UMA LEITURA SEMIÓTICA DE FITA VERDE NO CABELO A  INTERTEXTUALIDADE

Aira Susana Ribeiro Martins (UERJ)

1- INTRODUÇÃO
 Com base na teoria semiótica de Peirce e com auxílio da lingüística textual, pretendemos fazer uma análise do conto  Fita Verde no Cabelo , de Guimarães Rosa. Procuraremos mostrar que, ao descobrir o papel lógico dos elementos estruturadores do processo da semiose, teremos  um roteiro orientador para a compreensão de qualquer tipo de comunicação, estando a arte literária incluída neste conjunto.
 A lingüística textual será  um importante elemento auxiliar, para que possamos, além de compreender todo o processo sígnico que o conto apresenta, ser capazes de perceber os elementos coesivos, tão importantes para a  organização de um texto.
 Veremos também que o conto de Guimarães Rosa remete o leitor a outros textos da litaratura universal e também a obras da literatura brasileira contemporânea, materializando assim, a intertextualidade. Através do paralelo de Fita Verde no Cabelo com  Chapeuzinho Vermelho escrito por Perrault, Irmãos Grimm, com Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque de Holanda, Chapeuzinho Vermelho, de Ricardo Gouveia e Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Guará , de Angelo Machado, o professor  poderá analisar com o aluno não só a estruturação sígnica do conto de Guimarães Rosa, como também levá-lo a conhecer o conto de fadas tradicional e as novas tendências da literatura contemporânea,  no que diz respeito aos conceitos que permeiam o texto infantil e juvenil.
 
 

2-A TEORIA SEMIÓTICA
 Em linhas gerais, as categorias de apresentação e apreensão dos fenômenos da consciência, estabelecidos por Peirce são três: ícone ou quali-signo, índice ou sin-signo e símbolo ou legi-signo.
 Segundo a teoria peirceana, um  objeto é apreendido primeiramente como uma mera qualidade. A apreensão exige de nós o poder de perceber o que está diante de nossos olhos. O símbolo icônico ou quali-signo é uma imagem do elemento representado. Ele é responsável pela configuração do objeto tratado na mente do receptor através de associações e também dará suporte ao processo perceptivo. A estruturação diagramática do texto representa, por similaridade, as relações internas entre signo e objeto.
 A característica básica do segundo modo de apreensão de um fenômeno é o elemento de conflito. O sujeito vê-se diante da desautomatização da percepção e instaura-se então, o impacto. É necessário que o leitor decodifique os sinais que se apresentam no texto. Estes serão pistas  que  irão auxiliá-lo a formar um sentido para aquilo que está lendo.
 Na  linguagem não-verbal, elementos como os cataventos, a Estrela Polar, o furo de uma bala, uma batida na porta  apresentam-se como índices  ou sin-signos. No texto verbal, são índices os pronomes demonstrativos,os pronomes indefinidos,os pronomes possessivos, os sujeitos das proposições e os nomes próprios. O índice coloca a mente do receptor  em uma conexão ativa com o que está sendo comentado.
 O terceiro modo de apreensão dos objetos se explica fundamentalmente como sendo uma operação mental e sua formulação abstrata é representada por signos convencionais. Partindo deste princípio, podemos afirmar que as palavras são símbolos, pois pertencem ao sistema arbitrário e convencional de uma língua e estão relacionadas  aos objetos que representam.
 Podemos dizer também que o legi-signo é um mero conector, pois faz a ligação de um signo geral  a  uma  experiência  particular. Ele significa por meio de um hábito e
de  uma  associação  de  idéias. A  bagagem cultural e as experiências do receptor serão

fatores  determinantes  para  a riqueza  e profundidade  de conceitos simbólicos que um

signo  poderá  despertar. É importante lembrar que a iconicidade, a indexicabilidade e a

simbolicidade estão quase sempre conjugadas, como  assevera a  citação  extraída   da

obra de Peirce:
                   Um substantivo próprio, quando  nos  deparamos  com ele pela
                    primeira vez,está existencialmente conectado  a algum percepto,
                    ou outro conhecimento individual que esse nome designa.Então,
                   somente então, é o referido nome um Índice genuíno. Na  próxi-
                    ma vez que nos  depararmos  com  ele , é  preciso  considerá-lo
                    como um Ícone daquele Índice. Uma vez adquirida uma familia-
                   ridade habitual com ele, o nome torna-se um  Símbolo  cujo  in-
                   te pretante o representa como Ícone de um Índice  do  Índividual
                    nomeado ( Collected  papers, 2.329).

