Traduzindo Esforços: Educação e Linguagem Rumo ao Século XXI

Gabriele Greggersen
Dra. Em História e Filosofia da Educação –
Universidade de São Paulo

20 de agosto, 1999

Resumo:

Grande parte dos desafios do educador de hoje passa pela questão da linguagem: como administrar a grande variedade de significados? Que tipo de diálogo privilegiar com o aluno, que linguagem utilizar? Essa problemática evidencia-se no trabalho de tradução. O tradutor, mais do que ninguém, sabe como é difícil manter um sentido, apesar da variedade do contexto. E,  o  que é um educador, se não um “tradutor” de significados?

C. S. Lewis tem muito a contribuir a esse debate, com o seu estudo do fenômeno de “entropia” ou lei da depreciação do sentido das palavras. A pouco explorada importância da linguagem na educação, tem gerado inconsistências nos discursos da área que um Projeto Pedagógico coordenado entre educadores e lingüistas poderia evitar.

 

Introdução:

Nesse artigo, falaremos sobre a relação entre educação, comunicação e lingüística, lançando as bases para um projeto pedagógico, capaz de fazer frente aos desafios tanto da língua, quanto da educação, na era da globalização. Defenderemos assim, a necessidade do educador "tradutor" de significados, com um discurso mais coerente e consistente, consciente da relação entre educação e comunicação, que se pauta por uma tábua de valores humanos comuns.

 

Comunicação e Sentido

Antes de abordarmos nosso tema, lembramos um diálogo entre Alice e Huempty Deumpty em  Alice no País das Maravilhas:

 

- Não sei o que vocês entendem por ‘glória’ – diz Alice (Heumpty Deumpty sorri com um ar de desprezo) 

-  É claro que  você  não sabe porque ainda  não   lhe expliquei. Eu entendia por isso: eis para você um belo argumento sem réplica!

- Mas ‘glória’ não significa  ‘ belo argumento sem  réplica’ – objetou Alice.

- Quando emprego uma palavra – respondeu Heumpty Deumpty, com um tom algo desdenhoso – ela significa exatamente o que eu desejo que ela signifique... nem mais nem menos.

- A questão é saber – diz Alice – se você tem o poder de fazer com que as palavras signifiquem outra coisa diferente do que querem dizer.

- A questão  é saber – respondeu Heumpty Deumpty – quem será o Mestre... nada mais.[1]:

 

Como em todo  bom conto de fadas, podemos observar neste exemplar elementos importantes da comunicação e que são também fundamentais para a educação. Esse trecho mostra que nem tudo o que dizemos, é recebido da forma como imaginamos ou desejamos; mostra que entre emissor, receptor e mensagem, há necessidade de algo mais do que simples transmissão. Pois as palavras não podem passar de simples etiquetas, e quem quiser, pode dar o sentido que bem entende a elas. Não podemos Ter certeza se as palavras não passam de ideais, invenções ou ilusões, mas também não há nada que sustente esta hipótese. O jornalista britânico G.K.Chesterton já dizia que seria no mínimo desequilibrado aquele que ateasse fogo em Roma, esperando que em poucos minutos seu servo viesse acordá-lo para mais um belo dia.

 

Vamos imaginar a  remota possibilidade de que um professor pensasse como Heumty Deumpty, acreditando que as palavras são arbitrariedades e que depende exclusivamente de cada um, dar o sentido que quiser a elas. Nesse caso, poderemos pensar em um diálogo aluno-professor, nos seguintes termos:

 

Professor -  Hoje eu explicarei a vocês o que é um discurso. Discurso é a arte de falar alguma coisa muito bonita, a que os alunos devem prestar muita atenção.

Alunos - Mas, professor, para nós, “discurso” é uma espécie de sermão. E, se é que é uma arte,  é a de falar muito, sem dizer nada. Não estamos entendendo...

Professor - Não importa o que discurso é `para vocês’. O que interessa é, se aprenderam o que eu ensinei. Agora vocês captaram o que é um discurso?

Alunos – Se é o senhor que diz...

