SÍLVIO ELIA

- SUA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO PORTUGUÊS DO BRASIL -

    O alvo a que visamos é uma espécie de descobrimento lingüístico do Brasil, no campo de seus falares vivos e atuantes..

Sílvio Elia

 

As diretrizes dos estudos de Sílvio Elia, como ele mesmo registrou em Memorial, foisempre a constante humanística, na busca de nunca separar a ciência da linguagem da realidade humana, e, em nosso caso, da realidade brasileira, principalmente a da língua portuguesa do Brasil. (RANAURO, 1997, p. 75). Era constante a ênfase que imprimia à afirmação dalíngua como realização do espírito humano na história, sujeito às conjunturas históricas (substrato, adstrato, etc.): a língua, enquanto língua, em seu caráter coletivo, fruto da vocação de uma comunidade, a criar padrões de mediação cultural.

Sílvio Elia situava o fenômeno lingüístico entre a cultura e a natureza humana.As línguas”, vem a afirmar, “não são objetos  naturais de estudo, pois se incluem na investigação não das ciências da natureza e sim na das ciências ditas humanas, ou melhor,  culturais. Por isso são de natureza essencialmente histórica” (ELIA, 1993, p.103).

Com referênciaao que chamavavoga populista, que, segundo ele, veio suceder ao movimento em prol do abrasileiramento da linguagem e que reivindicava “a paridade – quando não a superioridade – entre‘a língua errada do povo’ e ‘a língua dos doutores’, uma língua das classes dominadas, outra a língua das classes dominantes, chegando-se mesmo a opor uma gramática burguesa a uma gramática proletária”, vem a lembrar que, quando da implantação do socialismo comunista na Rússia Soviética, “a velha língua imperialista dos tempos dos czares” não veio a ceder “ante a feição popular do russo, língua de nova classe dominante”, como se esperavacom basena dialética marxista.. Diante disso, não teria restado a Stalin senãoproclamar “ex catedra”, o que lembra, com base em texto de Lia Formigari em Marxismo e Teoria Della Lingua, que “ a língua não é o produto desta ou daquela base, de uma base velha ou nova, dentro de uma determinada sociedade, masdo inteiro curso da história da sociedade e da história das bases por séculos e séculos”, doutrina esta “pacífica entre os lingüistas do Ocidente”, acrescenta. (veja-se observação, nas Referências Bibliográficas, sobre o artigo “A Crise no Ensino da Língua”).    

 

Em várias e diferentes oportunidades veio a refutar atese de quea língua do povo é a língua natural e que a língua dos homens cultos é artificial. Num desses momentos ,vem a dizer:

 

Hoje sabemos perfeitamente que nenhuma das duas é produto da natureza, poisque ambas representam realidades ‘culturais’, usado o adjetivo com o valor que tem em Sociologia”. (ELIA, 1956, p.43).

           

Ao falar da “defensão” da língua portuguesa na busca da unidade lingüística da comunidade internacional dos lusófonos, o que dependeria do binômio Portugal-Brasil, como afirmara Paul Teyssier, vem aargumentar quese trata, na verdade, deum processo de unificação cultural, “de que a língua é não só instrumento, mas também parte.”. (ELIA, 1994, p.572).

É constante ,em Sílvio Elia, a referência ao autor do que vem a considerar. Sua vasta erudição (não confundamos com o eruditismo constituído de falsos saberes em blocos estanques e difusos) se une à seriedade e honestidade com que trata os estudos deoutrem. Não sonega aos leitores suas fontesde consulta. A elas remete , aqui e ali, de forma leve , na sutileza dos que, mestres, buscam informar, esclarecer, na dosagem certa, sem cansar e/ou dispersar a atenção, na busca de transmissão e formação do saber, objetivando “a semeadura em solo fértil” e a construção de “alguma coisa mais duradoura que o bronze, porque esculpida no sonho e na inteligência, realizada num legado imaterial para ser repartido entre osque viriam almejar os mesmos horizontes, aos quais oferecemos os nossos ombros, para que possam ver mais longe e melhor”. (RANAURO, 1997,p.69).

