O GÊNERO EXPLICAÇÃO DO DISCURSO DO PROFESSOR NA INTERAÇÃO EM SALA DE AULA

Ana Paula Sarmento Carneiro (UFPB)

1 - INTRODUÇÃO

A explicação, assim como qualquer outro gênero discursivo, é adaptável às esferas de comunicação humana considerando a sua relativa estabilidade. Desse modo, embora admitamos que a explicação possua sua forma típica de composição, não defendemos que este gênero deva ser estudado sem levar em conta as condições concretas de sua produção. Isto porque o próprio fato de se isolar uma estrutura de qualquer gênero, leva-nos necessariamente a considerar também a relação entre os interlocutores, a situação, o aspecto sócio-histórico, etc, os quais estão envolvidos diretamente no momento de sua enunciação.

Sendo assim, a nosso ver, nem sempre a explicação vai obrigatoriamente seguir uma esquematização de uma pergunta em por que ou como por parte do explicatário, e, logo em seguida, uma resposta e uma avaliação por parte do explicador, embora a pergunta seja condição essencial e primeira para que ocorra a explicação.Esta pergunta pode ser implícita ou explícita. Além disso é possível que se processe a explicação mesmo que não se verifique esse esquema ou, o contrário, que haja uma esquematização estrutural desse gênero e não se caracterize como uma explicação, desde que não satisfaça aos interesses do explicatário ou mesmo que haja uma recusa do explicador em partilhar e adaptar os seus conhecimentos ao nível de capacidade de abstração do seu explicatário. Acreditamos, portanto, que o ato da explicação está relacionado não só com o aspecto lingüístico, intencional, mas também com as condições concretas da comunicação verbal, ou seja, todos os aspectos exteriores, constitutivos da linguagem.

Partindo do princípio de que a explicação constitui, dentre as atividades de linguagem, uma das mais recorrentes na nossa vida diária em contextos de interação os mais diversificados possíveis e serve como estratégia para o esclarecimento de possíveis incompreensões no processo interacional entre os interlocutores, estamos convencidos da importância do seu estudo, especialmente no contexto de sala de aula. É neste espaço institucional, onde o recurso da explicação é um mecanismo central para que se processe, através da interação professor/aluno, o ensino-/aprendizagem.E, caso o professor desconheça os procedimentos de ordem lingüística, social, interacional e discursiva que caracterizam e estão relacionados a este gênero, mais difícil se tornará atingir-se os objetivos pretendidos, no contexto de sala de aula.

Daí o nosso interesse, neste trabalho, em descrever este gênero no discurso oral do professor, em situação de ensino universitário. Nosso objetivo, portanto, é verificar não só a forma composicional deste gênero, como também identificar, no discurso do professor, momentos em que ele se recusa a explicar ao aluno através de ironias. Para isso, utilizaremos, como ilustração, alguns eventos de aulas de Língua Portuguesa gravados em áudio, em turmas de nível universitário, da cidade de Campina Grande-PB.

Para caracterizar o gênero explicação oral, tomamos por base, entre outras, a teoria de Borel (1981).

2- CARACTERIZAÇÃO DO GÊNERO EXPLICAÇÃO ORAL EM SALA DE AULA

Apresentaremos, em linhas gerais, a visão sobre o gênero explicação de alguns autores que o concebe numa linha mais lingüística e textual, logo em seguida, discorreremos sobre a teoria de gênero com a qual acreditamos ser mais adequada para dar conta do objetivo a que nos propomos aqui.

Sabemos que, de certa forma, qualquer texto pode ser considerado informativo. Entretanto, para uma caracterização mais precisa, menos genérica, do gênero explicação, faz-se necessário traçarmos alguns limites entre esses gêneros discursivos.

Combettes e Tomassone (1988), citados por Adam (1992:128), procuram esclarecer a diferença entre a informação, a exposição e a explicação.Esses autores reconhecem que todo texto é, em certo grau, informativo e que o termo expositivo seria, sem dúvida, melhor de ser utilizado do que o termo informativo, considerado, por eles, como vago e impreciso. Para esses autores, portanto, explicar não deve ser confundido com informar, pois embora o texto explicativo possua, sem dúvida, uma base informativa, ele se caracteriza, além disso, pelo seu aspecto de se fazer compreender fenômenos explícitos e implícitos, pela existência de uma questão como ponto de partida, que o texto procura elucidar. O texto informativo, ao contrário, não visa estabelecer uma conclusão: ele transmite os dados organizados, hierarquizados, mas não se propõe, em princípio, influenciar o interlocutor, em conduzi-lo a esta ou àquela conclusão, em justificar um possível problema.