 

Note-se que esse professor, além de não ter consciência do poder implicado nas palavras,  cometeu alguns erros gravíssimos, indicadores de uma postura equivocada diante da linguagem e que refletem fielmente uma postura diante do conhecimento e da educação. Primeiro: “Hoje eu  ensinarei...”. Pergunta-se, até que ponto o professor pode reivindicar para si ser o sujeito exclusivamente responsável pelo ensino e sobre o tempo necessário para a aprendizagem? Outra questão chave é saber, se é possível sequer determinar o momento exato do ensino. De acordo com Mc Keachie:

 

Não existe um só método que tenha dado o mesmo resultado com todos os alunos... O ensino torna-se  mais eficaz quando o professor conhece a natureza das diferenças entre seus alunos (Wilbert J. Mc Keachie). [2]

 

Para o educador, há muitos mistérios e poucas teorias generalizáveis ou pautáveis de sucesso. Educar é sempre um investimento de altíssimo risco! Não basta aplicar uma teoria ou método miraculoso. Para a educação vale o mesmo que para a leitura: não se trata de um simples processo de codificação e decodificação, de uma questão de domínio da gramática do saber como querem alguns professores, para a qual bastasse um clicar na tecla “enviar”.

 

De acordo com  Blikstein,

 

O conhecimento da gramática  é apenas um dos meios para  chegarmos a uma comunicação correta, mas  não é um fim  em si mesmo. Ao escrever, não devemos ficar   obcecados em demostrar erudição  e cultura  gramatical. Se quisermos  escrever   bem, isto é, de modo eficaz, devemos dirigir a nossa preocupação  para a três   funções básicas  (da comunicação), produzir resposta, tornar comum e persuadir.(Blikstein, 1985: 23)[3]

 

Apesar do conceito ser amplamente adotado, que ensinar é “ transmitir” de informações. Será possível assim "passar" conhecimentos, como se fossem arquivos de computador? Será que a educação se completa quando os alunos "captam" informações? No entanto, essa metáfora, da “transmissão” do “passar” conhecimento é muito popular entre os educadores.

 

Outro aspecto interessante é a forma de avaliação, totalmente limitada ao nível conceitual, sendo aferida por uma resposta induzida.

 “Compreender, na perspectiva  discursiva, não é, pois, atribuir um sentido, mas conhecer os mecanismos pelos quais se põe em jogo  um determinado processo de significação (Orlandi, 1993:  117). [4]

 

O professor do nosso exemplo não estava muito interessado nos mecanismos de aprendizagem e muito menos na diferença específica do aluno, mas somente em respostas positivas às suas expectativas.

 

Mas o equívoco fundamental nessa relação de comunicação não se limita ao significado dos termos “ensinar” e “aprender”. Há toda uma postura ética equivalente. O professor recaiu na arbitrariedade ideológica, determinando previamente e sem contexto, o sentido que atribui à palavra e fazendo pouco caso, tanto do sentido mais universal das palavras, quanto da pessoa dos alunos. Não devemos esquecer que " comunicação"  traz implícito no termo a idéia de algo comum, tanto no sentido de algo compartilhado ou participado (o que exige do professor certo grau de empatia), quanto no sentido de simples. Se atentarmos para a origem etmológica de simplex, notaremos que a palavra significa “sem plicas”, ou seja, sem dobras, plano, claro, sem com-plicações. Ser e tornar as coisas simples é uma das habilidades e compromissos éticos que todo professor deve assumir. Como já dizia Rogers,

 

...  o fim da educação ... é facilitar a mudança e a aprendizagem... facilitar a aprendizagem reside em certas qualidades de atitude que existem na relação pessoal entre o facilitador e o aprendiz. [5]

 

Perguntamo-nos, assim, que contribuição a lingüística pode trazer para facilitar a aprendizagem, no sentido de ajudar o educador a melhor explicitar os conceitos fundamentais e traduzi-los para a prática de sala de aula?

 

Educação e Sentido

Podemos buscar alguma luz para o mistério da relação entre a linguagem e a educação no insuspeito conceito bíblico de Logos. Reza a Bíblia que “ No princípio era o Logos, e o Logos estava com Deus e o Logos era Deus.” (João 1:1).

