A APRESENTAÇÃO DE DOIS VERBETES BILÍNGÜES VALENCIAIS PARA O VERBO “FALAR”: PORTUGUÊS–ITALIANO E PORTUGUÊS–FRANCÊS.

Adriana Zavaglia (UNESP)

Claudia Zavaglia (UNESP)

 1. Introdução

 

                Ao conjunto de relações de dependência que o verbo estabelece com os demais componentes da oração (chamados de argumentos ou actantes) dá-se o nome de valência. Segundo Borba (1996:19):

As primeiras idéias sobre valência se devem a Tesnière, que é quem parte do verbo como núcleo oracional, tomando-o como uma espécie de pólo imantado, capaz de atrair um número mais ou menos elevado de actantes, comportando um número variável de pontos de atração capazes de manter esses actantes sob a sua dependência.

 

Sob o ponto de vista da teoria gramatical de valências, o verbo pode ter até quatro actantes e é classificado de acordo com o argumento que ocupa função de sujeito: “verbo de ação”, sujeito ativo; “verbo de processo”, sujeito afetado; “verbo de ação-processo”, sujeito ativo/causativo (que recai sobre o argumento seguinte afetando-o); e “verbo de estado”, sujeito não-ativo/não-causativo/não-afetado.

                É na conjunção dos níveis profundo e superficial que se fundamenta a descrição sintático-semântica do verbo, sendo do primeiro extraída a valência (ou número de argumentos do verbo e sua natureza sintático-semântica) e do segundo as exigências superficiais para que o verbo se realize (por exemplo: sujeito animado ou não-animado etc.). Dessa forma, o contexto se faz importante para esse tipo de análise gramatical, pois esta depende da classificação do sujeito, cuja atuação às vezes só pode ser esclarecida em contextos bastante específicos. Ao iniciar-se tal descrição, são levados em consideração alguns expedientes lingüísticos: alçamento, rebaixamento, apagamento, truncamento, transposição, dissimilação ou diferenciação, coordenação e condensação, para que se possa identificar irregularidades em nível superficial na construção frasal em que se encontra inserido o verbo. Obviamente que o caminho percorrido para que se realize essa análise parte da superfície para o nível subjacente.

                Dessa forma, diferentemente das gramáticas tradicionais, que não levam em consideração a descrição sintático-semântica dos complementos verbais e se baseiam numa visão simplista segundo a qual a presença ou ausência de preposição seria suficiente para determinar a variação ou não-variação de sentido para determinado verbo, a gramática de valências trata concomitantemente da natureza dos complementos do verbo e das preposições que os acompanham, permitindo assim uma distinção mais fina para as diversas nuanças de sentido que pode adquirir um verbo dependendo das relações que se instalam entre ele e os demais elementos da frase.

                Tendo implícita como um de seus fundamentos teóricos a teoria valencial, o Dicionário de Usos do Português Contemporâneo do Brasil (DUP), que será o tema do próximo item deste artigo, apresenta uma nova abordagem em sua elaboração. Levando-se em consideração o fato de os dicionários bilíngües existentes no mercado serem bastante inexpressivos nesse aspecto, apesar de o problema da valência verbal ser um dos principais obstáculos para os profissionais de língua estrangeira que lidam com o ensino ou com a tradução, a elaboração dos verbetes bilíngües que serão apresentados abaixo com base no DUP, talvez inédita até então, parece se mostrar extremamente judiciosa.

 

 

 

2. O tratamento dado ao verbo no Dicionário de Usos do Português Contemporâneo do Brasil (DUP)

 

                O Dicionário de Usos do Português Contemporâneo do Brasil (DUP), como o próprio nome diz, preocupa-se em registrar os usos da língua portuguesa do Brasil. Para tanto, sua elaboração[1] foi realizada a partir de um corpus da língua portuguesa existente no Centro de Estudos Lexicográficos da UNESP – Araraquara e de dados de freqüência. Dessa forma, o registro de entradas e abonações existentes em tal dicionário é corroborado pelo uso das mesmas por escritores, jornalistas, cronistas e usuários da língua portuguesa fidedignamente. Assim, retira-se do dicionário a participação subjetiva do lexicógrafo, muitas vezes prejudicial. Além disso, como já foi dito, encontra-se implícita na elaboração do DUP como pressuposto teórico a teoria de valências iniciada por Tesnière, a qual foi descrita para o português na recente publicação de Francisco da Silva Borba, Uma Gramática de Valências para o Português (1996).

