O JOGO DO SER E DO PARECER NO ENSINO DA LÍNGUA ITALIANA

Anamaria Vieira Magalhães (UFRJ)

 

 

Um dos temas mais interessantes e polêmicos no estudo da língua italiana é a questão dialetal. O aluno estrangeiro, que não tem a oportunidade de vivenciar o italiano falado, certamente não poderá ignorar esse aspecto, sempre presente no estudo da língua. Após dominar o léxico, a sintaxe e ter um razoável desempenho lingüístico, o estudioso defronta-se com o dialeto. Esse aspecto não é uma questão discutida apenas pelos estudantes e professores nas salas de aula mas, principalmente pelos grandes escritores da língua como: Dante na sua De Vulgari Eloquentia e o renomado Pirandello que na sua tese de Doutorado (realizada em Bonn e publicada em 1891) já se preocupava com o tema, pois discorria sobre o Dialeto de Girgenti.

Sem dúvida, uma das formas mais interessantes de estudar a questão dialetal é através da leitura dos grandes clássicos tais como: Carlo Goldoni, Giovanni Verga e Luigi Pirandello. Este último, considerado um marco dentro da história literária italiana. Muitas palavras e expressões, principalmente dialetais, poderiam morrer, mas encontram na literatura a sua força de resistência. Os estudiosos não conhecem outra língua que não seja a dos livros, enquanto os iletrados continuam a falar aquela língua (o dialeto) a que estão habituados. Pirandello, no momento em que registra os usos, costumes, falares e lendas do povo siciliano, eterniza também a questão dialetal, pois ele não poderia falar tão particularmente da Sicília, a não ser trazendo a público modos e falares do dialeto siciliano. Assim, quando revisitamos a obra pirandelliana, dois aspectos são logo colocados em destaque: a questão dialetal e, devido à complexidade dos temas apresentados, a noção de fantástico.

Na cidade de Milão, a população fala o dialeto lombardo, em Torino o piemontês, em Florença o florentino, em Veneza o veneziano, em Palermo o siciliano, e assim por diante. Cada dialeto tem o seu aspecto fonético, os elementos morfológicos e sua sintaxe particular. Se colocarmos um siciliano e um piemontês, não totalmente analfabetos, para conversar, sentirão a necessidade de uma língua comum. Mas onde encontrar esta língua ? Certamente nas escolas e nos livros. Então o siciliano e o piemontês irão fazer um arremedo dos seus respectivos dialetos, a fim de que possam entender-se. Por isso, na literatura pirandelliana não encontramos textos escritos totalmente em dialeto siciliano, porque dessa outra forma seria incompreensível para a maioria dos italianos. Mas, sem dúvida, aí existem variados aspectos do dialeto em questão. Às vezes encontramos certos usos da língua nas formas dialetais. Enfim ele é uma língua viva, mas que está restrita, aos muros de uma determinada cidade ou região.

Qual o motivo que levaria Pirandello a escrever dessa forma e não no italiano standard, que é o ensinado nas escolas? Por que um escritor se serviria de um meio de comunicação tão limitado? Existem várias razões, contudo podemos apontar as mais interessantes: 1) A produção dialetal requer um conhecimento específico da palavra e da coisa representada; 2) Sendo profundo conhecedor do meio de comunicação que está utilizando, o poeta adota a língua com aquela vivacidade particular, com a nativismo oportuna que é condição sine qua non para que se produza arte; 3) a natureza dos seus sentimentos e das suas imagens está radicada na terra da qual ele é porta-voz. Para ele seria incoerente outro meio de comunicação que não fosse o dialeto siciliano; 4) muitas vezes a coisa representada é totalmente local e não poderia encontrar expressão em outra língua.

Muitas características marcantes do homem siciliano estão contidas na novela "La Giara" do livro Novelle (Milano, Mondadori, 1985) é um caso cômico, narrado na Sicília de Pirandello. Somente utilizando formas dialetais o escritor poderia descrever as peripécias da história ocorrida durante a colheita das azeitonas, e possibilitaria a um estudioso da cultura italiana apreender a riqueza do tema e a profundidade utilizada na descrição dos personagens principais: don Lollò e Zi’ Dima. Na forma dialetal eles adquirem autonomia de voz e tornam-se pessoas vivas:

Da due giorni era cominciata l’abbacchiatura delle olive, e don Lollò era su tutte le furie perché, tra gli abbachiatori e i mulatieri venute con le mule cariche di concime da depositare a mucchi sulla costa per la favata della nuova stagione, non sapeva piú come spartirsi, a chi badar prima. E bestemmiava come un turco e minacciava di fulminare questi e quelli, se un’oliva, che fosse unóliva, gli fosse mancata, quasi se avesse prima contate tutte a una a una su gli alberi; o se non fosse ogni mucchio do concime della stessa misura degli altri. Col capellaccio bianco, in maniche di camicia, spettorato, affocato in volto e tutto agocciolante di sudore, correva di qua e di là, girando gli occhi lupini e stropicciandosi con rabbia le guance rase, su cui la barba prepotente rispuntava quasi sotto la raschiatura del rasojo.

