir adiante, procurar inovar. Eu me interessava muito pela TV americana, o conceito de ritmo no sentido de espetáculo e da teatralidade que têm os americanos. Interessava-me incorporar isso à tradição literária espanhola clássica. Como se pode incorporar Cervantes à TV americana? Não sei. Mas, no fundo, deixava que isso fosse germinando dentro de mim. Além de tudo, viver sob outro idioma tinha uma vantagem: quando começava a escrever em espanhol, a língua me saía muito clara, quase como algo artificial. Não era um idioma com o qual convivesse todos os dias nas ruas, mas algo que precisava reconstruir a partir de minha memória, de minhas vozes interiores. Foi uma experiência decisiva, não sei se positiva ou negativa. É claro que isso não é uma chave para explicar a minha literatura. São muitas as chaves...

 

EM SEUS LIVROS HÁ SEMPRE REFERÊNCIAS AO
ANARQUISMO. GOSTARIA DE SABER SE ESSE INTERESSE
SIGNIFICA UMA ADESÃO AO IDEAL LIBERTÁRIO. OU SERÁ
QUE NÃO HÁ MAIS LUGAR PARA O ANARQUISMO NA
SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL ?

Mendoza – Cmo idéia política hoje o anarquismo é absolutamente absurdo, irrealizável.

Sim, é certo. Mas, hoje, ainda quando vinha para cá, vi nas Ramblas alguns ativistas vendendo livros e revistas de pregação anarquista...

Mendoza – Mas isso é coisa quase de museu. Não tem sentido, é mais folclore. No entanto, a atitude pessoal do anarquista diante da vida, isso sim, pode ser algo ainda vivo. A Catalunha é o único lugar onde o anarquismo chegou a ser ideologia popular, quase única e oficial. Foi o resultado de uma mescla feliz do anarquismo italiano, intelectual e revolucionário, com o anarquismo no sentido de revolta, de raiva, que vinha do Sul da Espanha, dos andaluzes. Na Catalunha, coincidiram os intelectuais com essa massa ativa. Criou-se, então, um anarquismo tipicamente catalão. É muito próprio do caráter catalão essa mescla de seriedade e intelectualidade com raiva que explode num instante. Gente muito séria que enlouquece. Isso nos criou uma forma de pensar e sentir que, segundo creio, é própria de todo catalão. Por isso, todos os catalães somos anarquistas.

 

E QUAL É A SUA ATITUDE DIANTE DA POLÍTICA?

Mendoza – Tenho uma atitude ácrata. Não sou filiado a nenhum partido, mas não sou contra os partidos. Eles precisam existir porque são a única forma possível de diálogo na sociedade. Mas os meus sonhos são outros. Irrealizáveis. Claro, a utopia é algo irresponsável, mas não se pode esquecê-la nunca. Veja o que se passou com os comunistas. Eles acabaram sem partido, não sabem o que fazer. Está claro que, como programa política na Europa, o comunismo não funciona. No entanto, a idéia de justiça social, de distribuição da renda, permanece. É preciso mantê-la. Deve-se montar as coisas de outra maneira, mas a idéia não há por que perdê-la. A vida é sempre assim, um compromisso entre a realidade e o sonho. Por isso, quando falo na vida de Barcelona, de sua memória coletiva, tenho de falar do anarquismo, pois o anarquismo está aí como estão a vida das pessoas, a infância e a adolescência de todos. Não se pode viver sempre na infância, mas esquecê-la é outro erro.

 

OS SEUS PERSONAGENS PRINCIPAIS – JAVIER MIRANDA,
DE LA VERDAD SOBRE EL CASO SAVOLTA, ONOFRE
BOUVILA, DE LA CIUDAD DE LOS PRODIGIOS, E ATÉ
MESMO O DETETIVO-LOUCO DE EL MISTERIO DE LA
CRIPTA EMBRUJADA E DE EL LABERINTO DE LAS
ACEITUNAS – TÊM CARACTERÍSTICAS DE ANTI-HERÓI
PICARESCO. ESSA É UMA AÇÃO DELIBERADA? VOCÊ
CONHECE A FUNDO O ROMANCE PICARESCO?

