TERMINOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO DAS VOGAIS DE CÂMARA JR. Jr

Graziela Lemme de Menezes[1]

1. INTRODUÇÃO: A DIVISÃO DOS SONS DA LINGUAGEM EM VOGAIS E CONSOANTES É PERTINENTE?

            Antes de apresentarmos a classificação dos fonemas vocálicos do Português de CÂMARA JR. Jr., julgamos ser interessante retomarmos uma discussão, aliás muito bem apresentada por Georges STRAKA (1979), acerca da divisão dos sons da linguagem em vogais e consoantes. Tendo em vista que esta dicotomia é aceita e empregada até os dias de hoje, sem nos darmos conta de suas origens históricas e teóricas.

            Este autor alerta para o fato de que tal divisão, apesar de ser muito antiga, remonta aos filósofos gregos, mais precisamente Platão e Aristóteles, nem sempre foi aceita incondicionalmente.

            A divisão dos sons da linguagem em vogais e consoantes, para esses filósofos, tinha por base critérios de audibilidade e não uma base fisiológica. Assim, as vogais correspondiam aos elementos audíveis, enquanto as consoantes aos não audíveis; as semi-vogais pertenciam a um grupo intermediário de audibilidade. Na verdade, o grupo dos elementos não audíveis era composto pelo que, hoje, conhecemos como consoantes oclusivas.

            Posteriormente, os epicuristas e os estóicos adotaram um “ponto de vista mais lingüístico” para dividir os sons da linguagem em vogais e consoantes, critério esse que era o da função do elemento sonoro nas palavras e nas sílabas. Esta segunda classificação apresentada pelos gregos foi adotada pelos gramáticos latinos, que passaram a empregar os termos vocales e consonnantes para designar, respectivamente, os elementos que podem criar sílabas ou mesmo palavras em oposição aos elementos que não podem “soar”, formar sílaba, nem tampouco palavra, sem a “colaboração” das vocales. É essa terminologia que, até hoje, é utilizada, ou seja, a oposição vogais ~ consoantes.

            No século XIX,  a descoberta do sânscrito e dos trabalhos dos gramáticos hindus revelaram que estes gramáticos adotavam “(...) le principe de classification fondé sur les conditions physiologiques de productions des sons: sur la sonorité, sur le degré d’overture des organes articulatoires et sur le lieu d’articulation” (STRAKA, 1979: 60).

            Podemos perceber, então, que a classificação tradicional dos sons da liguagem que hoje é utilizada e ensinada tem por base a combinação da classificação greco-latina e dos trabalhos dos gramáticos do século XIX, baseados nos estudos hindus.

            Explicando melhor,

 

“C’est donc à la suite d’une combinaison de deux points de vue très differents, combinaison parfois maladroite, mais reflétant le respect des traditions gréco-latines en même temps que le désir du XIXe siècle de saisir la réalité physiologique, que la classification actuelle des sons du langage présente un mélange de notions et des termes articulatoires et auditifs. C’est de là que vient aussi l’inconséquence avec laquelle on superpose à des catégories d’ordre physiologiques les deux principales catégories – voyelles et consonnes – qui prétendent être à la fois d’ordre auditif et fonctionnel” (STRAKA, 1979: 61).

 

            STRAKA conclui o seu trabalho afirmando que existe, efetivamente, um limite rígido entre vogais e consoantes, pois “(...) chacun de ces deux groupes de phonèmes est parfaitement caracterisé par un trait distinctif qui l’oppose nettement à l’autre” (STRAKA, 1979: 114).

            O critério que levou a esta primeira divisão dos sons da linguagem, ou seja, o critério da observação auditiva empregado pelos gregos, apesar de não ser suficiente, mostrou-se eficaz, pois, séculos mais tarde, estudos fisiológicos e anatômicos justificaram tal oposição.

            Assim,

 

 

 

“(...) les résultats d’examens anatomiques et physiologiques des muscules intéressés à l’articulation convergent tous vers une même conclusion, à savoir que l’essentiel du travail articulatoire fourni pour les voyelles (et pour h) et le travail articulatoire fourni pour les consonnes ne epuvent pas être exécutés par les mêmes muscles, mais par deux groupes de muscles anatagonistes. Voilà une raison suffisante pour conserver la répartition des phonèmes en deux groupes, vocalique et consonantique” (STRAKA, 1979: 114-115).

