CONSIDERAÇÕES SOBRE UM LIVRO MILENAR
ou
ONDE ESTÁ A ALEGRIA DA BÍBLIA?

Sandra Medeiros Vieira

"Nada está oculto, que não venha a ser revelado, nem tão secreto que não venha a se saber." (Mateus, 10,27)

Por que motivo, sempre que se refere à Bíblia, pensamos em ameaças de punição, em tristeza, em medo, em extermínio?
Por que não associamos a Bíblia à alegria*?

Mencionar a Bíblia ou mesmo lembrar algumas de suas narrativas com reverência é natural: trata-se do principal livro religioso da civilização judáico-cristã, um livro capital para a civilização ocidental. De alguma forma temos introjetada essa importância. Por isso mesmo esse é um livro que desperta - e merece - reverência.

Mas seria a certeza desta importância a responsável pela associação com o temor? É possível afirmar com segurança que poucos associarão este livro à alegria. Ainda que a maioria de nós tenha um repertório razoável de fatos, alegres ou tristes, da Bíblia. Qualquer pessoa pode falar do Jardim do Éden, o Paraíso; de Deus soprando um Adão de argila para lhe dar vida; de Eva comendo a maçã; do dilúvio e da Arca de Noé; de Caim matando Abel ou da paciência de Jó. Mas, ao mencionar o Novo ou o Velho Testamento poucos irão pensar em alegria.

Não deveria ser assim. Inicialmente, pelo óbvio: o número de vezes em que aparecem na Bíblia as expressões alegre (8), alegria [1]

Depois, se são tantos os que demonstram ou já demonstraram familiaridade maior com a Bíblia, seria de supor que esta diferença numérica já houvesse sido percebida. É grande o número de pintores que pintaram cenas bíblicas, por encomenda ou espontaneamente[2]. Analisando a vida de Jesus, figura central do Novo Testamento, o escritor e poeta Paulo Leminski escreveu: "Depois que o cristianismo tomou conta da bacia do Mediterrâneo, ninguém foi mais imaginado que Jesus. Em pinturas e vitrais de igrejas. Mosaicos em mosteiros. Esculturas, em todas as matérias." Para Leminski, praticamente não há episódio da vida de Cristo, "que não tenha sido traduzido, iconicamente, para a pintura ou a escultura ocidentais."[3]

São vários, também, os escritores que recontaram passagem bíblicas: Machado de Assis, em Esaú e Jacó e José Saramago, em O Evangelho Segundo Jesus Cristo, são as lembranças mais imediatas.

Há cineastas que fizeram, também à sua maneira, uma nova narrativa do Evangelho e da criação do mundo: Pier Paolo Pasolini (O Evangelho Segundo São Mateus); Luís Buñuel (O Estranho Caminho de São Tiago); Jean-Luc Godard (Je Vous Salue, Marie); Martin Scorcese (A Última Tentação de Cristo); Franco Zefirelli (Irmão Sol, Irmã Lua); Monty Python (A Vida de Brian).

Nós temos a Bíblia ilustrada e a Bíblia em quadrinhos.

A importância deste livro, em nossa cultura, é sem dúvida - e sem termos de comparação - superior à de outras obras seculares que contam a ancestralidade de diferentes povos. Livros como a Epopéia de Gilgamesh[4]; a Ilíada; a Odisséia; o Cantar de Mio Cid; Tristão e Isolda; O Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda; a Canção dos Nibelungos, e o Bagavâd Gîta, não suplantam a importância da Bíblia.

As histórias bíblicas, especialmente do Velho Testamento, despertam o interesse não só de quem é voltado para o aprendizado teológico. São narrativas interessantes mesmo para quem é incapaz de citar um versículo de cor, para quem nem mesmo sabe o que são versículos. Para quem, dos apóstolos, sabe apenas os nomes que associa a coisas prosaicas como a Padaria São Lucas, o Vinho Matheus Rosé ou o jornal O Estado de São Paulo.

E por que se percebe tão pouco do que está contido nos textos bíblicos?

Um comentário displicente sobre o conteúdo das Escrituras - É só tristeza, castigo, morte! Não se vê nunca alegria - me levou a pensar sobre isto.