Suaatualização com referências aos váriose diversificados temas sobre os quais escreveu e falou é admirável. Poucos a ele se igualaram entre nós. Quando trata do que vem a chamar unidade e diversidade panbrasileira, por exemplo, discorre, com intimidade, não só sobre O linguajar carioca, de Antenor Nascentes (1922), O português do Brasil, de Renato Mendonça (1936), Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil, deSerafim da Silva Neto (1950), dentre outros, comosobre Atlas Lingüísticos, projetos, monografias, trabalhos, enfim, realizados ou em processo de realização, de diversos estudiosos brasileiros, antigos e contemporâneos, na busca de um maior conhecimento de nossa realidade dialetal.                                                                                               

Após observar que ointeresse pela dialectologia cartógrafica vem aumentando em nossos país, vem a aconselhar:

 

seria conveniente que se constituísse uma Comissão Nacional, que supervisionasse os trabalhos das diferentes equipes estaduais, homogeneizando metodologicamente as pesquisas, como, por exemplo, no que diz respeito à transcrição fonética e à elaboração de um questionário básico”.(ELIA, 1994 , p.570).

 

 

 

 

INFLUÊNCIAS

 

O idealismo lingüístico, na sua forma vossleriana, foi a primeira tendência lingüística a ser divulgada na América Latina, onde, como teoria, alargou o campo dos estudos de linguagem, acrescentando à matéria filológica nova área de conhecimentos, a Estilística. Sílvio Elia sempre foi, declarada e assumidamente, um idealista. Sua primeira grande influência, costumava dizer, foi Vossler.

Nos primórdios de sua formação (década de 30), predominava entre nós a cultura francesa: Meillet, Vendryès, Bally, Grammont e, principalmente, Saussure. Era pequena a influência americana, que se fazia quase que exclusivamente através de Bloomfield e Sapir. Os autores alemães chegavam através das traduções espanholas (a princípio da Labor, depois da Gredos).

A influência de Vossler se fez mais marcante que a de qualquer outro estudioso alemão devido não só às traduções espanholas, mas também por suas contribuições em periódicos latino-americanos. Quando Sílvio Elia leu Saussure (Curso de Lingüística Geral) já havia tomado contato com a obra de Vossler. “O idealismo de Vossler veio arejar’ a lingüística”, costumava dizer lembrando Meillet, que, apesar de positivista, veio a afirmar que Vossler havia contribuído para abrir uma janela e arejar a Lingüística. (MEILLET, 1928-29, pp.34-35).

Das dicotomias saussureanas logo o impressionou a inicial entre langue e parole, por nela identificar a oposição humboldtiana entre o produto e o produzir, o érgon e a enérgeia. Entre a Lingüística da langue e a Lingüística da parole, suas preferências sempre penderam para a segunda, que, na linha vossleriana, identificava com a Estilística. “Contudo”, esclareceu-nos, “não me dediquei aos estudos estilísticos; na verdade, a oposição maior que abracei foi entre Idealismo (identificado como força do intelecto, que dá vida e movimento à linguagem) X Positivismo (o estudo meramente factual das línguas).”(RANAURO, 1997). Não mais “os dados”, mas “o criador dos dados”, não mais o exclusivo aspecto descritivo do fenômeno de/da língua, mas o seu aspecto explicativo, interpretativo.

Quando publica O Problema da Língua Brasileira (1940), Sílvio Elia situa a divergência entre o português padrão de Portugal e o do Brasil no nível do estilo: haveria uma língua comum e estilos diversos. Essa opinião, partilhada, à época, por outros estudiosos, veio a ser por ele revista na 2ª edição daquela obra (1961). Não mais estilos diferentes, mas normas diversas, não mais “estilo nacional”, mas “norma brasileira”, não mais a unidade na diversidade, mas a unidade na variedade (variedades diastráticas, diatópicas e diafásicas de Coseriu). Para essa nova interpretação, contribuíra o conhecimento da distinção estabelecida por Eugenio Coseriu, assumidamente sua terceira grande influência, entre sistema e norma, a qual veio ampliar a distinção saussureana entre langue  e parole. O que distingue as línguas,” afirmou-nos em entrevista, “são as culturas, e a norma é a parole realizada historicamente na língua”. No Brasil, não se teria, assim, uma diferença de estilo (caráter criativo), mas de norma (caráter coletivo).