 

1.1 PRINCÍPIOS TEÓRICOS DA CLASSIFICAÇÃO DOS FONEMAS DE CÂMARA Jr.

 

 

            Para este trabalho, baseamo-nos, principalmente, em duas obras do autor: a primeira, é a sua tese de doutoramento, na qual ele expõe e defende as suas concepções teóricas e, a segunda, é uma obra feita “por encomenda”, isto é, a convite de seu editor[2], e que tem como um de seus objetivos, o de “(...) criar uma descrição da língua portuguesa (...)” (CÂMARA Jr., 1986: 7), “criação” essa que é largamente utilizada nos cursos de graduação em Letras.

            A primeira abordagem sobre o tema em questão, a classificação dos fonemas do português, encontramos, então, na citada tese de doutoramento de CÂMARA Jr., Para o Estudo da Fonêmica do Português, apresentada à Faculdade de Filosofia, da então chamada Universidade do Brasil, em 1949.

            Nesta tese, o autor procura aplicar à língua portuguesa as orientações teóricas desenvolvidas pelo Círculo Lingüístico de Praga (CLP), a partir de 1926 (CÂMARA JR. Jr., 1977: 11), e, mais precisamente, os preceitos da Escola Norte-Americana de Sapir e Bloomfield.

            Aliás, da Escola Norte-Americana, ele toma emprestado o temo “fonêmica” (phonemics, em inglês), que é, como nos revela o próprio autor, “(...) a teoria geral fonêmica, ou pelo menos, (...) o levantamento dos fonemas de uma língua” (CÂMARA Jr., 1977: 16) – precisamente, o que este lingüista se propõe a fazer na sua tese. De outro lado, então, temos phonology (ou fonologia), que trata da descrição “(...) sônico-gramatical de uma determinada língua” (CÂMARA  Jr., 1977: 16).

            Uma primeira distinção é então estabelecida: refere-se à oposição entre fonética e fonologia, ou, como prefere CÂMARA Jr., entre fonêmica e fonologia. Assim,

 

 

“A nova fonologia vê nos sons da língua elementos da constituição das palavras com uma função gramatical nítida, e procura estudá-los neste sentido, destacando-a da fonética, uma disciplina integralmente lingüística e contrastando-a com aquela, que estuda os sons da fala como meros produtos de física acústica e fisiologia articulatória” (CÂMARA Jr., 1977: 14).

 

 

            Neste novo quadro teórico-metodológico, que delimita as fronteiras das duas ciências, fonética e fonologia, impõe-se uma noção fundamental, que é a noção de sistema, ou seja, os elementos da língua têm valor enquanto unidades opositivas, relativas e negativas.

            A pesar das diferenças que aparentemente possam existir entre as Escolas, elas têm, em comum, como ponto de partida, as idéias de Saussure. Uma dessas idéias é o próprio conceito de FONEMA: “(...) os fonemas são elementos da matéria fônica de um vocábulo, se caracterizam (...) pela circunstância de não se confundirem entre si” (CÂMARA JR., 1977: 26-27). Com tal definição, a noção de sistema pode ser também aplicada aos “sons” vocais.

            Assim, o papel funcional do fonema passa ao primeiro plano, e os seus caracteres acústicos e articulatórios tornam-se secundários, pois não são, primordialmente, eles que definem o fonema, mas apenas contribuem para tal operação.

            Bloomfield (1933) deu um passo a frente e definiu o fonema como um “feixe de traços distintivos”. 

 

“Esses traços assim distintivos se relacionam para atuar juntos na unidade superior, significativa­mente indivisível do fonema. (...) Os fonemas não são os sons, mas apenas os conjuntos de certos traços nos sons que o sujeito falante se exercitou a produzir e reconhecer no contínuo da fala (...)” (CÂMARA JR., 1977: 31).

