PARASSINONÍMIA – CAMINHO ABERTO PARA A PRODUÇÃO DA OBRA LEXICOGRÁFICA

Antonieta Laface (UNESP)

  1. Preliminares

  2. O fenômeno da cibernética tem obrigado pesquisadores da área da linguagem a tomar posição diante dos possíveis registros lexicográficos de termos e definições, ocorrências na comunidade. Para tanto, indagam a respeito do uso de uma linguagem mundializada e virtualizada, frente às tendências dialetais e regionais. Buscam respostas que possam dizer como a palavra, instrumento básico da informação, estará mobilizando novas formas de se conceber o mundo. Com que velocidade e eficiência as áreas de acesso à informação estarão traduzindo para novas linguagens o universo de conhecimento, adequando-o às necessidades de cada grupo e de cada cultura, na intrínseca relação de povos e nações. Com quais fontes de informação as especificidades de cada grupo estarão sendo projetadas no universo tecnológico, em busca de soluções para seus problemas.

    Diante disso, procuram estabelecer as bases de um instrumental de investigação que possa ajustar informações de áreas diversas do saber, transpostas para linguagens tradutivas do conhecimento, o que permite estabelecer vínculos com o universo humano, revelando o jeito de ser de cada cultura, de cada comunidade. Desse modo, divulgar idéias e conceitos que definem e descrevem objetos do saber depende do uso que se faz da língua; que esse uso possa dizer o contexto histórico de um povo, de sua cultura, de sua ideologia; que possa projetar dados da sua realidade cultural no âmbito da universalidade.

    Nessa dimensão, toda língua, seja qual for a sua natureza, passa a veicular situações de uso, refletindo as características culturais de um povo, reconhecido pela sua identidade, pela sua índole, pela possibilidade de se definir no contexto mundial. A palavra torna-se fonte de produção de conhecimento. Abre-se para a descrição e definição das relações linguageiras no eixo da interação comunicativa. Revela o modo de ser do grupo que dela se utiliza, reconduzindo o universo social e político de sua história. Marca, em conseqüência, o jeito de pensar o mundo.

    No caso do Brasil, trata-se de um povo que, em busca de sua identidade cultural, projeta-se no universo de uma linguagem mundializada, tentando participar dos recursos tecnológicos, da virtualidade eletrônica, da informatização, das realidades de mundo. A língua portuguesa no Brasil tem refletido, significativamente, as características de uma cultura em formação, revelando, no "aqui" e no "agora", a índole e a natureza do povo que a tem como uso. Particulariza-se nos grupos pela variedade dialetal. Universaliza-se no espaço da intercomunicação pela integralização de culturas. Torna-se presença nos fatos históricos, definindo-se como cultura e como prática social.

    Pretende-se, nessa exposição, tratar da parassinonímia como sendo fonte de produção de conhecimento e caminho aberto para a elaboração da Obra Lexicográfica, tendo como ponto de partida a dimensão língua e cultura. Em homenagem a A. Houaiss, situam-se alguns termos e definições no eixo da história, de forma a mostrar a ampliação de sentidos, mediante práticas discursivas e sociais do português no Brasil.

  3. Parassinonímia na dimensão cultural e histórica

  4. Não há como tratar da parassinonímia fora das condições históricas e sociais, ideológicas e culturais. É na história que se produz o conhecimento, que se estabelecem as relações de sentidos, que se demarca a dimensão significativa da palavra em ocorrência na comunidade. É no curso da história que se distendem as práticas ideológicas e sociais, sociais e discursivas. Toda prática social vincula-se ao contexto ideológico, por onde passam as particularidades culturais de um povo. Conseqüentemente, todo registro vocabular do grupo social define-se pela prática discursiva – a obra lexicográfica.

    Houaiss (1991) afirma que a língua, sendo um sistema organizado de sinais combinados na situação interativa da linguagem, abre caminho para dizer a cultura de um povo, para intermediá-la junto a outras culturas. Nesse aspecto, traduz-se como história no processo civilizatório, estratifica-se nos grupos sociais pelas formas livres de dizer o mundo, manifesta-se, conceptualmente nas diversas linguagens; práticas sociais, cujos resultados residem nos sentidos produzidos e ampliados. Será, segundo o autor, uma percepção sensorial do homem, participante da história do mundo, construtor da sua própria história, sabendo-se que, a cada um dos sentidos que a palavra revela, manifesta-se um tipo de linguagem capaz de traduzir idéias, pensamentos e ideologias; caracterizando, identificando, reconduzindo o conhecimento de mundo.