Já a distinção, para Adam (op. cit., p. 129), operacionalizável entre a exposição e a explicação passa pela diferença entre a resposta que é dada a partir do por que ou do como. De modo que, para esse autor, a maior parte das seqüências que obedecem à estrutura de uma resposta em como, não são consideradas explicativas.

Pouliot (1993:122) baseia-se na definição de Deblanc (1990) de que o discurso explicativo é uma “relação de comunicação entre dois agentes, a respeito de um objeto, ou seja, um locutor A faz saber ou faz compreender a seu interlocutor B o que é um certo objeto (que causa problema), descrevendo-o ou analisando-o diante dele, explicando elementos ou aspectos”.

Esta autora (p.122) advoga que a explicação deve : a) responder não só a uma questão em por que, mas também em como, a qual é legitimada pela situação ou pelo próprio discurso; b) apresentar-se como um discurso de autoridade, fundado sobre o saber e a objetividade; (c) visar uma completude, que implica uma certa adaptação ao destinatário, em função de sua idade, de seus conhecimentos, de seu meio social ,etc; (d) ser um discurso lógico: o enunciador apresenta claramente uma série de proposições, seguindo uma ordem progressiva; (e) estabelecer ligações lógicas entre as diversas proposições, permitindo ao seu interlocutor construir uma nova representação.

Em oposição a esta perspectiva, temos o trabalho realizado por Borel (1981), em que a explicação é vista dentro de uma perspectiva mais discursiva. Para Borel, a explicação não deve ser estudada como uma coisa em si, mas como essencialmente relativa. Este autor assinala como uma das dificuldades encontradas neste campo de estudo, assim como em outros, o fato de se isolar um objeto de estudo do seu campo discursivo, para inseri-lo numa tipologia, desvinculada de um contexto, das relações com outros discursos, bem como das situações que o determinam e onde se verificariam os seus efeitos.

Essas considerações, segundo Borel, devem ser aplicadas ao discurso explicativo. E, para enfatizar melhor o direcionamento a que se propõe, em seus estudos, neste campo, este autor afirma que não se mede um discurso como se delimita um terreno e nem se o desmonta como se fosse uma máquina (p. 23). A partir destas colocações, a nosso ver, o autor evidencia que o discurso não é neutro, ele é, portanto, signo de alguma coisa, direcionado para alguém, no contexto de outros signos e experiências. Nesse sentido, o discurso é visto como um processo que no seu próprio desenvolvimento se faz signo, quer dizer apresenta características peculiares que devem ser consideradas.

Tendo em vista essa noção de discurso defendida por Borel, podemos dizer que a explicação como gênero do discurso não se restringe a uma mera “esquematização” ou estrutura com o único objetivo de fazer com que alguém compreenda alguma coisa. Desse modo, a explicação, certamente, é uma atividade do conhecimento que possui suas regras, sua lógica interna, no entanto, ela constitui numa atividade de linguagem e, como tal, está inserida num contexto sócio-histórico e ideológico que, por sua vez, está associado a outras instâncias enunciativas. Portanto, para termos uma caracterização do gênero explicação o menos genérica possível, faz-se necessário levarmos em conta todos esses aspectos envolvidos no momento de sua produção, a fim de percebermos suas peculiaridades específicas. Assim, não basta apenas dizermos que a explicação responde a uma questão em por que ou como; é preciso considerar o universo de descrições composicionais possíveis de serem feitas, a depender do tipo de discurso explicativo, quer seja ele oral ou escrito, considerando, obviamente, as condições de produção desse gênero.

