A PARÁFRASE EM AULAS

PARA OS ENSINOS MÉDIO E SUPERIOR

Paulo de Tarso Galembeck (UNESP e UEL)

Márcia Reiko Takao (UNESP)

1. PRELIMINARES

Este trabalho analisa a ocorrência da reformulação parafrástica em aulas para os ensinos médio e superior, com o objetivo de verificar o papel exercido por esse processo de reconstrução na interação professor-aluno.

O corpus do trabalho é constituído por inquéritos do tipo Elocução Formal, pertencentes aos arquivos dos Projetos NURC/SP e NURC/RJ. São indicados a seguir o número desses inquéritos e a disciplina de cada aula:

Ø NURC/SP: 124 (Psicologia), 338 (Economia), 377 (Psicologia), 405 (Educação Artística)

Ø NURC/RJ: 105 (Química), 251 (Matemática), 356 (Língua Portuguesa), 364 (Economia), 379 (História).

Cada um desses inquéritos tem a duração média de quarenta minutos.

 

 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. Processos de Construção do Texto Falado

 

Castilho (1995) enúmera três processos de construção do texto falado: a construção, a reconstrução ou reformulação, a descontinuação.

A construção é o desenvolvimento do tema, por meio de tópicos e subtópicos sucessivos. No plano da construção do enunciado, ela se realiza por meio da articulação tema (assunto) - rema (declaração em si).

A reconstrução é, segundo o mesmo Autor, uma espécie de “anáfora discursiva”, uma volta ao que foi dito, com a finalidade de reiterar ou reformular os enunciados anteriores. As três manifestações mais freqüentes da paráfrase são a repetição (reiteração de itens lexicais ou estruturas, sem alterações ou com alterações pouco significativas); a paráfrase (recorrência do conteúdo, com alteração na forma); a correção (anulação ou substituição total ou parcial dos enunciados já formulados).

A descontinuação é a ruptura na elaboração do texto falado; ela manifesta-se nas pausas, hesitações, anacolutos e (no plano da continuidade temática) nos segmentos parentéticos e nas digressões.

Em um texto mais recente (Castilho, 1998), o citado A. denomina esses três processos de construção por ativação, por reativação, por desconstrução.

Paráfrase

É o processo no qual o enunciado reformulador mantém com o enunciado anterior uma relação de equivalência semântica (explicação, reiteração, ênfase), com o objetivo de assegurar a intercompreensão entre os participantes da conversação.

A paráfrase ocorre em textos conversacionais, devido ao envolvimento entre os falantes, pois o interlocutor busca situar a informação no universo mental do ouvinte para que o enunciado transmita um conteúdo claro e preciso.

Ao contrário da correção, a paráfrase não anula o que foi dito anteriormente, mas busca retomar o enunciado anterior com outras palavras. Portanto, possui dimensão retrospectiva, pois o falante só percebe a má formulação do seu enunciado depois de tê-lo elaborado lingüisticamente (Hilgert, 1993).

Acrescente-se que a paráfrase, enquanto processo de reformulação pressupõe uma relação binária entre o enunciado reformulado (matriz) e os enunciado reformulador.

 

 

ANÁLISE DAS OCORRÊNCIAS

Critérios de Análise

 

As ocorrências levantadas foram classificadas segundo os critérios enumerados a seguir:

1. Proximidade em relação ao enunciado - matriz: adjacente; não-adjacente.

2. Equivalência semântica: forte; fraca.

3. Natureza da relação parafrástica: paralelismo; condensação; expansão ou especificação.

4. Natureza da paráfrase expansiva: explicitação ou enumeração; definição; exemplificação (série de exemplos); causa e conseqüência; não se aplica.

5. Natureza da paráfrase redutora; denominação; resumo; exemplificação (exemplo único); não se aplica.

6. Presença de marcadores: sim; não.

 

Proximidade em Relação ao Enunciado Matriz

 

a) Adjacente

(Ex. 01) ... a quantidade de moeda por motivo transações deve ser ... maior ele deve ter mais necessidade de pagamento... certo? de transações diárias (...)

(NURC/SP, 338, 1. 119-122)

b) Não-adjacente

(Ex. 02) ... para selecionar crianças:: ... eh problemáticas ... ( ...) pra:: pegar pegar essas crianças ... né? ... que não consseguiam acompanhar o ritmo normal da esCOla...

