COMENTÁRIOS FILOLÓGICOS DO DIÁRIO DO RIO BRANCO, DE ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA: A FAUNA AQUÁTICA DO RIO BRANCO.

Ruy Magalhães de Araujo (UERJ)

APRESENTAÇÃO

A matéria encontra-se no Diário do Rio Branco, de Alexandre Rodrigues Ferreira, naturalista brasileiro a serviço da coroa portuguesa, que, no século XVIII, realizou inúmeras viagens pela Amazônia brasileira, a que denominou viagens filosóficas. Nossa comunicação direciona-se aos aspectos filológicos relacionados com a fauna aquática do Rio Branco, onde mostraremos os nomes peixes em geral e das tartarugas,(estas igualmente localizadas em toda a bacia amazônica), dando-lhes a respectiva etimologia tupi e a necessária transcrição para o nosso vernáculo

BREVE NOTÍCIA SOBRE O AUTOR E A OBRA

Alexandre Rodrigues Ferreira nasceu na Bahia em 27 de abril de 1756. Após receber os primeiros estudos, ingressou na carreira eclesiástica, conferindo-se-lhe as primeiras ordens clericais em 20 de setembro de 1768. Logo a seguir, requereu matrícula na Cadeira de Instituta, da Universidade de Coimbra. Nessa Universidade, exerceu a função de Preparador de História Natural, até o seu retorno para Lisboa em 15 de junho de 1778, ocasião em que foi indicado por Domingos Vandelli para prestar serviços numa missão ultramar, a pedido de Martinho de Mello e Castro, Ministro e Secretário de Estado de Negócio e Domínio Ultramarinos. Antes de encetar sua nova tarefa, realizou trabalhos sobre a Mina de Carvão de Pedra de Buarcos.

Doutorou-se pela Universidade de Coimbra em janeiro de 1779, passando a trabalhar no Real Museu d’Ajuda, cargo em que permaneceu até 1783. A Real Academia das Ciências de Lisboa acolheu-o como membro correspondente em 22 de maio de 1780.

Nomeado em princípios de 1783, “para na qualidade de naturalista”, de acordo com as afirmações de Manoel José Maria da Costa e Sá (1818), prestar serviços à Coroa Portuguesa, empreendeu a VIAGEM FILOSÓFICA PELAS CAPITANIAS DO GRÃOS-PARÁ, RIO NEGRO, MATO GROSSO E CUIABÁ, quando reinava Dona Maria I. Seguiu para Belém do Pará, em setembro de 1783, na charrua Águia e Coração de Jesus, com a missão de recolher e aprontar todos os produtos dos três reinos da natureza que fossem encontrados, remetendo-os ao Real Museu de Lisboa, bem assim fazer particulares observações filosóficas e políticas a respeito de todos os objetos da viagem.

Chegando ao Pará em outubro, começou seus estudos pela grande ilha de Joannes ou Marajó, indo a seguir para Cametá, Baião, Pederneiras e Alcobaça. No final de 1784, partiu para o Rio Negro, percorrendo-o até a fronteira, e regressou para subir o Rio Branco até a Serra de Canauaru ou Nevada, retornando a Barcelos, então capital da Capitania de São José do Rio Negro.

Em fins de agosto de 1788, deixou Barcelos para subir o Rio Madeira e a seguir o Guaporé, atingindo Vila Bela, a capital de Mato Grosso, em 1789, após viajar 13 meses. Nessa ocasião, sofreu terrível malária. Seguiu para a Vila de Cuiabá a 27 de junho.

Retornando ao Pará, chegou a Belém em janeiro de 1792, com o intuito de regressar a Portugal. Ao saber que nada havia sido pago ao capitão Luiz Pereira da Cunha, que remetera todo o material da expedição para a Corte, despesa essa considerável, com a qual, segundo ele, poderia dotar uma filha, afirmou Alexandre Rodrigues Ferreira àquela autoridade: “Isso não servirá de embaraço a seu casamento; eu serei quem receba essa sua filha por mulher.” E assim o fez, casando-se com Dona Germana Pereira de Queiroz Ferreira em 16 de setembro de 1792.