    Em se tratando da ampliação de sentidos, característica da parassinonímia, a palavra responde pela dimensão cultural e histórica. Disponível para produzir e ampliar conhecimento, manifesta-se nos diferentes atos de linguagem. Versátil nas formas de se manifestar, torna-se funcional no espaço que lhe é reservado para mobilizar e reconduzir o saber. Suscetível a significações variadas, faz-se unidade do conhecimento, razão pela qual a língua se institucionaliza, se internaliza. Caracteriza, culturaliza e reflete as dimensões interativas e interlocutivas da linguagem, revelando as particularidades de cada povo, de cada nação.

    No espaço interlocutivo – falante e ouvinte se completam – o estudo das cadeias faladas das línguas no mundo revela limites de uso, limites em cada uma das línguas que, segundo Houaiss, são limites no conjunto das línguas. Nesse caso, a concomitância de divulgação das informações – ocorrência no universo do saber – não deve ser vista numa só direção, pois isto, segundo ele, afrontaria a potencialidade internalizadora dos seus usuários, afetaria a variabilidade dialetal e deixaria de se considerar as particularidades culturais. Uma das questões remete-se ao próprio limite na língua; o que seria e em que se consistiria esse limite, tendo em vista a cadeia aberta, o léxico. Outra questão seria como encarar a parassinonímia, já que o autor coloca a flexibilidade de sentidos na cadeia falada, refletidos no universo cultural de cada povo.

    Sabe-se que toda língua tem seu repertório lexical infindável e que os limites de uso está no indivíduo que não tem, senão parte do repertório lexical para mobilizar as manifestações da cadeia falada no eixo da interlocução. Nesse limite, abre-se espaço para a mobilização do universo polissêmico da linguagem. Está no indivíduo, usuário da língua, a função de estabelecer parâmetros de criação de novas dimensões de sentidos de um mesmo significante, conforme as circunstâncias de uso, no contexto social, cultural e histórico.

    "Brasil Quinhentos Anos" resgata a velha discussão em torno do "descobrimento", em que pesem definições extensivas ao universo histórico de um povo, forçado pela "casualidade" ou pela "intencionalidade" do "ato de descobrir". Assim é que "descobrimento", ao recobrir "achamento, invenção, divulgação, denúncia, revelação", remete-se à possibilidade de se tecer novas relações de sentido, de forma a dizer que "o valor máximo, a realidade primeira de deriva o Estado político e histórico que, a título de concessão, reflete até mesmo o direito de viver" do grupo social, no âmbito do "redescobrimento", cuja recondução situa-se no "ato de redescobrir", isto é, "tornar a descobrir, reinventar, denunciar de novo, revelar, resgatar" o passado para explicar o presente, na projeção do "Brasil Quinhentos e Um".

    É possível, segundo Houaiss, que se possa estabelecer critérios para que a ampliação de sentidos não seja tão distensa e tão flutuante quanto se imagina, até porque tudo será uma questão de visão de mundo, de realidades históricas e sociais, sociais e culturais. Nessa dimensão, a palavra toma posição na situação interlocutiva da linguagem e, mesmo dentro da aparente imprecisão de sentidos, torna-se parte do universo de conhecimento, pois não se pode dispensar nem o conceito, nem a palavra, tão pouco a distensão de sentidos. É com ela que se organizam as mobilizações do saber, registrando-se, nos dicionários e nas enciclopédias, a freqüência e a situação de uso da língua, traduzidas pelas definições, ocorrência na comunidade.

    Do "descobrimento" ao "redescobrimento", surge a figura do "herói nacional", revelando bem a índole do povo brasileiro; fator histórico, social, nacional, contribuindo para a formação da sua identidade cultural. De "herói" em "herói", cruzam-se os caminhos intrincados da "História Sagrada" com os da "Mulata do Carnaval", com os da "Loura Carnavalesca", com os da "Alegoria Indígena", numa mistura de épocas, de lugares, de história. Junto a isso, aparecem os protestos do povo indígena, as reivindicações dos "Sem Terra", as manifestações dos segmentos sociais. Em cada situação de uso, elegem-se "heróis" consagrados na história do país; "Herói do Descobrimento", "Herói da Independência", "Herói da Fórmula I".

    "Herói" incorre no "nome dado pelos gregos aos grandes homens divinizados...", estrutura-se na História Universal, descreve o perfil "daquele que se distingue pelo valor ou por suas ações extraordinárias..." e que, portanto, passa a ser "exaltado, engrandecido...", pelo que representa – "Herói da Fórmula I" – , pelo que se torna – "personagem de uma aventura..., de uma descoberta", "Herói do Descobrimento" – ou, ainda, pelo que contribui para a reestruturação da história, construída pelos protestos e pelas reivindicações dos direitos de cidadania –"Herói da Independência".

