O ASPECTO VERBAL NO PORTUGUES

 

Alfredo Maceira Rodríguez (UCB)

 

1. O Aspecto

Há línguas em que a categoria Aspecto é fundamental, mas esse não é o caso das línguas neolatinas, pois elas se estruturam basicamente nas categorias de tempo e modo, porém a categoria de aspecto também se encontra presente e inter-relaciona-se com as outras duas, embora em funções que poderiam ser consideradas secundárias. Para entendermos as funções do aspecto devemos partir de um ponto dêitico, que é o ponto em que consideramos que se situa o falante no ato da enunciação. Esta posição do falante pode se situar antes, ao mesmo tempo ou depois do enunciado. São as três formas em que se considera o tempo verbal: passado, presente ou futuro.

O aspecto é caraterizado pela constituição temporal interna da forma verbal e pode estar vinculado a situações, processos ou estados.

2. Representação do Aspecto

O aspecto pode ser representado por traços semânticos, flexionais ou contextuais. A nomenclatura relativa ao aspecto varia bastante, tendo havido diversas tentativas de organizaçá-la. Assim, encontram-se nos estudos a respeito denominações como inceptivo (início da ação verbal, permansivo ou durativo (decurso da ação verbal), cessativo (fim da ação verbal), entre outras. O início da ação verbal denomina-se pontual inicial e o fim da mesma ação é conhecido como pontual final. A denominação que parece generalizada e que seguimos aqui é a que estabelece a dicotomia perfectivo / imperfectivo.

2.1. Perfectivização

No perfectivo incluem-se as formas verbais que indicam momentaneidade, ou seja, que a ação verbal foi concluída, sem implicar duração da mesma. Este traço de perfectividade pode estar representado semanticamente no verbo, como ocorre em quebrar, morrer, fechar ou expresso pela forma verbal: o perfeito indica primordialmente a ação terminada, a pontualidade, em oposição ao imperfeito, que representa a ação durativa, a ação exercida durante um espaço temporal, característico de imperfectividade, duração indicada pelo aspecto. É preciso distinguir entre duração e iteratividade (repetição). A duração é considerada uma característica aspectual, o que não ocorre quando a ação verbal se considera iterativa.

2.2. Perfectivo x Imperfectivo

Na frase Paulo vendeu o carro não pressupomos duração da ação verbal, porém em Paulo vendia carros percebemos um momento inicial, um período indeterminado de tempo e um momento final. Trata-se da função durativa, que é representada por uma função aspectual. A duração do processo verbal também pode ser indicada pelo imperfeito, forma verbal que pode assinalar o início, o decurso e o fim do processo. As formas verbais constituem um conjunto de propriedades de que dispõe o verbo para designar seu grau de atualização, ordenação e duração do processo.

A duração do processo verbal também se pode expressar por outros meios, entre eles por perífrases verbais como em Paulo está, esteve, estava, estará, estaria vendendo carros. Observa-se, porém, que, embora a função durativa esteja presente em todas as formas do imperfectivo, o valor semântico não é equivalente. Na representação perifrástica sentimos mais viva e atuante a presença do sujeito agente da ação verbal.

Os verbos podem conter semanticamente o traço de momentaneidade ou duratividade, porém essa característica original pode ser alterada pela contextualização, como veremos mais adiante. Verifiquemos em primeiro lugar que existem verbos semanticamente não-durativos que podem indicar acontecimentos ou ações como cair, tropeçar, quebrar, falir, morrer, nascer, etc. e outros que são indicadores de atividades. Estes são aspectualmente durativos e contam com a participação de sujeito agente: trabalhar, cantar, escrever, fazer, etc. Outros verbos que podem conter o traço de duratividade representam processos ou estados: crescer, desenvolver-se, permanecer, continuar, ficar.

2.3. Imperfectivização

O imperfectivo é característico das formas verbais imperfeitas, particularmente do imperfeito de indicativo, em oposição às formas do perfeito que não são marcadas aspectualmente.