Levando-se em consideração o fato de que os verbetes valenciais apresentados no próximo item se basearam nos verbetes monolíngües do DUP, faz-se necessário descrever de forma sucinta o conteúdo do verbete referente a “falar” do dito dicionário, pois foram inclusive transpostos, salvo algumas modificações, os tipos e a disposição gráfica do mesmo para a elaboração dos verbetes bilíngües. O verbo em questão, “falar”, aparece em letras maiúsculas e em negrito. Em seguida, indica-se sua classificação gramatical, em itálico e em maiúsculas, no caso “V” (verbo), seguida de dois asteriscos. Entre colchetes e em negrito, apresenta-se o tipo de relação sintático-semântica que o verbo mantém com o sujeito, a saber: “[Ação]”. Indicadas por números arábicos, encontram-se as diferentes acepções do verbo, nesse caso, nove. As três primeiras, sem complemento, têm seus significados inseridos após os números arábicos, seguidos das documentações em itálico e das siglas que identificam a procedência das mesmas entre parênteses. Da quarta à nona acepção, são especificados os complementos, entre colchetes, em negrito e em itálico, antes dos números arábicos (por exemplo [Compl: a/com+nome humano] 4), aos quais seguem-se os significados, as documentações e as siglas, como nas três primeiras acepções. Após a apresentação das acepções, indicadas por algarismos romanos, encontram-se as expressões fixas da língua, em negrito, cujos significados seguem a mesma ordem das três primeiras acepções.

Elaborado dessa maneira, o verbete possibilita ao leitor uma decodificação imediata dos vários sentidos que assume o verbo com um menor índice de ambigüidades interpretativas. Além disso, o leitor tem às mãos a explicação lida e contemplada em seu uso, o que geralmente não se faz em se tratando de dicionários de língua no Brasil. Seguindo, portanto, a mesma feitura do verbete “falar” do DUP, foram elaborados os dois verbetes bilíngües apresentados a seguir.

 

 

 

3. Apresentação de dois verbetes bilíngües valenciais

 

                Como na bibliografia consultada nada se encontrou que se referisse ao tema, optou-se por utilizar os termos “verbete bilíngüe valencial” e “tradução valencial”. Entende-se por “tradução valencial” aquela que encontra na língua estrangeira uma valência equivalente para determinado verbo em contexto específico. Assim, não aparecerão no corpo do verbete, do português para as duas outras línguas, traduções do tipo: “expressar-se em; ser proficiente em: o computador, que já fala inglês...” por “esprimersi in; essere proficente in: il computer, che parla già l'inglese...”, em italiano, e por “s'exprimer en; avoir le niveau pour: l'ordinateur, qui parle d'avance l'anglais...”, em francês. Ao contrário, as definições e as abonações “traduzidas” foram retiradas de dicionários monolíngües das línguas estrangeiras em questão. Desse modo, para a seqüência em português que se encontra acima ter-se-ão as seguintes traduções: “comunicare con altri parlanti secondo un sistema definito appartenente a una particolare comunità linguistica: parlare inglese, francese, tedesco”, em italiano, e “pouvoir s'exprimer au moyen de telle ou telle langue: parler français”, em francês. Por meio dessa tradução valencial, fruto de pesquisa referente à classificação do verbo e à natureza dos complementos e das preposições que podem acompanhar “falar”, “parlare” e “parler”, origina-se o “verbete bilíngüe valencial”, cuja principal função é a de informar o consulente a propósito da correspondência da valência verbal de uma língua para outra.

                Os verbetes bilíngües valenciais (português – italiano e português – francês) apresentados a seguir dirigem-se a consulentes brasileiros, tendo sido construídos a partir do verbete “falar” do DUP. A tradução valencial em italiano ou em francês aparece após duas barras oblíquas (//), constando da definição (em negrito), de exemplos ou citações (em itálico) e suas respectivas traduções comuns para o português (sublinhadas), sendo as definições, os exemplos e as citações retirados ou do Zingarelli ou do Nouveau Petit Robert, o que é indicado por meio de siglas entre parênteses: (Z) e (NPR), respectivamente. Os tipos de complementos também são traduzidos, assim como as preposições. Indica-se a ausência de determinada valência de “falar” nos dicionários das línguas italiana e francesa por meio do símbolo #. As expressões traduzidas, em negrito e em itálico,  que nem sempre contêm o verbo “parlare” ou “parler”, aparecem após duas barras oblíquas (//).