3-SEMIOSE DE FITA VERDE NO CABELO
 A semiótica tem por objeto o texto. Procura descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz.
  Um texto define-se por duas formas que se complementam: ele é entendido como objeto de significação e objeto de comunicação.
 O texto, visto como objeto de comunicação, pede que se faça uma descrição dos mecanismos que o estruturam. A semiótica, com sua metodologia própria, consegue fazer uma análise satisfatória de uma obra literária.
 Concebida como um objeto de comunicação, uma narrativa exige uma análise externa, devendo ser examinada em relação ao contexto sócio-histórico que a envolve e que lhe atribui sentido. A semiótica tem procurado realizar uma investigação “ interna “ e “externa” do texto, examinando-lhe os procedimentos da organização textual e, ao mesmo tempo, os mecanismos enunciativos de produção e de recepção de uma narrativa .
   Primeiramente estudaremos Fita Verde no Cabelo  como objeto de significação.           Faremos um levantamento dos seus mecanismos estruturadores.
     Vejamos o texto:

                                                    FITA VERDE NO CABELO
                                                       ( Nova velha estória )

  Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e                     velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e  meninos  e  meninas
 que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos uma  menina- zinha , a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com  uma  fita  verde  in- 5 ventada no cabelo.
  Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que  a  amava, a      uma outra e quase igualzinha aldeia . Fita - Verde partiu, sobre logo, ela a linda,  tudo era uma vez. O pote continha doce em calda e o cesto estava vazio, que  para buscar framboesas.
10  Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá
 lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores ti-
 nham exterminado o lobo. Então, ela, mesma, era quem se dizia: ? “ Vou à vovó
  com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que  a  mamãe  me mandou.
 A  aldeia  e  a  casa  esperando-a  acolá, depois  daquele  moinho, que a gente 15 pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.
  E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo,
  e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também
 vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem
  com  inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar
20  se cada uma em seu lugar as plebiínhas flores, princesinhas e incomuns, quando
  a gente tanto por elas passa. Vinha sobejamente.
   Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quan-
 do ela toque, toque, bateu:
  ? “Qem é? “
25  ?”Sou eu...”?? e Fita-Verde descansou a voz.? “Sou sua linda  netinha, com  cesto e pote com a  fita verde no cabelo que a mamãe me   mandou.”
  Vai, a avó, difícil disse: ?” Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e   abre . Deus te abençoe.”
 
30  Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.
  A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco
 e  rouco assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: ?” Depõe o pote e o
 cesto   na arca e vem para perto de mim, enquanto é tempo.”
35  Mas agora Fita -Verde se espantava, além de entristecer-se de ver que
 perdera no caminho sua grande fita verde no cabelo atada: e estava suada, com
 enorme fome de almoço. Ela perguntou:
  ?”Vovozinha, que braços tão magros, os  seus,  e  que  mãos   tão  tre-  mentes!”
40  ???”É porque não vou poder nunca mais  te abraçar, minha neta...”  ? ?? a avó  murmurou.
  ?”Vovozinha, e que lábios aí tão arroxeados!”
  ?”É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta...”??a  avó suspirou.
45  ?”Vovozinha,  e  que olhos  tão  fundos e parados, nesse rosto tão  encovado, pálido?”
  ?_?”É porque já não estou te vendo, nunca mais, minha netinha...”  ? a avó ainda  gemeu.
  Fita -Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.
50  Gritou:?”Vovozinha, eu tenho medo do lobo!”
  Mas  a  avó  não  estava mais lá, sendo demasiado ausente, a não ser  pelo frio, triste e tão repentino corpo.
4 - OS MECANISMOS ESTRUTURADORES DO TEXTO
 No nível das estruturas fundamentais, podemos determinar as oposições semânticas básicas, a partir das quais se constrói o sentido do texto. Em Fita  Verde  no Cabelo , categoria semântica fundamental é a tensão entre INGENUIDADE  X  MATURIDADE.
  No quadro seguinte podemos ver os signos.  que demonstram a oposição verificada na narrativa.
 