Mendoza – Sempre gostei muito do romance policial porque me identificava com essa atitude ácrata dos personagens que vêm de sociedades de fora. Isso no que chamamos de “novela negra” está muito claro. Creio que o romance negro é herdeiro dessa tradição picaresca, que começa na Espanha, mas passa logo para o romance inglês e francês. Essa tradição passa, por exemplo, por Candide, de Voltaire – um personagem picaresco que está fora da sociedade – e chega até os nossos dias com Samuel Beckett. Os personagens desses romances são como o Lazarillo de Tormes, um pobre que vai pelo mundo e que vê tudo de fora. Bem, eu quis continuar essa tradição. Quando se discutia a possibilidade de se escrever romance policial na Espanha, éramos uns poucos que, nos anos de 1965 e 1966, tentávamos fazer isso. Vivíamos os tempos de Franco, mas já se podia fazer algo. Existia a censura, mas não era absoluta. Cortava, mas algo sempre se podia fazer. Nós, escritores que começávamos a carreira naquele tempo, como Vázquez Montalbán, Juan Marsé, uns tantos, pensávamos que podíamos fazer um romance negro espanhol. Trasladar o romance negro americano para a Espanha não funcionava, mas descobrimos que a mudança podia ser feita pelo personagem do romance picaresco, que era muito espanhol. Por isso, ocorreu-me tentar fazer esse tipo de romance. Mas não fiz algo de maneira muito calculada. Em La verdad sobre el caso Savolta, o meu primeiro romance, havia um personagem que era um louco, um desgraçado que era colocado num manicômio. Ele conhece a verdade, mas é um homem tão marginalizado que ninguém lhe dá ouvidos. Mas ele conhece a verdade porque está de fora e a vê. Então, ocorreu-me que...

 

ESSE PERSONAGEM É NEMÉSIO CABRA GÓMEZ. ELE TEM
ALGO A VER COM O LICENCIADO CABRA, DE EL BUSCÓN,
DE QUEVEDO?

Mendoza – Sim. Coloquei-lhe o nome de Cabra como uma homenagem ao romance picaresco. Era um intento de estabelecer uma pista para remeter o leitor ao personagem picaresco e continuar a tradição de El Buscón, de Guzmán de Alfarache e outros. São homens que se movem numa sociedade perfeitamente organizada em que eles são os micróbios. Na sociedade espanhola dos século XVI e XVII, perfeitamente organizada, com a igreja, o exército, a nobreza, os comerciantes, os banqueiros, o povo, há sempre um personagem que não é absolutamente nada. Às vezes, é rico; às vezes, é pobre; entra na casa dos ricos, tem entrada em todas as partes, mas não tem nome nem identidade própria.

 

TEM APENAS ASTÚCIA.

Mendoza – Tem astúcia e se move bem. Sabe sobreviver. Como um cachorro vira-lata que sabe onde buscar a comida. Este personagem me resultava muito atraente porque, ademais, resgatava a tradição literária e também o anarquismo numa sociedade muito claramente organizada, que funcionava muito bem. Aliás, as sociedades autoritárias funcionam muito bem, até que se desmoronam. Mas, enquanto isso não ocorre, funcionam em ordem perfeita. Só que essa ordem perfeita, às vezes, carrega um vírus que a percorre, o vírus da liberdade, representado por um pícaro que, como não tem lugar, pode ir a todas as partes e tudo vê. Isso me servia para unir num só ponto a tradição literária, a realidade atual, a idéia política do anarquismo e o romance negro. Tudo se encaixava. Fiquei muito satisfeito por encontrar este personagem quase por acaso. O primeiro personagem de La verdad sobre el caso Savolta, Javier Miranda, é um pouco um personagem que está fora da sociedade e tem características picarescas. Como ele não representa nada, não está vinculado a nenhum grupo, os ricos, os pobres, os revolucionários, a polícia, todos falam com ele porque ele quase não tem rosto. Mas esse personagem me dava muitos problenas. Ao contrário, Nemésio Cabra Gómez me resultava mais fácil.

 

COM MIRANDA PODERÍAMOS TAMBÉM FAZER UMA
APROXIMAÇÃO COM O LAZARILO DE TORMES? AFINAL,
ELE CASA PENSANDO EM ASCENSÃO SOCIAL.