 

 

3.1 Português (Dup) - Italiano

 

FALAR V ** [Ação]            // PARLARE V ** [Azione]

1 articular os sons de uma língua natural; expressar-se oralmente em uma língua: Arésio falou com uma estranha (...) entonação de melancolia na voz (PR); seus erres ronronantes davam a impressão de que, ao falar, estava sempre triturando (TV) // articolare i suoni di una lingua naturale: un bambino che ha imparato a parlare presto (Z) / uma criança que aprendeu a falar cedo; i muti non parlano (Z) / os mudos não falam 2 expressar-se em uma língua natural; usar uma linguagem para exprimir-se: dizem que não falo mal e que escrevo com clareza e precisão (AM); Dona Emerenciana falava a linguagem dos personagens do folhetim do Correio do Povo (TV) // comunicare per mezzo delle parole; manifestare con le parole pensieri, sentimenti: parlare con chiarezza (Z) / falar com clareza; parlare in modo incomprensibile (Z) / falar de um modo incompreensível 3 usar da palavra; ter a vez em uma interação; discursar: vou falar de improviso, pois medo encurta palavreado (AM); sou incapaz de falar bem a menos que bom orador seja aquele que diz a verdade (TEG) // tenere un discorso, una predica e simili: parlare al popolo (Z) / falar ao povo; parlare in una riunione (Z) / falar em uma reunião (Z) 4 [Compl: a/com+nome humano] dirigir a palavra; conversar: apareceu Bentinho para falar ao irmão (CAN); eu bem que falei com ele (TP); os negros lhe davam a impressão de que não se falavam (TSL) // [Compl: a/con+nome umano] rivolgersi a qualcuno; intrattenersi conversando: parlare a un amico, ai colleghi (Z) / falar a um amigo, aos colegas; parlare con qualcuno in tono confidenziale, su questioni delicate (Z) / falar com alguém em tom confidencial, sobre questões delicadas 5 [Compl1: de/em/sobre+nome + Compl2:  a+nome humano] referir-se; aludir: quem quiser lhe falar de amor, venha (CDT); os filhos de que ele fala já não existem (É); não há razão para falarmos numa raça vermelha (IAB); de início falaria sobre o garimpo (CAS) // [Compl: di+nome/pron.pers.] riferirsi; alludere: mi hai frainteso, io parlavo d'altro (Z) / você me entendeu, eu falava de outra coisa; non parlavamo di voi (Z) / não falávamos de vocês; di che cosa intendete parlare? (Z) / sobre  o que vocês pretendem falar?  6 [Compl1 : nome abstrato/oração conjuncional ou discurso direto/para  oração infinitiva] [Compl : a+nome humano] dizer: só porque falei a verdade? (A); Tertuliano falou: -Espere aí, seu Eduardo! (AM); falam aí que tem um metal que vale ouro (RA); já falei ao Chico para levar você daqui (TSC) // [Compl: nome astratto/proposizione introdotte da congiunzione] dire: parlando cose che 'l tacere è bello (Dante Inf. IV,104 - Z) / dizendo coisas que o calar é belo 7 [Compl : contra+nome] argumentar; atacar; acusar: não atire pedras nos competidores, e pare de falar contra o Estado, os cartórios e tudo mais (JB) // [Compl : contro+nome] tenere un discorso, una predica: parlare contro qualcuno o qualcosa (Z) / falar contra alguém ou alguma coisa 8 [Compl : nome de idioma] expressar-se em; ser proficiente em: a cada meia hora sai uma excursão com guia. Como esta só fala inglês, é pouco utilizada (DP); o computador, que já fala inglês com certa habilidade, arrisca suas primeiras frases em português (VEJ) // [Compl : nome di idioma] comunicare con altri parlanti secondo un sistema definito appartenente a una particolare comunità linguistica: parlare inglese, francese, tedesco (Z) / falar inglês, francês, alemão; parla un italiano perfetto (Z) / fala um italiano perfeito 9 [Compl: a+nome humano] passar impressões fortes, significativas: aquela marcha épica da coluna Prestes (...) falava às imaginações (CT); a nação inglesa lucraria se sua religião (...) falasse mais diretamente às imaginações e aos corações (RB) // [Compl: a +nome astratto] agire o influire sui sentimenti o sensibilità di una persona: racconti, atteggiamenti, azioni che parlano al cuore, all'anima, alla fantasia (Z) / contos, comportamentos, ações que falam ao coração, à alma, à fantasia && I. dar o que falar - ter grande repercussão; merecer comentários: as Rocas mobilizavam-se para o debate, que ia render e dar o que falar (CR); meu pai hoje deu o que falar nesta redação (RE) // in giro se ne parla

 

 

3.2 Português (DUP) - Francês

 

FALAR V ** [Ação] // PARLER V ** [Action]