O fato de a observação haver sido feita por pessoa de sólida formação acadêmica e de esta visão ser comum também a pessoas com menor ou mesmo sem qualquer escolaridade, demonstra haver algo que justifique a percepção maior do temor e não da alegria. Talvez uma intenção existente desde o início: os próprios autores do texto bíblico veriam como positiva a reação de temeroso respeito ao que escreviam. A Bíblia é uma reunião de escritos exemplares, com preceitos difíceis de serem seguidos, apesar de não tão difíceis de serem aceitos.

De fato, preceitos de conduta social, além da tentativa de explicar a nossa origem e a origem do mundo parecem ser os norteadores da criação da Bíblia. Responder a indagações ontológicas é uma necessidade inata ao homem. Conformar o comportamento humano de maneira a evitar excessos e - conseqüentemente - uma sucessão ininterrupta de conflitos, é uma necessidade que surgiu desde os primeiras agrupamentos sociais. O Livro Sagrado se proporia assim a solucionar dois problemas básicos.

Investigar o texto bíblico à procura de respostas para a pergunta inicial levará qualquer um de nós a pelo menos duas constatações. Primeiro, é que esta investigação deveria ser profunda. Não é o que acontece neste texto, mas aqui está o início de uma procura que deve avançar, mesmo não havendo a pretensão de se chegar a uma exegese bíblica, o que exigiria um cabedal científico e lingüístico muito além da pretensão do autor.

Depois, não é de espantar que para a maioria a alegria esteja oculta. Afinal, se até mesmo Deus, figura central no Pentateuco[5], aos poucos vai se afastando da convivência com os homens[6], vai desaparecendo [7] até se ocultar e passar a ser representado pelo seu filho[8], Jesus Cristo, como não compreender a aparente ausência da alegria?

Além disso o que predomina na Bíblia é mesmo a advertência e a punição. Que, no Velho Testamento, somam-se a "implacáveis hecatombes, massacres, aniquilação (...) de cidades inteiras."[9] O perdão, o dar a outra face, com que o nabi Joshua Bar-Yosef, codinome Jesus, preenche o Novo Testamento, não faz sombra ao sentimento despertado pela leitura da primeira parte da Bíblia. Mesmo porque o próprio Jesus, o doce Jesus que amava as crianças, defendeu a prostituta natural de Magdala, curava, ressuscitava pessoas e multiplicava pães, vinho e peixes, em determinados momentos age com uma fúria semelhante à dos velhos profetas e chefes políticos da primeira parte da Bíblia. O episódio dos comerciantes, os camelôs que a Bíblia denomina os vendilhões do templo, demonstra essa ferocidade. Demonstram também duas afirmações contundentes que ele fez em diferentes momentos: "Não vim trazer a paz, vim trazer a espada."[10]; "desde os dias de João Batista até agora, o reino de Deus adquire-se à força, e só os violentos o conquistam.[11]"

Um bom exemplo de situações que intimidam, atemorizam, causam mal estar, está no livro Números: consultado por Moisés, Deus manda que apedrejem um homem que fora encontrado colhendo lenha no sábado, dia então reservado ao descanso.[12] No mesmo livro, Números, no capítulo VIII, está relatado que cerca de 14 mil pessoas, do povo de Israel, foram queimadas porque quiseram apedrejar Moisés e Aarão, com quem estavam descontentes.

Citaria poucos exemplos mais: a maneira como Samuel matou o rei gordo de Ameleque[13]; o modo como um filho de Eliazar matou o príncipe que se casou com uma mulher não israelita [14]; uma incursão de guerra das tribos de Judá e de Simen contra os cananeus; e a matança perpetrada por David, para agradar o futuro sogro.

Saul, rei de Israel, comandou a invasão do reino de Ameleque, por orientação do profeta Samuel. Saiu vitorioso, mas poupou a vida do rei Agague. Samuel exigiu ver o rei vencido. Este chegou tremendo, sabendo que iria ser executado. A cena, comovente, mereceu o sarcasmo de Samuel, que ironizou-lhe a covardia e o esquartejou.