(NURC/SP, 377, 1 130/159-161)

 

TABELA 01: Proximidade em relação ao enunciado - matriz

 

Número de ocorrências

%

Adjacente

163

94,8

Não-adjacente

9

5,2

TOTAL

172

100

 

A paráfrase adjacente ocorre na maior parte dos enunciados retomados, pois o professor procura transmitir o conteúdo de forma objetiva. Logo que produz o enunciado, ele o retoma para não deixar dúvidas a respeito do que foi dito e para que haja a compreensão dos conteúdos ministrados. A paráfrase adjacente exerce, pois, a função de esclarecer e reforçar os assuntos tratados, e o seu predomínio está ligado ao fato de o “mestre” buscar estabelecer uma interação real com os alunos.

 

 

Equivalência Semântica

 

a) Forte

(Ex. 03) ... há uma mistura de conceitos ... lingüística e gramática normativa se misturam...

(NURC/RJ, 356, 1. 277-278)

b) Fraca

(Ex. 04) ... porque a língua designa certos aspectos da natureza... ela articula ações a língua... organiza... o mundo dos atos humanos significativos...

(NURC/SP, 124, 1. 385-388)

 

TABELA 02: Equivalência semântica

 

Número de ocorrências

%

Forte

100

58,1

Fraca

72

41,9

TOTAL

172

100

 

Há o predomínio de equivalência semântica forte entre o encunciado de origem e o enunciado parafrástico, pois o interlocutor procura retomar seu enunciado de forma muito próxima, para que haja o esclarecimento e o ouvinte possa entender nitidamente os conteúdos que ele procura transmitir. Com isso, a paráfrase preenche uma função específica no processo interacional, qual seja contextualizar os dados, para que os alunos possam partilhar das informações que o professor considera relevantes.

 

 

Natureza da Relação Parafástica

 

a) Paralelismo

(Ex. 05) ... e ...num determinado momento .. ele paralisou ... estacionou ...

(NURC/RJ, 356, 1. 277-278)

 

b) Condensação

(Ex. 06) ... organismo ... não é ... uma máquina ... dotada ... de órgão de recuperação passiva ... de estímulos .. e que responde a esses estímulos com passividade vocês sabem disso ... o organismo é essencialmente atividade ...

(NURC/SP, 124, 1. 240-243)

 

C) Expansão ou especificação

(Ex. 07) ... porque o produto tem que ser ... quanto? No máximo ... nove... significa que como não pode ficar mais que nove ... que a constante é aquele produto lá... não pode ultrapassar aquela constante de equilíbrio ... o excesso vai Ter que precipitar ...de tal modo que o produto seja igual ... a nove ...

(NURC/RJ, 251, 1. 230-235)

 

TABELA 3: Natureza da Relação Parafrástica

 

Número de ocorrências

%

Paralelismo

41

23,9

Condensação

15

8,7

Expansão ou especificação

116

67,4

Total

172

100

 

Predominam as paráfrases expansivas, pois há a busca de uma formulação mais clara e adequada para que a transmissão do conteúdo esteja assegurada no ato conversacional. Com isso o professor previne-se de futuros questionamentos e assegura a intercompreensão. As paráfrases paralelas também cumprem, em menor grau, essa mesma função, ao passo que os casos de condensação são empregados como finalizadores de enunciado.

 

Natureza da paráfrase expansiva

a) Explicitação ou enumeração

(Ex. 08) ... porque naquela época ... o que existiam eram os bisontes e os mamutes também... alguns mamutes... mamute...vem a ser..o bisavô... do elefante...

(NURC/SP, 405, 1. 146-148)

 

b) Definição

(Ex. 09) ... está feita a correlação que você perguntou na última aula...entre solubilidade e a parte da cinética .. é tudo a mesma coisa .. vai ser triste ... triste entre aspas... é ótimo ...na hora em que a gente perceber que todas as coisas ... mas também seria possível de perceber isso antes de conhecer as coisas...que todas as coisas são uma só ... ta? Não existe nenhuma diferença ... em nenhum fenômeno... ta () não existe nenhuma diferença nenhuma.. nenhuma

(NURC/SP, 251, 1. 351-359)

 

b) Exemplificação

(Ex. 10) ...houve também... a preocupação... de vincular o estudo da língua ao conhecimento da realidade cultural brasileira ... ((termina a leitura do texto)) ou seja ... davam-se informações não só da literatura ... mas da realidade brasileira... ao introduzir um texto de Graciliano Ramos... era importante colocar o aluno em contato com a realidade em que viveu ... Graciliano Ramos...