Mendoza – Sim, ele casa pensando em ascensão social. Ele vem de algum lugar. Aliás, os meus personagens nunca são de Barcelona, entram em Barcelona. E Miranda vem de Valladolid. Mas esse personagem não funcionou porque eu o queria mais marginal, um louco. Mais marginal que um louco, impossível. El laberinto de las aceitunas, que é um romance falhado sob muitos aspectos, é a minha experiência mais radical porque, ao final, o personagem principal não só é um louco como vai pelas ruas nu, depois de ter vestido-se como homem e como mulher, e ninguém o contesta. Continua tudo na mesma. E, apesar de o personagem ir nu, o romance continua funcionando com naturalidade. Claro, é um romance que perde o contato com a realidade. Por isso, tive de dar marcha à ré.

 

AINDA SOBRE O CASO SAVOLTA, ESSE ASSUNTO
EXISTIU MESMO OU VOCÊ INVENTOU TUDO?

Mendoza – Li muitos jornais da época e houve algumas coisas, mas não é um caso real. Houve um assunto sobre tráfico de armamentos para a guerra, mas não é um caso concreto. Li sobretudo jornais da época e revistas de moda, a Revista Cristiana, revistas de humor, revistas infantis, para ver como eram as pessoas naquele ano de 1919 e nos seguintes.

 

AO ESCREVER LA CIUDAD DE LOS PRODIGIOS, VOCÊ
TENTOU ESCREVER A HISTÓRIA DE BARCELONA?

Mendoza – Não. Esse é um romance que me fugiu das mãos. Comecei a escrevê-lo de uma maneira e ele foi mudando. Comecei muitas vezes. E nunca me saía bem.Queria, a princípio, escrever a história de um homem que chega a Barcelona – sempre a mesma história –, consegue sobreviver e triunfar na cidade. Comecei a escrever e, num momento dado, ocorreu-me que esse personagem distribuía propaganda anarquista e que poderia ter feito isso durante as obras da Exposição Universal que, em seu momento, foi algo grandioso. Quando comecei a escrever o romance, em 1980, ninguém falava dos Jogos Olímpicos aqui. Nos anos 80 do século passado, Barcelona era uma cidade grande, mas antiga, que funcionava como uma cidade medieval que havia crescido. E que decidiu se fazer moderna. Isso exigiu um esforço enorme porque a cidade teve que se inventar a si mesma. Decidiu-se, então, fazer a Exposição Universal. Disseram: “No dia tal, abriremos as portas, levantaremos o toldo e todos verão uma cidade moderna”. E, enquanto isso não ocorria, tiveram de inventar tudo, inclusive um estilo modernista, que é moderno e, ao mesmo tempo, uma reconstrução da Barcelona antiga, gótica, como ainda se vê aqui em La Pedrera, na Catedral, umas coisas estranhas. Inventaram todo o Bairro Gótico, que não existia nesse tempo. E, ao mesmo tempo, iniciaram a construção do metrô, de hospitais, de uma prisão – tudo do mais moderno. E o interessante é que não havia muito dinheiro. O que havia era um momento histórico, sobretudo um esforço de imaginação, não só para enganar o visitante como a si mesmo. Dizia-se: “A partir de agora, nada será como antes, agora funcionaremos como uma cidade moderna”. E lutou-se contra a inércia de séculos. Esse fenômeno interessou-me mais que a história pessoal de um personagem. De qualquer modo, a história de Onofre Bouvila serve para que a história da cidade funcione. Foi esse fenômeno que me interessou: Catalunha se transformou numa região industrial, comercial, porto de mercadores. Inventou-se até uma aristocracia, uma classe dirigente que não existia. Inventaram uma filosofia, uma poesia, uma música. Até um tipo físico de mulher.

 

E HAVIA MUITA RIVALIDADE COM MADRI?

Mendoza – Sim, isso também fazia parte do contexto. É preciso inventar muitas coisas, inclusive um inimigo. Barcelona fez tudo isso para que Madri visse o que a cidade também era capaz de fazer. Sempre houve conflitos entre os interesses econômicos, políticos e culturais de Barcelona e Madri. Isso se levou ao extremo para dar vitalidade ao projeto. E, nessa época, o catalanismo ressurge como motor de transformação.