    As palavras, ao se relacionarem, concedem entre si um valor significativo, ampliando o espaço configurativo da linguagem, estabelecendo parâmetros de produção de sentidos, caracterizando e dimensionando situações de uso da língua. Respondem pela dinamização do Universo de Conhecimento, de forma a tornar-se suscetível de mudanças dialetais, conforme as necessidades. Vinculam-se às práticas sociais e, nessa perspectiva, Houaiss tece considerações sobre as práticas da cadeia falada e sobre os sentidos produzidos, conforme circunstâncias. São eles reveladores das diferentes "visões de mundo, dentro de um ficar no mundo e de um saber sobre o mundo, como todos – usuários – do seu mundo. Toda língua é história e história é mudança, característica da essência da história, mudança no tempo".

    Diante disso, a parassinonímia estabelece conexão com a história e com a cultura, de forma a contribuir para a reformulação do Universo Humano e abrir caminhos para novas situações produtivas da linguagem. A articulação da cadeia falada com os sentidos produzidos permite determinar uma hierarquia de valores culturais, ampliar horizontes ou mesmo inverter posições e conceitos, isto é, "mudar, alterar, trocar a ordem das coisas, aplicar" novas estratégias para novas concepções de mundo, em que novos "heróis" vão surgindo, no contraponto da história.

    "Brasil Quinhentos e Um" depara-se com o "Herói da Criminalidade", negociado pela "Grande Inversão da hierarquia de valores", em que "hoje o Brasil acha mais grave desviar dinheiro público que matar pessoas...", em que "homicidas, traficantes e estupradores são desculpados como vítimas da sociedade má...", em que "..se valoriza mais o patrimônio público que a vida humana... se enfatiza antes o grupo social do acusado que a natureza dos seus crimes... ". Nesse universo, a língua estende-se e expande-se, de forma a recriar as realidades dos grupos sociais. De acordo com Houaiss, o processo civilizatório encontra caminho nessa expansão, reativando a interação comunicativa dos valores culturais, pragmáticos e cognitivos.

  5. Parassinonímia na dimensão de uma prática discursiva.

  6. Tratar da parassinonímia nessa dimensão é partir do princípio de que toda relação de sentidos conduz a uma mobilização de unidades lingüísticas no plano do significado, abrindo caminhos para registros lexicográficos de conceitos e de definições produzidas no eixo da discursividade. É ampliar uma rede de acontecimentos que emana da consciência. É articular os traços significativos do léxico nas diferentes zonas de sentido, cujos recortes dependem dos dados da experiência de mundo. A significação resulta de uma relação entre significado e sentidos produzidos, dado que todo o universo vocabular evidencia-se no que é possível ser estável na língua, estável no uso da língua, circunstanciável no discurso.

    A noção de parassinonímia remete-se à noção de conceito sobre o mundo e sobre as coisas. Houaiss (1995) define o conceito como sendo "idéias, objetos concebidos, permitindo organizar as percepções e os conhecimentos". Constitui-se, segundo ele, pelos dados da experiência e contribui para a coerência das representações lingüísticas do que está em curso. Associa-se ao conhecimento de mundo, determina-se pelas relações lógicas da linguagem, constrói designações, dependendo das circunstancialidades. Comporta, enfim, definições variadas, referindo-se a grandezas do significado, construindo coisas no mundo.

    A noção de conceito implica a noção de sentido em que se sustente, como afirma Houaiss em seu dicionário, a "faculdade de receber impressões externas, significado, acepção, sentido de uma frase...", de forma a situar o "modo, o aspecto, o ponto de vista..." sobre o objeto a ser definido lingüisticamente. Assim é que, do "descobrimento" ao "redescobrimento", "embarcação", "termo designativo de pequenos barcos (sentido restrito) ou construção destinada a navegar na água... (sentido amplo)", remete-se a "nau", "antiga embarcação a vela, de alto bordo, com três mastros e numerosas bocas de fogo, destinada a navegar em alto mar; qualquer navio, embarcação de grande tonelagem destinada a navegar em mar alto...". "Embarcação" e "nau", "embarcação e "navio" entram na relação de recorrência sinonímica, de forma a possibilitar a ampliação de sentidos, prática discursiva.

