AS TRANSFORMAÇÕES GRÁFICO-VISUAIS
DOS JORNAIS BRASILEIROS

José Ferreira Junior

As possibilidades de análise sobre a evolução gráfico-visual dos jornais brasileiros se colocam de modo a confluir para a perspectiva interdisciplinar, maneira pela qual podem ser contemplados os diversos aspectos que influenciaram a morfologia atual da imprensa brasileira.

Dois grandes veios para a interpretação desse processo se apresentam, sendo um por meio dos parâmetros de uma sintaxe da linguagem visual; e, outro, pelos estados estéticos advindos da teoria da informação.

Compreender, porém, como se deu as transformações visuais da imprensa é uma tarefa que requer a utilização de outros referenciais, além de uma postura voltada para a cronologia do processo, percorrendo-se desde a diagramação do Jornal do Brasil antes da reforma gráfica elaborada pelo artista plástico Amílcar de Castro, nos anos 50, chegando-se às contemporâneas capas-cartazes, exploradas, por exemplo, pelo paulistano Jornal da Tarde ou pelo Correio Braziliense da capital da República.

A descrição histórica do caminho traçado pelas variadas “reformas gráficas” pelas quais passaram os veículos da chamada grande imprensa nacional deve estar sintonizada com os estudos sobre as expressões imagéticas latino-americanas, os debates sobre os meios de comunicação massivos, as teorizações sobre o design gráfico e, ainda, não dispensar a abordagem sobre os processos de criação artísticos, estudados de forma sistemática pelos críticos genéticos.

O fio condutor processual aponta para conclusões multidimensionais, nas quais se pode inserir um diálogo entre a configuração gráfica e as séries culturais vizinhas, deparando-se, entre outras, com a arquitetura urbana, a literatura, a arte e a poesia concretas.

A distinção básica que se pode relatar de início entre os estudos em Crítica Genética e o produto industrial configurado na forma de publicação jornalística, cujas capas diárias são o foco principal deste trabalho, é que há mais contornos de seriação produtivo-empresarial nos jornais do que propriamente articulações de tom inventivo, sendo que esse último tem nos documentos de processos a matéria-prima primordial da investigação genética (Salles, 1998, p.16-17). Muito embora haja, certamente, traços de filiação criativa com combustibilidade própria no resultado final da atividade cotidiana das redações.

Essa constatação pode ser empírica - a imprensa brasileira é um exemplo representativamente rico, não sendo, porém, o único ¾ ou ter como parâmetro as pesquisas de teóricos da estatura de Bense, Moles ou Pignatari, signatários de uma visão estética informacional, na qual encontra-se o cartaz publicitário; e, com um parentesco não tão distante, podem ser incluídas as primeiras páginas dos jornais, assim como conjunto gráfico completo dos diários.

Com a ressalva feita, busca-se usufruir do legado dos estudos genéticos, cujos resultados são fonte valiosa de traduções e/ou espelhamentos para áreas diversas do conhecimento científico. Trata-se, presumivelmente, de uma manifestação do componente experimental, como interpreta Cecília Almeida Salles:

 

A experimentação está, portanto, relacionada ao conceito de trabalho contínuo. Trabalho mental e físico agindo, permanentemente, um sobre o outro (...) A testagem está, quase sempre, associada à fisicalidade dos documentos de processo, no entanto, devemos lembrar dos muitos momentos de experimentação mental (...) No momento de qualquer tipo de testagem, novas realidades são configuradas, excluindo outras (Salles, 1998, p. 148-150).

 

Não se dispondo de documentos de processo para uma análise passo a passo da construção das capas dos jornais, a qual poderia obter expressão por meio de rafes, layout, simples rabiscos etc, resta a possibilidade de um esforço decomponível, cujos instrumentos tiveram sua instância de partida nos resultados de trabalhos ancorados, na sua plenitude ou apenas de maneira parcial, em teorizações da Crítica Genética.