 

QUAIS SÃO AS RELAÇÕES DE SUA OBRA COM O
ROMANCE GÓTICO DO SÉCULO XVIII? OS TÍTULOS EL
MISTERIO DE LA CRIPTA EMBRUJADA E EL LABERINTO
DE LAS ACEITUNAS SÃO UMA ESPÉCIE DE HOMENAGEM
AO ROMANCE GÓTICO?

Mendoza – Sim, algo há, mas muito pouco. Mais como efeito cômico. Um elemento importante do romance picaresco clássico, como você sabe melhor do que eu, é que, pela primeira vez, quem escreve é o pícaro. Ele escreve à sua maneira. Efetivamente, depois de La verdad sobre el caso Savolta, escrevi dois romances – El misterio de la cripta embrujada e El laberinto de las aceitunas – como se fosse o próprio louco quem os estivesse escrevendo. Estão escritos não no momento em que ocorrem as aventuras, mas no momento em que as aventuras são contadas. Por isso, há frases assim: “e chegamos ao final deste capítulo”. Está constantemente presente o próprio ato de escrever. Por isso, o título é o título que o louco havia colocado em seu romance em sua loucura. “O terrível mistério...”, não tanto o romance gótico, mas o romance popular.

Nesses livros, à medida que o personagem escreve vai iluminando o seu próprio caso, como no Lazarillo de Tormes.

Mendoza – É mais importante o fato de que ele escreva do que o que acontece. Os casos não têm importância. O que importa é sua reflexão sobre o que está ocorrendo, sobre si mesmo, a forma como ele se vê nas ruas. E seu tremendo esforço para funcionar dentro da sociedade, bem como o esforço que faz para ser bem educado, dizer sempre as coisas mais elegantes, falar de uma forma elegante e culta, mas ridícula. Sua maneira de escrever também é elegante, mas ridícula. Não sei se isso está evidente, suponho que sim, que é fácil de se ver, que ele escreve um espanhol de paródia. Um pouco como faz Cervantes no Dom Quixote. Cervantes não escreve no espanhol de seu tempo. Quando Dom Quixote fala não é o idioma de seu tempo que usa, mas sim um espanhol primitivo, um espanhol anterior a Cervantes, que ele reconstrói com erros e bobagens. Hoje, é difícil perceber, claro, por causa da distância. Cervantes escreve um espanhol forçado, falso, porque ele quer falar como falavam os cavaleiros que já não existiam havia dois séculos. E o meu personagem, o detetive, fala um espanhol que já não existe no momento em que ele escreve, um espanhol retórico, arcaico, muito pomposo, que eu tirei dos discursos oficiais dos tempos de Franco. Por exemplo: havia uma inauguração e, então, o bispo fazia um discurso pomposo em que não dizia nada e o governador respondia com outro discurso vazio: “Maravilhosa e bela cidade...” E ele (o personagem de El laberinto de las aceitunas) copia este discurso porque lhe parece o mais elegante e o mais bonito.E ele fala assim também com as putas. Bem ele queria falar como falava o governador em seus discursos, mas fazia isso entre ladrões e putas. E escreve assim.

 

PODEMOS DIZER QUE OS SEUS ROMANCES
FUNCIONAM COMO PARÓDIA DE PARÓDIA?

Mendoza – Sim, todos os meus romances carregam sua própria paródia dentro de si. Sempre tentei manter os romances num ponto em que não sejam nenhuma coisa nem outra. Por isso, os críticos não sabem nunca o que fazer com eles porque, às vezes, parecem sérios e, às vezes, uma brincadeira. Dentro de um mesmo parágrafo, há uma frase ridícula e outra séria. Gosto de jogar com essa ambigüidade. Agora mesmo, prepara-se a montagem de uma obra que fiz para o teatro. E o diretor não sabe se a monta como obra cômica ou séria. É difícil fazê-lo porque como comédia tem elementos muito sérios e como obra séria tem situações muito ridículas. Essa é uma forma de não deixar o leitor ou o espectador numa situação cômoda. Há um personagem em La ciudad de los prodigios que é um bom exemplo disso. Chama-se dom Bráulio que, á noite, sai por Barcelona...