O feito de Finéias, filho de Eliazar, dá uma idéia precisa do que parecia agradar a Deus. Finéias invade a alcova de um príncipe israelita e mata cruelmente a este e à sua mulher, porque esta era estrangeira, uma medianita. Só depois do duplo assassinato o Senhor suspende a praga que havia lançado sobre o seu povo.

O feito das tribos de Judá e de Simen, mostra o grau de crua violência entre as pessoas da época: invadem uma cidade, matam 10 mil homens, ao senhor do lugar decepam os dedos das mãos e dos pés, e este aceita o castigo confessando que aquela era uma prática que ele próprio adotava corriqueiramente.[15]

O feito de David atesta a banalidade da morte entre os seguidores do Deus cristão: para atender a pedido de Saul, pai de sua futura esposa, David não hesitou em matar 200 filisteus da cidade de Acarom. Não se fez de rogado e ainda levou ao sogro a prova da sua bravata: os prepúcios dos assassinados.[16]

Entretanto, não são numericamente desprezíveis os momentos de alegria, regozijo ou felicidade que marcam a obra. Observe-se o momento da criação, no livro Gênese.[17]

Numa análise livre, é certo, mas que ainda assim é feita, o riso aberto estaria presente entre nós desde a gênese: o verbo raa (no passado), presente no texto hebraico do Gênese, já foi visto como uma onomatopéia que pode ser associada ao ato de gargalhar. Há exegetas que acreditam que foi assim que Deus saudou a sua criação. Quando viu que tudo saíra exatamente como quis, a felicidade ocupou o Senhor e ele não se conteve: gargalhou. O sóbrio e composto "e Deus viu que era bom" seria uma tradução ao pé da letra. A tradução reverente, asséptica do onomatopáico raa Elohim ki tou. Que, passando do hebraico para o português, poderia também ser: "E Deus gargalhou." Muita licença poética? Pode ser. Ou, por outra: certamente. É difícil crer que Deus gargalhasse. Ainda que encarnando virtudes antropomórficas - coisa perfeitamente possível a Deus - a felicidade ao contemplar a sua criação certamente se expressaria em um sorriso de satisfação, de plenitude. É difícil, para qualquer um de nós, imaginar reação tão profana no Criador. Entretanto, este é um prisma a mais dentre as possibilidades de analisar este livro fundamental à cultura do Ocidente. E, como tal, é citado aqui.

Poder-se-ia enumerar pelo menos mais meia dúzia de situações em que a alegria forma o cenário bíblico no Velho Testamento. Outras tantas no Novo. O Novo, aliás, é conduzido a partir da vida de uma personalidade, Jesus, que carrega em si o espírito ecumênico da confraternização, do companheirismo, da alegria. Estava presente em festas, bebia e multiplicava o vinho. O peso do seu sofrimento antecipado, a ira contra o desrespeito à lei e à palavra do seu Deus, contra o desrespeito humano, nunca impediram que se alegrasse.

Quem não se lembra da parábola do filho pródigo? Atribuída a Lucas - que teria sido médico e pintor - e contada em seu livro, a partir do versículo 11 do capítulo 15, é considerada pelo escritor, poeta e tradutor Paulo Leminski, "a molécula de uma novela arquetípica, onde não falta nenhum dos melhores ingredientes do gênero: cor local, surpresa, adversidade da fortuna, rompimento, aventura, fuga da origem, volta às origens." Mas, o que nos interessa aqui é a alegria. Pois bem. O filho pródigo, isto é, perdulário, dissipador, quando volta para casa não é recebido com festas, alegria incontida? Tanta alegria, tanta festa que despertou a inveja do irmão que nunca saíra de casa.

A investigação que se desenvolve aqui, embora breve, tangencial, leva a constatações interessantes, como a de que os muitos momentos alegres da Bíblia, às vezes são momentos de ruidosa alegria. Na própria parábola do filho pródigo, havia "música de instrumentos e vozes." "Música e danças."