 

A palavra tem várias acepções esclarecedoras para a relação entre educação e linguagem. A primeira delas é a de verbo, ou seja, da palavra proferida por Deus na Criação: “ Haja luz...” A Segunda é a do próprio Filho de Deus, Cristo, que é, não por acaso, também chamado de “Verbo encarnado”. Outra acepção é a de intimidade revelada por Deus na criação específica do homem, através do seu “sopro divino”. E finalmente, Logos também é sinônimo de ratio, ou seja, sentido, lógica de funcionamento de um ser, conforme um projeto “bolado” na mente de alguém. Assim, os ingredientes usados por Deus na criação do mundo foram Linguagem e Sentido, com uma pitada especial, no caso do homem, do ingrediente principal: amor.

 

Pedagogia e Lingüística

Como podemos ver no exemplo acima, grande parte dos desafios do educador passa pela questão da linguagem. E os aspectos abordados nos levam a outra grande questão: como pode o professor orquestrar essa variedade de significados? Que tipo de diálogo privilegiar com o aluno? Que linguagem utilizar para provocar nele esse tipo de compreensão abrangente e, ao mesmo tempo profunda das coisas? Essa problemática evidencia-se no trabalho de tradução. Todo tradutor sabe como é difícil manter um sentido, apesar da variedade do contexto. E,  o  que é um educador, se não um “tradutor” de significados? Ser um trans-dutor é muito diferente de um simples “transferidor”. Um transmissor não pensa, só executa, enquanto para o tradutor, não há um método único, e nem sequer um caminho seguro, mas as melhores traduções são aquelas baseadas em muito diálogo e reflexão. E o diálogo urgente a que nos propomos aqui, é aquele entre educação e linguagem.

 

Intercambiando esforços

A pouco explorada importância da linguagem na educação, tem gerado inconsistências nos discursos do campo de educação: na década passada enfatizava-se a denúncia do elitismo, da massificação e a valorização das capacidades individuais.

Uma das poucas linhas de pesquisa que continuaram férteis foi a de estudo do papel da linguagem na educação (podemos citar os estudos do e relacionado ao famoso autor russo Vygostky e seu companheiro, Luria, os pensadores da Escola de Frankfurt, e os discípulos de Piaget, além de vários autores brasileiros, que estão desenvolvendo estudos nesta área). Não por acaso temos observado hoje uma busca pela identidade e unidade do campo educacional, através de discussões em torno de um Projeto Pedagógico, Parâmetros Curriculares Nacionais, Planos de “Uma Escola Só para Todos”, etc.

 

Contudo, os nexos com a linguagem estão por toda a parte. Por exemplo, o " ensino" é considerado na atual LDB 9394/96 (§ 1º do art. 1º) o principal meio educacional. No art. 3º, são explicitados seus princípios: igualdade, liberdade, pluralismo, tolerância, gratuidade em estabelecimentos públicos; valorização do educador, gestão democrática, qualidade e associação a práticas sociais. É destacado ainda como meio de união entre teoria e prática (art.35º) e de estímulo aos estudantes, adotando uma metodologia (art. 36º). Trata-se ainda de uma forma de "comunicar o saber" (art. 43º). Em outro momento (art 4º), a lei se refere ao ensino como um direito do cidadão e um dever do Estado. Mas, na maioria das vezes, a palavra " ensino" é o prefixo para distinguir os níveis, modalidades e sistemas que compõe a estrutura escolar.

Embora não com a mesma freqüência, a palavra "aprender" (e seus derivados) também ocorre nos mesmos contextos que a palavra "ensinar" (e seus derivados), exceto quanto a ser um meio. A aprendizagem não é um meio, e sim, um processo (art. 23º). A relação é tão importante que se criou até um termo novo " ensino-aprendizagem", empregado duas vezes no texto da lei (art. 5º e 42º).

 

Alegria e Ensino

Nesse contexto, o catedrático de literatura medieval e renascentista de Oxford e Cambridge, C.S. Lewis, muito contribui para esse debate, com o seu estudo do fenômeno de “entropia” ou lei da depreciação do sentido das palavras.

 

De acordo com a sua filosofia, sempre que tratamos de assuntos complexos (como praticamente todos as questões educacionais) é preciso distinguir os níveis da discussão ou o sentido que se está atribuindo aos termos, que são, no mínimo dois: o nível mais essencial e o nível secundário ou relativo.