É o caso da dissertação de mestrado de Sérgio Meurer (1996), Joan Miró: As Metamorfoses da Surpresa, cujo corpus teve como componente para análise alguns esboços de pintor catalão, tendo se orientado, em alguns momentos, pela investigação da escritura visual do artista: “O processo de elaboração sintática é um processo de ajustes e reajustes, posicionamentos e reposicionamentos, um processo efetivo no próprio ato de esboçar, na própria materialização da obra e não apenas na instância mental da concepção da obra” (Meurer, 1995, p. 57). Tendo como referência ainda os conceitos de linguagem visual de Dondis, a análise de Meurer levou em consideração, primeiramente, a concepção de linha, planaridade e volume.

Já o trabalho Pauta e Notícia de Ronaldo Henn tem o mérito de levantar conceitos gerais e norteadores, de forma substanciosa e ao mesmo tempo didática, das tendências teóricas do jornalismo contemporâneo, rastreando o seu veio semiótico, no qual insere a pesquisa em Crítica Genética de Cecília Salles, explorando a composição processual imanente. Henn ainda reflete, como já foi mencionado anteriormente, sobre o papel da via sistêmica na interpretação da prática jornalística, angulando-se pelo diálogo com o ecossistema social, diferentemente da proposta de trabalho aqui demarcada, cuja delimitação corpórea está em conjunção fundamentalmente (embora não exclusivamente) com a postura gráfica das capas dos periódicos diários. Serve de baliza para um caminhar mais seguro, a advertência de Henn sobre a alvenaria na qual se protege a prática jornalística: “O processo de construção do signo/notícia é todo ele permeado por regras, da seleção/abordagem do acontecimento à diagramação da matéria em uma página” (Henn, 1996, p. 93).

A preocupação com o ato de distribuir o conjunto de matérias preparadas, ao longo de uma edição diária de um jornal, nas páginas sempre ocupou a mente dos que fazem jornalismo e também dos que criticam a maneira pela qual são admitidos os critérios de seleção.

Guardam admirável atualidade as ponderações do escritor francês do século XIX, Honoré de Balzac, na obra Os Jornalistas, sobre os meios utilizados pela imprensa para destacar as informações contidas nas páginas dos diários: “As coisas mais interessantes, os grandes e os pequenos artigos, tudo se torna uma questão de colocação nas páginas entre uma hora e meia-noite, a hora fatal dos jornais, a hora na qual as notícias políticas, aparecidas no início da noite, exigem Notícias Breves” (1999, p. 40). Balzac, com acentuada ironia, vociferava contra a tendência açodada que sempre cercou o fechamento de uma edição: “A Notícia Breve se comete, como os grandes crimes, no meio da noite”.

A inquietação, portanto, com o impacto inserido na notícia carrega, tanto pela sua densidade de conteúdo quanto pela localização visual, uma dimensão histórica na esfera das atividades do jornalismo, vinculando intensamente sintaxe e semântica.

A opção pela escolha metodológica não poderia, imprudentemente, se fechar em um ramo teórico exclusivo. Morin ([1987], p. 25) lembra que método na origem é caminho. Deve-se ter em mente, para o pensador francês, o verso do poeta Antonio Machado: Caminante no hay camino, se hace camino al andar.

Transpondo essa preocupação para canais científicos, tome-se de empréstimo a assertiva de Jorge de Albuquerque Vieira, presente em sua tese de doutoramento, Semiótica, Sistemas e Sinais (1994), que propugna alguns balizamentos para o estudo de linguagens formais, cujo alicerce se compõe da idéia de que “...uma gramática é basicamente constituída de um alfabeto finito e um conjunto de regras atuantes sobre esse alfabeto (uma sintaxe) e todas as cadeias sígnicas assim geradas constituindo uma linguagem. Uma observação científica consiste portanto no registrar de um texto, formado pela evolução dos estados da realidade” (p. 14).

Uma maneira literal de se analisar o material gráfico seria utilizar, por exemplo, a teoria da informação, aplicando-se a fórmula de Shannon, cuja tradução verbal apresenta-se assim: “soma das probabilidades de presença pi de signos do índice i, cada uma delas multiplicada por seu logaritmo log pi” (Atlan, 1992, p. 31-32). Para tal aplicação, seria necessário que fosse reunido um número apreciável de exemplares dos jornais escolhidos para análise, folha por folha (ou capa por capa). Daí rumar-se-ia para a distinção da variabilidade de subsistemas empregados para compor a página, levantando-se os alfabetos (visuais) e tentando-se captar a forma pela qual eles evoluem. A redundância de primeira ordem seria o objetivo final, extraindo-se uma tabela na qual estaria a freqüência com que ocorre a materialização de determinado subsistema.