A nitidez com que é descrito o trabalho de Zi’ Dima, também merece destaque nessa novela:

Zi’ Dima alzò la mano a un gesto rabbioso. Aprì la scatola di latta che conteneva il mastice, e lo levò al cielo, scotendlo, come per offrirlo a Dio, visto che gli uomini non volevano riconoscere la virtù: poi col dito cominciò a spalmarlo tutt’in giro al lembo staccato e lungo la spaccatura.

Podemos afirmar que literatura é criação, e não apenas conhecimento. Para que a criação na arte se instaure, é necessário o conhecimento da coisa em si e da palavra, que é o símbolo e a representação geral. Pirandello apresenta personagens, usos e costumes burgueses que estão escritos naquela linguagem híbrida entre dialeto e língua, que é o chamado dialeto burguês tornando-se língua italiana, isto é, aquela língua italiana falada comumente, e não somente pelos incultos. Convém esclarecer que, se o conto "La Giara" fosse escrito somente no dialeto siciliano, não seria compreendido pelo resto da Itália. Na forma como Pirandello escreveu, observamos naturalmente uma certa cor siciliana, um certo sabor de vernáculo nativo.

A vida de uma região, ou como a sentiu Pirandello, não poderia ser narrada de outra forma, a não ser a dialetal, que para ele é a própria criação poética. O dialeto é seu verdadeiro e único idioma como essencial forma de expressão. Na Itália, cada região, cada cidade é uma grande nação. As particularidades dialetais demonstram sua riqueza de história, riqueza de vida, riqueza de formas e riqueza de costumes. Pirandello opta por uma língua concebi da como criação de formas, uma língua italiana articulada, variável e idealmente unitária.O modelo da sua prosa não é o dialeto siciliano mas a vivacidade da língua falada. O elemento dialetal está mascarado, não constitui o instrumento, por adesão interna, ao mundo representado. É um elemento que serve para aproximar-se de uma língua discursiva: o léxico utilizado por ele está preso nas suas formas e nos seus valores atuais, vivos. A sintaxe segue mimeticamente gestos e falares da linguagem oral. O seu estilo está fundamentado na utilização de procedimentos da linguagem oral, resultando num falar médio e urbano, discursivo e moderado. A total contemporaneidade da sua língua procura transpor para a linguagem escrita a emoção e a referência à linguagem oral, atingindo a popularidade através de uma dialetalidade atenuada. O brilho da sua prosa atenta serve para retratar uma ironia adequada, observando a mediocridade da vida burguesa e a ambigüidade psicológica dos personagens. O próprio Pirandello justifica essa variedade regional do italiano como uma conseqüência de um particolarismo que é prerrogativa da formação histórica italiana desde as origens.

A unidade da língua está na unidade da cultura, das idéias e do viver civil de que a Itália necessita para entrar plenamente na órbita da civilização européia. O italiano é considerado pôr muitos estudiosos a mais livre das línguas românicas, mas também a menos revolucionária e, talvez pôr isso, a mais ambígua: inclinada a difundir um espírito novo numa matéria antiga.

A vivacidade encontrada na prosa pirandelliana encontra seu apogeu no mundo riquíssimo dos seus contos fantásticos, que foram coletados no livro Novelle Fantastiche (1993, Milano, Morano). Nesses contos Pirandello está atento às características da língua cotidiana. O mundo fantástico configura-se tomando como base a tradição literária do passado, mas dotada de inegável valor. O conto "Male di luna" que faz parte dessa coletânea começa com uma descrição do mundo siciliano: "Batà sedeva tutto agruppato su un fascio di paglia, in mezzo all’aja." e Sidora, sua esposa encontra-se com "lo sguardo alla striscia azzurra di mare lontano". Entre os dois cônjuges existe um sentimento de opressão sufocante. Tanto o homem, quanto a mulher falam pouco, estão imóveis e parecem absortos em seus próprios pensamentos. O início do conto transmite ao leitor um sentimento de espera que logo adiante torna-se mais claro através do comportamento de Batà, que é um homem-lobo. É interessante notar como lentamente Pirandello prepara esta revelação através de: frases, pequenos acenos, indícios que acentuam paulatinamente a estranheza do personagem.