 

 

            Esta última concepção de fonema foi a adotada tanto pelo CLP, como pela Escola Norte-Americana, apesar de a anterior, funcionalista, não ter sido abandonada. Ao contrário, ambas caminham juntas.

            Essas novas concepções do fonema implicam na retomada da delimitação dos papéis da fonética e da fonologia (ou fonêmica). Cabe a esta última depreender os “traços distintivos dentre todos os que a fonética nos faz conhecer” (CÂMARA JR., 1977: 35).

            A partir deste ponto, definidos os objetos destas ciências, resta estabelecer em que termos serão depreendidos os traços distintivos de uma língua. Alguns estudiosos, tais como BLOCH e TRAGER, citados por MATTOSO CÂMARA (1977), adotam critérios articulatórios; outros acreditam que a análise acústica seria o melhor caminho, pois é esta impressão, a acústica, a principal no reconhecimento dos fonemas. Já JAKOBSON procurou unir as duas análises.

            Com esta pequena introdução, tentamos precisar as bases de CÂMARA JR., no que se refere à classificação dos fonemas do português, bem como a fonte da terminologia empregada por este autor e a sua origem. Com isso, talvez, tornem-se mais claras algumas das imprecisões terminológicas que encontramos em sua obra e, também, a utilização ora de caracteres articulatórios, ora de caracteres impressionistas na depreensão de fonemas.

 

2. OS FONEMAS DO PORTUGUÊS

2.1 OBSERVAÇÕES PRELIMINARES

 

            Antes de iniciar a sua classificação, CÂMARA JR. (1977) chama atenção para alguns fatores que devem ser levados em consideração. Talvez os mais importantes devam-se às chamadas variantes, ou seja, o fato de o sistema fonêmico ser “instável e cambiante”: muda no tempo e no espaço; varia de acordo com as divisões regionais e sociais; varia também em relação às situações (formais, familiares e coloquiais).

            Partindo desses possíveis fatores que interferem no sistema fônico, CÂMARA JR. delimita sua classificação dos fonemas à norma culta (ou variedade coloquial tensa) falada no Rio de Janeiro.

 

2.2 O SISTEMA DE VOGAIS

 

            A língua portuguesa apresenta, segundo o autor em pauta, uma nítida divisão entre vogais e consoantes em seu sistema fonêmico[3] (CÂMARA JR., 1977: 50).

            Outro aspecto ressaltado é que,

 

“Para a orientação fonêmica (...), o que interessa são as qualidades fonéticas (certos movimentos articulatórios e conseqüentes efeitos auditivos) que funcionam como traços distintivos das formas lingüísticas. Para as vogais portuguesas, a presença do acento (ou particular força expiratória) na emissão constitui a circunstância ótima para caracterizá-las. A posição tônica é que nos dá em sua nitidez e plenitude os traços distintivos vocálicos” (CÂMARA JR., 1994: 22) [Grifos nossos].

 

            Nas posições átonas, “(...) certas oposições que, em posição tônica, têm valor distintivo se suprimem ou desaparecem” (CÂMARA JR., 1994: 22). É por este motivo que a classificação geral dos fonemas vocálicos do português deve partir da posição tônica.

            Os traços distintivos adotados em sua tese, para se ter o quadro geral dos fonemas vocálicos do  português, são os seguintes: “(...) a localização articulatória, o abrimento bucal e o arredondamento ou não-arredondamento dos lábios” (CÂMARA JR., 1977: 57). Sendo que

 

 

“O primeiro e o terceiro traço complementam-se para constituir duas séries de fonemas em contraste complexo: de um lado, os de articulação na parte anterior da boca, em que não há arredondamento dos lábios (/è/ - /e/ - /i/) - /y/); de outro lado, os de articulação na parte posterior da boca, com o arredondamento dos lábios (/ò/ - /o/ - /u/ - /w/). (...) A vogal /a/ fica fora de ambas, como fonema não-arredondado, de articulação bucal levemente anterior. É o único que não tem um membro opositivo com os dois traços contrários, como vemos nos pares /è/ - /ò/, /e/ - /o/, /i/ - /u/, /y/ - /w/” (CÂMARA JR., 1977: 58).