A nosso ver, portanto, o aspecto meramente lingüístico ou intencional não é suficiente para definir a explicação. Procuraremos seguir, assim, as idéias de Borel apresentadas acima sobre a explicação, pelo fato de estas se aproximarem mais de uma visão discursiva que não se restringe a conceber a explicação como uma coisa em si, no seu aspecto estritamente lingüístico. Com isto não estamos descartando a análise do aspecto lingüístico, qual é também necessário para buscarmos descrever a forma composicional do gênero explicação oral do professor no contexto de ensino universitário. Contudo, vale salientar que embora o que acabamos de expor sobre a caracterização do gênero explicação seja válido tanto para a sua manifestação oral quanto escrita, não estamos desconsiderando os fatores situacionais, lingüísticos, típicos da oralidade.

A partir do posicionamento dos teóricos que consultamos sobre o gênero explicação, quase todos são unânimes em afirmar que a condição inicial para a explicação é a formulação de uma pergunta..O que temos a concordar, embora não desconsideremos que possa ocorrer explicação na própria exposição do explicador e esta ser capaz de satisfazer um questionamento interior do explicatário que não necessariamente foi formulado verbalmente. Por outro lado, acreditamos que esta pergunta inicial para que ocorra a explicação pode ser explícita ou implícita conforme defende, entre outros autores, por Borel (Op. cit).

Uma outra característica da explicação diz respeito à sua didaticidade, apresentada por Moirand (apud Passegi, 1998), que a define a partir de três aspectos : o situacional, o funcional e o lingüístico. No que se refere ao aspecto situacional, a explicação caracteriza-se por se enquadrar numa situação de comunicação em que um dos interlocutores demonstra possuir um conhecimento que seja superior ao do outro e ainda pelo fato de apresentar disposição e desejo em compartilhar este conhecimento. Em relação ao aspecto funcional, a explicação, além de seu caráter informativo, é identificada pela intencionalidade do explicador em fazer com que o seu interlocutor não só compreenda, mas se convença daquilo que está sendo explicado. E é neste aspecto que consideramos que a explicação, assim como qualquer outro gênero, não é um dizer neutro. Quanto ao aspecto lingüístico, a explicação se caracteriza por apresentar definições e exemplificações que facilitam a compreensão do explicatário.

No caso da explicação oral em sala de aula no contexto acadêmico, partimos do pressuposto de que, em tese, aquele que explica (o professor) deva apresentar de forma explícita a intenção de fazer com que o explicatário (o aluno) compreenda o assunto o qual está sendo explicado. Neste sentido é que Borel (op. cit) afirma que o explicatário deve, em princípio, reconhecer o explicador enquanto mediador neutro, no sentido de que a preocupação primeira deste seria apresentar a verdade das coisas e a das relações entre as coisas, ou seja, reconstruir o objeto da explicação de forma o mais fidedigna possível.

3. DESCRIÇÃO DO GÊNERO EXPLICAÇÃO DO DISCURSO DO PROFESSOR NA INTERAÇÃO EM CONTEXTO DE ENSINO UNIVERSITÁRIO.

A explicação é considerada uma prática discursiva de grande valor no meio universitário. É possível, através deste gênero de discurso, estabelecer a interação professor/aluno e, conseqüentemente, encadear o ensino-aprendizagem em sala de aula.

No entanto, partimos do pressuposto de que, se este gênero de discurso não for devidamente adequado, levando em conta os aspectos sociais, ideológicos, históricos, entre outros, que estão diretamente envolvidos no espaço enunciativo de sala de aula, poderá ocorrer um efeito contrário, e não se verificar a explicação e, conseqüentemente, comprometer a interação professor/aluno em sala de aula

Mesmo havendo a possibilidade de reversão de papéis nas interações dialógicas face a face em sala de aula, podemos afirmar, baseados em estudos já realizados, neste campo, que o professor ainda é o detentor do poder e do saber, pois ainda é ele quem domina o objeto de ensino muito mais do que o aluno, bem como regula o direcionamento da aula, atribuindo normas de ensino que lhe são facultadas pela própria instituição escolar. Não estamos querendo com isto estabelecer uma relação extremamente dicotômica e polarizada entre o conhecimento do professor e do aluno, desconsiderando a possibilidade deste, em alguns casos, até chegar a superar os conhecimentos do professor. No entanto, há de convir que a realidade da instituição escolar estabelece papéis definidores em relação ao professor e ao aluno que ainda não foram superados.

Essas considerações acima são fundamentais para que possamos descrever a explicação do professor no meio universitário, observando não só como se estrutura esse gênero, mas também verificando quando o professor recusa-se a explicar ao aluno através da ironia, acarretando, assim, uma maior assimetria na interação professor/aluno em sala de aula.