As formas do perfectivo podem imperfectivar-se ao formar parte de perífrases ou ao ser-lhes acrescentadas circunstâncias temporais. Assim, com o verbo chegar temos a indicaçãode pontualidade em chegou, acaba de chegar, chegou agora mesmo, chegou neste instante, etc., portanto, expressões de perfectividade, mas também verificamos imperfectividade em formas como chegava, chegou devagar, está chegando, vem chegando, etc.

2.4. Afixos

Outra expressão de aspecto é realizada por meio de alguns afixos, em sua maior parte sufixos (O prefixo re-, indicando repetição: reler, recompor, etc., não é considerado por alguns estudiosos traço aspectual, visto que não consideram a repetição ou iteratividade como traço pertinente ao aspecto).Existem, porém, vários sufixos indicadores de duração como –ear, -ecer, -ejar, -icar, -itar: cabecear, amanhecer, gotejar, voejar, bebericar, dedilhar, saltitar e vários outros.

 

2.5. Perífrases verbais com gerúndio

O aspecto em português manifesta-se mais claramente por meio de locuções verbais com gerúndio e particípio. O gerúndio já denota duração. Por exemplo em O castelo está caindo, embora o verbo cair indique um acontecimento momentâneo, aqui constata-se certa duração da ação verbal. Assim também, verbos que denotam fim de ação, como acabar, podem funcionar como auxiliares para indicar aspectualmente certo grau de duração da ação: Ele acabou chegando; Os rapazes acabaram saindo; O menino acaba ficando, etc. O mesmo ocorre com diversos outros verbos: O avião vem chegando; O cliente vai comprando, etc.

2.6. Perífrases verbais com particípio

Com os particípios formam-se os perfeitos compostos, que também podem exibir traços aspectuais. O pretérito perfeito composto pode expressar duração, manifestando neste caso seu valor aspectual, como nos exemplos seguintes: Você tem estudado bastante ultimamente; A Polícia tem atuado com eficiência nestes dias; As árvores do parque têm crescido muito nos últimos anos. Eu tenho estado muito ocupado nestes dias.

2.7. Verbos auxiliares

Os verbos que mais contribuem para a formação de perífrases são o verbo estar, formador de grande número de perífrases (estar trabalhando, dormindo, dançando), o verbo ter, formador dos tempos compostos (ter produzido, viajado, cozinhado), o verbo permanecer (permanecer lendo, falando, rezando), andar, ficar e alguns outros.

3. CONCLUSÃO

Verificamos que, embora o português, como as demais línguas neolatinas, não incluam o Aspecto em suas categorias fundamentais, como ocorre nas línguas eslavas e em outras menos próximas de nós, está categoria está presente, ao menos como auxiliar das categorias Tempo e Modo. O modo pode-nos indicar se uma ação verbal no passado se realizou antes de outra ação que também ocorreu no passado. Para isso vale-se do mais-que-perfeito. Além desse recurso, advérbios de tempo ou locuções temporais podem indicar a época da realização da ação verbal, inclusive com o recurso da datação, porém falta algo para exprimir nuanças da forma da ação exercida pelo verbo. É aí que a língua utiliza outros recursos disponíveis para uma melhor interpretação semântica. O emprego desses recursos, que não pertencem às categorias tidas como essenciais, recebe o nome, originado no alemão, de categoria de Aspecto.

 

 

4. BIBLIOGRAFIA

CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Princípios de lingüística geral. 4. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1960

COSTA, Sônia Bastos Borba. O aspecto em português. São Paulo: Contexto, 1990

GARCIA, Othon. Moacyr. Comunicação em prosa moderna. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1973.

OLIVEIRA, João Bittencourt de. A categoria de aspecto verbal no português contemporâneo. Niterói: UFF/Instituto de Letras (mimeo), 1986

SACCONI, Antônio. Nossa gramática. São Paulo: Moderna, 1979.

SANTOS, Abílio de Jesus dos. Aspecto verbal e sua aplicação ao português. Separata de ROMANITAS, 8, 1967