OS TERMOS HOMÔNIMOS E POLISSÊMICOS NA TERMINOLOGIA PESQUEIRA

Vanessa Sant’Anna Tavares (UFRJ)

Maria Emília Barcellos da Silva (UFRJ)

 

INTRODUÇÃO

O Projeto a que se vincula esta comunicação emprega o programa Lotus-Approach para a formação do seu banco de dados, em vista ao preparo do glossário da pesca artesanal. Esse programa emite uma mensagem de erro quando se tenta acrescentar ao banco de dados um termo já existente.

Nesse sentido, este trabalho tem por objetivo refletir sobre a questão da homonímia e da polissemia, responsável pelo procedimento acima descrito, uma vez que o mesmo significante impede o desenvolvimento do trabalho. Uma solução para tal problema, pois, deve ser buscada.

Primeiramente é interessante discutir quais os possíveis critérios para a distinção teórica entre homonímia e polissemia. Segundo Rehfeldht cinco critérios são importantes para a distinção entre tais processos: a) etmológico; b) distribuição de classes; c) relação entre os significados; d) campo semântico; e) intuição do falante.

É importante salientar que estes cinco critérios para a distinção da homonímia e da polissemia muitas vezes são falhos quando utilizados isoladamente. Dessa forma, quando algum critério não funciona, utiliza-se outro até que se chegue a uma conclusão satisfatória para a ocorrência.

 

METODODOGIA

Foram recolhidos dados em 13 localidades, sendo 6 marítimas, 5 fluviais e 2 lacustres.

Utilizaram-se apenas os critérios da distribuição de classes e o da relação entre os significados, pois estes foram os mais propícios para a distinção entre homonímia e polissemia.

Duas tabelas foram utilizadas para melhor verificar a distribuição dos vocábulos por esses processos. Os respectivos contextos em que foram produzidos são expostos ao lado dos critérios de distinção já mencionados.

 

DESENVOLVIMENTO

Segundo Dubois, "quando dois termos são graficamente (às vezes fonicamente) semelhantes com diferença de significado, fala-se de homonímia. Quando dois termos estão suficientemente próximos para que se hesite em aplicar-lhes um tratamento homonímico, falar-se-á de polissemia."

É possível observar que, quanto à polissemia, todos os significados de um termo são acumulados em uma só entrada; em relação à homonímia, pode-se dizer que há uma entrada para cada significado de um termo. Isso permite que a ambigüidade seja mais freqüente em termos polissêmicos.

É importante salientar que o critério da distribuição de classe foi estabelecido por Mattoso Câmara: no seu livro Estrutura da Língua Portuguesa, ele observa que o método diacrônico é falho. Assim, a distribuição por classes diferentes indica a homonímia, enquanto a mesma distribuição por classes idênticas caracteriza a polissemia. Neste trabalho entretanto, este critério da distribuição elucidará somente os casos de termos homônimos.

Pode-se observar que a polissemia apresenta, geralmente, um traço semântico comum. Já a homonímia não possui traço semântico semelhante. Este critério será enfatizado para indicar quais os termos polissêmicos com que se está trabalhando.

Margarida de Andrade adota a mesma posição que Greimas, Courtês e Apresjan: o do critério da relação entre os significados. Assim, ela propõe duas assertivas:

  1. "Para Greimas e Courtês, a polissemia existe apenas em estado virtual, ou estado de dicionário; o contexto diferencia e individualiza cada significação específica. A homonímia ocorre quando dois ou mais lexemas, ou quando os seus sememas, não (ou não mais) possuírem figura nuclear comum".

  2. "Segundo Apresjan, há vários casos em que, às vezes, há semelhanças entre significado de lexemas homônimos e, em outros, em que não existe semelhanças entre eles. Por outro lado, na polissemia, pode haver semelhança de significado entre todos os lexemas ou apenas entre alguns".

As tabelas seguintes demonstram exemplos de homonímia e polissemia no jargão pesqueiro:

 

VOCÁBULO POLISSÊMICO

CONTEXTO

TRAÇO SEMÂNTICO

 

BANCO

  • de sentar

#D- "Pra que que serve esse banco?"

#L- "Sentar" (SBC 068 B)

 

  • de areia

"#L- "O banco é onde a gente faz a divisa do mar manso com o brabo"(GAR 084c)

Assentamento

BARBA

  • do peixe

#D- "Agora aqui o senhor vai ver umas fotos de um peixinho eu queria que o senhor me dissesse o nome dessa parte aqui".

#L- "Isso é barba" ( GAR 159 B)

 

  • do anzol

#L- "É aqui é barba do anzol"

(PGF 053 B)

Formato

LINHA

  • do navio

#D- "Aqui o senhor chama de beirada e lá?"