E é possível citar mais: logo depois que o faraó e os egípcios que o seguiam, foram tragados pelo Mar Vermelho, a profetisa Miriam, irmã de Aarão, pegou um tamboril, e todas as mulheres seguiram-na, também tocando e dançando.[18]

Quando Labão encontrou seu genro Jacó, depois que este fugiu com suas mulheres e seus bens, a advertência do sogro falava de festa: "Por que fugiste de mim, e não me fizeste saber, para que eu te enviasse com alegria e com cânticos, e com tamboril e com harpa?"[19]

As mulheres das cidades de Israel saíram uma vez ao encontro do rei Saul cantando, e dançando, alegres, e tocando instrumentos musicais.[20] E este parece ter sido um procedimento comum, outras vezes se fala de música, dança no Velho Testamento: quando se ia buscar a arca sagrada, quando se encontrava profetas etc.

Outro exemplo está na origem do nome Isaac. Este não é um nome comum, freqüente entre nós. O étimo é hebraico. Quer dizer gargalhada. Riso exagerado. Foi como reagiu Abraão quando Deus anunciou-lhe que sua mulher, Sara, seria mãe aos 90 anos. Porque riu tanto, "riu com prazer" - e rir com prazer podemos perfeitamente traduzir por gargalhar - Deus chamou ao seu filho gargalhada, riso: em hebraico, Isaac[21].

A alegria aparece na Bíblia de diferentes maneiras. Como mencionado anteriormente, puramente como vocábulo, são 44 presenças de [22]. Como alegre, 8. Como [23] Um exemplo dessa alegria, referida aqui, está na Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios: "Porque nos alegramos de estar fracos, quando vós estais fortes; e o que desejamos é a vossa perfeição."[24] Há outros.

As palavras alegrar (-se) e exultar teriam procedência estrangeira: não seriam étimos hebraicos e teriam sido paulatinamente implantadas no vocabulário religioso de Israel. O sentido: "arrebatamentos de entusiasmo, tumultuosos e frenéticos (...), que manifestavam os sentimentos de exaltação de um povo voltado para seu Deus ou rei, por ocasião das festas, dos sacrifícios ou de uma entronização. "Não seria ainda, portanto, com o significado de emoções e sentimentos, mas sim como um ritual, como pode ser conferido em Neemias (12.43) e na Segunda Carta de Paulo aos Coríntios (29.30)."[25]

Verificou-se, porém, uma mudança gradativa. No livro intitulado Deuteronômio a alegria já apareceria como "manifestação da piedade familiar". Nos Salmos, onde a expressão alegrar-se foi utilizada tantas vezes, aparece ora com forte acento religioso, ora com significado pessoal.

Acredito, porém, que se deve creditar a Paulo a presença - nas Escrituras - de uma alegria mais próxima da nossa alegria: uma exultação constante. Uma exultação que aparece sempre, a qualquer momento. "Paulo faz da alegria o objeto constante de suas exortações: todo crente tem direito e é convidado a regozijar-se. (...) A alegria de Paulo faz-se verdadeira exultação."

Voltando ao temor e ao medo, cito o professor, escritor e especialista Harold Henry Rowley, analisando aspectos do pensamento do Antigo Testamento, que faz uma advertência que não pode ser desprezada: o Antigo Testamento, "não deve ser lido como um livro cristão, apesar de ser ele parte essencial da Bíblia cristã". O motivo: não se pode encontrar, no Antigo Testamento, "o sentido do todo".[26]

Não se trata de desconsiderar o Antigo Testamento. Trata-se, sim, de lembrar de quê ele se compõe. Nele está reunida a história da religião de Israel mas, também, da religião semítica e particularmente cananéia. E nós nos esquecemos que esta é a história de um modo peculiar de vida e de crença de um período em que era uma prática a vingança de sangue, a poligamia e o extermínio de inimigos vencidos. No que não difere em muito, por exemplo, da história das tribos indígenas brasileiras, como é fácil conferir nos relatos de Hans Staden, entre outros. Esses costumes, religiosos na sua origem, progressivamente mudaram. Isso é possível constatar examinando a própria Bíblia. Além disso, especialistas como o já citado H.H. Rowley alertam que eles não significam, propriamente, a "essência da fé israelítica". Não são recomendações, por exemplo.