 

 

            Quanto ao segundo traço distintivo, o abrimento bucal, “(...) cria dentro de cada série uma oposição gradativa de fonema mais aberto para menos aberto” (CÂMARA JR., 1977: 58). Temos, então, quanto ao grau de abertura, do maior para o menor, as seguintes séries: /a/ - /è/ - /e/ - /i/ (quatro graus); /ò/ - /o/ - /u/ (três graus).

 

VOGAIS TÔNICAS

                                    Anteriores         Posteriores

ALTAS

/i/

 

 

          /u/

MÉDIAS 2O GRAU

/e/

 

 

     /o/

MÉDIAS 1O GRAU

 

/é/

 

/ó/

BAIXA

 

 

/a/

 

                                   NÃO-ARRED.

ARRED.

Quadro 1: Vogais Tônicas

 

            Em posição átona, há alterações neste quadro por conta do fenômeno chamado de NEUTRALIZAÇÃO[4].

            Em primeiro lugar, desaparecem as oposições entre /é/ e /e/ e entre /ó/ e /o/, permanecendo o segundo elemento de cada um desses pares.

            Para CÂMARA JR., o motivo da redução das oposições é uma enunciação fraca.

 

VOGAIS ÁTONAS EM GERAL

                                      Anteriores       Posteriores

ALTAS

/i/

 

 

          /u/

MÉDIAS 2O GRAU

/e/

 

 

     /o/

MÉDIAS 1O GRAU

 

-

 

-

BAIXA

 

 

/a/

 

                                   NÃO-ARRED.

ARRED.

Quadro 2: Vogais Átonas em Geral (Pretônicas)

 

            A neutralização ocorrerá em toda série no caso das vogais átonas finais, seguidas, ou não, de /s/. Neste caso, a enunciação é ainda mais fraca que no caso anterior, pois a posição em que se encontram essas vogais é muito débil, nas próprias palavras de CÂMARA JR.

 

VOGAIS ÁTONAS

                                         Anteriores     Posteriores

ALTAS

/i/

 

 

          /u/

MÉDIAS 2O GRAU

-

 

 

     -

MÉDIAS 1O GRAU

-

 

 

-

BAIXA

 

 

/a/

 

                                   NÃO-ARRED.

ARRED.

Quadro 3: Vogais Átonas em Certas Posições

                 (Átonas Finais)

 

 

            Finalizando a sua classificação, o autor faz uma interpretação fonêmica das vogais. Para ele, “(...) os fonemas vocálicos são apenas 7 (...), constituindo um quadro que só funciona completo em posição tônica. As realizações de posição átona são alofones, decorrentes do ambiente prosódico em que se acham” (CÂMARA JR., 1977: 63).

 

2.2.1 VOGAIS NASAIS

            CÂMARA JR.  explica que há dois tipos de nasalidade. O primeiro é o que ocorre em línguas como o português, caracterizado “(...) por uma emissão nasal para as vogais muitas vezes” (CÂMARA JR., 1994: 24). O segundo tipo, ocorre nas “(...) demais línguas românicas, o que a fonética apurada registra é uma leve nasalação de uma vogal em contato com uma consoante da sílaba seguinte, no mesmo vocábulo” (CÂMARA JR., 1994: 24-25). O autor insiste no fato de que são dois fenômenos distintos; o segundo tipo não distingue formas e, por isso, não tem natureza fonológica.

                        Em seguida, nesta mesma obra citada, encontramos alguns exemplos da língua portuguesa: em junta ~ juta; cinta ~ cita; lenda ~ leda, temos  o primeiro tipo de nasalidade, ou seja, existe uma oposição ao nível da língua e, portanto, fonológica.

            Numa outra série de exemplos, cimo, uma, tema, o que se observa é uma nasalação da primeira vogal do vocábulo pela presença contígua de uma consoante nasal. Neste caso,

 

“(...) o falante tende a antecipar o abaixamento do véu palatino, necessário à emissão nasal da consoante se­guinte, e emite já nasalada a vogal precedente. Aí não há oposição entre a vogal nasalada e a vogal, também possível, no mesmo vocábulo, sem a nasalação. Com uma nasalação ou sem ela aparecerão sempre as mesmas formas vocabulares (cimo, uma, tema etc.)”(CÂMARA JR., 1994: 25).