Regressou a Lisboa em janeiro de 1793, sendo nomeado Oficial da Secretaria de estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos. Em 25 de julho de 1794, foi condecorado com a Ordem de Cristo, e assumiu o cargo de Diretor interino do Real Gabinete de História Natural e Jardim Botânico em 7 de setembro. A 11 de setembro de 1795, passou a vice-diretor, ano em que foi designado ainda Administrador das Reais Quintas e mais tarde Deputado da Real Junta de Comércio.

Quase no fim da vida, em 24 de julho de 1807, deram-lhe propriedade de um Ofício na Alfândega do Maranhão.

Faleceu em Lisboa a 23 de abril de 1815.

Sua obra compreende, basicamente, estudos de antropologia, história, geografia, zoologia, botânica, economia, política, mineralogia, biodiversidade, ecologia.

Nesta comunicação, enfocaremos aspectos filológicos dos nomes dos peixes em geral, que vivem no rio Branco, bem assim das tartarugas, que igualmente se localizam em quase todos os rios da bacia amazônica.

PEIXES

1. Piraíba, [de pirá=peixe, - + á iba: que não preste],

2. Piramutaba, [piramu´ tawa. Var. piramutava, piramutaua, piramuta’];

Piramiúna. Desconhecido. Não resgristrado;

3. Cangatá v. gurijuba, [de “guri”, bagre novo + “yub”, amarelo. V. guarijuba, com a mesma significação];

4. Mandii, [de mãdi´i];

5. Piracatinga, de [pirá+caa´+tinga];

6. Piranambu, [de pirá+nambu], v. piraíba;

7. Cuiucuiú, [de ku´iu ku´iu];

8. Bacu, [de báku];

9. Pirá-andira, [de pirá+andira (?)]. Desconhecido. Não registrado;

10. Mandubé, [de mãdu´ bé], v. mandubi;

11. Carataí, [de Karatá´i];

12.Jataurana[provavelmente Jatuarana};

13. Curimatá, de [kurama´tá]. Var. Curibatá, curimatá ou curimatã, curimataú,

curimba, curumbatá, grumatá ou grumatã;

14. Jaraqui, [de yara´ki]. Var. jeraqui;

15. Tucunaré, [de tukurá né] Var. tucunarétinga, lucunari, lacunari, // tucunaré-

putanga, tucunaré-pinima, sarabiana;

16. Surubim, [de suru´bi]. Var. surubi, surumi, surumi;

17. Pirá-ipeaua, Desconhecido. Não registrado;

18. Tambaqui, [de tãba´ki]. Var. Curupeté;

19. Pirapitinga [pirapi´tinga, ‘peixe branco’]. Var. trapitinga, tarapitinga;

20. Piranha, [de pi´rain, ‘corta a pele’];

21. Pacutinga, [de pa´ku+tinga, ‘branco’];

22. Taraíra, [de trai´ra, f. contracta], do tupi tare´ira. Var. tararira, tarira;

23. Jundiá, [de yundi´ á]. Var. nhandiá, jandiá;

24. Jacundá, [de nhãkai´dá];

25. Jeju, [de ye´yu]. Var. traíra piruna, traíra pixúria, jiju;

26. Muçu, (var. denasalada de muçum,), [de mu´sin]. Var. muçu, Sin. peixe-

cobra, enguia d’água-doce;

27. Carapé. Desconhecido. Não registrado;

28. Puraquê, (V. de poraquê), de [de pora´kê, ‘o que entorpece, o que faz dormir];

29. Acará-açu, [de aka´ra+açu’ grande];

30. Acaratinga, [de aka´ra+tinga ‘branco’];

31. Acarapixuna, [de aka´ra+pi´xuna “preto”];

32. Acará-araruá. Desconhecido. Não registrado;

33. Acará-mererê. Desconhecido. Não registrado;

34. Mafurá (de origem indígena). V. pacupeba, [de paku´pewa, ‘pacu chato’].

Var. pacupeba. Sin. Mafurá;

35. Acarapong. Desconehcido. Não registrado;

36. Acaratauá-puá. Desconhecido. Não registrado;

37. Uatucup. Desconhecido. Não registrado;

38. Pacupitanga. Desconhecido. Não registrado;

39. Aracu, [de ara´ku]. V. piaba, [de pi´awa, ‘pele manchada’]. Var. piava, piau,

aracu; // lambari;