A lua tem sobre Batà influência decisiva. Ele mesmo explica para a sogra que, quando era pequeno, foi exposto durante toda uma noite aos raios da lua que o tinham incantato. No conto, toda vez que se fala da lua, jamais é do ponto de vista de Batà, mas de outros personagens, e da mulher, em particular. É justamente ela que nos dá as primeiras descrições do astro:

Sidora, nel voltarsi per correre alla roba, difatti intravide nello spavento la luna in quintadecima, affocata, violacea, enorme, appena sorta dalle livide alture della Crocca.

Observamos nessa descrição a fascinação do astro que se apodera não só de Batà, que é uma vítima predestinada, mas também dos outros personagens. Vale dizer que esse conto foi publicado pela primeira vez no "Corriere della Sera" em 22 de setembro de 1913 com o nome de Quintadecima, a fim de enfatizar o grande fascínio que a lua exercia, e ainda exerce sobre as pessoas.

Sidora foge daquela maldita situação - pois havia se casado com um homem-lobo - para a cidade onde habitava sua mãe. A cena da sua chegada é teatral, como toda a obra pirandelliana, porque aos gritos faz com que as vizinhas se aproximem. Para ela, é como se fosse uma vingança, pois fora a mãe que a induzira a casar-se com aquele homem tão fora do comum. Tomada pela teatralidade da situação que está vivendo e protagonista absoluta de uma aventura inacreditável, Sidora finge para enfatizar o seu drama:

fingeva di non poter parlare per far meglio comprendere e misurare alla madre, alle vicine, l’enormità del caso che le era occorso, della paura che s’era presa.

Dessa forma, a fim de sublinhar o impacto das palavras de Sidora, o narrador sem jamais introduzir um discurso direto, insere algumas expressões de estupor das vizinhas, fazendo com que se perceba a voz coral do paese. O destino de Batà é impiedoso, pois, no fundo ele é inocente, não podendo controlar o que lhe sucede. Contudo, considera procedentes as lamúrias da sogra, já que havia escondido o seu mal antes de se casar. Através do seu comportamento contido consegue o perdão das comadres da cidadezinha, as quais conta o seu drama. Esta violência, esta deformação da realidade na direção do fantástico é uma constante na produção de Pirandello, é a sua especificidade no panorama da narrativa e do teatro contemporâneo. A narração é um evento extraordinário ( a licantropia de Batà), é a ocasião para apresentar o jogo dos espelhos e das aparências que faz parte da condição humana. Aquilo que é sofrimento para uns torna-se alegria para outros. É a relatividade e a ilogicidade da vida tão propagados pôr Pirandello. Em "Male di luna" o escritor descreve um mundo dominado pela desconfiança (Batà), pela hipocrisia (Sidora), pela supertição (a mãe) e pela ignorância (Saro).

Quando estudamos um texto de Pirandello, é necessário ter em mente que nesse momento estamos enfocando, sem dúvida, o que denominamos estudo específico da língua italiana. O uso do dialeto, pôr parte do autor, na medida exata ajuda inegavelmente aos estudiosos da língua. Principalmente nos seus contos fantásticos, são uma eterna fonte do cânone lingüístico, na medida em que a problemática colocada nesses contos muitas vezes tornam-se perguntas sem respostas. O fantástico, assim como a teoria pirandelliana, fundamenta a sua inquietação no conhecimento de que não existe verdade absoluta, mas somente uma infinita série de probabilidades. Elas são tantas quantas as imagens do mundo que o homem pode criar, e todas passíveis de revelar-se. A literatura fantástica é polissêmica, assim como a obra de Pirandello. O conto "La tragedia di un personaggio" publicado pela primeira vez no Corriere della Sera em 19 de outubro de 1911, talvez seja um dos mais emblemáticos, pois podemos facilmente relacioná-lo com o obra teatral "Sei personaggi in cerca d’autore" (1921). Tanto no conto, quanto na peça teatral, Pirandello coloca em questão a figura do personagem. Nessa história, o autor tem o hábito de receber seus personagens como se fosse um advogado, e dar-lhes atenção. Tanto na peça teatral, quanto na novela, o autor revela as regras do jogo, discorrendo sobre a criação artística. O verdadeiro protagonista é o próprio Pirandello, que através das vicissitudes do Doutor Fileno, personagem da história, nos fala da arte de escrever e nos desvenda a sua poética, revelando a sua necessidade de dar corpo aos personagens que povoam a sua fantasia, dando vida a seus fantasmas. Esta preocupação tão presente está na vida do autor, que numa carta datada de 23 de julho de 1917, isto é, seis anos depois de escrever o conto (La tragedia di un personaggio) e quatro anos antes de escrever a peça teatral (Sei personaggi in cerca d’autore) Pirandello escreve ao filho a propósito dos seus personagens:

