A AUTORIA DAS POESIAS ATRIBUÍDAS A GREGÓRIO DE MATTOS E GUERRA

Sylvia Costa Barbosa (UERJ)

 

Como bolsista durante um ano e meio de um projeto de Iniciação Científica, Edição Crítica dos Apógrafos de Poesias Atribuídas a Gregório de Mattos e Guerra, elaborado pelo Prof. Dr. Ruy Magalhães de Araujo, que tem como finalidade um rigoroso exame crítico desses apógrafos, com a intenção de dar ao público uma visão mais científica sobre o assunto com relação ao problema de autoria, foi possível verificar que nem todas as poesias atribuídas a Gregório de Mattos e Guerra são, de fato, de sua autoria.

Seguindo os postulados da Crítica Textual, estabelecidos por Karl Lachmann, este projeto está sendo desenvolvido em sua primeira etapa, isto é, a "recensio", ou recolha do material manuscrito e impresso, ora digitado por outros bolsistas, sendo encontrado em bibliotecas e acervos públicos e particulares, em consonância com o projeto elaborado pelo Prof. Dr. José Pereira da Silva, "Edição Diplomática dos códices atribuídos a Gregório de Mattos e Guerra", realizando-se uma rigorosa revisão nos códices encontrados, de forma a obter-se uma equivalência entre o material impresso e os manuscritos originais, conservando-se as características dos originais registradas pelos copistas.

Este trabalho, A Autoria das Poesias Atribuídas a Gregório de Mattos e Guerra, tem como objetivo apresentar alguns textos que estão incluídos na obra do grande escritor baiano, mas que na verdade, por indicação dos copistas, pertencem a outros autores.

Durante o meu trabalho como bolsista, tive acesso a 9 (nove) códices pertencentes a obra de Gregório de Mattos, porém este trabalho está baseado em apenas 5 (cinco), dos quais 3 (três) possuem textos escritos por outros autores. Nos outros 2 (dois) códices não há referência a nenhum outro autor senão Gregório de Mattos.

É importante observar os nomes (títulos) dos códices: Vida do Doutor Gregório de Mattos e Guerra, Vida e morte do Doutor Gregório de Mattos e Guerra, As obras Poéticas do Doutor Gregório de Mattos e Guerra, Poesias de Gregório de Mattos e Obras Várias do Doutor Gregório de Mattos e Guerra, todos encontrados na Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.35

Este trabalho está dividido em três partes:

 

1ª Parte – Motes ou Versos Iniciais Alheios, sendo os poemas apenas completados por Gregório de Mattos.

Mote feito pelo Padre Fr. Agostinho em Pesquim ao G.or Antonio Luiz, glozado pelo A.

 

Quem sae a mijar de Beja

Por fora de vidigueyra

Dá com o pissalho em Ferreira.36

 

Gloza.

 

Senhora velha roupeira

Pois todo o Alentejo andou

Naõ me dirá quanto achou,

Que vay de Beja e Ferreira:

Porque outra velha embusteyra,

Com porfia, e por enveja,

Naõ quer que huã legoa seja,

E por palmos do carà

Diz que só hum palmo andará

Quem sahe a mijar de Beja.37

______________________________________

 

 

Os primeyros quatro verços saõ do Conde da Ericeyra, e se deraõ ao A. para acabar.

 

Soneto 43

Una, dos, tres estrellas, veente ciento,

un millon,jmillares de millares;

valgame Dios, que segan mis pezares,

su retrato en alto firmamiento?38

Que siendo las estrellas tam sin cuento,

como son las arenas de los mares,

las iguale in sus numeros ipares

mi desdicha, mi mal, imi tormiento?

Mas yo de que mejuexo, ou aque meabismo?

tenga infin mi desdicha esta consuelo,

que seva pereciendo alcielo mismo.

Pues podiendo mis males, por mas duelo,

semeyarçe alas penas del abismo,

tienen su semeyança allâ nel cielo.