40. Arauíri, [de araui´ri]. V. piraha. Var. arauari, arauiri, aravari, avari;

41. Aramaçá, [de arama´sá]. Var. aramatá, aramaçã, arumaçã, arumaçá;

42. Jandiá-açu, [de nhandiá+açu ‘grande’];

43. Manaiacu. Desconhecido. Não registrado;

44. Pirarucu, [de pira´+ acum ‘vermelho’, peixe mermelho];

45. Ituí, [de itu´i]. V. tuvira. Sin. juvira, ituí, peixe-espada;

46. Acari. V. cascudo. V. uacari-vermelho, cacajau, sin. acari, guacari, uacari;

47. Tamoatá. Var. tamuatá, tambuatá;

48. Pirarara, [talvez aglutinação, de pirá+uarara?]. Sin. uarara, cajaro;

49. Aruauá, [de aru´aná]. Sin. amaná, aruanã, arauná;

50. Anujá, [de anu´ya]. Var. anduiá, cumbaca, mandicumbá;

51. Aracapuri, [de arakapu´ri];

52. Apapá, [de apa´pá];

53. Arumará, desconhecido, não registrado;

54. Mapará, [de mapa´ra];

55. Tararipirá, desconhecido, não registrado;

56. Pirá-tapiocoa. [de pira+tïpï´óg, sedimento, coágulo];

57. Matupiri, [de matupi´ri];

58. Candiru, [de kãdi´ru];

59. Gurijuba, [de guri, ‘bagre novo’+yub, ‘amarelo’]. Var. guarijuba, garujuba,

gurujuba ou gurujuva, griujuba, gruijuba, guribu, guraçu, cangatá, iriceca,

jurupiranga;

60. Parati. [de pira´ti]. Obs.: Existe a forma parati [de pa´ra+ti, ‘mar branco];

61. Pirapema, [de pira´+pema, ‘auguloso’].Var. Camurupim, camarupi, camuripema, cangurupi, canjurupim;

62. Arauauá. Desconhecido. Não registrado;

63. Tacaraúna. Desconhecido. Não registrado;

64. Uriaçu. Desconhecido. Não registrado;

65. Jerupiranga. Desconhecido. Não registrado;

66. Uiriatuaia. Desconhecido. Não registrado;

67. Cururuca, [de kururu´ka];

68. Camuri, [de kamu´ri]. Var. camurim, camurupeba;

69. Amoré-guaçu, [de amo´ré+gwaçu ‘grande’].Var. amboré;

70. Piraitá. Desconhecido. Não registrado;

71. Acarapiranga. Não registrado;

72. Aiçá-guaçu. Desconhecido. Não registrado.

MEMÓRIA SOBRE AS TARTARUGAS

São 15 as variedades de tartarugas que há no Estado do Grão-Pará, e que os índios denominam pelos seguintes nomes:

Iurará-uaçu ou retê que quer dizer tarturuga-grande ou verdadeira. Este nome é dado no interior do Estado do Pará, pois nos arrabaldes da cidade chamam tartaruga-verdadeira a que dá casco de que se fazem os pentes, como adiante me referirei. Aos machos destas, chamam de capitaris, que são bem menores que as fêmeas (sic) e de rabo mais comprido. Supõe-se que já no rio Tocantins, distante da cidade dez dias de viagem, existem destas tartarugas; e nas praias circunvizinhas à Vila de Almerim ou Paru principiam por havê-las em maior abundância, porém não são tantas quantas desta Vila para cima, por todo o rio Amazonas e seus afluentes, rios Madeira, Solimões e seus afluentes. Já no rio Negro não existem tantas quantas há nos seus afluentes ou como no rio Branco. Em toda época se coletam, porém melhor é nas vazantes dos rios, desde setembro até dezembro, tempo este das desovas, que elas fazem nas praias; não há necessidade de instrumentos, somente as mãos. Nesta época elas estão muito magras e por conseguinte menos gostosas. Nos meses em que os rios estão cheios, de abril até julho, são mais difíceis de apanhar, porém estão mais gordas e gostosas. Cinco são modos de as apanhar:

1. por fecha;

2. com redes;

3. com anzol;

4. com harpão;

5. de viração.