Moisés, depois de quem se estabeleceu a distinção entre assassinato e homicídio involuntário, conseguiu eliminar alguns elementos da cultura cananéia incorporados à religião de Israel. Outros só desapareceram com o correr dos anos. É o caso da vingança de sangue. Com Moisés, aquele que involuntariamente causasse a morte de um semelhante, não só tinha assegurado o direito de asilo como uma anistia especial lhe era garantida com a morte do sumo sacerdote. Quer dizer, nesta situação especial era permitido ao homicida involuntário retornar do exílio, voltar para casa.[27]

O que se pode dizer é que concluir sobre o que é narrado na Bíblia, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, exige cuidados. Há muitas contradições, aparentes ou não e a precipitação pode induzir a erros. Depois, até mesmo algumas contradições podem não ser contradições, como tentam mostrar os autores do Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e "Contradições" da Bíblia[28]. Mas, atenção: silogismo, premissas e conclusões. Lógica. De tudo pode-se lançar mão em nome daquilo que queremos fazer crer verdadeiro. E no delicado e espinhoso terreno da religiosidade, jamais deixarão de existir fanáticos e fanatismo.

Ler a Bíblia como uma narrativa, como uma obra literária, examinar suas páginas com acuidade investigativa ou apenas refletir sobre o que dela se sabe, oferece raros momentos de compreensão do pensamento humano.

Procurar na Bíblia explicações para a maneira como se manifestava a religiosidade, e como ela se manifesta em nossos dias, é um empreendimento árduo, porém, certamente compensador. Se o texto escolhido é uma versão recente ou remota, não importa: está escrito.

Descobrir como, ao longo do tempo, algumas impressões foram se cristalizando, demanda paciência e investigação sistemática no terreno da filologia e da sociologia, mas também aqui as compensações são imensas.

Ao se refletir sobre a predominância ou não da alegria na Bíblia é necessário lembrar que o tema já mereceu a atenção, inclusive, da Filosofia. O pensador alemão Friedrich Nietzsche[29] ocupou-se longamente do assunto. Outro a investigar o cristianismo foi Ludwig Feuerbach[30]. Entretanto, a Filosofia é um terreno ao largo do qual este texto, deliberadamente, passou.

Ao se pesquisar o tema, é preciso, também, atentar para um fato: se nos últimos decênios o conhecimento dos textos bíblicos praticamente se restringiu a minorias, ele agora recrudesce, devido ao aumento crescente das doutrinas evangélicas. De maneira fanática, é certo, porém este livro secular volta a despertar a atenção. Além disso, é forte a simbologia religiosa, em nosso dia-a-dia. Se para a Igreja católica o branco representa a pureza, para as noivas também: elas se casam de branco, para atestar sua virgindade. Se para os católicos a cruz representa a redenção através do sofrimento, para as pessoas que não têm uma prática religiosa e usam-na como ornamento, indiretamente ela simboliza o mesmo: representa Cristo, aquele que sofreu para redimir o homem. Tanto para o católico convicto quanto para a cantora Madona, tanto para quem usa a cruz com reverência quanto para quem usa a cruz com clara irreverência, é o Cristo quem está representado ali.

Dito tudo isto gostaria de lembrar - ainda - que a palavra


* Alegria é uma palavra cuja mais remota inserção na língua portuguesa data do século XIII. Alegria vem do adjetivo alegre, que quer dizer animado, vivo. Alegre deriva do latim vulgar alicer, alecris, correspondente ao clássico alecer, alacris. (CUNHA, A. G. Dicionário Etimológico da L. Portuguesa. RJ: N. Fronteira, 1997).

[1] TORRES, Jabes (trad.). Concordância Bíblica Abreviada; SP: Ed. 1987.

[2] Os que pintaram sob encomenda certamente foram orientados sobre disposição de figuras, uso de cores etc. Entre esses podem estar Giotto, Da Vinci, Michelangelo, Caravaggio, el Greco, Grünewald. Mas muitos reproduziram cenas religiosas sem qualquer exigência ou repressão: Albrecht Dürer, Rembrandt; Velázquez...

[3] LEMINSKI, Paulo. Jesus. SP: Ed. Brasiliense, 1984. P. 43.

[4] Neste livro, mais antigo que a Bíblia, há referências a fatos também nela registrados, como a existência do caçador Nimrod e o dilúvio.