Assim, não pretendemos apenas descrever a forma composicional da explicação oral dada pelo professor, como também demonstrar que este se utiliza de um estilo individual irônico que acaba comprometendo e recusando a explicação ao aluno.

Vejamos, nos eventos seguintes, os quais fazem parte de uma exposição oral sobre sintaxe, como se dá a explicação do professor e, conseqüentemente, a interação.

EVENTO 1:

Participantes: Professor (P); aluna (A)

Contexto: Professor explica a diferença entre sintagma circunstancial e quantificador.

A- oh ... professor ... deixa eu fazer uma pergunta?

P- faça duas ... ((risos))

A-esse MUITO aí ... não poderia ser uma circunstância também não?

P- para a gramática tradicional é ...bem... só pode dizer que

alguma coisa é simplesmente...((incompreensível))... a gramática tradicional para explicar um fato por falta de um esclarecimento melhor ... uma explicação melhor ... mais adequada ... mais sistemática para determinados fatos ... arrola nos fatos coisas que não têm nada a ver entende? ... um sintagma circunstancial é sempre ... SEMPRE E OBRIGATORIAMENTE um elemento que você pode descrever mentalmente ou indefini-lo e preposicioná-lo ... todo ele pode e o MUITO não tá na lista ... que veja por exemplo .. você pode em algum lugar ... EM ALGUM LUGAR é um sintagma circunstancial ... você pode de alguma maneira... DE ALGUMA MANEIRA é um sintagma circunstancial ...você pode ... vai diz aí eu tô rouco ...vai .. vai ...você mora ... vai ...

A- com alguém ...

P- com alguém ... pronto ... COM ALGUÉM é sintagma circunstancial

P- /.../ MUITO é exclusivamente intensificador ... não circunstancializa NADA ... as circunstâncias são exatamente os elementos que OPERAM com instâncias de uma enunciação .../.../ conclusão... MUITO ... é intensificador quando se refere a palavras intensificadas e é quantificador quando se refere à palavras quantificadas .. se eu digo por exemplo muito feijão é quantificado... eu não disse

Conforme, observamos no evento 1 acima, a explicação do professor sobre o tema sintagma circunstancial segue à forma composicional deste gênero. Segundo o próprio Borel (op. cit.) e outros autores, a condição inicial para a explicação é a existência de uma pergunta, implícita ou explícita. E, no caso em análise, verificamos que para iniciar a explicação foi necessário que surgisse um questionamento por parte da aluna (A) esse MUITO aí ... não poderia ser uma circunstância também não ? Com isto, não estamos desconsiderando, conforme já afirmamos anteriormente, que não possa haver a possibilidade de, na própria exposição do assunto, já haver uma explicação que satisfaça ao explicatário e este não sinta a necessidade de formular perguntas.

Por outro lado, uma outra condição para que haja explicação diz respeito ao aspecto situacional, e o professor revela, no momento de interlocução com a aluna em sala de aula, possuir um saber super tradicional classificá-la como tal, mas de um intensificador- “MUITO é exclusivamente intensificador...não circunstancializa NADA...”

No que se refere ao aspecto lingüístico, podemos verificar que a explicação dada pelo professor apresenta traços típicos deste gênero, na medida que apresenta definições “... um sintagma circunstancial é sempre ... SEMPRE E OBRIGATORIAMENTE um elemento que você pode descrever mentalmente ou indefini-lo e preposicioná-lo ...” e várias exemplificações -“... veja, por exemplo .. você pode em algum lugar ... EM ALGUM LUGAR é um sintagma circunstancial ...” .Percebemos, neste evento, que o professor se esforça para que fique bastante esclarecida a dúvida da aluna, e arrola vários exemplos em que se pode estabelecer a diferença entre um sintagma circunstancial e um intensificador.

EVENTO 2:

Participantes: Professor (P); Alunos (A )

Contexto: Aula sobre sintaxe, professor explica que há a possibilidade de haver dois complementos de uma mesma natureza para um único verbo.

P- ... não é possível construir-se frases em língua portuguesa com dois objetos diretos ...com dois objetos indiretos ...isso não pode...mas há verbos que se constrói com dois ...não tem jeito de escapar ...

