A INTERTEXTUALIDADE E A INTERDISCURSIVIDADE EM TEXTOS DE REVISTAS ITALIANAS

Claudia Fátima Morais Martins (UFRJ)

Esta comunicação propõe uma leitura globalizante de artigos de crítica cinematográfica das revistas italianas Panorama e L’Espresso e do Jornal La repubblica, seguindo a linha de pesquisa da Análise do Discurso de Patrick Charaudeau, centrando o estudo nas estratégias de sedução e de persuasão utilizadas pelo discurso jornalístico. Serão utilizados aqui alguns exemplos tirados dessas revistas para ilustrar esta teoria de Charaudeau e para referir que o discurso jornalístico traz em si, apesar da tão procurada objetividade, alguns momentos em que o jornalista se manifesta e deixa transparecer a sua opinião e a sua visão de mundo.

A Análise do Discurso, desenvolvida nos anos 60 na “École Française d’Analyse du Discours”, surge como uma tentativa de remediar as insuficiências da “análise do conteúdo” (analyse du contenu - Maingueneau - 1991) que estava sendo utilizada pelas Ciências Humanas principalmente nos Estados Unidos.

A Análise do Discurso tem por objetivo apreender os materiais verbais como textos, tomando por base que estes são opacos (Maingueneau - 1991) recusando projetá-los diretamente sobre uma realidade extradiscursiva, uma vez que é difícil descobrir a verdadeira intenção de seu autor.

Dessa forma, a interpretação que é realizada deve levar em consideração o modo de organização e funcionamento do discurso (narrativo, descritivo ou argumentativo), as modalidades que uma palavra assume no texto (uma mesma palavra pode funcionar objetivamente ou subjetivamente, segundo a intenção do jornalista) e ainda as estratégias de interlocução social e histórica do sujeito comunicante.

A presente comunicação utiliza um corpus de crítica cinematográfica de revistas italianas que, no presente momento, não faz parte das pesquisas que estão sendo realizadas no campo da Língua e Literatura Italiana no Brasil.

Como fundamento teórico e metodológico, serão utilizadas as teorias sobre a análise do discurso de Patrick Charaudeau e de Michel Pêcheux - ambas correntes da lingüística francesa - que estudam a perspectiva da linguagem à luz da enunciação discursiva e que tendem a um aprofundamento da articulação entre discurso e a condição de produção deste mesmo discurso.

O contrato jornalístico obedece a duas finalidades: informar e seduzir. Para Charaudeau (1998), informar significa expor os fatos de maneira objetiva e séria. Para ele, a sedução se encontra no discurso de maneira a envolver o leitor pelo prazer e convencê-lo a adquirir um produto. No caso da crítica, além de informar, o jornalista-crítico assume a função de orientar o leitor nas escolha de uma determinado produto. Na rubrica Recensioni, essa função consiste na tentativa de orientação do leitor antes de assistir a um filme, a uma peça de teatro, a comprar um Cd, a ler um livro recém-lançado, etc. Se a crítica for positiva, todas as estratégias discursivas tenderão a influenciar o leitor a “consumir” o produto em questão.

As principais estratégias para cooptar o público/leitor são colocadas logo de início no título e subtítulo dos artigos e se disseminam no texto de maneira a utilizar o discurso argumentativo. Na revista Panorama, a estratégia utilizada consiste na sedução do leitor por meio de uma discurso informativo (informação sobre a história de um filme, de um livro, sobre a vida de um escritor), passando-se logo em seguida ao discurso argumentativo. Já, na revista L’Espresso, o contrato jornalístico se baseia em estratégias de sedução que procuram influenciar o leitor com a utilização de termos axiológicos (que demonstram a opinião do escritor uma vez que esses termos estão ligados diretamente a um julgamento de valor apreciativo ou depreciativo). O jornalista participa, com suas estratégias discursivas, da construção desta imagem nos artigos de crítica cinematográfica.

Cabe, então, a pergunta: qual a função da linguagem frequentemente utilizada por jornais e revistas? A resposta que logo nos vem em mente é a da informação, mas, além de informar, esse tipo de linguagem constrói um sentido, uma significação maior que ultrapassa a informação pura e simples. Esse tipo de linguagem contribui também para a edificação de um sentido e para a criação de um contrato de comunicação.