mi vengono appresso, per essere composti in un romanzo: un’ossessione, ed io che non voglio saperne, che non m’importa di loro e che non mi importa piú di nulla, e loro che mi mostrano le piaghe ed io che li caccio via...

Segundo Pirandello, os personagens de uma obra são como seres vivos que se apresentam ao autor e lhe pedem que ele lhes dê vida, assim como acontece na novela "La tragedia di un personaggio". Dessa forma, podem seguir na vida, andando pelo mundo. Esse tema é recorrente no autor siciliano, e também uma de suas principais características. Ele questiona-se sobre o significado que os personagens têm numa obra de arte, não sendo fictícios, mas vivos e verdadeiros, e melhores do que as pessoas que povoam o mundo, porque estes morrem e estão sujeitos às leis naturais da vida, enquanto aqueles vivem uma vida imortal, como Julieta, de William Shakespeare; Francesca, de Dante Alighieri e Os irmãos Karamazov, de Fiodor Dostoievski. No entanto, eles têm necessidade de um autor que, na sua fantasia, se torna uma mãe que embala e nutre o filho, dando-lhes um acabamento, forma definitiva, enfim colocando-os no mundo.

O enredo dessa novela é bem singular e mostra com exatidão o caráter dos personagens pirandellianos, que parecem ter vida própria, autônoma, quando na realidade estão submetidos à personalidade do seu criador e, no fundo, interpretam toda sua problemática. O Doutor Fileno representa simbolicamente o personagem que se apresenta à fantasia do escritor, o qual não tem paz enquanto não realiza sua inspiração. O limite entre espírito e matéria, e a multiplicação de personalidades é alcançado através da forma fantástica que possibilita a pluralidade psicológica.

A forma como são apresentados os diálogos é também um sinal da grande vocação de Pirandello para com o teatro. O tom dialetal é característico do escritor siciliano, sugerindo uma ironia que lhe é peculiar, através do Doutor Fileno que se apresenta ao escritor como um personagem que suscita interesse, estimulando a imaginação já que portador de uma história. O seu método para atenuar o mal de viver é, na verdade, muito particular. Ele considera o presente, isto é, a época em que está vivendo, "come già lontanissimo nel tempo e impostato negli archivi del passato", como se fizesse parte da história. Para o personagem, não se trata de encontrar ensinamentos para o presente, mas é preciso considerar o último minuto como já vivido, como se fosse alguma coisa já acontecida sobre a qual nada se pode fazer. Daí advém a sua paz, a sua tranquilidade. Nessa novela, o leitor assiste ao caso paradoxal (fantástico) de um personagem que dialoga com o seu autor. O Doutor Fileno reivindica não somente para ele, mas para todos os outros personagens, para toda a categoria enfim, o direito de existir e, naturalmente, uma forte autenticidade perante os homens de carne e osso:

nessuno può sapere meglio di lei, che noi siamo esseri vivi, piú vivi di quelli che respirano e vestono panni; forse meno reali, ma piú veri! Si nasce alla vita in tanti modi, caro signori; e lei sa bene che la natura si serve dello strumento dellafantasia umana per proseguire la sua opera di creazione.

Pirandello - e com ele a literatura - através do instrumento da fantasia, continua a obra de criação da natureza porque, com seus personagens fantásticos ou reais, representa a vida, refletindo-a e inventando-a. Experimenta a dor de sofrer, quando, porventura, distorce ou falsifica o caráter de um deles. Sem dúvida, existe um conflito entre um escritor e os personagens que cria, e os vencedores geralmente são os personagens, porque o escritor, na tentativa de não se deixar dominar pôr vezes constrói modelos muito rígidos, que não concedem às suas criaturas, alternativas de ter uma vida própria. Os persoangens pirandellianos são escolhidos de forma polêmica entre os casos limítrofes que a vida cotidiana oferece. São tipos introvertidos como o Doutor Fileno e Batà, polêmicos e obstinados. Tipos traçados com exagero, e que são levados a encarar situações-limite. Essa escolha se fez necessária, já que Pirandello estava convencido que o leitor deveria ser tirado da sua distração e do seu desinteresse pôr tudo aquilo que não lhe diz respeito diretamente. Dessa maneira, o leitor é obrigado a ver, a constatar, a convencer-se, a refletir e tirar a máscara para que não caia no mesmo erro de egoísmo e hipocrisia, tornando-se assim um ser humano melhor. O Doutor Fileno é considerado um personagem-filósofo pirandelliano, porque ele fala sempre, é como se tivesse descoberto o "jogo da vida", retirou a máscara e estampa na face a verdade.