Para se flecharem, os pescadores embarcam em uma canoa com duas pessoas com os seus arcos e flechas prontas com um bico de ferro quadrado e pontudo, a que se chamam sararaca, metido em uma das extremidades da flecha, porém mal seguro, somente o suficiente para agüentar até a flecha bater no casco da tartaruga, então salta o ferro, que fica grudado na tartaruga, porém seguro por uma linha fina, feita de fio de algodão, que está amarrada à ponta da flecha. Em dia claro, sereno e sem vento que altere o rio, se encaminham na esteira delas pelas beiradas do rio e dos lagos, evitando todo o ruído na água, com os remos. Quando as avistam, numa distância para mandar a flecha correm com sararaca ou ferro, então elas tentam escapar, mas sem proveito, porque depois que o pescador apanhar a flecha que está servindo de bóia, na qual está a ponta da linha em que foi segura sararaca, ele as vai puxando para a superfície da água e as segura, cravando um ferro que chama de arpão, mais forte que a sararaca; e assim seguras as embarcam, tendo o cuidado de lhes tapar os buracos para não entrar água, e morrerem; e desta forma vivem nos currais de 4 a 6 meses.

Com uma rede, que chamam de puçá, se encaminham os pescadores para as regiões onde os rios fazem seus braços, colocando-a à boca desses braços, na época em que estes estão esvaziando. As tartarugas saem desses braços e encontram a rede, ali se juntando até que o pescador ache que é tempo de suspendê-la, de maneira que não arrebente, como tem acontecido, devido ao peso delas; desta forma as apanham quando o rio está em meio vazante. As ditas redes ou puçás, que é o nome dado pelos índios, são feitas de algodão ou com folhas da palmeiras tucuim, porém as de algodão são mais duráveis.

Com anzol, procuram os pescadores os lugares em que o rio corre mais, enfiam na correnteza a linha com anzol, pondo-lhes primeiro isca, peixe, frutos como o araçá-rana, tucumaré-reçá, etc.

Com arpão, somente na enchente total dos rios, nos meses de junho até agosto, onde elas estão metidas pelos igapós e lagos, procuram os pescadores o seu lugar, pondo-se a sondar o fundo com grandes varas em que estão seguros os arpões, da mesma forma que as sararacas nas flechas; quando esbarram com elas no fundo, as arpoam, se têm a felicidade de as acertar, pois a operação é embaixo da água e desta forma é que se faz a pescaria de arpão, que é entre outras a menos frutuosa por custarem muito a achar pelos motivos referidos: de estarem metidas pelos igapós e lagos a pastarem.

De viração, que é feita nos meses de outubro, novembro e dezembro, quando o rio está na maior vazante, tempo em que elas costumam sair para as praias para desovar, se encaminham os pescadores para elas, levando canoas grandes, na certeza de maior pescaria, e ficam a observar, quando elas apontam nas praias e que tenham subido um determinado espaço, para não voltarem correndo para o rio, saltam-lhe em cima na hora que estão fazendo as covas na areia para nelas desovarem, e virando-as de peito para cima, para não poderem andar, fazem em pouco tempo e com pouco custo a pescaria de 50 a 100 tartaurgas, de acordo com o número de pessoas que levam e as que saem nas praias. Há ocasião em que saem 200, 300 ou mais.

Depois de apanhadas as tartarugas, tratam de aproveitar-se os ovos, para este fim saem de cada povoação uma canoa chamada de comércio das manteigas e ainda particulares que as podem ter providas de potes que podem levar, se encaminham para as praias. Porém quem se destina à feitura de manteiga somente, não se encaminham para as praias, logo que sai a primeira fileira delas: esperam que saiam 2 e 3 vezes diferentes fileiras, e quando notam que a praia está cheia de covas com ovos, e que as tartarugas já não saem em tanta quantidade, se lançam sobre elas. Juntam aos montes sobre as praias os ovos que descobrem nas covas, que são 100, 150 e às vezes 200 em cada uma, que é a postura de cada tartaruga. Se querem que funda mais a manteiga, deixam-se fermentar por 4 a 5 dias, então ela sai rançosa e com mais cheiro. Se os ovos se preparam frescos, são logo metidos em uma canoa que é reservada para esse fim e vão pisando com os pés, como se faz em Portugal com as uvas. Sobre os ovos pisados lançam água, a qual depois de mexida e incorporada com eles, deixa sobrenadar o óleo. Com a mesma água se dissolve muita parte da clara. As cuias e com preferência as válvulas das conchas itãs, são colheres com que a tiram de cima da água sobrenadante e a lançam dentro dos tachos. Segue-se colocarem no fogo, depois esfriam em panelões à parte e daí para potes. Serve para temperar as comidas e fritar peixe, para as luzes domésticas, e para se incorporar com o breu, quando fazem para calafetarem as canoas. A melhor manteiga é a que se faz das banhas das tartarugas. Consiste o método de a fazer em frigir simplesmente as banhas. Se as frigem frescas, manteiga sai boa para com ela se temperar as comidas, não possui mau cheiro nem tem sabor ruim. Não a usam para iluminação. Não há tanta como a dos ovos, nem se conserva fluida como a manteiga feita deles.