A- diz um que tem dois ... simplesmente ?

P- /.../ SE QUEIXOU DA AULA AO DIRETOR (( o professor escreve o enunciado no quadro))...inescapavelmente quem se queixa ... se queixa de algo a alguém ... tá vendo? são dois objetos indiretos ... a gramática não aceita que haja dois objetos indiretos no mesmo verbo.../.../ quando ela chega a isso ...ela usa uma coisa esdrúxula ... estranha...extravagante...

A- que é que ela diz ?

P- ela diz que não pode haver dois objetos indiretos no mesmo verbo ...quando ela chega a isso... a um verbo desse...ela não pode dizer que está errado porque escritores que ela reputa como bons né ? todos usam ... todos fizeram ... há uma complexidade entre os escritores pra poder dizer isso e os escritores usam isso e acabou... ela não tem como fugir...nesses casos ...o objeto indireto é que tem a preposição A ou PARA e o outro é o complemento relacionado ou de relações...só que o complemento de relação é determinado pela gramática antiga ...

Neste evento 2, observamos que durante a exposição do professor sobre a possibilidade de haver num mesmo verbo dois complementos de uma mesma natureza, chamou a atenção do aluno e este pediu para que o professor exemplificasse essa possibilidade “diz um que tem dois... simplesmente”. A partir daí, o aluno demonstrou interesse em saber o que diz a gramática sobre o assunto e lança a pergunta que é que ela diz ?

O professor, exercendo a função de explicador, aquele que teoricamente possui um saber superior ao do explicatário, o aluno, procura esclarecer a questão que lhe foi formulada, partilhando o seu conhecimento. O professor procura não apenas informar ao aluno o ponto de vista da gramática sobre o assunto, mas de certa forma procura convencê-lo de que a gramática é incoerente e não prevê casos como o que ele está apresentando, comum de serem vistos apenas nos textos de renomados escritores os quais são aceitos pela própria gramática.

Percebemos, assim, que do ponto de vista composicional, este evento caracteriza-se como uma explicação, tanto pelo fato de apresentar uma pergunta por parte do explicatário, quanto pelo fato de apresentar definições e exemplificações. Além de, funcionalmente, ter ocorrido um esclarecimento que parece ter satisfeito ao explicatário, uma vez que não fez nenhuma objeção ou outro questionamento. Neste evento, portanto, percebemos que houve um esquema interativo entre professor/aluno, ou seja, houve um acordo progressivo e tácito entre as perguntas feitas pelo aluno e as respostas do professor.

EVENTO 3:

Participantes: Professor (P); Aluno (A)

Contexto: Aluna pede explicação ao professor sobre o verbo sabe-se, ela está em dúvida se este é predicador ou não.

A-professor...? ( fala baixo)

P- diga...

A- e esse SABE-SE ali?

P- diga...

A- como é que a gente... alguém sabe-se...?

P- diga...

A-silêncio ( a aluna não responde)

P- tem um poeta que disse que... um carro... como foi que ele disse mesmo? ele disse que a experiência é um caminhão de faróis voltados para trás... né? então quando você pega um caminhão com os faróis voltados para trás... o que é que acontece? bate no primeiro obstáculo que você vai encontrar na frente (incompreensível) não é verdade? por outro lado... existem aqueles que têm faróis muito altos não é?... que pega no fininho porque vai na frente... então vamos ver se a gente termina essa etapa pra gente chegar naquela? não é melhor? ... senão você vai terminar ficando maduro mesmo... quem tem dúvida sobre isso aí. .. predicador?

A- silêncio ((a aluna que pediu explicação e toda a turma ficam em silêncio))

O evento 3 acima, ao contrário dos eventos anteriores, não se enquadra, evidentemente, na forma composicional padrão da explicação e poderíamos também dizer que não se enquadra nem na não padrão, ou seja, não se verifica, por parte do explicador uma resposta caracterizada como uma “solução” ao questionamento feito pelo explicatário, nem muito menos definições e exemplificações que sejam elucidativas. Portanto, a nosso ver, não há explicação.