 

COMO TRAVESTI...

Mendoza – Sim. Essa é uma tradição que existe em Barcelona, não é um personagem tão gratuito. É um personagem muito trágico, que morre de uma maneira muito triste, mas que vai fazendo coisas muito do folclore flamengo, que tenta suicidar-se com um pente. É claro que tudo isso é um chiste. Sempre quis introduzir os dois elementos em tudo o que escrevo. Gosto de interromper uma ação dramática para contar algo que nada tem a ver, que não tem nenhum interesse. Há um momento em La ciudad de los prodigios em que vai acontecer um assassinato, em que a pistola está a ponto de ser disparada e que se seguem cinco páginas de divagação. E por que isso? Exatamente para que ninguém tome o assunto muito a sério. Mas, ao mesmo tempo, é necessário que haja nos romances algo físico que prenda o interesse do leitor, que não o deixe relaxar. Como se fosse um jogo eletrônico em que não se pode distrair a atenção.

 

UM DE SEUS RECENTES ROMANCES, LA ISLA INAUDITA,
NÃO TEM COMO CENÁRIO BARCELONA, MAS SIM
VENEZA. VOCÊ SE CANSOU DE BARCELONA?

Mendoza – Nunca escrevo por um motivo. Uma editora de amigos me pediu que escrevesse alguns contos. Mas me custa muito escrever contos, sempre escrevi coisas mais extensas. Tentei escrever uma série de contos que se sucediam em cidades distintas. Como trabalhei na Organização das Nações Unidas, viajei muito pela África, Ásia, cidades muito estranhas. Imaginei um conto em que um homem chegava a uma cidade de um país comunista. Depois, imaginei que ele estava em Veneza e chovia muito e ele não podia sair do hotel. Estava tudo muito escuro, faltava energia elétrica na cidade. E o camareiro contava histórias de uma Veneza que o personagem nunca via, pois no dia seguinte teria de ir embora. Esse era o conto. Era uma boa idéia. Mas fui mudando. Por isso, o romance se passa em Veneza. Perdeu-se o conto e me saiu um romance que não havia planejado.

 

VOCÊ ESTÁ ESCREVENDO OUTRO ROMANCE?

Mendoza – Agora, estou num momento raro. Terminei esta obra de teatro que se chama La restauración, que trata da restauração da monarquia na Espanha ao final do século XIX, depois de um período de guerras civis. É também a história de um amor que se restaura e trata da possibilidade de restaurar o antigo, a restauração dos edifícios... das coisas.

 

VOCÊ TAMBÉM ESCREVEU UMA OBRA EM
CONJUNTO COM SUA IRMÃ?

Mendoza – Foi uma obra de encomenda. Chama-se Barcelona modernista. Faz parte de uma coleção de guias sobre cidades em seus momentos históricos. Escrevi sobre a Barcelona da época modernista, da Exposição Universal de 1888, da época de Gaudí. Afinal, dispunha de muita documentação dessa época que recolhi para escrever La ciudad de los prodigios. Escrevi o livro em conjunto com minha irmã Cristina, que é diretora do Museu de Arte Moderna. Ela é especialista em arte catalã do fina do século e me ajudou muito a escrever La ciudad de los prodigios.

 

GOSTARIA QUE VOCÊ CONTASSE COMO ESCREVE.

Mendoza – Escrevo todas as manhãs. Por disciplina. Para escrever é preciso ser assim; de outra maneira, é impossível. É preciso escrever todos os dias. Escrevo à mão, com uma caneta, com tinta. Depois, passo à máquina e vou mudando o texto. Escrevo devagar, corrijo muito. Uso um microcomputador, o que é muito cômodo. Ao passar para o micro, vou mudando. Há momentos em que estou num lugar e escrevo num papel qualquer coisa e logo tenho três ou quatro papeizinhos. Depois, passo tudo a limpo. Ninguém que não seja eu pode fazer isso porque só eu entendo o que está escrito. Comprei um microcomputador. É muito fácil para fazer cópias, correções. Às vezes, passo horas olhando pela janela e não sai nada – na maior parte das vezes, não sai nada. Tudo na vida é profissão. A inspiração não existe. Às vezes, há um problema de difícil solução, mas continuo tentando escrever. E, ao final, tudo se resolve. A solução, às vezes, encontro em dois dias, às vezes em cinco, às vezes num mês. Há um momento em que tenho vontade de largar tudo e vou andar.