#L- "Lá a gente fala linha do navio" (GAR 159 B)

 

  • de pescar peroá

#L- "Eu pesco mais é com linha de peroá" ( GAR 159 B)

Reta

OLHO

  • visão

#L- "Essa grossura do fio aqui é medida na mão, mesmo no olho"

(GAR 085 A)

 

  • da tarrafa

#L- "Nós tratamos olho da tarrafa" (GAR 084c)

Formato arredondado

FUNDO

  • da agulha

#L- "É o fundo da agulha"

(GAR 084c)

 

  • do mar

#L- "Eu acredito que no fundo do mar tem muita pedra"

(GAR 159 B)

 

  • do barco

#D- "É a parte de baixo do barco o senhor diz que é o quê?"

#L- "É o fundo do barco"

(SBE 068 B)

Parte inferior

 

VOCÁBULO

HOMÔNIMO

CONTEXTO

CLASSE GRAMATICAL

NADA

#L- "O sairu não faz nada" :(SBE 068 B)

 

#L- "A maior parte sabe nadar e nada bem e outra nada mal né" (GAR 124 C)

Pronome / verbo

MALHA

#D- "São as redes e cada partesinha dessa é chamada de..."

#L- "malha da rede"

(GAR 159 B)

 

#L- "Está apanhando ele vai na rede e malha" (CAM 040 C)

Substantivo / verbo

COLHER

#D- "Tem algum tipo de pescaria assim que se põe um negócio no fim de uma linha para chamar a atenção do barco? do peixe"

#L- "tem uma colher" (GAR 159 B)

 

#L- "Na hora eu faço tudo sozinho na hora de colher a rede não dá pra mim colher sozinho" (SBE 068 B)

Substantivo / verbo

 

Na maioria dos casos de homonímia, utilizou-se a estratégia de colocar o verbo no infinitivo para desambigüizar os termos. Assim "malha" (substantivo) e "malha" (verbo), bem como "nada" (substantivo) e "nada" (verbo) deixam de ser um problema para a digitação de palavras homógrafas, pois os verbos são registrados como "malhar" e "nadar". "Colher" (substantivo) e "colher" (verbo) entretanto, continuam a apresentar um problema a ser resolvido.

Para a resolução deste problema, apõe-se às palavras homônimas um número, estratégia que permite ao programa identificá-las como termos diferentes.

Pode-se dizer que de todos os vocábulos homônimos encontrados apenas um teve distribuição de classe gramatical diferente das demais: em "nada" opôs pronome / verbo, quando, em todas as outras lexias, foi encontrada a oposição substantivo / verbo.

Para que os vocábulos polissêmicos se desambigüizassem, formaram-se palavras compostas. Dessa forma, tem-se: banco/banco de areia; barba/barba do anzol, linha do navio/linha de peroá; olho/olho da tarrafa e fundo da agulha/fundo do mar/fundo do barco, procedimento que remove a dificuldade de se ter um termo bloqueado na consecução da ficha--dado em uso.

 

CONCLUSÃO

Salienta-se que se deu grande importância para aos vocábulos homógrafos, porque é justamente a grafia deles que nos traz problemas para a digitação do banco de dados no programa Lotus-Approach.

No que se refere aos verbos, eles são todos postos no infinitivo não apenas para resolver o problema da homonímia, mas para também haver uma certa economia de espaço vocabular, ao não se contemplar a sua flexão.

Observa-se que quanto mais culta for uma língua, mais polissêmica ela será, pois assim haverá maior economia na designação palavras e coisas que circunstanciam a realidade do grupo de usuários. Dessa forma, Dubois afirma que

para os gerativistas, a verdadeira oposição ocorre então, entre o rendimento propiciado pelo tratamento homônimo ou polissêmico de uma unidade ou de tal grupo de unidade no dicionário, sendo o rendimento medido conforme o critério de simplicidade e economia.

Observam-se mais vocábulos polissêmicos que homonímicos dentro do corpus analisado.

 

BIBLIOGRAFIA

CARVALHO, Nelly Medeiros de & SILVA, Maria Emília Barcellos da. Anais do 1º encontro nacional de G T de lexicologia, lexicografia e terminologia da ANPOLL. [Rio de Janeiro] : Faculdade de Letras/UFRJ, 1997.

DUBOIS, Jean et alii. Dicionário de lingüística. São Paulo : Cultrix, 1973.

JUNIOR, Mattoso Câmara. Estrutura da Língua Portuguesa. Petrópolis.: Vozes,1970.

LIMA, Rocha. Gramática normativa da Língua Portuguesa. 35º ed. Rio de Janeiro : José Olympio, 1972.

REHFELDT, G. K. Polissemia e campo semântico: estudo aplicado aos verbos de movimento. Porto Alegre : EDURGS / FAPA / FAPCA, 1980, p. 149-156.

SOARES, Marília Facó (Org.). Anais V congresso de Estudos da linguagem: perspectivas, memórias e atualidades. Rio de Janeiro : ASSEL/UFRJ, 1995.