É este um dos animais mais usados no Estado. Sua carne é comida quando fresca, cozida, assada ou frita, em tudo se assemelha com a carne de vaca. Dela se fazem as importantíssimas provisões das carnes secas, de conservas em potes de manteiga da mesma, a que chamam mixira, e de salmoura. Tudo isso de um consumo notável por todo Estado.

As maiores que vi não passavam de 5 palmos e meios de comprimento, porém os práticos me afirmaram haver de 7 até 8 palmos. Uma tartaruga dá de comer a 10 pessoas, assim está arbitrada uma para cada 10 soldados e às vezes sobra para quem saiba aproveitá-la. Dela fazem mesmos pratos que a carne de vaca: cozida, assada, guisada, picada, nos pastéis, nas empadas, etc., com arroz cozido com bucho, à imitação do arroz com dobrada; o bucho guisado, os miúdos cozidos, guisados no mesmo casco servindo como de panela, a que chamam sarapatel, ovos fritos ou assados, etc. Uma tartaruga das grandes, não é qualquer homem que levanta do chão para colocá-la nas costas; os que são mais fortes é que conseguem, sem agüentai-las muito tempo. O seu valor é de 240 até 400 réis, isto na Capitania do rio Negro, porque na cidade do Pará e nos seus arredores o seu preço menor é de 640 réis, e quando há falta delas chegam a valer 1.000 réis. A arroba dela seca a 500 e a 640 réis. O pote da mixira de 640 até 1.000 réis. Cada pote de manteiga no rio Negro de 800 até 1.600, e na Cidade de 1.920 até 3.000 réis.

As tartarugas maiores são as criadas no rio Amazonas e Solimões, porém menos gostosas que as do rio Negro, que são menores. Ambas são melhores quando são ainda novas e que ainda não tenham desovado, a que os índios chamam Cunhã-mucú, que quer dizer Mocetona. O casco superior serve em lugar dos cestos de vime de que usam os trabalhadores na Europa; a parte inferior ou peito serve para ocasiões de muita chuva, servindo de passadeiras.

Existem três pesqueiros certos por conta da Fazenda Real, para sustento da tropa do rio Negro e para a mesa da demarcação: o primeiro e mais antigo, o que está situado um dia de viagem, dentro da foz do rio Solimões, chamado do Caldeirão ou de Manacapuru, que é o do sustento da Guarnição do rio Negro; o que está no rio Amazonas, chamado de Poraquecoara, e o do Rio Branco são para sustento dos Empregados da Real Demarcação, que existe na Vila de Barcelos.

A lurará-acânga-uaçú, que quer dizer tartaruga de cabeça grande. Não são tão grandes nem tão comuns como as verdadeiras e não tão apreciadas; se os pescadores as acham, trazem-nas, mas não as procuram. Essas tartarugas têm muita força na boca e mordem muito. Nos currais de El Rei não entram delas, nem às mesas graves, comem-na porém os pobres que não têm outra coisa e os índios.

Tracajá, tartaruga de comprimento de 2 até 3 palmos. São mais apreciadas que as precedentes e principalmente os seus ovos, porém não tanto como as primeiras. São muito astutas para fugirem: por mais que pareçam estarem seguras, elas escapam muitas vezes. Os seus ovos são menores e mais oblongos que os da tartaruga verdadeira.