 

2ª Parte – Traduções feitas por Gregório de Mattos

· O Soneto apresentado a seguir assemelha-se ao poema "À mesma dona Ângela", de Gregório de Mattos, pois trata do mesmo assunto. Por indicação do copista, porém, percebemos que ele é uma tradução de um poema escrito por Felipe 4º, Rei da Espanha. No códice número de ordem 45 este Soneto é atribuído a Gregório de Mattos e Guerra.

 

A mesma Dama D. Angela: He traduçaõ de outro Soneto, composto por Felipe 4º Rey de Hespanha.

 

Soneto 3.

Se hade ver vos quem hade retratar vos,

E he forçozo cegar quem chega a ver vos,

Sem agravar meos olhos, e ofender vos,

Naõ hade ser possível copiar vos.

Com neve, e rozas quis assemelhar vos;

Mas fora honrar as flores, e abater vos;

Dous Zaphiros por olhos quis fazer vos;

Mas quando sonhaõ eles de imitar vos.39

Vendo que a impossiveis me aparelho,

Desconfiei da minha tinta impropria,

E a obra encomendey a vosso espelho:

Por que nele com luz, e cor mais propria

Sereis, se naõ me engana o meo conselho,

Pintor, pintura, original, e copia.

______________________________________

 

* O Poema a seguir é uma profecia do padre Antônio Vieira traduzida por Gregório de Mattos. Na última estrofe, afirma-se "Que em proza o compoz Vieyra, traduzio em verso Mattos."

 

Profecia traduzida de hum discurso apologetico do Padre Antonio Vieyra.

Ouçaõ os Sebastianistas

Ao Profeta da Bahya

A mais alta astrologia

Dos Sabios Gymnoso-fistas:

Ouçaõ os Anabatistas40

Da Evangelica verdade,

Que eu com pura claridade

Digo em literal sentido,

Que o Rey por Deos prometido

He : quem? Sua Magestade.

................................................

Pode a Nasçaõ Lusitana,

Que foy terror do Oriente,

Confiar, que no Ocidente

O será da Mahometana:

Pode cortar a espadana

Em tal numero, e tal sõma,

Que quando a paz a corcoma,

Digamos com este exemplo,

Que abrio, e fechou se o templo

O bifronte Deos em Roma.

Estes secretos primores

Naõ saõ da idêa sonhados,

Saõ da escritura tirados,

E dos Santos Escriptores,

E senaõ cito dos Doutores,

E poupo estes apparatos,

He porque basta a insensatos

Por rudeza, ou por cegueira,

Que em proza o compôz Vieyra,

Traduzio em verso Mattos.41

 

3ª Parte – Poemas escritos por outras pessoas de conhecimento do autor. Alguns poemas aqui apresentados, em determinados códices não são atribuídos a Gregório de Mattos, mas em outros aparecem como de sua autoria.

 

· A Sátira abaixo apresentada é resposta a Gregório de Mattos pelo texto que se encontra nas páginas 130 a 134 do manuscrito. Fato interessante é que este texto se encontra num códice intitulado "Obras várias do Dr. Gregório de Mattos e Guerra" (códice 50, 2, 6) e, no entanto, é um ataque à figura do autor. É importante lembrar que o próprio Padre Lourenço faz uma crítica a Gregório de Mattos em relação a verdadeira autoria de seus textos nesta sátira.

 

Resposta do Padre Lourenço contra o D.or Gregorio de Mattos e Guerra.

 

Satyra

Doutor Gregorio gadanha,

Pirata do verço alheyo

Callo, que ao mundo tem cheyo

De Satyras, e patranha:

Ja se conheceo a maranha

Das Poezias que vendes

Por tuas, quanto as pertendes

Traduzir de castelhano,

Naõ te envergonhas magano?42

 

Cuida o mundo, que são tuas

As Satyras, que accomodas

Inda que o que vendo a todas

Pode chamar obras suas:

Os rapazes pellas ruas

O andão publicando ja,

E o mundo vaya dedà

Quando vê tal desengano,

Naõ te envergonhas magano?