1 articular os sons de uma língua natural; expressar-se oralmente em uma língua: Arésio falou com uma estranha (...) entonação de melancolia na voz (PR); seus erres ronronantes davam a impressão de que, ao falar, estava sempre triturando (TV) //  articuler les sons d'une langue naturelle: tout parle en mon ouvrage et même les poissons (La Fontaine-NPR) / tudo fala em minha obra e até mesmo os peixes; parler à mi-voix (NPR) / falar a meia voz; parler bas (NPR) / falar baixo 2 expressar-se em uma língua natural; usar uma linguagem para exprimir-se: dizem que não falo mal e que escrevo com clareza e precisão (AM); Dona Emerenciana falava a linguagem dos personagens do folhetim do Correio do Povo (TV) // s'exprimer en usant de ces sons: parler peu (NPR) / falar pouco; il parle un langage fleuri (NPR) / ele fala uma linguagem florida 3 usar da palavra; ter a vez em uma interação; discursar: vou falar de improviso, pois medo encurta palavreado (AM); sou incapaz de falar bem a menos que bom orador seja aquele que diz a verdade (TEG) // prendre la parole en public: parler à la radio (NPR) / falar no rádio; il a très bien parlé (NPR) / ele falou muito bem; c'est à vous de parler (NPR) / é a sua vez de falar 4 [Compl: a/com+nome humano] dirigir a palavra; conversar: apareceu Bentinho para falar ao irmão (CAN); eu bem que falei com ele (TP); os negros lhe davam a impressão de que não se falavam (TSL) // [Compl: à/avec+ nom humain] parler à quelqu'un, lui adresser la parole; avoir une conversation avec quelqu'un: tu pourrais répondre quand on te parle (NPR) / você poderia responder quando falam com você; nous ne nous parlons plus (NPR) / nós não nos falamos mais; parler avec une amie (NPR) / falar com uma amiga 5 [Compl1: de/em/sobre+ nome + Compl2: a+nome humano] referir-se; aludir: quem quiser lhe falar de amor, venha (CDT); os filhos de que ele fala já não existem (É); não há razão para falarmos numa raça vermelha (IAB); de início falaria sobre o garimpo (CAS) // [Compl1: de+nom/pron.pers. + Compl2: à+nom humain / pron.pers.] faire allusion: je voulais vous parler de cette affaire (NPR) / eu queria lhe falar desse caso; je vous en ai parlé dans ma dernière lettre (NPR) / eu lhe falei disso em minha última carta 6 [Compl1: nome abstrato/oração conjuncional ou discurso direto/para  oração infinitiva] [Compl : a+ nome humano] dizer: só porque falei a verdade? (A); Tertuliano falou: -Espere aí, seu Eduardo! (AM); falam aí que tem um metal que vale ouro (RA); já falei ao Chico para levar você daqui (TSC) # esta valência não se aplica a parler (v. dire) 7 [Compl : contra +nome] argumentar; atacar; acusar: não atire pedras nos competidores, e pare de falar contra o Estado, os cartórios e tudo mais (JB) // [Compl: contre+nom] argumenter: parler contre sa pensée (NPR) / falar contra seu pensamento 8 [Compl: nome de idioma] expressar-se em; ser proficiente em: a cada meia hora sai uma excursão com guia. Como esta só fala inglês, é pouco utilizada (DP); o computador, que já fala inglês com certa habilidade, arrisca suas primeiras frases em português (VEJ) // [Compl: nom de langue] pouvoir s'exprimer au moyen de telle ou telle langue: parler français (NPR) / falar francês; parler un anglais excellent (NPR) / falar um inglês excelente 9 [Compl: a+nome humano] passar impressões fortes, significativas: aquela marcha épica da coluna Prestes (...) falava às imaginações (CT); a nação inglesa lucraria se sua religião (...) falasse mais diretamente às imaginações e aos corações (RB) # esta valência não se aplica a parler (v. impressionner, frapper) && I. dar o que falar - ter grande repercussão; merecer comentários: as Rocas mobilizavam-se para o debate, que ia render e dar o que falar (CR); meu pai hoje deu o que falar nesta redação (RE) // on en parlera II. falar pelos cotovelos/pelas tripas de Judas - falar muito; ser loquaz: Ela não faz cerimônia. Fala pelos cotovelos (CH); o chofer, um pretinho simpático, fala pelos cotovelos (CH); [o Governador] fala pelas tripas do Judas! (AM) // être bavard(e) comme une pie III. por falar nisso - expressão com que se introduz um comentário sugerido pelo que acaba de ser dito: por falar nisso, a senhora já pensou que dentro de alguns meses pode estar noiva? (TV); Por falar nisso, que será feito de então encantadora Bessie Love? (BP) // ce disant, à propos IV. só falta falar - conseguir fazer tudo; ser quase completo: Morto, cá o temos de volta, vivíssimo no comercial da televisão. Milagre do computador. Ao lado do Tom e do Chope, como nos velhos tempos. Só falta falar (BPN) // on dirait qu'il va parler