    No tempo da história, "Brasil Quinhentos Anos" reconhece "embarcação" contexto lexical extensivo a "nau" e a "caravelas", "embarcações dos séculos XV e XVI..., meio de transporte e de locomoção". Nesse mesmo tempo da história, "Brasil Quinhentos e Um", com certeza, estará reorganizando os dados da experiência passada para dizer que "embarcação" tem seu universo sêmico ampliado, em "barco, navio, iate... meio de transporte e de locomoção", abrindo-se para o "modo de significar no presente. No contraponto da história, relaciona-se a "caravelas", revelando o "modo de significar no passado". Determina-se, por essas relações de passado e presente, a construção de sentidos, ampliando-se o espaço cultural e intersubjetivo da linguagem, em que pese a relação palavra e sentido, em que se sustentam os deslocamentos de sentidos e a configuração das informações a serem divulgadas, a serem situadas no ato linguageiro, eixo da discursividade – da parassinonímia lingüística à conceptual.

    Tratando-se da mobilidade de conceitos, a palavra sustenta-se como unidade de sentidos, sabendo-se que, a cada contexto situacional do discurso, ela assume posição, delineando-se como fonte de produção de conhecimento. Facultada a significar pela articulação do universo discursivo, responde por diferentes zonas de sentido, extraídas da experiência e da consciência, até porque, todo ato significativo da linguagem expande e reflete sentidos, de forma a tornar-se parte integrante da informação; configuração dos sentidos produzidos. Assim é que, considerando o processo de lexicalização, Houaiss (1995) afirma ser a ampliação de sentidos um campo metafórico, em que a linguagem expressiva determina para "caravela", "meio de transporte, veículo, condução", em que figure o deslocamento do passado para o presente; de "caravela" para "embarcação" na memória da história dos "quinhentos anos", marcando o ponto de chegada no "quinhentos e um".

    A parassinonímia conceptual é presença no eixo da história, aberta a novas dimensões de sentidos; prática discursiva, possibilidade de definição do que é ser "herói" no passado e do que é ser "herói" no presente. "Embarcação" implica "deslocamento", "mudança de um local para outro, afastamento, desvio, movimento...", mudança no tempo e no espaço. Nesse movimento, delineia-se a trajetória do "Herói do Descobrimento", na "conquista pioneira de novas terras, do Novo Mundo"; do "Herói da Independência", na "formação histórica dessas novas terras, do Novo Mundo", do "Herói da Fórmula I", na "imortalidade, posteridade da história", do "Herói da Criminalidade", na "herança do querer e do poder ser herói."

  7. Parassinonímia, fonte de produção da Obra Lexicográfica

  8. A produção da Obra Lexicográfica torna-se, não só necessidade de registro dos falares da língua, como também do seu uso, da sua cotidianidade, da sua legitimação como língua de cultura; prática discursiva. No processo de lexicalização, a dicionarização implica a interatividade entre significado e sentidos. No uso que se faz da língua, considera-se a permanência do sentido das coisas e a certeza de um reconhecimento dessas mesmas coisas, em registro na comunidade. A Obra Lexicográfica tem a função de conter o vocabulário comum a todos os usuários, dada a sua dimensão social e cultural; função de abrir caminhos produtivos de um mundo construído pela ciência da linguagem com a própria linguagem.

    E, muito além disso, a elaboração de uma Obra Lexicográfica determina-se pelos critérios de freqüência de uso das unidades léxicas da língua geral, de forma a revelar universos de discurso, refletindo a índole do grupo social, recobrindo as diferentes realidades de mundo. Acresce-se a isso a divulgação de informações pelos meios de comunicação, imprimindo-lhes o caráter criativo da linguagem; tendência de fixação e de padronização. A neologicização e a desneologicização tornam-se critérios de base para registros dicionarizados. A parassinonímia reflete-se nesses critérios como ato criador e, a partir desse ato, a articulação de sentidos concretiza-se por situações de uso circunstanciado da língua.

    No Brasil Quinhentos Anos, o poder de produção e ampliação de sentidos, referentes a "descobrimento" e "redescobrimento", expande-se por caminhos diversos na história do país. Assim é que se pode sustentar a definição ampliada de "caravela" em "montanhas flutuantes", quando da visão do indígena diante da chegada da esquadra cabralina; possibilidade de novas lexicalizações, que externam novos modos de definir e de conceituar um mesmo objeto. Creditam-se a isto a natureza e a índole cultural de um povo que estaria expressando conceitos pela analogia do que seria conhecido pelo não conhecido. "Montanha flutuante", definição conceptual de "caravela", estaria indicando a base significativa da parassinonímia, fonte para novas dimensões de sentidos, cuja freqüência de uso se torna pertinente a registros lexicográficos.