2.3 A CLASSIFICAÇÃO APRESENTADA NA OBRA ESTRUTURA DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE 1970

 

 

            Vinte anos após a publicação de sua tese, CÂMARA JR. propõe uma outra classificação para as vogais do português, numa perspectiva mais ampla, ou seja, não restrita apenas ao português do Rio de Janeiro, pois, neste livro, o autor tem um propósito de descrever a língua portuguesa como um todo.

            Aqui o autor volta a mencionar que é a posição tônica a ideal para se deduzir as vogais distintivas do português. E propõe também um sistema de forma triangular, uma vez que há, no português,

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“(...) uma série de vogais anteriores, com um avanço da parte anterior da língua e a sua elevação gradual, e outra série de vogais posteriores, com um recuo da parte posterior da língua e a sua elevação gradual. Nestas há, como acompanhamento, um arredondamento gradual dos lábios. Entre umas e outras, sem avanço ou elevação apreciável da língua, tem-se a vogal /a/ como vértice mais baixo de um triângulo de base para cima”  (CÂMARA JR., 1986: 41).

VOGAIS TÔNICAS

                               Anteriores  Central Posteriores

ALTAS

/i/

          /u/

MÉDIAS 2O GRAU

/e/

     /o/

MÉDIAS 1O GRAU

/é/

/ó/

BAIXA

/a/

                                   NÃO-ARRED.

ARRED.

Quadro 4. Vogais Tônicas

 

            Após a classificação das vogais tônicas, CÂMARA Jr. alerta para o fenômeno da alofonia que ocorre nas posições átonas, e o que caracteriza  essencialmente as posições átonas é a redução do número de fonemas, ou seja, ocorre a neutalização. “O ponto mais impressivo da alofonia é o desaparecimento da vogal central baixa levemente anterior (clara ou não-escura), que passa a abafada, ou seja, levemente posterior” (CÂMARA JR., 1986: 43).

 

 

VOGAIS PRETÔNICAS

                               Anteriores  Central Posteriores

ALTAS

/i/

 

 

          /u/

MÉDIAS 2O GRAU

/e/

 

 

     /o/

MÉDIAS 1O GRAU

 

-

 

-

BAIXA

 

 

/a/

 

                                   NÃO-ARRED.

ARRED.

Quadro 5. Vogais Pretônicas

 

 

VOGAIS POSTÔNICAS

                               Anteriores  Central Posteriores

ALTAS

/i/

 

 

          /u/

MÉDIAS 2O GRAU

/e/

 

 

     -

MÉDIAS 1O GRAU

 

-

 

-

BAIXA

 

 

/a/

 

                                   NÃO-ARRED.

ARRED.

Quadro 6. Vogais Postônicas Não-Finais

 

 

VOGAIS ÁTONAS FINAIS

                               Anteriores  Central Posteriores

ALTAS

/i/

 

 

          /u/

MÉDIAS 2O GRAU

-

 

 

     -

MÉDIAS 1O GRAU

 

-

 

-

BAIXA

 

 

/a/

 

                                   NÃO-ARRED.

ARRED.

Quadro 7. Vogais Átonas Finais

 

3. COMENTÁRIOS SOBRE A CLASSIFICAÇÃO DAS VOGAIS DO PORTUGUÊS DE CÂMARA JR.

 

3.1 AS BASES METODOLÓGICAS – OBSERVAÇÕES GERAIS

 

            No início, a intenção da Escola Lingüística Norte-Americana ao adotar o termo “fonêmica” era explicitar a originalidade de seu pensamento, mas, posteriormente, este fato marcou mesmo as diferenças entre esta e a Escola Européia como um todo, pois a primeira, como já foi dito, entende phonology como o âmbito de uma ciência que descreve a relação sônico-gramatical de uma língua, enquanto phonemics designa uma teoria mais geral dos fonemas, ou ainda, o estudo e o levantamento dos fonemas de uma determinada língua.