O Soneto que mandaste

Ao Arcebispo elegante

Do de Gongora ao Infante

Ao Cardeal lho furtastes:

Naõ sey como te chamaste

O mestre da Poezia

Furtando mais em hum dia

Que mil ladrões em hum anno.

Naõ te envergonhas mangano?

.....................................................

Falla de ti que so tens

Que fallar de ti Gregorio

A todo o mundo he notorio,

Que tens males, e naõ bens:

Naõ queiras por te aos itens

Com quem sobre castigar te

Sey hade esbofetearte,

E com este desengano

Naõ te envergonhas magano?43

______________________________________

 

· O Soneto a seguir pertence ao Dr. Manoel da Nóbrega cuja indicação se encontra no próprio manuscrito (códice 50, 2, 5); porém, no códice 50, 1, 11, este soneto é atribuído a Gregório de Mattos. Talvez este fato ocorra porque sonetos sobre o mesmo assunto são encontrados no manuscrito de autoria do escritor baiano.

 

A Jesus Cristo Nosso Senhor. He do D.or Manoel da Nobrega. Floresta de Bernardes, tomo 3, pg. 207.

 

Soneto 96.

A vos correndo vou, braços sagrados,

Nessa cruz sacrossanta descubertos,

Que para receber me estaes abertos,

E por naõ castirgar me estaes cravados.44

A vos, olhos divinos eclypsados

De tanto sangue, e lagrimas cubertos,

Que para perdoar me estaes despertos,

E por naõ castigar me estaes fechados.

A vos, pregados péz, por naõ fugir me,

A vos, cabeça baixa por chamar me,

A vos, sangue vertido para ungir me.

A vos, lado patente, quero unir me,

A vos, cravos preciozos, quero atar me,

Para ficar unido, atado, e firme

______________________________________

 

A Instituiçaõ do Divinissimo Sacramento em Quinta Feira Santa. Do Insigne Fr. Euzebio de Mattos, Irmaõ do nosso Poeta.

 

Soneto 106.45

Pretendeis hoje, ò Deos Sacramentado,

Em branca nuvem aos olhos escondido,

Livrar auzente a queixa de esquecido,

Lograr prezente a gloria de lembrado.

Buscaes amante as almas disfarçado,

Sendo quando encuberto, e escondido,

Segredo expostamente encarecido,

Vida na morte, alivio no cuidado.46

 

Mas cauza este prodigio, este portento,

Do mysterio mayor, e mais profundo,

Assombros ao melhor entendimento.

Em o que vejo com razaõ me fundo,

Porque sendo hum segredo o Sacramento,

Sey que se hade goardar por todo o mundo.

______________________________________

 

Esta satyra abaixo fez o P.e Fr. Agosto de S. Anna de certa ordem, e ainda neste anno de 1739. Vive em Pern.co a quem se fez, huma femia que se chamava Cotta que mandou pedir ao A. della quinze mil reis de antemão p.a tirar humas argollas q. tinha empenhado.47

 

Satyra.

Quinze mil reis de antemaõ

Cotta a pedir me se atreve

O diabo me a mim leve

Se ella val mais, que hum tostaõ:

Que outra femia de canhaõ

Por seis tostões que lhe dey

Toda a noite a pespeguey,

E quem faz tal petitorio

Borrorio.

Hora está galante o passo,

Menina, naõ me direis

Se vos deu quinze mil reis48

Quem vos tirou o cabasso:

Fazeis de mim taõ madrasso

Que vos dê tanto dinheiro

Por hum triste parrameyro

Que está junto ao cagatorio

Borrorio.

...............................................