[5] A reunião dos cinco primeiros livros do Velho Testamento. O Pentateuco (para os judeus, Torá) é atribuído a Moisés, que viveu em torno de 1.200 a.C. Análises lingüísticas feitas por especialistas datam a redação dos textos no século VII a. C. Sobre isso ver LEMINSKI, Paulo. Jesus. SP: Ed. Brasiliense, 1984.

[6] FRIEDMAN, Richard Elliot. O Desaparecimento de Deus, RJ: Imago, 1997.

[7] A última vez em que Deus fala diretamente com o homem, o faz dirigindo-se a Elias, vê-se em 1 Reis 19,15: "E o Senhor lhe disse: 'Vai, volta pelo teu caminho para o deserto de Damasco e vem e unge Hazael rei sobre a Síria.' A partir daqui ele passa a falar através dos profetas.

[8] É possível argumentar que o filho de Deus é Deus. Este estaria, então, presente de maneira palpável, concreta que antes, quando o que havia era sua voz, sua imagem. Mas, sendo ainda Cristo, o filho, o próprio Deus, ele é Deus em outro, e não exatamente Deus. Tanto é assim que o próprio Cristo diz: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. E ninguém vem ao Pai (Deus) senão por mim." Quer dizer, ele é um intermediário. Citação extraída do Novo Testamento, Evangelho de São João, capítulo 14, versículo 6.

[9] LEMINSKI, Paulo. Jesus. SP; Ed. Brasiliense, 1984.

[10] Idem, citação extraída do Evangelho de S. Mateus, cap. 10, versículo 34.

[11] Idem, citação extraída do Evangelho de S. Mateus, cap. 11, versículo 12.

[12] Bíblia Medieval Portuguesa - Historias d'Abreviado Testamento Velho, segundo o Meestre das Historias Scolasticas. Texto apurado por Serafim da Silva Neto. RJ: INL, 1958. Página 133. "Estando o poboo d'Israel eno deserto, acharam huum homem que colhia lenha eno Sábado. E demandou Moyses conselho a nostro Senhor, que lhe faria, e disse-lhe Deus, que o apedrassem fora da hoste."

[13] Idem. P. 210-11. "(...) e mandou Samuel, que lhe trouvessem o Rey de Amalec, e trouverom-lho, e ele era gordo, e estava tremendo, e disse-lhe Samuel: assy te espanta a morte amargosa, e te faz perder o coraçom? E talhou-o Samuel todo e pedaços, e foysse pera a Cidade de Ramatha."

[14] Idem. P. 142. "Huu principe do tribo de Symeon tomou por molher hua gentil daquellas gentes de Madiam; (...) e aquele principe começou a confessar ante todos, que ele tijnha por molher aquela gentil, e que adorava os ydolos e non era obrigado aas leis da tyrania, que Moyses poinha ao poboo, dizendo que era lei de Deus, com que os apremava de mais grave servidom que os do Egito (...), e este principe entrou ena morada daquela molher gentil (...), e levantousse uu home que avia nome Finees, filho de Eleazar, dantre todo o poboo, e tomou seu cuitelo ena mãao, e entrou u jazia o outro com a molher, e achou-os jazer fazendo fornizio, e meteu o cuytelo en eles, e traspassou-os ambos per aqueles logares, per u faziam o pecado, e entom quedou a plaga que nostro Senhor lançara eno poboo, per aquel pecado que faziam."

[15] Idem. P. "(...) e forom anbos os tribos, a hua cidade que chamava Beseth, e matarom em ela dez mil hõmees e tomarom o Senhor da cydade, que avia nome Adonybezech, e talharom-lhe os dedos das mãaos e dos pees; e dysse entom Adonybezech: com dereyto padeço eu esto, ca esto meesmo fixe eu a sateenta Reys, que apanhavam sô a mynha messa as migalhas e os ossos."