 

E VOCÊ ANDA MUITO POR BARCELONA?

Mendoza – Menos do que gostaria porque está cada vez mais difícil andar por Barcelona. É uma cidade nervosa.

 

COMO ESTÁ A LITERATURA ESPANHOLA, DEPOIS DO
PRÊMIO NOBEL PARA CAMILO JOSÉ CELA?

Mendoza – Não sei o que dizer. Estou alegre porque deram o Prêmio para Cela. Por ele. Mas não é o nome mais representativo do romance espanhol atual. É o último escritor de uma tradição que já se foi.

 

DE OUTRA GERAÇÃO?

Mendoza – De outra geração e de outra forma de se entender a literatura. A linguagem espanhola estava muito ancorada na tradição – que é boa, mas também má – da grande literatura clássica do Século de Ouro. Isso tinha um peso muito grande, pois era preciso escrever como os grandes do século passado. Cela é o último dessa grande tradição. Mas era preciso modernizar o idioma, não só para falar de coisas modernas, como para falar com o pensamento moderno. A literatura espanhola não havia incorporado isso ainda, como haviam feito a literatura francesa e a alemã. Aqui faltava toda a contribuição extraliterária dos filósofos, dos cientistas. Creio que o esforço da literatura espanhola atual tem sido o de incorporar uma linguagem nova, às vezes com grande dificuldade, mas uma linguagem que permite refletir um pouco a maneira de pensar do homem contemporâneo. Cela tem muitos méritos literários, mas isso ele não fez. Ao contrário de Juan Benet, por exemplo, um escritor menos conhecido, mas que fez um trabalho de renovação do idioma. Nós, os escritores da nova geração, somos mais filhos de Juan Benet do que de Cela, que não nos ensinou anda do que já nos haviam ensinado Quevedo, Cervantes e Galdós. Em contrapartida, Benet ensinou-nos a dar esse salto para a linguagem moderna sem perder a raiz espanhola.

 

E TORRENTE BALLESTER?

Mendoza – É o mesmo caso. É um magnífico escritor do século passado. É verdade que Ballester ainda tentou renovar-se, ao contrário de Cela, mas chegou tarde, crieo, à sociedade pós-industrial, à sociedade do pós-guerra, que sofreu muitas transformações, inclusive incoporando outros idiomas.

 

OUTRO DIA, NUM JORNAL, VOCÊ DISSE QUE NÃO ESTAVA
DE ACORDO QUE AS CRIANÇAS LESSEM OS SEUS LIVROS
NAS ESCOLAS. EXPLIQUE ISSO.

Mendoza – É uma polêmica que se trava na Espanha hoje. Nas escolas há um método pedagógico para estimular os jovens à leitura. Esse método defende que se dêem livros fáceis de ler às crianças para que se habituem à leitura. Creio que isso é muito perigoso. Porque as crianças acabam pensando que a literatura tem de ser divertida e não é verdade. Pode ser, mas não é o seu único mérito. É preciso ensiná-las ler livros difíceis porque os fáceis os lerão sem que ninguém as estimule. Há que ensiná-las a se interessar pela dificuldade, não pela facilidade.

 

MAS OS CLÁSSICOS PODEM SER MUITO ABORRECIDOS
PARA AS CRIANÇAS...

Mendoza – Sim, os clássicos são muito enfadonhos. E, se não existir um mestre que os ensine, ninguém os lê. Ao professor é muito fácil dizer aos alunos que leiam El misterio de la cripta embrujada porque será muito divertido para eles. E acaba aí a sua função. Não vai precisar explicar mais nada. Então, se não for para ensinar, para que servirá o professor.

 

E OS AUTORES BRASILEIROS? VOCÊ OS CONHECE?