           

 

O PORTUGUÊS DO BRASIL

 

A contribuição de Sílvio Elia no tocante aos estudos do português do Brasil merece especial destaque. Inúmeras foram suas contribuições.

Em “O português do Brasil”, publicado em Lexicon der Romanistischen Linguistik(1994), a ser lido por quantos queiram conhecer a história do português do e no Brasil, Sílvio Elia nos dá uma visão histórica do português brasileiro, desde os tempos coloniais. Impressiona a maneira comoapresenta a história de nosso país, nelaincluindo os aspectos culturais e lingüísticos. Sua erudição e sua capacidade de análise e exposição de dados e fatos em sua relação de causa e conseqüência vêm a confirmar-se quando da sua conferência “500 anos de Brasil”, apresentada na UFRJ em 1998.

Dentre as características do séc. XVII em nosso país, cita o surgimento de cidades ao longo do litoral nortenho, as quais viriam a tornar-se centros de difusão cultural e lingüística. Pondera que os que afirmam que as cidades litorâneas do Brasil colonial não passavam de dependências do campo não deveriam esquecer que esse campo não era o sertão e sim terras aráveis do litoral e que cidade e campo faziam parte de uma unidade integradora, como observara Loockhart / Schwartz (1983). A economia desenvolvia-se no campo, mas a cultura intelectual estava nas cidades, observa.. Eram as cidades, o litoral, enfim, que ia polindo e difundindo a língua portuguesa. “Não têm, pois, razão os autores que apontam uma origem predominantementerural para o português do Brasil”, conclui. (ELIA,1994,p.561).

A unidade relativa da fala interiorana, para ele, também seria devida ao processo de penetração costa-sertão. A seu ver, o “falar rural brasileiro” ( “rural em sentido bem amplo”, como faz questão de esclarecer) pode ser dividido em duas grandes áreas: a caipira, do Centro-Sul, de base mais luso-tupi que luso-africana, e a matuta, do Norte-Nordeste, de base predominantemente luso-africana. (ELIA, 1994, p.562).            

Com referência à linguagem, no séc. XVII, para ele a “Idade do Açúcar”, ter-se-ia configurado, no Brasil, uma situação de diglossia, com o uso formal e literário da língua portuguesa e o emprego mais ou menos corrente da língua geral.

No séc. XVIII, a “Idade de Ouro”, do ponto de vista lingüístico, ter-se-ia criado uma elite neoclassizante, tradicionalmente denominada arcádica, que conservava os padrões gramaticais portugueses, mas já deixava transparecer um “certo sentimento autonomista”. (ELIA, 1994, p. 562).

Lembrando ter sido intenso o fluxo imigratório português após a Independência do Brasil e, anteriormente (1808) , com a vinda da família real para o Brasil, vem a observar que não se pode limitar a contribuição lingüística da metrópole portuguesa ao português quinhentista, apesar de ser primordial o seu conhecimento, como ponto de partida. ( ELIA, 1994,p.573).

Sílvio Eliavinha realizando pesquisa, no Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, no Rio de Janeiro, sobreos jesuítas e a implantação da língua portuguesa no Brasil.

 

 

A QUESTÃO DA “LÍNGUA BRASILEIRA”

 

A questão da língua portuguesa no Brasil”, afirma Sílvio Elia, “surgiu com o Romantismo”. (ELIA, 1994, p.559).“Ao movimento de diástole romântica”teria sucedido“a reação de sístole naturalista” (ibid.). O Romantismo teria sido libertário e separatista, o Naturalismo, conservador e unitário. ( ibid.,p. 566).