            O levantamento e o estudo dos fonemas de uma língua devem ter por base as pesquisas da fonética articulatória ou da fonética acústica; a “escolha” depende, muitas vezes, de uma postura meramente prática, pois, apesar de muitos estudiosos reconhecerem que é a impressão acústica a mais determinante no reconhecimento dos fonemas, adotam a fonética articulatória, como o fazem os norte-americanos TRAGER e BLOCH, por ter ela pesquisas mais consolidadas (CÂMARA Jr., 1977: 35).

            No caso particular de CÂMARA JR., houve, ao que parece, a utilização ora da fonética articulatória, ora da fonética impressionista na definição dos traços distintivos, como fica claro no emprego de alguns termos feito pelo autor, baseado nesta última, tais como abafado, débil, claro/escuro etc.

 

                        Observamos uma outra peculiaridade na classificação proposta por CÂMARA JR. que merece ser citada. Trata-se da inclusão de dois “elementos assilábicos” (CÂMARA JR., 1977: 57), ou vogais auxiliares de ditongo (CÂMARA JR., 1977: 55), no sistema das vogais do português, são eles /y/ e /w/.

            Postura essa criticada pelo próprio autor, ao se referir às classificações propostas por OITICICA (1916) e NASCENTES (1946): pois são, na realidade, “(...) meros glides entre vogais, sem valor distintivo (...), ou fonemicamente irrelevantes (CÂMARA JR., 1977: 55-56) [Grifos nossos].

            Todavia, ao propor um quadro geral das vogais do português do Rio de Janeiro, CÂMARA JR. suprime essas “vogais auxiliares”.

 

“Podemos dizer, portanto, que há em português três quadros de vogais, com 7, 5 e 3 fonemas respectivamente (...):

“1) Quadro de vogais tônicas: /a/ - /é/ - /e/ - /i/ - /ò/ - /o/ - /u/

“2) Quadro de vogais átonas geral: /a/ -  /e/ - /i/ - /o/ - /u/

“3) Quadro de vogais átonas em certas posições: /a/ - /i/ - /u/” (CÂMARA JR., 1977: 59).

 

 

            Algumas páginas adiante, o autor volta ao quadro geral das vogais e diz que “(...) os fonemas vocálicos são apenas 7 (9, com os assilábicos)” (CÂMARA JR., 1977: 63), deixando o seu leitor em duvida quanto à inclusão ou não das vogais assilábicas, /y/ e /w/, no sistema fonêmico do português.

 

 

 

 

 

 

 

3.2 DEFINIÇÃO DOS TRAÇOS DISTINTIVOS

3.2.1 O LUGAR DE ARTICULAÇÃO

 

            O lugar de articulação, para a Fonética Tradicional, é o lugar que corresponde à maior elevação da língua na cavidade bucal.

            Assim, classificam-se a vogais do português, segundo o critério do lugar de articulação, como:

1. Anteriores ou palatais, quando o pré-dorso da língua encontra-se mais elevado na região pré-palatal. São anteriores as seguintes vogais: /i/, /ĩ/, /e/, /ẽ/ e /Ɛ/.

 

2. Centrais, quando o médio-dorso da língua encontra-se elevado abaixo da região médio-palatal São centrais as vogais /a/ e /ɐ̃/.

3. Posteriores ou velares, são as vogais realizadas com a elevação do pós-dorso da língua em direção à região velar. Posteriores são as vogais : /u/, /ũ/, /o/, /õ/ e /ɔ/.

            Segundo CÂMARA JR., o lugar de articulação é a região em que se dá a articulação sistente, isto é, a fase central da articulação. A partir desse critério, as vogais são classificadas em vogais anteriores ou palatais; vogais anteriores, ou palatais, arredondadas (labializadas); vogais posteriores ou velares; vogais posteriores, ou velares, não-arredondadas.

            Podemos observar, em sua tese de doutoramento que a vogal /a/ não está incluída no grupo das anteriores e, tampouco, no grupo das posteriores, como na maioria das classificações das vogais do português, com base na fonética tradicional.