    Nesse aspecto, o dicionário produz-se por mecanismos discursivos, contando-se com o instrumental lingüístico, com o funcionamento da linguagem nos registros paradigmatizados das palavras, das expressões de uso no dia a dia, com a mobilização de sentidos e a posição do consulente, usuário da língua, na sua trajetória social, cultural e, principalmente, histórica. O dicionário torna-se, nessa dimensão, um lugar de integração do dizível, conexão da linguagem com o mundo, da palavra com o objeto definido por ela; um lugar no universo social, diante do conhecimento, do desdobramento de sentidos, do reconhecimento de uso das palavras, do movimento social e histórico dos conceitos – processo de identificação, de reconhecimento dos fatos lingüísticos pelo grupo social.

    Considerando a Obra lexicográfica como registro de uso de uma língua de cultura, Houaiss (1991) afirma ser o estudo do léxico necessário para se definir que palavras, em uso na comunidade, terão de ser ou não pertinência de registro para entrar na norma de uso. Diz o autor que, no caso do português do Brasil, esse registro estaria vinculado à conquista do território nacional, às fases culturais, integradas à política histórica. Isto estaria relacionado à neologicização; entrada de palavras e de sentidos, de conceitos e de designações definicionais de unidades léxicas de línguas em contato com a língua portuguesa, sendo ela a tradutora, a interface de todas as culturas que se fixaram no território nacional.

    Bem por isso, torna-se possível o percurso da sinonímia à parassinonímia conceptual, de "caravela" a "navio" e de "navio" à "montanha flutuante", em que se fixe para "flutuante", "tudo o que balança sobre as águas – agitação pelo vento e pela água, ondulante"; remetência à "caravela", "objeto flutuante", cuja distensão de sentidos faz surgir o "Herói Indígena", pela "simbologia existente na história cultural do país, pela mobilidade entre as culturas, pela visão de universo, processo de produção de conhecimento".

  9. Notas Conclusivas

  10. Na era da "globalização" e da "informatização" da linguagem, as línguas funcionam como produtoras de conhecimento, estabelecendo relações entre o poder de construir coisas no mundo e a efetiva mobilização das realidades culturais; visões de mundo no contexto ideológico, respeitando as particularidades de cada grupo social e, ao mesmo tempo, interagindo povos e nações.

    Nesse aspecto, os dicionários relacionam-se, fundamentalmente e, em essência, ao desenvolvimento da comunicação. Como tributários de transcrições das formas gráficas da língua, pressupõem a classificação e registros das suas unidades léxicas. Atestam a existência dos falares, utilizando formas sociais de divulgação de informações. Tornam-se, por essa razão, o registro e a descrição do léxico, associado ao fator comunicativo e discursivo da linguagem. São depositários do "thesaurus" comum da língua; arquivos, lugar privilegiado do conhecimento, do saber cultural e ideológico – prática discursiva.

    A parassinonímia, tanto no campo lingüístico quanto no conceptual exerce grande pressão sobre a dimensão produtiva da linguagem, considerando-se que a unidade de sentidos é, por assim dizer, a palavra em uso no discurso. Nos efeitos produzidos, a intersubjetividade da linguagem tem a sua função, em que se articulem mundo e sujeito, sujeito e mundo. A representação do universo cultural dá-se pelo uso da língua e é, através dela, que os sujeitos interagem no tempo e no espaço, de acordo com o funcionamento histórico social. As situações circunstancializadas do uso da língua integram-se nos processos de produção de sentidos, sabendo-se que é no grupo social que a voz do sujeito se faz presente e é nos enunciados formativos do saber que o sujeito constrói seu discurso, interagindo, como participante, no universo do conhecimento. E isso tudo reflete na Obra Lexicográfica.

    Como diz Houaiss (1991), as línguas são fatos sociais, históricos e culturais, naturais e históricos e se registram como tal. Contribuem para formação da identidade cultural de povos e de nações integrando-se e interagindo conhecimento de mundo, dentro do que é dado como unidade e diversidade – espaço aberto para produção e registro de um saber.

  11. Bibliografia

HOUAISS, A. O Português no Brasil. Rio de Janeiro : Revan, 1992.

–––––––. O que é Língua. São Paulo : Brasiliense, 1991.

KOOGAN & HOUAISS. Enciclopédia e Dicionário Ilustrado. Rio de Janeiro : Delta, 1995.

ORLANDI, E. P. As Formas do Silêncio – No Movimento dos Sentidos. Campinas : Unicamp, 1997.

VILELA, M. O Léxico da Simpatia. Porto : Instituto Nacional de Investigação Científica, 1980.