Hora emfim vos a pedir,

E eu Cotta a vos negar,

Ou vos haveis de cançar,

Ou eu me hey de excluir:

Com que venho a inferir,

Destas vossas petições,

Que heis de pedir me os colhões,

A parvoice, o zimborio

Borrorio.49

 

 

Referência Bibliográfica:

 

· Códice 50, 2, 6 – Obras Várias do Dr. Gregório de Mattos e Guerra. (819 páginas) Fundação Biblioteca Nacional.

· Códice 50, 2, 5 – As Obras Poéticas do Doutor Gregório de Mattos e Guerra. (456 fólios) Fundação Biblioteca Nacional.

· Códice 50, 1, 11 – Vida e Morte do Doutor Gregório de Mattos e Guerra. (214 páginas) Fundação Biblioteca Nacional.

· Códice 50, 2, 1 – Vida do Doutor Gregório de Mattos e Guerra. (374 páginas) Fundação Biblioteca Nacional.

· Códice número de ordem 45 – As Obras Poéticas do Doutor Gregório de Mattos e Guerra. Tomo 3º, Torre do Tombo - Cópia microfilmada na Fundação Biblioteca Nacional.

 

 

TEXTOS ANALISADOS

I – Motes ou Versos Iniciais Alheios

Mote alheyo.

Se de hum bem nascem mil males,

De hum mal quizera saber,

Quantos bens podem nascer.50

As Obras Poéticas do Doutor Gregório de Mattos e Guerra. (456 fólios) Fundação Biblioteca Nacional.

______________________________________

 

Mote alheyo.

Antarda, el amor, si nó

Ocultas tus rayos, sé

Que te hade robar lo que

Prometeo al Sol robô.51

As Obras Poéticas do Doutor Gregório de Mattos e Guerra. (456 fólios) Fundação Biblioteca Nacional.

______________________________________

 

Mote alheyo

 

Depois que Izabel te vi

Tal fiquei que desde entaõ,

Em mim se verá quem naõ

Sabe ja parte de si.52

Gloza do A.

...................................................

Ver se hà em mim estabelecida

A fé mais firme, e mais forte,

Pois porque dure atè à morte

Poupo padecendo a vida:

Afeiçaõ ja mais ouvida,

Amor naõ visto atè qui

Fiara Izabel de ti

Mas como emfim naõ diria

Quem por nenhum modo ou via

Sabe ja parte de si.53

______________________________________

 

Mote feito pelo Padre Fr. Agostinho em Pesquim ao G.or Antonio Luiz glozado pelo A.

Quem sae a mijar de Beja

Por fora de vidigueyra

Dá com o pissalho em Ferreira.54

 

Gloza.

 

Senhora velha roupeira

Pois todo o Alentejo andou

Naõ me dirá quanto achou,

Que vay de Beja e Ferreira:

Porque outra velha embusteyra,

Com porfia, e por enveja,

Naõ quer que huã legoa seja,

E por palmos do carà

Diz que só hum palmo andará

Quem sahe a mijar de Beja.55

....................................................

______________________________________

 

Os primeyros quatro verços saõ do Conde da Ericeyra,

e se deraõ ao A. para acabar.

 

Soneto 43

Una, dos, tres estrellas, veente ciento,

un millon,jmillares de millares;

valgame Dios, que segan mis pezares,

su retrato en alto firmamiento?56

 

Que siendo las estrellas tam sin cuento,

como son las arenas de los mares,

las iguale in sus numeros ipares

mi desdicha, mi mal, imi tormiento?

Mas yo de que mejuexo, ou aque meabismo?

tenga infin mi desdicha esta consuelo,

que seva pereciendo alcielo mismo.

Pues podiendo mis males, por mas duelo,

semeyarçe alas penas del abismo,

tienen su semeyança allâ nel cielo.

______________________________________

 

II – Traduções

A mesma Dama D. Angela: He traduçaõ de outro Soneto, composto

por Felipe 4º Rey de Hespanha.

 

Soneto 3.

Se hade ver vos quem hade retratar vos,

E he forçozo cegar quem chega a ver vos,

Sem agravar meos olhos, e ofender vos,

Naõ hade ser possível copiar vos.