Obtendo-se a redundância pela fórmula de Shannon, se passaria a ter a medida quantitativa da organização desse processo. Além de ser um trabalho de uma considerável extensão, seu conteúdo traria uma interessante contribuição quantitativa, porém não traria quase nenhuma abertura para o debate acerca dos enlaces semânticos e mesmo os que estivessem inseridos no espaço referente ao contexto.

Optou-se por um caminho híbrido no qual toma-se como sustentação basilar o trabalho de Abraham Moles, O Cartaz, fazendo-o dialogar com as ponderações em torno do que existe a respeito da linguagem visual, ressaltando-se a contribuição de Donis Dondis. Caminha-se tendo como referencial primeiro as noções de ordenação e organização, sendo que as páginas “convencionais”, com as “chamadinhas” de capas (textos curtos que remetem o leitor para a matéria completa nas páginas internas do jornal), tenderiam a acatar os ditames de uma certa “ordem”, enquanto as páginas-pôster, ou as que estão próximas dessa configuração, estariam mais ao feitio do que se estabelece como sendo o “orgânico”, sem uma estruturação “ordenada”.

Certamente, são enunciações com matrizes teóricas diferenciadas, contudo tanto uma, quanto outra, estará sob o olhar de uma abordagem cujo pano de fundo são as injunções políticas, sociais e culturais - processo descrito nos quatro capítulos anteriores.

Mesmo que se atribua um objetivo, essencialmente, informativo para os jornais, não se deve ignorar as nuanças estéticas, principalmente no que tange aos fios construtores da página/capa, aqui entendida como um parente próximo do cartaz. Em sendo assim, torna-se conveniente trazer a expressão de Moles sobre esse tipo de construção:

 

A mensagem estética é instável; com efeito, os signos de seu repertório vão ‘migrar’ no repertório semântico, a partir do momento em que se tornam conscientes, explícitos, enumeráveis, tanto para o receptor como para o emissor, eles se transformam em simples alfabeto do artifício superposto a uma significação explícita de base (...) A mensagem estética se empobrece a cada instante, em benefício da mensagem semântica, pelo menos quanto ao seu repertório... (Moles, 1987, p. 49).

 

O pensamento que rege a teorização de Donis Dondis encaminha-se para o mesmo objetivo de desanuviar os mecanismos de sustentabilidade e legibilidade do signo visual:

 

Expandir nossa capacidade de ver significa expandir nossa capacidade de entender uma mensagem visual, e, o que é ainda mais importante, de criar uma mensagem visual. A visão envolve algo mais do que o mero fato de ver ou de que algo nos seja mostrado. É parte integrante do processo de comunicação, que abrange todas as considerações relativas às belas-artes, às artes aplicadas, à expressão subjetiva e à resposta a um objetivo funcional (Dondis, 1997, p. 13).

 

Impõe-se a tarefa de encontrar uma expressão imagética para o estudos das capas dos periódicos. Escolheu-se o caminho de volta da “arte final” para uma espécie de layout, no qual estariam contidas as linhas gerais da concepção do desenho da página. Na ausência dos “documentos de processo”, essa seria uma forma através da qual estariam disponíveis codificações exteriorizadas, objetivando construir um mapa de caminhos com significação, não propriamente um alfabeto de signos (distintos que se relacionam numa gramática visual), mas sobretudo noções sobre conjuntos tendentemente situados a se formatarem de maneira mais ordenada ou organizada, admitindo todas as matizes inclusivas de ambas as formas dispositivas de elementos visuais. Dentro da catalogação sistêmica, o posicionamento analítico-operacional estaria na faixa de observação do perspectivismo, cuja direção aponta para a tentativa de “superar o relativismo admitindo que o mundo é visto segundo várias perspectivas, todas elas necessárias e fundamentais (não necessitaríamos de escolher uma, mas sim montar o quadro relativo à realidade considerando a importância de todas)” (Vieira, 1994, p. 16).