Matamatá. Não passam de 2 até 3 palmos de comprimento; seu pescoço é tão comprido quando o seu casco. Não são muito apreciadas, porém a plebe dos brancos e os índios em geral a comem com a mesma avidez que a Iurará-acânga-uaçu. Apanham-na cravadas no tijuco, quando vão desovar em terra. Os ovos são do feitio dos da tartaruga verdadeira, porém menores. É a mais rara de todas as tartarugas.

Iurará-pitiú, ou tartaruga-de-cheiro. A maior não passa de 1 palmo, até meio, e por não terem a capacidade para partirem pelo seu tamanho, tiram suas tripas por um orifício que abrem no seu peito sem partirem-na, colocam nesse orifício os adubos necessários e põem no fogo para assar sem mais resguardo que o do casco posto em cima do fogo; os que têm forno, assam-nas melhor com mais asseio, mas em qualquer das duas partes que seja assada não perde o nome que lhe dão de tartaruga-de-peito furado, e desta forma não deixam de ser mais saborosas que cozida. Os seus ovos também se comem.

Iurará-uirapequê. Não difere da precedente a não ser por ter a cabeça mais redonda que ela, e a malha que tem em cima dela ser encarnada e a da outra amarela desmaiada: no mais se seguem as mesmas propriedades.

Jabutim-tinga. A maior que vi era de 3 palmo e ½ de comprimento. (...) São melhores os fígados assados ou guisados de que a carne, pois esta, por mais que se cozinhe, sempre fica dura. Habitam pelo do mato em partes cerradas e nos buracos que fazem na terra e em partes úmidas, e permanecem neles por mais tempo no verão que no inverno, porque logo que vêm as primeiras águas, saem para comer os frutos das árvores que estão caídos pelo chão. Nesta época os pescadores se encaminham para pescá-la com mais esperanças de bom sucesso do que em outra época, e, sem precisar de instrumento algum para as apanhar, se metem no mato para procurá-las. Logo que o pescador, ou melhor, caçador avista uma delas, já conta com certeza de as pegar, pois o jabutim, quando pressente gente, a única coisa que faz é esconder a cabeça e as patas dentro do casco, parecendo-lhe que assim escapa; o caçador não faz mais que pegar-lhe com as mãos. Com a mesma facilidade com que se apanham, se domesticam, pois chegam a andar soltos pelas casas. Vivem muito tempo e agüentam bastante tempo sem comer.

Jabutim-piranga. Difere do precedente por possuírem os pés, mãos e cabeça com malhas encarnadas, onde o outro possui amarelas. Sua carne não é tão apreciada quando a do primeiro e é nociva ao sujeito que a come, se pesca em humor gálico.

Jabutim-carumbé. Sendo em tudo como o piranga, só que tem o casco com lavores e o outro tem o casco liso e malhas encarnadas.

Jabutim-aperena. É menor que os precedentes e tem o casco liso como as jurarás-uirapequês epitiús. A sua habitação é porém pelos lagos e pelos igapós que existem no centro do mato. Desta espécie existem duas qualidades, uma maior e uma menor.

Jabutim-juruparigê. Ainda menor que o antecedente, sendo os maiores que vi não superiores a ¾ de palmo. Possuem o casco cheio de cavidades, com malhas amarelas na cabeça, nas mãos e no peito.

Jabutim-putiá-pêna, ou muçuãs: é pouco maior que o juruparigê, redondo e não comprido como ele, e tem o peito dividido em duas metades, isto é, em duas peças ligadas e não uma só como nos outros.

Uruaná: Tartaruga na configuração do corpo, que nos pés e nas mãos assemelha-se ao peixe-boi. O seu tamanho não é como as verdadeiras do sertão; as maiores não passam de 4 palmos e não são tão gordas como elas. Têm a mesma estimação na cidade do Pará, que as do sertão, e também os mesmos usos. Vivem na costa do Pará, até onde alcança a água salgada, sendo a Baía do Marapatós o local onde elas penetram mais pelo rio do Pará a dentro, distante 4 dias da cidade. A película de que é coberto o casco é muito fina e mole, saindo com facilidade com o menor grau de calor que se lhe aplicar.