 

Tomemos a palavra happiness ou joy, por exemplo, sobre a qual o autor comenta: “Chamo-o Alegria, que aqui é um termo técnico e precisa ser agudamente distinguido tanto de Felicidade quanto de Prazer”.[6] A  palavra happiness, no inglês, guarda relação tanto com happy, quanto com happen e per hapst. Qual será a relação primária? Todos conhecemos bem o sentido da alegria. Embora não saibamos bem como defini-la e distinguí-la muitas vezes do outro conceito correlato, o da felicidade, contudo, temos facilidade de reconhecê-la e senti-la quando ela ocorre. Alegria é algo que simplesmente acontece. Não a "planejamos", por assim dizer. O planejamento demasiado pode até vir a estragá-la, ao contrário da felicidade, que pode e deve ser intencional (por outro lado, muitas vezes, se tanto meramente desejamos a felicidade, de tanto querer, deixamos a felicidade escapar entre os dedos) . Feliz é aquele que leva a bom termo um projeto.

 

Por outro lado, o que unifica o  a felicidade ao estar alegre (happy) é que ela não seja algo que acontece sempre ou garantidamente. Daí que a relação com per hapst, no pareça secundária, pois parte do pressuposto de que ela acontece. Não se pode obrigar ninguém a estar alegre ou ser feliz. Trata-se de um evento que pode acontecer ou não.

 

Apesar do conceito de alegria não ter aparentemente nada a ver com a educação e muito menos com a escola, o autor faz constantes referências a ela ao longo da narrativa da sua peregrinação em busca da alegria, como podemos observar nos seguintes trechos:

 

"Quando entrávamos na escola às nove da manhã, cada um pegava a sua lousa e começava a fazer cálculos. Logo depois, éramos chamados a ´recitar a lição´. Terminado isso, cada um voltava ao seu lugar e fazia mais cálculos - infinitamente. Assim, todas as outras artes e ciências surgiam como ilhas (na maioria, ilhas rochosas e perigosas).[7]

Naquela escola eu sabia que a maioria dos meninos não aprendia nada, e que nenhum deles aprendia muito.[8]

Se em cada geração os pais sempre, ou freqüentemente soubessem o que acontece de verdade nas escolas dos seus filhos, a história da educação teria sido muito diferente.[9]

 

Nas páginas seguintes, Lewis narra ainda seu processo de amadurecimento de cético, questionador e ateu, para teista e, finalmente, já na fase adulta, para cristão " autêntico“.

 

Com isso o autor parece querer nos dizer que, antes de lidar com os assuntos complexos da vida, devemos aprender a distinguir o essencial do que é secundário e saber estabelecer pontes entre esses níveis hierárquicos, para não perdermos a visão do conjunto. Essa postura aberta e equilibrada, é a um tempo a metodologia por ele adotada e a melhor condição para propiciar uma real aprendizagem.

 

Graças a essa postura podemos concluir do testemunho vivo deste velho professor que, por mais negativa que possa ser, num primeiro momento, toda experiência de vida é educadora. Através dela podemos aprender tudo, inclusive a ensinar. Ela, a experiência viva, é que é o verdadeiro "mestre".

 

Como já dizia Guimarães Rosa, “Mestre não é aquele que ensina, mas aquele que, de repente, aprende...” Ou seja, mestre não é o que reproduz, transmite ou passa conhecimento, mas aquele que é humilde o suficiente para aprender, com a vida, a gerenciar experiências, que, se tudo correr bem, acontecem, eu diria quase que "apesar do professor", nesse velho e conhecido espaço vivo chamado sala-de-aula. Por outro lado, essas experiências só podem realizar-se por completo, quando transcendem esse mesmo espaço. Do contrário, perderão o sentido para o aluno e com isso, perdem também a chance de real aprendizagem.

 

O ensino, assim, nada mais é do que a conseqüência natural e repentina de uma busca que deu certo (mas que poderia muito bem não Ter dado): a busca pela educação.

Pode-se dizer até que o melhor método didático para a aprendizagem efetiva é o da transposição, ou seja, de transporte, tradução de significados para fora de um contexto e "encarnação" em outro contexto diferente, sem danos ao sentido total.

 

É interessante, nesse sentido, lembrar o significado de ensinar em hebraico, vem de uma antiga tradição, chamada “ hannuk”, que consistia em passar óleo no palato do bebê recém-nascido, estimulando-o a mamar sem qualquer dificuldade, ou seja, preparar ou treinar a criança para receber alimento sólido, vida e prazer.