 Uma nova “onda pró-abrasileiramento” viria a surgir como Modernismo literário, quando se passou a falar abertamente em língua brasileira. Mário de Andrade, vem a afirmar Sílvio Elia, “chegou a ameaçar (grifo nosso) os contemporâneos com uma Gramatiquinha da fala brasileira”. (ibid., p. 559). Sobre esse assunto vem a escrever , por exemplo, “Mário de Andrade e a língua brasileira” e “Mário de Andrade, gramático” (in Suplemento Literário do Minas Gerais,06/12/1986, pp.6-8 e “O Estado de São Paulo,9/03/1991, p.5). Em ambos os artigos, ao falar da Tese de Livre-Docência de Edith Pimentel, “Gramatiquinha de Mário de Andrade”, volta Sílvio Elia a tratar da brasilidade,como um ponto de encontro entre Romantismo e Modernismo (“um na ótica do idealismo, outro na do naturalismo”), que teria unido os dois movimentos “na hostilidade à herança gramatical portuguesa”. (ELIA,1991,p.5).

A concepção romântica do povo-dono-da-língua, aliada à doutrina naturalista da evolução fatal e irreversível dos acontecimentos sociais” teria gerado o que veio a chamar de “escola da ‘língua brasileira’”. (ELIA, 1956, p.38).          

Teria sido o Modernismo uma espécie de Segundo Romantismo, eivado de nacionalismo. “Quem viria a fazer pendant no movimento modernista ao Alencar da fase romântica foi o escritor paulista Mário de Andrade”, veio aafirmar . (ELIA, 1994, p.566).

O Modernismo, se não chegou à pretendida revolução na linguagem, muito teria contribuído para “arejar” a nossa forma culta de escrever, posto que “exorcizou o sortilégio dos ‘clássicos’, o que já foi muito”.( ELIA, 1994, p. 567). Teria ele contribuído para aproximar um pouco mais a língua escritado tom coloquial da fala brasileira. “O vocabulário incorporou palavras colhidas no falar quotidiano, os longos períodos, encaixados de orações subordinadas, foram substituídos por outros mais leves”, considera.(ibid.).

 

 

UNIDADE E VARIEDADE

 

As diferenciações lingüísticas entre .Brasil e Portugal têm sido estudadas por professores e filólogos brasileiros. TambémPaul Teyssier ( Histoire de la langue portugaise, 1980) veio a estudá-las. Desses estudos dá conta Sílvio Elia em diferentes publicações, confrontando e analisando cada observação, semprebuscando salientar os aspectos de discordância ou similaridade entre os vários autores, sem nos negar sua opinião.                                                

Coisa enfatizada por quantos se dedicam ao estudo do português do e no Brasil é a sua unidade, malgrado sua imensa extensão geográfica. São mais sócio-culturais que geográficas as divisões dialetais em nosso país, observaSílvio Elia, daí dever ser a dialectologia mais vertical que horizontal. Haveria diferenciações de níveis de línguas. À divisão em três níveis,formal, comum ecoloquial, de Dino Preti, acrescenta o nível popular, no caso do português brasileiro. No ápice ,estaria a língua das pessoas cultas, com gradações; após, a língua a que chama vulgar, própria das camadas urbanas “gradativamente menos instruídas” e, finalmente, os falares regionais e rurais.

A seu ver, o “falar rural brasileiro” (rural em sentido bem amplo”, como faz questão de esclarecer ) pode ser dividido em duas grandes áreas: a caipira, do Centro-Sul, de base mais luso-tupi que luso-africana, e a matuta, do Norte-Nordeste, de base predominantemente luso-africana. ( ELIA, 1994, p. 573).

À colocação de AtalibaT. de Castilho de que “uma visão oficialista”, “com a teoria da unidade na variedade (grifo nosso)”, tentou apagar as diferenças entre o português do Brasil e o português de Portugal”, buscando simplificar o panorama lingüístico brasileiro, vem a responder, que “a essa ‘visão oficialista’ opõe-se naturalmente outra visão oficialista da mesma questão” e que não ficara bem definido se elefazia objeções à teoria em si ou à sua aplicação ao português do Brasil.Alega que, em qualquer das hipóteses, a rejeiçãonão procede, “pois a tese da ‘unidade na variedade’ é, desde Meillet, uma aquisição definitiva da Língüística de nosso século” e que, “ainterdição de aplicá-la ao português do Brasil” é algo surpreendente. (ELIA, 1993, p.100).