(NURC/RJ, 356, 1. 157-163)

 

d) Causa e conseqüência

(Ex. 11) ... então por exemplo quando se vai programar .. um teste.. se parte do princípio de que.. aquilo que eu quero medir é tal tal coisa ... então existe um concei:::to ai ... a respeito do que eu quero medir... e este conceito esta idéia essa::... eh:: essa rotulação do que eu quero medir ... eh:: vai determinar o tipo de teste...

(NURC/SP, 377,1. 277-283)

 

TABELA 4: Natureza da paráfrase expansiva

 

Número de ocorrências

%

Explicitação ou enumeração

101

87,5

Definição

1

6

Exemplificação (série de exemplos)

9

7,7

Causa e consequência

5

4,2

TOTAL

116

100

 

Obs: Esta tabela inclui apenas os casos de paráfrase expansiva.

A explicitação é o processo mais adequado pra o professor reelaborar o enunciado e torna-lo mais acessível e direto ao seu interlocutor (o aluno). Trata-se, com efeito, da forma de expansão que mais diretamente cumpre a função esclaredora da paráfrase.

 

Natureza da paráfase redutora.

a) Denominação

(Ex. 12) ... toda vez que eu tiver dois números multiplicados um pelo outro ... se você aumentar um deles... o produto aumenta ... isso ... é... é ... regra de produto

(Nurc/rj, 251, 1. 446-449)

 

b) Resumo

(Ex. 13) .. mas eles sabiam que não era a Birmânia que era o Japão ... que já tinha conseguido fazer em mil novecentos e cinco...lutar com a Rússia... e já tinha chegado à Malásia... ta? ... já tinha chegado à Índia... então realmente era um inimigo forte ... então em termos ai econômicos...

 

c) Exemplificação

(Ex. 14) você acha que uma empresa de pequeno porte .. tem condições de competir com a de grande porte? ((vozes)) você acha que o armazém consegue derrubar o supermercado?

(NURC/RJ, 364, 1. 623-625)

 

TABELA 5: Natureza da paráfrase redutora

 

Número de ocorrências

%

Denominação

2

12,5

Resumo

12

75,0

Exemplificação (exemplo único)

2

12,5

TOTAL

16

100

 

Obs: Esta tabela inclui apenas os casos de paráfrase redutora

Há o predomínio do resumo, ou seja, o falante utiliza este tipo de paráfrase como recurso para encerrar o assunto e, ao mesmo tempo, reitera-lo e marcar seu ponto de vista.

 

Presença de marcadores

a) Sim

(Ex. 15) ... as coisas para eles estão muito confusas quer dizer criar uma pessoa ou criar uma imagem é mais ou menos a mesma coisa ... no sentido de que nós estamos criando uma coisa nova ... do nada ...

(NURC/SP, 405, 1. 188-192)

 

b) Não

(Ex. 16) (...) eu sou um individuo de outra geração já... sou um quadrado mesmo não é?

(NURC/SP, 124, 1. 270-271)

 

TABELA 6: Presença de marcadores

 

Número de ocorrências

%

Sim

61

35,5

Não

111

64,5

TOTAL

172

100

 

Em grande parte das ocorrências, não há um marcador para introduzir o enunciado parafrástico, ou seja, a paráfrase é um processo tão natural e comum no ato conversacional que o falante não sente a necessidade de utilizar um marcador para anunciar que irá parafrasear o seu enunciado.

Os marcadores mais freqüentemente utilizados para introduzir a paráfrase são ou seja e quer dizer.

 

 

3. COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS

 

A análise das ocorrências permite verificar que, em cada variável, há um tipo predominante de ocorrências. Por isso mesmo, pode-se definir como prototípicas as ocorrências de paráfrase que se classificam como adjacentes, com equivalência semântica forte e natureza expansiva ou explicitadora, não-assinalada por marcadores. Isso reforça o que já foi dito no corpo do trabalho: a paráfrase é utilizada pelo professor com função de esclarecer os conteúdos ministrados e assegurar a intercompreensão entre os participantes do ato comunicativo. Trata-se, pois, de um fenômeno de natureza discursiva, e o seu papel flui diretamente das circunstâncias da enunciação e das características do evento aula.

 

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

CASTILHO, A.T. A língua falada e sua construção. In: Para Segismundo Spina. São Paulo : Iluminuras/EDUSP, 1995, p. 85-116.

----. A língua falada no ensino de português. São Paulo : Contexto, 1998.

HILGERT, J. G. Procedimentos de reformulação: a paráfrase. In: PRETI, D. (org.) Análise de textos orais. São Paulo : Humanitas, p. 103-127.