Com neve, e rozas quis assemelhar vos;

Mas fora honrar as flores, e abater vos;

Dous Zaphiros por olhos quis fazer vos;

Mas quando sonhaõ eles de imitar vos.57

Vendo que a impossiveis me aparelho,

Desconfiei da minha tinta impropria,

E a obra encomendey a vosso espelho:

Por que nele com luz, e cor mais propria

Sereis, se naõ me engana o meo conselho,

Pintor, pintura, original, e copia.

______________________________________

 

Profecia traduzida de hum discurso apologetico do Padre Antonio Vieyra.

 

Ouçaõ os Sebastianistas

Ao Profeta da Bahya

A mais alta astrologia

Dos Sabios Gymnoso-fistas:

Ouçaõ os Anabatistas

Da Evangelica verdade,

Que eu com pura claridade

Digo em literal sentido,

Que o Rey por Deos prometido

He : quem? Sua Magestade.

______________________________________

 

Quando no campo de Ourique

Na Luz de hum rayo abrazado

Vio Christo crucificado

El Rey Dom Afonso Henrique,

E porque a Deos certifique

Afetos mais que fieis,

Senhor (disse) aos Infieis

Mostray a face Divina,

Naõ a quem a Igreja ensina

A crer tudo o que podeis.

................................................

Pode a Nasçaõ Lusitana,

Que foy terror do Oriente,

Confiar, que no Ocidente

O será da Mahometana:

Pode cortar a espadana

Em tal numero, e tal sõma,

Que quando a paz a corcoma,

Digamos com este exemplo,

Que abrio, e fechou se o templo

O bifronte Deos em Roma.

Estes secretos primores

Naõ saõ da idêa sonhados,

Saõ da escritura tirados,

E dos Santos Escriptores,

E senaõ cito dos Doutores,

E poupo estes apparatos,

He porque basta a insensatos

Por rudeza, ou por cegueira,

Que em proza o compôz Vieyra,58

______________________________________

III – Outros Autores

 

Resposta do Padre Lourenço contra o D.or Gregorio de Mattos e Guerra.

 

Satyra

 

Doutor Gregorio gadanha,

Pirata do verço alheyo

Callo, que ao mundo tem cheyo

De Satyras, e patranha:

Ja se conheceo a maranha

Das Poezias que vendes

Por tuas, quanto as pertendes

Traduzir de castelhano,

Naõ te envergonhas magano?

Cuida o mundo, que são tuas

As Satyras, que accomodas

Inda que o que vendo a todas59

Pode chamar obras suas:

Os rapazes pellas ruas

O andão publicando ja,

E o mundo vaya dedà

Quando vê tal desengano,

Naõ te envergonhas magano?

O Soneto que mandaste

Ao Arcebispo elegante

Do de Gongora ao Infante

Ao Cardeal lho furtastes:

Naõ sey como te chamaste

O mestre da Poezia

Furtando mais em hum dia

Que mil ladrões em hum anno.

Naõ te envergonhas mangano?

.....................................................

Falla de ti que so tens

Que fallar de ti Gregorio

A todo o mundo he notorio,

Que tens males, e naõ bens:

Naõ queiras por te aos itens

Com quem sobre castigar te

Sey hade esbofetearte,

E com este desengano

Naõ te envergonhas magano?60

______________________________________

 

Carta de certa Moça Dama feita ao D.or Gregorio de Mattos.

 

Decimas.

 

Quizera, Senhor Doutor,

Huã informaçaõ, que he,

Que me deraõ junto ao que

Do cû dicera melhor;

Hum golpe com tal rigor

Que passo muy mal tratada

Por me ver ali cortada,

Quero me mande dizer,

Que remedio pode Ter,

Junto do cû cutilada.