Dessa forma, a linguagem utilizada pressupõe a existência de um gênero informativo, de um contrato de fala que estabeleça a autenticidade e a seriedade do texto e de um público-alvo a quem esse discurso seja destinado, estabelecendo assim as estratégias discursivas.

Assim, alguns princípios devem ser explorados para que se possa realizar esta abordagem discursiva, tais como, a enunciação discursiva (Maingueneau, 1991-3 & Charaudeau, 1983-92), o contrato de comunicação jornalístico (Charaudeau, 1988), a presença de subjetividade no discurso que se diz objetivo (Kerbrat-Orecchioni, 1980) e o modo argumentativo de organização do discurso (Charaudeau, 1992).

Assim, para a realização deste ensaio, se faz necessário definir alguns termos recorrentes na área de pesquisa de Análise do Discurso. São eles:

Argumentação: Utilizando a definição de Maigueneau (1991), a argumentação constitui um dos fatores privilegiados da coerência discursiva. Ela pressupõe uma ação finalizada, um encadeamento estruturado de argumentos ligados por uma estratégias global que tem por objetivo conseguir a adesão de um público à tese defendida pelo sujeito comunicante (enunciador). Trata-se, portanto, de um tipo de interação verbal que se destina a modificar as convicções de um indivíduo e que trabalha diretamente não sobre os outros indivíduos, mas sobre a própria organização do discurso que deve possuir um efeito persuasivo. Assim, o enunciador que argumenta se dirige a seu destinatário de modo a criar uma rede de argumentos da qual o seu interlocutor não possa escapar.

Ato de linguagem: Tomando como base a definição de Charaudeau (1983), o ato de linguagem é entendido como “resultado de uma encenação discursiva feita por sujeitos que agem (JE e TU)”, com uma matéria linguagística semântico-formal que se organiza em contratos e estratégias de comunicação. Essa mise en scène linguagística depende de diversos tipos de organização que constituem os componentes da competência lingüística do sujeito. É essa competência lingüística que o sujeito comunicante utilizará para a construção mise en scène discursiva.

Estratégias de sedução: Segundo Charaudeau (1992), esta consiste na arte de seduzir, utilizando o discurso e procurando envolver o público pelo prazer.

Adjetivos axiológicos: Na definição de Catherine Kerbrat-Orecchioni, os axiológicos constituem uma categoria lexical que está intimamente ligada às apreciações do enunciador. Assim, os adjetivos axiológicos refletem um julgamento de valor apreciativo ou depreciativo em relação a um determinado objeto, dentro dos campos da ética, estética e da pragmática. Para que o enunciador atribua um valor positivo ou negativo a um determinado elemento ou indivíduo, não deve ser negligenciada a importância do contexto, visto que um grande número de adjetivos podem funcionar tanto como neutros quanto avaliativos.

Contrato de fala: Para Charaudeau (1988-93), o contrato de fala é definido como sendo um conjunto de situações de práticas sócio-linguagísticas que são o resultado das condições de produção e de interpretação do ato de linguagem. O contrato de fala é constituído por um faire sérieux, em que a objetividade dos fatos e das informações devem ser respeitadas, e por um seduzir, que faz com que os dados sejam apresentados de maneira acessível e agradável.

A partir das definições de alguns dos termos utilizados pela teoria da Análise do Discurso podemos refletir sobre alguns de seus pressupostos. A argumentação constitui um dos fatores privilegiados da coerência discursiva. Ela pressupõe, na verdade, uma ação complexa finalizada, um encadeamento estruturado de argumentos ligados por uma estratégia global, objetivando convencer um público da tese defendida pelo enunciador. Como tipo de interação verbal destinada a modificar as convicções de um sujeito, a argumentação apresenta uma característica peculiar: ela não age diretamente sobre o indivíduo (come se lhe desse uma ordem), mas, ao contrário, sobre a organização do próprio discurso, de modo que este efetue um efeito persuasivo: o enunciador que argumenta se dirige a seu co-enunciador da mesma maneira que este último é suscetível de contra-argumentar, utilizando a sua capacidade racional para “fechá-lo” em uma rede de argumentos dos quais não possa escapar.

Com relação à propaganda escrita, várias são as estratégias utilizadas para convencer/seduzir o público leitor. Uma delas se encontra na utilização de determinados tipos de termos (adjetivos/substantivos/verbos) e na modalisação.