[16] Idem. P. 213. "(...) e avendo Saul de dar sua filha Merob a David por molher, deu-a a outro homem (...); e David pagou-se d'outra filha de Saul, que avia nome Michol, e prougue desto a Saul, e mandou-lhe dezer, que lhe désse por esposoiros David a Saul cento prepucios dos Filisteus (e sabede que prepucios som aquelo, que talhão ao Judeu, quando o circumcidão). Foy-se David aa Cidade de Acarom dos Filisteus, e levou comsigo os que sse per [ele] avião de mandar, e matou 200 Filisteus, e tomou os prepucios, e deu-os per conto a Rey Saul: e deu-lhe Saul sua filha por molher, pero non de voontade."

[17] Idem. P. 23. "Depois disse nostro Senhor: façamos home aa nossa ymagem, e aa nossa similidõe; e foi feito o homê aa ymagem de Deus, quanto a alma. Macho e femea os criou Deus, e deu Deus ao homem poderio, que fosse sobre todalas animalhas, e beenzeu Deus o homê, e a molher, e disse: Crecede, e multiplicade, e enchede a terra, e sojugade-a; e deu Deus ao homem, e aas animalhas pera comer todalas hervas, e os fruitos das arvores; e viu Deus todalas coisas, que fezera, e eram mui bõas, e foi feito vespera e manhãa dia sexto. Em esta guisa forom acabados os ceeos, e a terra, e todos seus apostamentos, e acabou Deus eno seitimo dia, e benzeu-o, e santificou-o, porque em ele ouve folgança de toda sua obra.

[18] Êxodo, capítulo 15, versículo 20.

[19] Gênesis, capítulo 31, versículo 27.

[20] Primeiro Livro de Samuel, capítulo 18, versículo 6.

[21] Bíblia Medieval Portuguesa - Historia d'Abreviado Testamento Segundo o Meestre das Historias Scolasticas - Texto apurado por Serafim da Silva Neto.RJ; INL, 1958. P. 37. "Depois que Abraam começou de seer de ydade de noveenta e nove anos, apareceu-lhe Deus, e dissi-lhe: Eu acrecentarei e multipricarei a tua geeraçom, e tu guardarás a minha preitesia, convem a saber, que circumcidaredes os vossos machos em todas as vossas geerações. (...). E disse-lhe Deus: daqui adeante non chamarás a tua molher Sarrai, mas Sara, e dela te darei huu filho, o qual benzerei, e sairom dele os Reis dos poboos, e será Senhor das nações. E caiu Abraam sobre sua face, e rrio com prazer, e disse: a mim, que som de cento anos, nacerá filho? E disse nostro Senhor: Sarra parirá como quer que seja de noveenta anos, e poerás nome ao filho Isaac, que quer dezer rriso, per rrazom do rriso de seu padre (...)."

[22] Concordância Bíblica Abreviada. Trad. Jabes Torres. RJ: Imprensa Bíblica Brasileira, 1986.

[23] ALMEN, J.J. von. Vocabulário Bíblico. SP: Ed. Assoc. de Seminários Teológicos Evangélicos; 1972. P. 21.

[24] Capítulo 13, versículo 9.

[25] ALMEN, J.J. von. Vocabulário Bíblico. SP: Ed. Assoc. de Seminários Teológicos Evangélicos; 1972. P.20.

[26] ROWLEY, H.H. A Fé em Israel - Aspectos do pensamento do Antigo Testamento. SP: Edições Paulinas, 1977.

[27] Idem.

[28] GEISLER, Norman L. e HOWE Thomas. Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e "Contradições" da Bíblia. SP: Editora Mundo Cristão, 1999.

[29] Nietzsche teve dificuldades em perceber a alegria e o riso no sagrado texto judaico-cristão. Em um livro - O Anticristo - que subverte o que se dissera até então, afirma que é o ressentimento o que está na base do cristianismo e que se Jesus não tivesse morrido tão cedo, teria desistido de sua missão. O filósofo alemão ataca duramente o apóstolo Paulo, a quem acusa de deturpações do pensamento de Cristo. Sobre Nietzsche o também filósofo Foucault escreveu, em A Metafísica do Poder: "O que é para ele a filosofia, senão uma espécie de filologia sem fim, que se desenrola cada vez mais (...)?"

[30] Sobre isso ver A Essência do Cristianismo, obra em que o filósofo alemão faz uma análise histórico-filosófica da religião católica e uma crítica radical à teologia.