 

“O primeiro e o terceiro traço [localização articulatória e arredondamento ou não dos lábios] complementam-se para constituir duas séries de fonemas em contraste complexo: de um lado, os de articulação na parte anterior da boca, em que não há arredondamento dos lábios (/è/ - /e/ - /i/) - /y/); de outro lado, os de articulação na parte posterior da boca, com o arredondamento dos lábios (/ò/ - /o/ - /u/ - /w/). (...) A vogal /a/ fica fora de ambas, como fonema não-arredondado, de articulação bucal levemente anterior.” (CÂMARA JR., 1977: 58).

 

Assim, a cavidade bucal está, aparentemente, dividida apenas em dois lugares: anterior e posterior. Esta “indefinição” é resolvida na sua obra Estrutura da Língua Portuguesa (1986), com a inclusão do traço central: “A articulação da parte anterior, central (ligeiramente anterior) e posterior da língua dá a classificação articulatória de vogais – anteriores, central e posteriores” (CÂMARA JR., 1986: 41).

 

 

3.2.2 ARREDONDAMENTO DOS LÁBIOS

 

            Como pudemos observar, ARREDONDAMENTO DOS LÁBIOS como traço distintivo dos fonemas vocálicos do português.

            Contudo, este critério só seria válido caso, como hoje se sabe que ocorre, se as vogais /a/ e /ɔ/ tivessem sido classificadas dentro do mesmo grau de abertura e lugar de articulação. Deste modo, o arredondamento dos lábios será o único traço a separar estas vogais: /a/ como vogal não-arredondada e /ɔ/ como vogal arredondada.

 

 

3.2.2 O GRAU DE ABERTURA

 

            Quanto ao grau de abertura, que se refere ao grau de abrimento entre a língua e o palato, na articulação sistente, CÂMARA JR. divide-os em quatro: vogal baixa, vogais médias de 1o grau, vogais médias de 2o grau e altas.

            Notemos que, apesar de a classificação ter separado os quatro diferentes graus de abertura que opõem-se entre si, o princípio empregado para tal divisão não parece ser o mais adequado, uma vez que temos apenas três categorias, ou seja, alta, média e baixa. Assim, o nível “médio” precisou ser dividido em dois diferentes graus, para que se pudesse dar conta da totalidade dos quatro graus de abertura das vogais do português.

 

 

3.2.1 MOVIMENTO DO VÉU DO PALATO

 

            A partir das explicações dadas por CÂMARA JR. a respeito da nasalidade em português, uma observação pode ser feita: no português existe, na verdade, os dois tipos de nasalidade: ao lado de uma realização nasal, provocada pelo contexto, isto é, uma nasalidade fonética, temos outra que opõe formas, estando, assim, ao nível fonológico.

            Todavia, a interpretação de CÂMARA JR. para estes fenômenos é outra. Para ele, o traço distintivo da nasalidade existe, sim, mas está ao nível da sílaba, tal como ocorre com os ditongos, e não ao nível do fonema como se poderia pensar.

 

 

 

“Em outros termos, a vogal nasal fica entendida como um grupo de dois fonemas que se combinam na sílaba: vogal e elemento nasal. Dentro dessa interpretação, a vogal nasal portuguesa vai figurar na descrição das sílabas, como se deve fazer para o ditongo, os grupos de consoantes e os grupos de vogal e consoante” (CÂMARA JR., 1994: 25).

 

 

            Uma das conseqüências desta interpretação – retirar a nasalidade, como traço distintivo, do nível dos fonemas da língua, colocando-a num nível superior, ou seja, ao da sílaba – talvez o ponto mais polêmico da classificação dos fonemas do português feita por CÂMARA JR. – é, de certa forma, negar o que as pesquisas em fonética experimental vêm demonstrando ao longo dos anos.

            A tese de MATTA MACHADO (1981), que tem por objeto justamente as vogais nasais do português do Rio de Janeiro, comprova cientificamente – a partir do método cine-radiográfico, que “(...) permite determinar as posições articulatórias simultâneas de todos os órgãos da fala (da laringe até os lábios, vistos de perfil num momento dado da articulação” (MATTA MACHADO, 1993: 113)  - a existência da oposição, ao nível do fonema, da nasalidade ~ não-nasalidade.