A primeira impressão que se tem a respeito dos personagens pirandellianos é que eles são escolhidos numa dimensão abstrata, são tipos. Mas quanto mais se vive em contato com eles, tanto mais os achamos verdadeiros frente aos reveses da vida. Exatamente como ele nos apresenta, cada pessoa com suas manias, com seu defeito físico ou psíquico que quer ocultar, ou seja, cada um a seu modo. No fundo, a vida é feita de pequenas causas, que muitas vezes causam grandes turbamentos.

Os personagens pirandellianos também são contemporâneos, porque parecem tomados pôr uma reação neurótica, que é característica da vida moderna. Sobretudo nas grandes aglomerações humanas, uma reação contra a impossibilidade de resolver os inúmeros problemas cotidianos, superando os obstáculos com que a vida nos presenteia. Existe, pôr parte dos personagens, uma reação íntima contra os próprios limites, contra as infinitas renúncias a que devemos nos submeter todas as horas, contra a nossa humana impotência, que nos dá o sentido da angústia e do medo de terminar irremediavelmente sem perspectivas.

Compreendidos dessa forma, inquietantes e agitados, os tipos pirandellianos parecem os das grandes tragédias gregas, são neurastênicos como os de Shakespeare, uma condição da qual parecem não poder prescindir. É o grito lacerante da alma, do homem que sente sempre restrições no mundo comtemporâneo. Pôr vezes ele torna-se uma máquina, um número, frente ao enorme imperialismo industrial, militar ou racista, invadido pelas ideologias políticas que se fazem sempre mais presentes desde os últimos anos de século passado. Mesmo dentro da sua emblematicidade e no seu universo, os personagens pirandellianos têm uma veia de sicilianidade que nos é passada através dos seus diálogos. São sinais também no corpo (estrábicos, com tiques nervosos, defeitos físicos), na alma, personagens repletos de amargura, alguns prontos para explodir. Pirandello, de fato, de reclamava que os seus personagens eram considerados pela crítica desumanos e obedientes somente a seu próprio raciocínio, porque ele os sentia vivos, palpitantes, repletos de uma humanidade simples e afetuosa.

Hoje Pirandello é reconhecido em todo o mundo como um dos maiores dramaturgos do século. A admiração universal que goza se deve ao fato de que ele permanece intérprete de uma ânsia comum a todos, característica da espiritualidade do nosso tempo. No âmago dessa grande admiração existe uma gratidão pôr aquele que diagnosticou e mostrou os males do nosso tempo. Foi esse caráter universal da sua obra que conduziu Pirandello para o Prêmio Nobel ( 8 de novembro de 1934) e em direção à pesquisa incessante da solução do problema de viver. Uma das razões essenciais da modernidade de sua arte está na íntima essência de "quando io non piango rido." Pirandello crê piamente nos ideais humanos e às vezes chora, mas o seu pranto parece aos homens sinal de fraqueza e não de grandeza: o poeta lírico chora, o poeta cômico ri para não chorar.

Na Itália, o reconhecimento da grandeza de Pirandello veio estranhamente mais tarde do que no exterior, talvez por ser um escritor isolado, que ditava leis, muitas vezes incompreendido na revolução lingüística, teatral e cultural que propunha à tradição literária italiana. A obra pirandelliana foi um ponto central de renovamento e de ruptura no âmbito da cultura italiana contemporânea, e pôr isso exercendo um peso decisivo, ainda hoje, junto a muitos escritores.

BIBLIOGRAFIA

BECCARIA,G.L. Letteratura e dialeto. Bologna, Zanichelli, 1983.

MUNAFÒ, Gaetano. Conoscere Pirandello. Firenze, Le Monnier, 1979.

PIRANDELLO, Luigi. Novelle. a cura di Giuseppe Mopurgo. Milano, Mondadori,1986.

––––––. Novelle Fantastiche. Milano, Morano, 1993.