Percebemos neste evento, que, quando a aluna formula uma questão ao professor “e esse SABE-SE ali ? com o objetivo de saber o porquê da sua classificação na oração analisada pelo professor, este, por sua vez, parece não valorizar ou não estar satisfeito com o modo da formulação da pergunta feita pela aluna e insiste para que a mesma seja mais explícita na sua dúvida, afirmando de forma imperativa “diga...”. Por fim, quando percebe que a aluna desiste de continuar pedindo explicação, o professor, para demonstrar que a aluna estava sendo “inoportuna” com aquele tipo de questionamento, responde ironicamente, comparando a pressa da aluna com os faróis muito altos de um caminhão. O professor acaba não explicando a dúvida da aluna e ainda deixa bastante explícita a idéia de que ela estava “atropelando” uma etapa da aula: “vamos terminar essa etapa pra chegar naquela ....” senão você vai terminar ficando maduro mesmo”. Contraditoriamente, depois lança uma pergunta sobre o assunto que a mesma aluna mostrou não ter entendido: “quem tem dúvida sobre isso aí... predicador?” Obviamente que a aluna sente-se constrangida e resolve permanecer em silêncio, conseqüentemente, não se dá a interação e a aluna não consegue a explicação do professor para a sua dúvida.

EVENTO 4:

Participantes: Professor (P); Aluna (A)

Contexto: Aluna pede explicação ao professor sobre a palavra esquema, termo utilizado pelo professor para identificar os termos sintáticos das orações.

A-professor... explica esse negócio...

P- explica o quê ?

A- esse negócio de esquema... professor... como é qui eu vô sabê esse negócio de esquema ... se eu não sei como é...?

P- eu tô com medo já... já ... qui vocês tenham uma isquemia em vez de esquema... ((o professor sorria de forma irônica))

As- ((risos))

P- olha... você ((dirigindo-se à aluna que fez a pergunta)) qui faltou umas 740 aulas ... tem qui ... evidentemente .. ou me procurar separadamente fora da aula...ou procurar seus colegas...

No evento 4, embora verifiquemos a iniciação para que se dê o processo da explicação, a partir de uma solicitação da aluna “professor explica esse negócio”, o professor, ao invés de assumir o papel de explicador, desfazendo a incompreensão da aluna no que dizia respeito à terminologia esquema (termo utilizado pelo próprio professor na sala de aula para identificação do sujeito), acaba desqualificando a fala da aluna, através de um jogo irônico de palavras “isquema/esquemia”. Neste evento também não verificamos explicação por parte do explicatário, o professor, mas sim recusa irônica em desfazer a dúvida da aluna. Com isto, verificamos que houve um grande distanciamento do professor em relação à aluna que lhe fez o questionamento.

EVENTO 5:

Participantes: Professor (P); Aluna (A)

Contexto: Aluna está em dúvida sobre a diferença entre conjunção e conectivo.

A- só quem liga é ... é ...as conjunções... né professor?

P- não criatura ...

A-NÃO ... assim ...conectivo e conjunção não é a

mesma coisa?

P- repare bem ...conectivo e conjunção não são a

mesma coisa.

A- não ... mas ...é... (gagueja)

P- conjunção é conectivo... mas nem todo conectivo é conjunção...

A- quem é qui é mais conectivo aí ..?

P- quem é que é mais conectivo? ((rindo)) aí aonde?

A- LÁ ... junt ... na oração ... eu tenh ...eu tenh ...((gagueja e não consegue se expressar)) conjunção ... conectivo ... não ... agora me enrolei.

P- desenrola ... pelo amor de Deus ((rindo intensamente)) ... retira o cobertor... não é? eu vou mandar você ler ... um conto de Julio Cortázar ... extraordinário... genial...qui é uma pessoa... a história de um homem.. qui... não é de uma mulher ... mas se adapta... a história de um homem qui chega em casa... e chegando em casa precisa tirar o pulôver e ele se debate tirando o pulôver ... tentando tirar e não consegue e por uma força estranha qui ninguém sabe o qui é... impede qui ele tire o pulôver ... e ele fica enrolado no pulôver e não sai nunca... e você pra não ficar enrolada pro resto da vida ... lê esse conto pelo AMOR DE DEUS ... tá certo? se você quiser ... eu empresto.