 

 

 

UM CASO DE BILINGÜISMO OU TRILINGÜISMO

 

Em pesquisa realizada juntamente com Gladstone Chaves de Melo, Sílvio Elia veio a registrar aocorrência de bilingüismo, e mesmo trilingüismo, em Pomerode, município de Santa Catarina, em decorrência da imigração pomerana para o Brasil, no período em que a Pomerânia (faixa de terra que se estende ao norte da Polônia, ao longo do mar Báltico, e se prolonga adentro da Alemanha, região de Mecklenburgo) se tornara oficialmente Prússia Ocidental (1772 – 1919).

 Os pomerodanos são bilingües; alguns, trilingües: falam alemão e português, ou pomerano e português, ou alemão, pomerano e português. A línguamaterna da comunidade é o alemão; em zonas mais humildes, zonas rurais, o dialetopomerano. São ambas utilizadas no dia-a-dia, no falar coloquial. A língua portuguesa é a língua oficial, adquiridana escola. É a língua escrita, a da alfabetização escolar. Sílvio Elia registra não ter visto, em Pomerode, nenhum periódico emalemão.

Progressivamente, vaticina Sílvio Elia, a língua portuguesairá tornar-se a língua do lar e a coloquial, “num processo natural de integração, como é próprio da sociedade brasileira”. ( ELIA, 1992, p.208). É o que costuma ocorrer, lembra, com os demais contingentes humanos, praticantes de outras fonias, tais como italianos, alemães, poloneses, sírios, armênios e japoneses. Com o passar do tempo, seus descendentesse vão integrando no meio em que foram acolhidos. A terceira geração já é praticamente constituída de brasileiros natos, daí concluir sero portuguêsa língua materna de todo o nosso povo. Não haveria, no Brasil, nem adiglossia (convivência de duas variedades lingüísticas, uma de uso formal, outra de uso coloquial) nem o bilingüismocoletivo.  

À afirmação de Ataliba T. de Castilho (O Português do Brasil, 1992) de que situar o Brasil como país praticamente unilíngüe é forçar a realidade, vem a responder que “o reverso é que é abalroar os fatos” e que, para comprová-lo, basta que se ligue um canal de televisão para que se ouça, do Amazonas ao Prata, “como já foi hábito dizer, a mesma língua portuguesa, naturalmente com as variedades diatópicas que qualquer outro país unilíngüe apresenta”. (ELIA,1993, p.100-101). Argumenta que Castilho vem a reportar-se a alguns falares fronteiriços; e nada mais. “Onde, pois, o nosso multilingüismo ou plurilingüismo?”, questiona (ibid, p.101).

 Ainda na resenha ao trabalho do prof. Ataliba, vem a registrar, embora lhe pareça desnecessário, que, ”na gramática da língua padrão, não entram o léxico dito cultural, ou antes ,sociocultural, nem as variedades fônico-articulatórias de cada região”. (ELIA, 1993, p.102).

Seria a língua portuguesa, na Lusitânia nova (Brasil), a língua transplantada (posteriormente implantada), materna, oficial, nacional,a língua-padrão e alíngua de cultura. O traço língua-berço seria exclusivo do português europeu (Lusitânia antiga).

           

 

CONTRIBUIÇÃO INDÍGENA

 

Com referência às línguas indígenasno período da colonização do Brasil,, Sílvio Elia vem a estabelecer uma distinção entre falares tupis,variedades tópicas da línguarealmente falada pelos indígenas do litoral (do Rio de Janeiro ao Maranhão) e língua geral, a koiné disciplinada pelos jesuítas”, (ELIA, 1994,, p. 563), ou seja, uma koiné de base tupi com o nome de língua geral,o “tupi jesuítico”, no dizer de Mattoso Câmara Jr.(Câmara Jr., 1979, p.105). Ao nível culto, teria sido a língua portuguesa a que teria servido de koiné.