Entretanto, essa interpretação seria uma parte do feixe multidisciplinar com o qual se pretende focar o tema, cujo estuário sociocultural, ratifique-se, será colocado, quando se fizer necessário, em conexão com a análise da coleção de capas selecionadas.

A dinamização das relações econômicas advindas com o pós-guerra trouxe mudanças estruturais importantes para a imprensa brasileira, tendo-se vivido um período de transição desde o final dos anos 40 até os anos 60.

As modificações foram sendo concebidas tanto no plano da redação das notícias, passando por uma reorientação gerencial no próprio ambiente de trabalho e chegando a várias reformas gráficas, modificando-se a maneira pela qual os jornais se apresentavam ao público.

As mudanças atingiram outros diários, destacando-se no Rio de Janeiro, ainda capital federal e centro cultural dinâmico, a Última Hora e o Jornal do Brasil, que nos anos 50 inovaram não apenas a forma de apresentação redacional das notícias (lead, copidesque), mas, sobretudo, na disposição gráfica do conteúdo publicado.

No caso específico da Última Hora, seu proprietário, Samuel Wainer (1988, p. 134-135), contratou um famoso diagramador paraguaio, então morando em Buenos Aires, André Guevara, que começou a singularizar o jornal desenhando um logotipo, com letras em cores azuis, além de ressaltar graficamente as seções temáticas originais que iam surgindo do projeto editorial da publicação, criada em 1951 para dar sustentação à política trabalhista do segundo governo Vargas, o qual estava exposto à hostilidade da grande imprensa nacional.

O Jornal do Brasil, cuja expressão editorial estava na publicação de anúncios classificados (incluindo a primeira página), aprofundou as experiências da Última Hora e do Diário Carioca, afirmando-se por uma renovação gráfica na qual textos e fotografias passaram a compor o novo visual das páginas de modo planejado e criativo. Entretanto, a linha político-editorial do periódico não sofreu nenhuma alteração.

Um breve histórico de como se processou a reforma do matutino carioca se encontra no livro Dois Estudos de Comunicação Visual de Washington Dias Lessa (1995), que salienta sua importância para o design gráfico brasileiro, sendo que emerge, nesse contexto, o trabalho do artista plástico Amílcar de Castro:

 

A força e a consistência da nova caracterização visual do jornal evidenciam o papel estruturador que o raciocínio gráfico teve dentro da iniciativa propriamente jornalística (...) Juntamente com Jânio de Freitas e Reynaldo Jardim, Amílcar de Castro é figura-chave nesse quadro, tanto por ser sua a definição de características importantes do novo layout, quanto por ter formalizado idéias e princípios que contribuíram para agregar questões gráficas modernas ao discurso jornalístico da época (Lessa, 1995, p.17).

 

A reforma elaborada no Jornal do Brasil ganhou uma expressão histórica, redimensionando alguns conceitos arraigados não somente no Brasil. Alberto Dines analisa o período de modo a ressaltar os poucos recursos gráficos disponíveis. Dentro desse contexto ¾ e já sob a direção do jornalista Odylo Costa, filho: “Amílcar de Castro, escultor e artista gráfico, trouxe para a imprensa brasileira o jogo de espaços e volumes, confronto do horizontal com o vertical, da simetria com a assimetria” (Dines, 1986, p. 102).

Cabe mencionar, mesmo que neste momento apenas de passagem, uma outra experiência em jornal do artista plástico Amílcar de Castro. Ela aconteceu no jornal Correio da Manhã em 1963. Amílcar foi levado por Jânio de Freitas, que passou a comandar a redação do matutino carioca em maio daquele ano. Antes que se encerrasse o segundo semestre de 1963, Jânio de Freitas deixava a direção do Correio da Manhã.

Embora bastante curto, esse período representou “alterações profundas” na estrutura do jornal, como salienta Jeferson de Andrade (1991). A paginação, por exemplo, começou a ser modificada a partir de julho, podendo-se destacar um detalhe emblemático. Se no Jornal do Brasil, Amílcar de Castro empreendeu uma operação cuidadosa de retirada do chamado “fio de coluna”, no Correio de Manhã, cujo desenho gráfico dispensava tal adereço, sucedeu-se exatamente o contrário: o designer não somente colocou fios de coluna; pôs não apenas um e sim dois entre as colunas (ver anexo, v. 2, p. 1-14).