 

O processo de transposição ou encarnação de conceitos vivos pode ser muito estimulado ainda por atividades como quando contamos um conto-de-fadas ou quando interpretamos uma parábola; quando resolvemos um problema algébrico, analógico ou probabilístico; quando jogamos um jogo educativo; etc. Não por acaso experiências milenares e “educativas por excelência” como essas, que combinam tão pouco com o “espírito do tempo”, são periodicamente revitalizadas nos meios educacionais (daí que, todos esses métodos da chamada “aprendizagem vivencial” são alternativas viáveis para enfrentamento dos desafios da educação na atualidade).

 

Como dizia Lewis em The Weight of Glory (O Peso da Glória), o problema do homem de hoje não é o excesso de prazeres e luxúria e sim, a incapacidade de distinguir o que é essencial do secundário. Assim deixa de valorizar as coisas e os momentos da vida que o valem de fato, contentando-se muitas vezes com migalhas... De acordo com o Dr. Thomas Howard (autor de vários livros, entre os quais uma biografia de Lewis), enquanto acadêmico e professor (scholar), Lewis nunca defendeu coisas materiais como livros, em si  mesmas, nem mesmo os clássicos. Valorizava, isso sim, as mentes vivas por detrás dos textos. Para que sejam bons, os livros devem refletir o caráter do autor, através de um estilo claro, humilde, rico em imagens e capacidade de síntese. Assim, como apologeta, Lewis foi um grande crítico do espírito moderno e sua tendência de, por um lado deshumanizar e coisificar o homem e, em contrapartida, relativizar ou tornar subjetivos, principalmente os valores humanos. Nos seus escritos, Lewis respeita a racionalidade do leitor e o fato de que o hábito da reflexão mais profunda não é algo espontâneo, muito menos fácil nesses tempos de stress e correria e decrescente hábito de leitura.

 

 

E quanto à relação entre os verbos “ensinar” e “aprender”? É interessante notar que não existe essa distinção no inglês, por exemplo. O verbo to learn pode ser usado tanto para o estudo, quanto para o ensino e a aprendizagem dele resultante. Aliás, learning é sinônimo de knowledge, (conhecimento), erudition (erudição), information (informação), education (educação), science (ciência), wisdom (sabedoria), scholarship (ser acadêmico), lore  (lição),  understanding (compreensão). "Aprender" em português é, no máximo, sinônimo de estudar, conhecer e instruir-se.

 

De fato, no inglês, a aprendizagem é mais utilizada para designar o ensino, do que teaching. Por exemplo, uma instituição de ensino é denominada Learning Organization (e não teaching...), o processo de ensino-aprendizagem chama-se learning process. Método de estudo é learning method, etc.

 

A partir deste pequeno esforço de tradução e interpretação, pudemos notar uma diferença de uma postura focada no ensino-transmissão e outra, na aprendizagem e no conhecimento objetivo, o que está intimamente relacionado à cultura. [10]Como autora de um trabalho acadêmico sobre o que se tornou seu clássico da literatura infanto-juvenil, O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, da série de contos As Crônicas de Nárnia (recentemente relançadas pela Editora Martins Fontes), empenho-me hoje na difusão da literatura de escritores considerados clássicos, no Brasil. Para isso, inspiro-me em alguns dos objetivos da C.S. Lewis Foundation, sediada na Califórnia, e que organizou as comemorações do centenário de sua morte em Oxford e Cambridge em 1998 e por nós sintetizadas nos seguintes tópicos:

 

1.) A reconstrução de personalidades, da identidade e do espírito acadêmico entre estudantes e professores. Se não houver cura das memórias e reconstrução de uma visão clara e desimpedida do sonho da universidade, continuaremos condenados à viver a fome intelectual e cultural que vivemos hoje, além da espiritual.

2.) Ministrar e coordenar palestras, mesas-redondas e seminários em entidades, universidades e faculdades, discutindo temas de interesse geral não apenas de estudantes, mas também de todos os interessados na manutenção e renovação do espírito acadêmico expresso nos Great Books.