A influência da língua tupi na constituição do português do Brasil, pondera, ainda está por conhecer. “Do contato trissecular com essa língua teria escapado incólume o português?” - pergunta. “Não é de crer, mas provas ainda não as temos”, vem ele mesmoa responder. ( ELIA, 1994, p.563).

Quanto à influência tupi no vocabulário, chama a atenção para o fato de queas palavras de origem tupi “referem-se antes a aspectos naturais da terra brasileira (fauna e flora) do que a realidades culturais”. (ibid.). Apresentando obras e autores defensores ou contestadores desta ou daquela teoria, comenta as possíveis influências do tupi nos campos da fonologia, da morfologia e da sintaxe., algumas “sem cabal comprovação”. (ELIA,1994, p.564).

Haveria, no Brasil, duas espécies de línguas: as autóctones (línguas indígenas) e as transplantadas ( o português, as línguas africanas e as línguas estrangeiras de imigração). O português, de língua transplantada, teria passado a língua implantada.

Quanto às línguas indígenas, estariam elas noestado tribal, sem nenhuma repercussão na vida cultural do pais. Não caberia falar em “línguas minoritárias”, segundo ele, com referência às línguas indígenas no Brasil. Constituiriam minorias lingüísticas, esclarececom base em Trudgill, os grupos de falantes que possuem, como língua nativa, uma línguadiferente da que é oficial, dominante, principal na região em que vivem Não haveria, no Brasil, mais que “ilhotas”, que tendem a desaparecer, num processo de glotofagia. Segundo ele, faz-se necessária uma política de integração (e não de desintegração, salienta ), das populações indígenas, marginalizadas.

Sílvio Elia deixou inacabado o prefácio à edição de A arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil – o tupi-guarani, de José de Anchieta, obra a ser editada em Madri. Esse Prefáciolhe fora encomendado pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional (AECI). Nele trabalhouaté asvésperas de sentir-se mal e vir a ser internado, o que ocorreu no dia 3 de novembro de 1998 . Em18 de novembro, veio a falecer.  

 

           

INFLUÊNCIA AFRONEGRA

 

Em comunicação apresentada no 1ºCongresso Nacional de Sócio e Etnolingüística (João Pessoa, 1978),Yeda Pessoa de Castro distingue quatro tipos de dialetos afronegros no Brasil: o dialeto da senzalas, a partir do séc. XVI, de base banto; o dialeto rural, no séc. XVII, com base no quimbundo; o dialeto das minas, provocado pela corrida do ouro, também de base banto, e o dialeto urbano, a partir de 1808. O mais relevante, do ponto de vista sociolingüístico, para Sílvio Elia, seria o dialeto rural. Nele se teriam mesclado falares quimbundo e nagô, tendo como base a língua portuguesa, “defeituosamente aprendida pelos afro-negros, do que resultou aquele falar intermediário que Silva Neto denominou semicrioulo”. (ELIA, 1994, p.564-565 ).

O nagô se teria firmado como uma espécie de “língua geral” dos negros da Bahia. Esta “língua geral”, segundo José Honório Rodrigues (História Viva,1985, p.29) teria sido criada pelos próprios negros, ao passo que a língua geral indígena teria sido criada pelos jesuítas. A respeito dessa colocação de José Honório, vem a ponderarSílvio Elia que o termo criada é excessivo e que mais adequado seria substituí-lo por disciplinada, trabalhada, ou mesmo gramaticalizada. Além do mais, a língua geral indígena teria sido mais geral que a língua geral africana, posto que esta se restringira ao território baiano e aquela se teria espraiado por extensa porção do território brasileiro. Mais adequado, segundo ele, seria falar-se em duas koinés, uma afro-baiana e outra índio-brasílica.  