            Algumas das conclusões da pesquisa de MATTA MACHADO são as seguintes, no que se refere às vogais nasais em relação às orais

 

“1o) As vogais nasais distinguem-se das orais correspondentes pelos seguintes fatos articulatórios:

“- Abaixamento do véu do palato, que adota uma posição curva; descontraída.

“- Redução da cavidade faríngea, para as vogais [i], [e] e [õ] e aumento desta cavidade para [ɐ] e [u].

“- Contração da parede da farínge.

“- Longa duração” (MATTA MACHADO, 1993: 120).

 

 

 

 

 

4. AS VOGAIS DO PORTUGUÊS SEGUNDO A FONÉTICA TRADICIONAL

 

            O quadro abaixo é uma proposta classificatória das vogais do português, levando-se em conta os princípios da Fonética Tradicional. Com ele, acreditamos que é possível dar conta deste fonemas, do ponto de vista articulatório.

 

 

VOGAIS DO PORTUGUÊS

Grau de Abertura              Anteriores      Centrais     Posteriores

1o grau ou fechadas

/i/ /i/

 

          /u/

2o grau ou semi-fechadas

     /e/ /e/

 

/o/ /o/

3o grau ou semi-abertas

/ɛ/

 

/ɔ/

4o grau ou abertas

 

      /a/ /ɐ/

 

Quadro 9: Classificação  das Vogais do Português com base

na Fonética Tradicional

 

5. BIBLIOGRAFIA

 

MALMBERG, Bertil. Phonétique Générale et Romane: études en allemand, anglais et français. Paris: Mouton, 1971.

 

MATTA MACHADO, Mirian Therezinha da. Étude Articulatoire et Acoustique des Voyelles Nasales du Portugais de Rio de Janeiro: analyses radiocinématographique, sonagraphique et oscillographique. Tese de Doutorado. Strasbourg. Instituto de Fonética da Universidade de Strasbourg, 1981.

________.  Fenômenos de nasalização vocálica em português: estudo cine-radiográfico In MATTA MACHADO, M. (org.). Cadernos de Estudos Lingüísticos. No 25. Campinas: UNICAMP, jul/dez, 1993.

 

CÂMARA Jr., Joaquim Mattoso. Para o Estudo da Fonêmica Portuguesa. 2. ed., Rio de Janeiro: Padrão, 1977.

 

______. Princípios de Lingüística Geral: como introdução aos estudos superiores da língua portuguesa. 6.ed., Rio de Janeiro: Padrão, 1980. 

______. Estrutura da Língua Portuguesa.  16. ed., Petrópolis: Vozes, 1986.

 

______. Problemas de Lingüística Descritiva. 15. ed., Petrópolis: Vozes, 1994.

 

STRAKA, Georges. La Division des Sons du Langage en Voyelles et Consonnes peut-elle être justifiée? In Les Sons et Les Mots: choix d’études de phonétique et de linguistique. Paris: Klincksieck, 1979, pp. 59-141.



[1] Doutoranda pela Universidade Federal Fluminense.

[2] Essa obra, segundo os próprios editores, está incompleta, devido à morte deste estudioso, pois deveria ser uma gramática completa, de cunho estruturalista, da língua portuguesa.

[3]A nítida divisão de um sistema fonológico entre vogais e consoantes não é válido para todas as língua. Segundo MATTOSO CÂMARA o português está entre as línguas em que tal oposição é bastante clara. E o critério adotado por ele para estabelecer esta primeira divisão é o distributivo sugerido por TROUBETZKOY: “(...) a vogal pode ser sempre centro da sílaba e as consoantes em muitas línguas não podem ser” (TROUBETZKOY, 1939: 166 apud MATTOSO CÂMARA, 1977: 51). MATTOSO justifica a adoção deste critério para o sistema fonêmico do português, alegando que nesta língua as “(...) consoantes não têm função silábica e o núcleo da sílaba é sempre uma vogal” (MATTOSO CÂMARA, 1977: 52).

[4] Neutralização: é o fenômeno pelo qual dois fonemas que se opõem num determinado contexto,  deixam de fazê-lo em outro.