Anda aqui hum Surgiaõ

Fulano Lopes Monteyro

Que dizem para o trazeyro

Que tem muito boa maõ:

Quizera saber entaõ,

Pois vivo taõ desviada

O como serey curada

Por huã sua receyta

Ficando sempre sugeita

A Dama da cutilada.61

______________________________________

 

Ao Minino Jesus do Padre Gregorio Nogueira, coadjutor da Matriz de Santo Antonio do Carmo

 

Soneto

 

Ó quanta Divindade, Ó quanta graça

Minino, em vosso vulto sacro, e bello

Infunde a mão de tal gentil modello

Inspira o Autor de tão Divina traça.62

Se o tempo aos demais vultos desengraça

nas Imagems, não deslustra hum pello

reverenteo tratou com tal desvello,

que o que eleva Minino, velho embaça.

 

Quanto a idade uzurpa da belleza

nos que somos mortais paga em respeito,

venerações, que atraye a antiguidade.

Mas da vossa Escultura a gentilerza

Tem trocado do tempo esse efeito,

venerace a belleza, amace a idade.

A Jesus Cristo Nosso Senhor. He do D.or Manoel da Nobrega. Floresta de Bernardes, tomo 3, pg. 207.

 

Soneto 96.

A vos correndo vou, braços sagrados,

Nessa cruz sacrossanta descubertos,

Que para receber me estaes abertos,

E por naõ castirgar me estaes cravados.63

As Obras Poéticas do Doutor Gregório de Mattos e Guerra. (456 fólios) Fundação Biblioteca Nacional.

 

A vos, olhos divinos eclypsados

De tanto sangue, e lagrimas cubertos,

Que para perdoar me estaes despertos,

E por naõ castigar me estaes fechados.

A vos, pregados péz, por naõ fugir me,

A vos, cabeça baixa por chamar me,

A vos, sangue vertido para ungir me.

A vos, lado patente, quero unir me,

A vos, cravos preciozos, quero atar me,

Para ficar unido, atado, e firme.64

______________________________________

A Instituiçaõ do Divinissimo Sacramento em Quinta Feira Santa. Do Insigne Fr. Euzebio de Mattos, Irmaõ do nosso Poeta.

 

Soneto 106.

Pretendeis hoje, ò Deos Sacramentado,

Em branca nuvem aos olhos escondido,

Livrar auzente a queixa de esquecido,

Lograr prezente a gloria de lembrado.

Buscaes amante as almas disfarçado,

Sendo quando encuberto, e escondido,

Segredo expostamente encarecido,

Vida na morte, alivio no cuidado.65

Mas cauza este prodigio, este portento,

Do mysterio mayor, e mais profundo,

Assombros ao melhor entendimento.

Em o que vejo com razaõ me fundo,

Porque sendo hum segredo o Sacramento,

Sey que se hade goardar por todo o mundo.66

______________________________________

 

Esta satyra abaixo fez o P.e Fr. Agosto de S. Anna de certa ordem, e ainda neste anno de 1739. Vive em Pern.co a quem se fez, huma femia que se chamava Cotta que mandou pedir ao A. della quinze mil reis de antemão p.a tirar humas argollas q. tinha empenhado.

 

Satyra.

 

Quinze mil reis de antemaõ

Cotta a pedir me se atreve

O diabo me a mim leve

Se ella val mais, que hum tostaõ:

Que outra femia de canhaõ

Por seis tostões que lhe dey

Toda a noite a pespeguey,

E quem faz tal petitorio

Borrorio.

Hora está galante o passo,

Menina, naõ me direis

Se vos deu quinze mil reis

Quem vos tirou o cabasso:

Fazeis de mim taõ madrasso

Que vos dê tanto dinheiro

Por hum triste parrameyro

Que está junto ao cagatorio

Borrorio.67

...............................................

Hora emfim vos a pedir,

E eu Cotta a vos negar,

Ou vos haveis de cançar,

Ou eu me hey de excluir:

Com que venho a inferir,

Destas vossas petições,

Que heis de pedir me os colhões,

A parvoice, o zimborio

Borrorio.68