 

 

 

4. Considerações finais

 

                Precedidas geralmente de uma classificação gramatical, as traduções que figuram nos dicionários bilíngües tradicionais são geralmente limitadas e não contextualizadas. Talvez isso se deva ao fato de os dicionários bilíngües (DB) serem restritos quanto à sua nomenclatura, ou por possuírem um número de entradas determinado pelo tamanho do dicionário requerido pelo editor, ou pelo fato de a sua consulta dever solucionar rapidamente problemas tradutórios, fornecendo ao consulente informações básicas referentes à semântica e à classificação gramatical do item procurado. Tais dicionários, salvo algumas exceções, não trazem exemplos contextualizados, nem na língua nacional, nem na língua estrangeira, restringindo-se a traduzirem construções cristalizadas de uma língua para a outra, bem como algumas poucas expressões idiomáticas.

Elaborado a partir de uma teoria valencial, um DB pode fornecer ao seu consulente, em se tratando de verbos, como exemplificado acima, uma boa visualização do tipo de complemento que requer o verbo com determinado significado (se são nomes abstratos, concretos, humanos etc.), das preposições que o acompanham, bem como do valor semântico do verbo (ação, ação-processo, processo ou estado). Abandona-se, portanto, a visão tradicional das gramáticas normativas no que diz respeito ao tratamento verbal (termos e descrições utilizados), dando lugar a um novo tipo de análise. Cabe enfatizar ainda o quão importante e produtiva se torna a elaboração de um DB a partir de usos concretos das duas línguas em questão, pressupondo-se a utilização de um corpus para tal. Como os verbetes apresentados não se propõem a exaurir o tema mas antes são uma alternativa para a construção de dicionários bilíngües, numa pesquisa futura a busca dos equivalentes tradutórios deverá ser realizada a partir de um corpus das línguas italiana e francesa. Assim, almeja-se por meio deste artigo que novos dicionários bilíngües possam ser elaborados a partir das considerações feitas e dos resultados aqui obtidos.

                A proposta de se elaborar um verbete valencial partiu da experiência que as autoras deste artigo possuem em trabalhar com língua estrangeira, como professoras e tradutoras, e da dificuldade que sentem em operar com os dicionários bilíngües que se encontram à sua disposição: muitas vezes a tradução encontrada no DB corresponde somente a um corte semântico da palavra-entrada, cujo uso não se contextualiza. Desse modo, os verbetes bilíngües valenciais acima apresentados estão de acordo com as qualidades requeridas para um dicionário bilíngüe arroladas por Schimitz (1998:166): são dotados “de traços retirados do próprio dicionário monolíngüe”; “lançam mão do formato semibilíngüe com orações-modelo tanto na língua nacional (português) como na língua estrangeira”; e “apresentam orações advindas da língua e  cultura materna”. Dessa forma, o verbete bilíngüe valencial permitirá ao consulente brasileiro não somente traduzir orações do português para o italiano ou para o francês, mas aprender, no que diz respeito ao verbo, se determinada valência se aplica ou não ao seu equivalente tradutório, permitindo-lhe, assim, construir, criativamente, enunciados na língua estrangeira que aprende ou sobre a qual trabalha.

 

 

Referências bibliográficas

 

BORBA, F.S. (1996). Uma gramática de valências para o português. São Paulo: Ática.

__________ (Coord.-1991). Dicionário gramatical de verbos do português contemporâneo do Brasil. São Paulo: Editora UNESP.

CUNHA, C.F. (1994) Gramática da língua portuguesa. 12. ed. Rio de Janeiro: FAE.

GREVISSE, M. (1993) Le bon usage. 13. ed. Paris - Louvain-la-Neuve: Duculot.

ROBERT, P. (1995) Le nouveau petit Robert: dictionnaire alphabétique et analogique de la langue française. Paris: Dictionnaires Le Robert.

SCHMITZ, J.R. (1998). A problemática dos dicionários bilíngües. In: OLIVEIRA, A.M.P.P & ISQUERDO, A.N. (orgs.) As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. Campo Grande, MS: Ed. UFMS.

SERIANNI, L. (1991) Grammatica italiana: italiano comune e lingua letteraria. Bologna: UTET Libreria.

ZINGARELLI, N. (1994). Lo Zingarelli 1995: vocabolario della lingua italiana. 12. ed. Bologna: Zanichelli.



[1] A elaboração de tal dicionário está em fase de acabamento.