Catherine Kerbrat-Orecchioni aborda as questões da modalisação e da subjetividade nos adjetivos. Em primeiro lugar, ela define o que vem a ser uma unidade lexical: c’est una catégorie lexicale, en un sens, subjective, puisque les mots de la langue ne sont jamais que des symboles substitutifs et interprétatifs de choses. Para Catherine, a lingüística repete e demonstra que as produções discursivas não saberiam fornecer um analogon da realidade, uma vez que essas produções dividem, a sua maneira, o universo referencial, impondo uma forma particular à essência do conteúdo, organizando o mundo por abstração generalizante em classes de palavras sobre a base semântica. Assim, as palavras não representam os objetos da realidade, porque as línguas não são capazes de exprimir, no interior das palavras, o conteúdo desses objetos.

Trata-se, dessa forma, da utilização coletiva das palavras e o que interessa, neste caso específico, é o uso individual do código comum. O problema que se coloca, então, é o da verbalização de um objeto real ou imaginário e a escolha das unidades para representá-lo. A partir dessa reflexão, observamos que há dois tipos de formulação discursiva, isto é, uma objetiva e outra subjetiva. O discurso objetivo tenta reduzir toda e qualquer marca da existência de um enunciador; o discurso subjetivo, no qual o enunciador está presente explicitamente, tem a sua presença marcada através do pronome pessoal “eu” e/ou através de dêiticos.

A partir dessa reflexão, observamos que há dois tipos de formulação discursiva:

© o discurso objetivo que tenta reduzir toda e qualquer marca da existência de um enunciador;

© o discurso subjetivo no qual o enunciador está presente explicitamente e tem a sua presença marcada através do pronome pessoal “eu” e/ou através de dêiticos.

Catherine declara que essas considerações são necessárias para que se tome consciência de que o eixo de oposição objetivo/subjetivo não é dicotômico, e sim gradual. A autora considera, ainda, que todas as unidades lexicais apresentam uma carga mais ou menos forte de subjetividade, que ela demonstra no eixo a seguir:

 

(+ OBJETIVO ------------------------------------- + SUBJETIVO)

SOLTEIRO

AMARELO

PEQUENO

BOM

 

Assim, é possível considerar que a análise de textos de jornais e revistas fornece um material rico para o estudo da produção/recepção de textos escritos e das estratégias e intenções discursivas envolvidas no processo da escrita. Por isso, quando o escritor/jornalista se depara com um tema, ele tenta mascarar ao máximo o seu ponto de vista, sem conseguir tal empreendimento na maioria das vezes, visto que a sua opinião é passível de ser recuperada através das marcas que ele deixa gravadas em seu discurso, quer por intermédio de substantivos ou adjetivos, que para Orecchioni não se prestam à objetividade, quer através das marcas de enunciação.

De maneira mais geral, o discurso tem por objetivo convencer/seduzir o seu público alvo - o leitor - das categorias avaliativas por ele introduzidas: este mostra a legitimidade de seus argumentos, de suas estratégias enunciativas no próprio texto com o único objetivo de cooptar o seu co-enunciador.

 

Referências bibliográficas:

ANSCOMBRE, J-C & DUCROT, O. L’argumentation dans la langue. Bruxelles : Pierre Mardaga Editeur,1988.

BOISSINOT, Alain. Les textes argumentatifs. Toulouse : Bertrand-Lacoste, 1994.

CHARAUDEAU, Patrcik. Langage et discours. Élements de semiolinguistique (Théorie e pratique). Paris : Hachette, 1983.

____________________. Grammaire du sens et de l’expression. Paris : Hachette, 1992.

DUCROT, Oswald. Les mosts du discours, 1986.

_______________. O dizer e o dito. São Paulo : Pontes, 1987.

_______________. Les échelles argumentatives, 1980.

KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. L’énonciation: de la subjectivité dans le language. Paris : Armand Colin Éditeur, 1980.

____________________. L’implicite. Paris : Armand Colin Éditeur, 1986.

MAINGUENEAU, Dominique. L’analyse du discours. Paris : Hachette, 1991.

_________________________. Nouvelles tendences en analyse du discours. Paris : Hachette, 1987.

PLATIN, Christian. Assais sur l’argumentation. Paris : Éditions Kimé, 1990.

PÊCHEUX, Michel. O discurso. São Paulo : Pontes, 1990.