Infere-se que as decisões de Amílcar não se baseavam em humores modernosos, mas sim na plenitude da capacidade de programar visualmente um determinado produto cujo suporte é a linguagem gráfica.

A experiência bem sucedida da Última Hora no Rio de Janeiro se repetiu, entretanto, em São Paulo, no periódico com o mesmo nome (e mesmo proprietário), tendo alcançado uma súbita liderança nas vendas em Banca. A UH de São Paulo deu início a formação de uma cadeia de jornais pertencentes ao jornalista Samuel Wainer, que começou com UH carioca, criada, como já foi dito, para apoiar o governo Vargas e política populista do então presidente da República.

Como conseqüência de vários fatores que já delineavam um crescimento das atividades industriais no Brasil (não apenas pela presença de um concorrente de peso como a Última Hora, muito embora isso também tenha influenciado), os jornais paulistanos começaram processos de reforma. A Folha de S. Paulo com Nabantino Ramos, que assumiu sua direção no pós-guerra depois de o jornal ter sido vendido por um grupo ruralista a um “aglomerado político-industrial”. E em O Estado de S. Paulo, as mudanças começaram primeiro com Giannino Carta, jornalista italiano com larga experiência que introduziu as primeiras reformas estruturais no jornal da família Mesquita, tendo tomado conta da seção do exterior (a mais importante do jornal, na época). Em seguida, com Cláudio Abramo chefiando a redação, haveria a consolidação do processo de reformas. A trajetória cronológica desse período pode ser encontrada (dentre outras fontes) no livro Jornalistas de José Hamilton Ribeiro (1998).

Cláudio Abramo detalhou alguns procedimentos que teve de adotar para reformar o Estadão nos anos 50, entre os quais se destaca o de racionalizar o trabalho nas oficinas do jornal, fazendo com que o “fechamento” das edições fosse antecipado em três horas. Além disso, conseguiu dar uma forma mais planejada ao conjunto de operações dentro da redação:

 

O que fizemos, primeiro sob a capa da reforma gráfica, e depois com a anuência da direção, foi uma reforma total na maneira de fazer o jornal, nos métodos de cobrir as coisas e na introdução de um tipo de cobertura ‘científico’, que previa grandes operações com todos os detalhes perfeitamente estudados, previstos e calculados, com espaços predeterminados, fotografias desenhadas antecipadamente etc. (...) Lembro-me de que eu tinha um quadro na parede, em que fixava as fotos para escolhê-las. Outra inovação desse tempo foi a inclusão de diagramadores na equipe do jornal (Abramo, 1988, p. 34-35).

 

Em 1962, o grupo Folhas é adquirido pelos empresários Octávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, começando, então, um processo de “centralização operacional e diversificação de produtos”, sendo racionalizados os métodos de captação de notícias, operação gráfica, distribuição, vendas, publicidade, como indica Jorge Claudio Ribeiro.

No contexto da década de 60, a reação do grupo Estado às mudanças gerenciais do concorrente foi lançar um vespertino: o Jornal da Tarde, que começou a circular nos primeiros dias de 1966.

Para Ribeiro, existe uma explicação empresarial para a criação do vespertino do grupo Estado:

 

O grupo Folhas da Manhã controlava vários títulos, atingindo diversos segmentos do mercado. O JT veio preencher várias lacunas: como vespertino, cobria um período noticioso maior do que os matutinos; voltado para o leitor mais jovem, atingia um público diferente do Estado (Ribeiro, 1994, p. 47).