A- me empresta ((rindo, demonstrando está envergonhada ))

Inicialmente, neste evento 5, o professor parece querer explicar a dúvida da aluna sobre a diferença entre conjunção e conectivo e apresenta uma justificativa bastante genérica e superficial “ conjunção é conectivo...mas nem todo conectivo é conjunção”. Porém, quando a aluna demonstra constrangimento por ter se equivocado e começa a gaguejar, sem conseguir se expressar para prosseguir o questionamento, o professor se utiliza da ironia. De forma explícita, o professor deixa evidenciar sua perplexidade diante do “baixo” nível de conhecimento metalingüística da aluna, comparando a forma como ela estava “enrolada” com o modo do personagem de Julio Cortazar, ao tentar tirar o pulôver. Neste momento, o professor acentua mais ainda a assimetria em relação à aluna, por recorrer a um conhecimento intertextual que não é compartilhado, nem faz parte do universo cultural da mesma.

Na verdade, neste evento, também não verificamos o gênero explicação. O professor apresenta novamente um estilo individual irônico que acaba por reforçar o seu papel de detentor do saber e de poder institucional escolar e não exerce o seu papel de explicador. De modo que observamos, mais uma vez, que, pelo estilo irônico do professor e pela falta, talvez, de conhecer ou não querer utilizar as estratégias interacionais para essa situação comunicativa, o professor não segue os devidos mecanismos esperados para proceder à explicação.

4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da pequena amostra dos eventos aqui analisados, caracterizados ora como gênero explicação, ora como recusa irônica do professor em explicar ao aluno, pudemos comprovar, em linhas gerais, a flexibilidade e a mutabilidade dos gêneros discursivos, mais especificamente do gênero explicação. Conforme observamos, a situação, o fator intencional e a relação entre os interlocutores (professor/aluno) foram considerados de grande relevância no momento de produção deste gênero.

Notamos que, embora o discurso pedagógico ou instrucional seja identificado com o discurso explicativo, não se verificou nos eventos orais, em alguns momentos, disposição, desejo por parte do professor em compartilhar com o aluno o seu conhecimento. Não bastou, assim, a constatação de que o assunto exposto pelo professor tinha deixado lacunas, ficado incompleto para o aluno, visto que este sentiu a necessidade de formular questionamentos e não foi atendido pelo professor, na maioria das vezes. Desse modo, quer seja pelo fato de o explicador, o professor, não ter achado necessário explicar o assunto, quer seja pelo fato de ter achado que estava sendo interrompido com perguntas que, para ele, não eram pertinentes naquele momento, não se verificaram as condições necessárias para a produção do gênero explicação e conseqüentemente o processo de ensino aprendizagem. Obviamente, estas são interpretações que podemos depreender a partir da linguagem utilizada pelo próprio professor na instância enunciativa de sala de aula e o tipo de relacionamento dispensado aos alunos.

Assim, a forma individual irônica de como o professor “respondia” em alguns momentos os questionamentos feitos pelos alunos em sala de aula, provocaram, consideravelmente, um efeito contrário do que era esperado que ocorresse em um evento oral, de natureza explicativa. Na verdade, o estilo irônico contribuiu para a interpretação de que a intenção do professor era desqualificar o pedido de explicação do aluno.

Percebemos também que o fato de os alunos permanecerem em silêncio diante das ironias do professor reforçou significativamente a assimetria em sala de aula entre professor/aluno. E o gênero explicação, em seu quadro geral, conforme observamos, não se constituiu em um “instrumento” para dirimir problemas de intercompreensão, mas para reforçar a “ignorância” do aluno.

5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Adam, J. M. Les Textes: Types et Prototypes. Paris : Nathan, 1992, p. 127-144

Bakhtin, M. (1953/1979) Estética da Criação Verbal. São Paulo : Martins Fontes.p. 279-326

Borel, M. J. L’explication dans l’argumentation. Approche Semiologique. Langue Française, 1981.

Passegi, M. da Conceição. Discurso explicativo e uso do texto didático na sala de aula. In: Passegi, Luís (org). Abordagens em Linguística Aplicada. Natal : EDUFRN, 1998, p. 147-165.

––––––. A explicação na interação didática. Competência comunicativa e reformulações intertextuais. In: Vivência. Cadernos do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN. V. 12, n 1 Jan/Jun, 1998, p. 57-75.

Pouliot, M. Discours explicatif écrit em milieu universitaire. In: Kahn, Gisèle (org) Des Pratiques de l’écrit. HACHETE , 1993, p.120-128.