Tartaruga de casco: São as maiores de todas as qualidades de tartaruga que tem o Estado do Grão-Pará. Vivem no oceano fazendo seu giro pela costa do Pará; é ali que os pescadores vão em sua procura. Embarcados em uma igarité, pelos menos 56 índios para melhor segurança da embarcação e das marés do oceano, vão a sua procura a 40 ou 50 léguas ao longo da costa, após terem calculado que poderão chegar até lá no período das águas vivas, isto é, da maior enchente e da maior vazante. Ficam postados em qualquer das ilhas que possuem grandes praias onde elas costumam sair, tais como as de Acajutuá, Muruaituá, Juniurutuá, Cambu, Umirituá, Araratuá, Frecheira e de São José, além de muitas outras. Fazem nelas os tijupares para neles permanecerem durante a demora e para abrigo das embarcações em uma costa tão desabrigada, principalmente quando ocorrem trovoadas. Com o barulho delas, nas horas mais altas da noite, um pouco além da meia noite, na madrugada seguinte e no princípio da enchente, costumam elas sair às praias para desovar. Os pescadores que se acham escondidos na escuridão com porretes nas mãos, deles se valem para matá-las, porém com grande cautela para que não sejam pressentidos; avançam no momento em que elas estão distraídas fazendo os buracos ou covas para neles desovarem. Elas são abatidas com pancadas com porretes na cabeça, tendo sempre o cuidado de não lhes ofender o casco. Se quiserem logo tirarem-lhes os cascos, as põem no calor do fogo, estalando aos pedaços, lhe tiram tudo o que pode servir para pentes, caixas, etc., aproveitando-se também da carne que é gostosa. Dessa forma porém o casco saí muito quebrado e imperfeito. Se querem tirá-lo melhor, encravam-nas na areia por tempo de 3 a 4 dias para fermentar e chegar aos termos da podridão, e desta forma se tiro casco mais perfeito e se aproveita até o último bocado. (Códice F.B.N. 21,1,19)

CONCLUSÃO

Como se depreende, Alexandre Rodrigues Ferreira foi o primeiro naturalista a interessar-se com a biodiversidade, com o ecossistema, com o meio ambiente da região amazônica, prestando, assim, valioso serviço à ciência.

Da relação icitiológica por nós pesquisada, comprovamos que atualmente inexistem vários peixes catalogados por Alexandre Rodrigues Ferreira, em 1786, isto é, várias espécies desconhecidas e não registradas. Talvez tenha mudado de nome, talvez tenham desaparecido em face da pesca predatória na região amazônica. Nesta lamentável hipótese, vale fazermos aqui um veemente apelo aos poderes constituídos para que adotem medidas enérgicas visando à proibição de tais abusos. Caso contrário, daqui a algumas décadas não mais haverá nenhuma espécie de peixe em toda a bacia amazônica. Esse fato, aliás, já fora denunciado há mais de duzentos anos pelo próprio Alexandre Rodrigues Ferreira.

O mesmo apelo, e com a mesma ênfase, também para as tartarugas.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

CARVALHO, C. T. de. Comentários sobre os mamíferos descritos e figurados por Alexandre Rodrigues Ferreira em 1790. São Paulo: Arquivo de Zoologia 12:7-70, 1965.

FONTES, Glória Marly Duarte Nunes de Carvalho. Alexandre Rodrigues Ferreira. Aspectos de sua vida e sua obra. Manaus: Cadernos da Amazônia, INPE, 1966.

GOELDI, E. A Ensaio sobre o Dr. Alexandre Rodrigues Ferreira mormente em relação às suas viagens na Amazônia e sua importância como naturalista. Belèm (Pará): Alfredo Silva & Cia., 1895.

RODRIGUES, José Honório. Alexandre Rodrigues Ferreira. Catálogo de manuscritos e bibliografia. Rio de Janeiro: Anais da Biblioteca Nacional, 72: 11-152, 1952.

VALLE CABRAL, Alfredo do. Alexandre Rodrigues Ferreira. Notícia das obras manuscritas e inéditas relativas à viagem filosófica do Dr. Alexandre Rodrigues Ferreira, pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. Rio de Janeiro: Anais da Biblioteca Nacional,. Vol. 1: 103-129222-247; 2: 54-67 e 324-354.