 

A idéia de um jornal mais afeito às mudanças e à dinamização pelas quais passavam diversos setores da imprensa ¾ as revistas e a televisão, já em processo de franca consolidação, começavam a dividir com os jornais o bolo publicitário ¾, sem dúvida, necessitaria de alguém de extrema confiança para dirigi-lo. O escolhido foi Mino Carta, filho de Giannino Carta, que atribui o convite a uma transferência da confiança que a família Mesquita tinha pelo seu pai. Primeiro editor da revista Quatro Rodas da editora Abril, Mino Carta se transfere para o Estado em 1964 e passa a dirigir uma edição de esportes que circulava às segundas-feiras ¾ o jornal O Estado de S. Paulo não tirava edições nesse dia. A experiência tornou-se um embrião para o futuro Jornal da Tarde. “A edição de esporte era um jornal muito interessante e já continha algumas das linhas, tanto gráfica, como editoriais de texto que acabariam vingando no Jornal da Tarde”, relata Mino Carta (1998).

Uma das novidades do futuro periódico foi na estruturação gráfica. A idéia era a de que a concepção da página não saísse (ou não saísse exclusivamente) da cabeça de um diagramador. O mineiro Ivan Ângelo, migrado para São Paulo, assim como outros conterrâneos seus, para trabalhar no projeto do novo jornal, discerne as peculiaridades da iniciativa de criar o vespertino, no qual começou como editor de variedade, foi secretário de redação e permanece como colunistas até hoje:

 

Quando nós chegamos aqui era o editor-chefe e o secretário de redação, o Mino Carta e o Murilo Felisberto, que desenhavam as páginas, tentando encontrar uma linguagem gráfica para o jornal, uma linguagem gráfica própria. E eles nos comunicaram, quando nós ainda estávamos estagiando (o jornal ainda não circulava), que cada editor deveria fazer seu próprio treinamento e sua própria concepção gráfica dentro do padrão de tipologia e tipografia que o jornal tinha adotado e cada um poderia fazer sua própria experiência, sua própria tentativa de desenhar página. E todos os editores começaram assim com tentativas. Aos poucos alguns editores que mostraram um pendor maior para essa atividade foram se encarregando de fazer suas próprias páginas (Ângelo, 1998).

 

Em se tratando do JT, evidenciam-se seus pilares criativos nas capas, intituladas históricas pelo próprio jornal, nas quais se encontra uma clara interface entre a concepção do que se entende como uma primeira página de jornal e o estilo consagrado do cartaz ¾ mais especificamente o cartaz publicitário, não ficando, obviamente, distante também da representação gráfica encontrada nas revistas ilustradas.

Como particularidade histórica, estão gravadas nas memórias individuais o registro, de forma bastante singular, de alguns momentos de extrema comoção no país. Tendo como principal foco de atenção a maneira pela qual se apresentava a primeira página (a capa), o Jornal da Tarde se distinguiu dos demais ¾ não somente nessa ocasião, certamente ¾, realizando uma ousada hibridização entre as caracterizações gráficas concebidas para jornal, revista semanal e cartaz. Dois exemplos são significativos: a perda do Campeonato Mundial de Futebol em 1982 e a recusa da Câmara Federal em aprovar uma emenda constitucional que restabelecia a votação direta para a escolha do presidente da República (ver anexo, v. 2, p.23 e p. 26-29).

Cabe indicar que a tendência a utilizar o que se poderia classificar como uma capa-cartaz (ou capa-pôster) persistiu e se incorporou à chegada das cores mais aos jornais diários, constituindo-se exemplo a capa da edição noticia a morte do compositor Tom Jobim (ver anexo, v. 2, p. 31).

Um detalhe significativo nesse processo, pelo menos na opinião de Mino Carta que deixou o JT em 1968 ¾ Murilo Felisberto fica em seu lugar ¾ para fazer a revista Veja da editora Abril, é que no início da década de 70 o Jornal da Tarde passa a ser um matutino, fazendo uma espécie de “concorrência” ao outro matutino da mesma empresa e, de alguma maneira, descaracterizando o projeto original.

As experiências, destacadamente as empreendidas pelo Jornal do Brasil e pelo Jornal da Tarde, ainda produzem efeitos dentro do paradigma atual, no qual as cores e a infografia são elementos de real destaque nas páginas dos jornais, tendo como um dos reflexos as capas do jornal Correio Braziliense, cujas capas-cartazes trazem elementos da reforma gráfica do Jornal do Brasil e da dilatação na planaridade do suporte gráfico do Jornal da Tarde.

 

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