Mendoza - Poucos. Leio pouco literatura contemporânea. Não sou homem que leia muito. Leio pouco e devagar. Tenho poucos livros em casa. Jogo-os fora. Ou melhor: depois de lê-los, coloco-os numa caixa e, quando ela está cheia, faço uma doação à biblioteca pública. São poucos os que guardo. Não carrego biblioteca quando mudo. Não guardo livros, como não guardo jornais nem os filmes em cassete. Confio mais na memória. Há uma frase muito bonita de Borges que fala dos livros recordados. Não os livros como são, mas como nós os recordamos. Aquelas imagens maravilhosas que tivemos num dado momento – gosto mais de guardar isso do que guardar o livro. Prefiro ler a literatura americana, não a inglesa. Não leio mais os franceses nem os alemães. Leio pouco.

 

E QUEM VOCÊ PREFERE ENTRE OS CONTEMPORÂNEOS?

Mendoza – Interesso-me, entre os contemporâneos, pelas mulheres. Elas interessam-me porque escrevem de uma maneira distinta. É difícil que um homem, nestes mmentos, faça uma imagem que não seja conhecida. Já as mulheres têm imagens próprias, completamente novas. São uma janela para outro mundo, outra sensibilidade e outra forma de ver as coisas. Quando descubro um autor, leio todas as suas obras atentamente. Mas é raro que leia um autor contemporâneo espanhol. Muitas vezes, eu os encontro e fico mal com eles porque não os li. São amigos meus e não os leio, salvo alguns.

 

ENTRE OS ESCRITORES ESPANHÓIS,
QUEM MAIS VOCÊ ADMIRA?

Mendoza – Ramón Sender é um deles. É um escritor que haveria de ser seguramente um grande renovador da literatura espanhola. Mas, infelizmente, teve de ir para o exílio durante a guerra civil. Ele estava fazendo uma literatura muito espanhola, mas também muito moderna. Teve de ir para os Estados Unidos e a distãncia o fez perder o contato com a gente. E não influenciou quase ninguém. Ele escreveu um romance, El imán, publicado em 1930, que já tinha toda a renovação formal de Faulkner. É um romance precioso e, ademais, muito espanhol. Escreveu também um livro de contos na América que se chama Relatos de Cíbola, mas ficou isolado, fora de seu meio natural e não influiu sobre os demais nem evoluiu. Havia outros autores interessantes, como Max Aub, Serrano Poncela e Francisco Ayala, homens que certamente provocariam uma grande mudança, mas que se perderam no meio do caminho porque foram para o exílio. Faziam uma literatura de denúncia ao que Camilo José Cela continuou cultivando. Por isso, o Nobel dado a Cela não produziu nenhuma alegria aos escritores espanhóis. Por ele, sim. Mas é um personagem que não desperta o interesse dos mais jovens. Não é um mestre. Ao contrário. É tudo o que não se deve fazer. Por isso, é triste que tenham dado o Nobel para Cela. Creio que no Brasil há algum caso similar. Afinal, terão de dar o Nobel, algum dia, ao idioma português. Já houve oportunidades...

 

JORGE AMADO É SEMPRE CITADO.

Mendoza – Qualquer dia ele morre e vão todos lamentar que não lhe tenham dado o Prêmio Nobel. Como aconteceu com Borges. Um nome que merecia porque se renovou. Tinha uma personalidade conflitiva, mas deu ao idioma espanhol outra dimensão. Imaginemos que um dia dêem o Nobel a um brasileiro e, então, todos fiquem decepcionados. Sim, todos querem um Nobel para a sua língua, mas não era Cela a pessoa que gostaríamos de ver premiada. Foi o que se passou aqui. Creio que a José Saramago, algum dia, darão o Nobel que ainda não deram ao idioma português. É um nome muito conhecido na Europa.

 

VOCÊ CONHECE A OBRA DE SARAMAGO?

Mendoza – Sim. Gosto mais dele do que de sua obra. É um homem encantador e escreve muito bem. Tem coisas muito bonitas, outras mais vagas. É um grande escritor... Ah, sim, lembrei-me de um brasileiro: Nélida Piñon. É minha amiga. Dê-lhe lembranças.