Das línguas africanas restariam apenas alguns remanescentes, particularmente nos xangôs do Nordeste e nos tambores do Maranhão.

Para Sílvio Elia, as influências das línguas africanas no português do brasil, tal como a das línguas indígenas, encontram-se no plano das conjecturas. Quanto à sintaxe, lembra“a estafada questão da colocação dos pronomes átonos”. Para ele, se influência houve ( o que é pouco provável),teria ela se dado de forma indireta. Com apoio em Renato Mendonça (O Português do Brasil), pondera que o negro teria acentuado o pronome átono, tornando-o tônico. Dessa forma, dever-se-ia encarar esse fenômeno como sintático e não como fonético. Um caso possível de afronegrismo sintático, para ele, seria odo pronome pessoal ele acusativo.

 

 

POLÍTICA DA LÍNGUA

 

Ao tratar da unidade da comunidade internacional de lusófonos, um dos temas a que muito se dedicou, vem a considerar que essa pretendida unidade pressupõe, em cada país de língua portuguesa, uma estabilizada e institucionalizada unidade lingüística, a ser alcançada e consolidada através “dos conhecidos meios culturais centrípedos, como aescola, o livro, a tradição literária, a consciência coletiva da possee utilização de umfalar comum”. (ELIA, 1994, p.572).

Do ponto de vista da prática, vem a lembrar a necessidade de uma uniformização ortográfica, já em curso entre Portugal e Brasil, e as sugestões de Mattoso Câmara Jr.(CÂMARA JR.,1972, p.227) quanto à unidade nas terminologias técnicas, da nomenclaturagramatical, da própria teoria gramatical como base para o estudo e o ensino da língua padrão; a regulamentação, no uso culto, de certos empregos indecisos, como a flexão do verbo conjugado com o pronome se dito partícula apassivadora. (ELIA,1994, p.572).

Com referência às observações de Luís Carlos Lessa quanto a se poder depreender uma Gramática Brasileira da Língua Portuguesa que legitimasse certos usos lingüísticos correntes na fala brasileira, o que faz com base no que no veio a registrar no seu O Modernismo Brasileiro e a Língua Portuguesa, pondera Sílvio Elia: “São sugestões a considerar”. (ELIA, 1994, p.567).

Quanto aos quepregam uma “oralização” da língua, vem a argumentar que , quando eles querem aprender uma língua estrangeira, é a língua standard  e não as suas variedades que buscam aprender. Com relação ao que chama de “abastardamento do padrão culto da língua” , que tem como pretexto a “palavra de ordem democratizar”, vem a lembrar que esse padrão é,por definição, “ supra-regional e supra-segmental (no sentido de ‘segmentos sociais’) ” e que “’democratizar’, não significa nivelar por baixo, mas ao contrário promover a ascensão cultural, indistintamente, de todos os seguimento sociais”. O termo(democratização) estaria, naquele contexto, “completamente invertido em sua acepção social”. (ELIA et al,1998,p.168-169).

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

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ELIA, Sílvio. “A Crise no Ensino da Língua” – texto em xerox, sem identificação da fonte

(aparentemente de jornal), provavelmente da década de 80, de 1987 em diante, pois,

como crédito ao autor, menciona-se ser ele “professor eautor de Sociolingüística”, livro publicado naquele ano.

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_____________CASTILHO, Ataliba T. de (1992). O Português do Brasil. Apêndice ao

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RODRIGUES, Honório José.. História Viva, São Paulo, Global Universitária, 1985. pp11-

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HILMA RANAURO. Professora da UFF, Mestre em Letras pela PUC/RJ e Doutora em Letras Vernáculas pela UFRJ. De sua produção acadêmica constam O Falar do Rio de Janeiro – um estudo de caso( Cátedra, 1988), Contribuição à Historiografia dos Estudos Científicos da Linguagem no Brasil – Sílvio Elia e João Ribeiro (Tempo Brasileiro, 1997) e O Discurso Bíblico sobre a Deficiência ( Muiraquitã, 1999), este em co-autoria. É membro da ABF.