3.) Contribuir para a re-construção do verdadeiro espírito universitário.[11]

 

Esses objetivos são ainda mais importantes, se considerarmos o mundo de hoje, que se queixa da falta de grandes pensadores e grandes idéias, capazes de reunificar os fragmentos de tantos paradigmas quebrados, dando um norte ao tão falado processo de globalização não apenas da economia, mas também da cultura e dos valores humanos.

 

Diante do cenário de mudanças bruscas que vivemos hoje, uma das habilidades exigidas do educador, constantemente desafiado pelas inovações teóricas e práticas de sala-de-aula, e talvez até, uma das mais importantes, é a de aprender a lidar com a diferença, sem danos à unidade do esforço pedagógico. A descontinuidade e instabilidade que se pode observar dentro e fora do contexto escolar reflete os paradoxos inerentes à fragmentação e desigualdade (que, aliás, também manifesta uma crescente busca pela tal da "globalização") predominantes no mundo de hoje.

 

Considerações Finais:

 

Podemos afirmar então, que a educação de hoje sofre da falta de uma nomenclatura ou tábua de conceitos coerente e consistente, capaz de sustentar a união de esforços em torno de projetos comuns, o que parece ser um reflexo da falta de coerência entre posturas educacionais divergentes e mal orquestradas.

A partir daí, podemos concluir a necessidade de um esforço por aproximar os diferentes termos, adotados em diferentes culturas para os mesmos fenômenos educacionais, buscando esse referencial universalizável, que possa criar o espaço necessário para viabilizar um projeto educativo interdisciplinar.

 

O primeiro passo para tanto é o de criar nos educadores de hoje, o bom hábito da tradução e análise de conteúdo dos textos e discursos com os quais se confronta no seu dia-a-dia, num esforço que unifique educadores e lingüistas num projeto de melhoria global da educação voltado para o novo milênio.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

AMADO, Gilles e GUITTET, André  A Dinâmica da Comunicação nos Grupos.  Trad. Analúcia  T. Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar,  1978.

 

BORDENAVE, Juan Díaz e PEREIRA, Adair Martins. Estratégias de Esnsino-Aprendizagem. 10ª ed. Petrópolis: Ed. Vozes1988.

 

EDWARDS, Bruce L.  Taste Of The Pineapple: Essays On C. S. Lewis As Reader, Critic, And Imaginative Writer. Bowling Green, OH: Bowling Green State University Popular Press, 1988.

 

LEWIS, C.S., Surprised by Joy.  New York:  Harcourt Brace, 1954. (Lançado em português pela Editora Mundo Cristão, com o título Surpreendido pela Alegria.)

 

MEDEIROS, João Bosco de. Redação Científica. 3ª ed. São Paulo: Atlas,  1997.



[1]AMADO, Gilles e GUITTET, André  A Dinâmica da Comunicação nos Grupos.  Trad. Analúcia  T. Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar,  1978, p.  46-47.

[2]BORDENAVE, Juan Díaz e PEREIRA, Adair Martins. Estratégias de Esnsino-Aprendizagem. 10ª ed. Petrópolis: Ed. Vozes1988, p.59

[3]MEDEIROS, João Bosco de. Redação Científica. 3ª ed. São Paulo: Atlas,  1997,  p. 178.

[4] Idem, p. 132.

[5] BORDENAVE, Juan Díaz e PEREIRA, Adair Martins. Estratégias de Esnsino-Aprendizagem. 10ª ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 1988, p.39.

[6]LEWIS, C.S., Surprised by Joy.  New York:  Harcourt Brace, 1954, p25. Lançado em português pela Editora Mundo Cristão, com o título Surpreendido pela Alegria.

[7]Idem, p.35.

[8]Idem, p.36.

[9] Idem, p.37.

[10] Aliás a dimensão antropológica das concepções ligadas à área educacional, revelada pelo uso da linguagem, é igualmente pouco explorada e precisa ser priorizada, se pretendemos levar a sério os compromissos universais da humanidade (com os direitos humanos, com a educação e com o meio ambiente, por exemplo).

 

[11]Consideramos clássicos todos aqueles autores que, como Josef Pieper, ao qual dedicamos outro trabalho, perguntam-se a respeito de conceitos essencialíssimos do homem, como  por exemplo, “O que é acadêmico?” . Pieper defende que o espírito universitário tem a mesma estrutura do próprio filosofar, ou seja, o da atitude reflexiva e aberta para a totalidade do real.