INGENUIDADE MATURIDADE
Fita verde inventada no cabelo.( l.4)
ela a linda (l. 7))
Vinha sobejamente.(l. 21) “— Vovozinha, tenho medo do lobo!”(l.49)
Sou sua linda netinha...( l.26)
com fita verde no cabelo (l.26)
 

  Vemos no conto signos indiciais que preparam o leitor para os seus momentos finais, quando ocorre a perda da ingenuidade da menina.
 No quadro seguinte podemos ver os signos orientadores do processo de amadurecimento de Fita-Verde:

 a que por enquanto (l. 4)
 perdera no caminho sua grande fita verde (l. 35)
Fita - Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez. (l.48)

 Esta fase, para a qual se encaminha a personagem, se inicia no décimo-primeiro parágrafo _ Mas agora Fita-Verde se espantava...  ( l. 34 )_realizando uma mudança abrupta na narrativa. A expressão mas agora prepara o leitor para a introdução de um fato inesperado, deixando-o na expectativa de que os acontecimentos terão um desfecho diferente do que se imaginava no início da narrativa .. A conjunção mas é um operador discursivo que orienta para uma conclusão contrária e marca um ponto onde ocorre mudança na ordem dos acontecimentos. São introduzidos, a partir deste momento, elementos opositivos aos que aparecem no início da narrativa. O leitor vê-se diante de outras possibilidades de conclusão que contrariam as que o orientavam.
 O clima de suspense está presente nesta parte da narrativa, graças à presença da conjunção adversativa. Podemos dizer que o conectivo mas  é também um índice de polifonia, pois introduz fatos novos e definitivos que levam a um desfecho oposto ao que se esperava..
 O advérbio agora reforça a idéia introduzida pelo mas. Ele indica o pressuposto de que outras situações virão, uma vez que estimula inferências sobre momentos diferentes do agora: antes e depois.

 

4.1- OS TEMPOS VERBAIS
 De acordo com Harald Weinrich, lingüista alemão, que toma os tempos verbais como base para sua distinção entre os tipos de atitude comunicativa, podemos perceber no texto o comentário e a narrativa.
 No mundo comentado, o locutor se responsabiliza,  se compromete com aquilo que enuncia, criando uma tensão entre os interlocutores que estão diretamente envolvidos no discurso. No mundo narrado, a atitude do locutor é distensa, ele se distancia de sua fala, não se comprometendo em relação ao fato que está sendo narrado. O locutor , neste caso, simplesmente relata fatos e  os acontecimentos se apresentam por si próprios..
 Em Fita Verde no Cabelo , o mundo narrado prevalece sobre o mundo comentado. Os fatos são enunciados com o verbo no pretérito imperfeito e pretérito mais -que-perfeito, tempos típicos do mundo narrado. As passagens seguintes ilustram esta afirmativa:  Havia uma aldeia...(l. 1),...velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam...(l.2),...lenhadores que por lá lenhavam...(l.11),...pois os lenhadores tinham exterminado o lobo... (l. 12),...perdera no caminho...(l. 31).
 Embora o tempo presente pertença ao mundo comentado, vemos no texto o emprego desta forma verbal com valor de passado, que seria o presente histórico. Podemos observar no próximo trecho um exemplo disto que foi comentado: Demorou para dar com a avó na casa que assim lhe respondeu... ( l. 22 )
  O discurso direto pertence ao mundo comentado. Sabemos  que as expressões verbais próprias do comentário são  aquelas empregadas no tempo presente e no tempo futuro., conforme  foram utilizadas pelo autor de Fita Verde no Cabelo em passagens como estas:...não vou mais poder nunca mais te abraçar...(l. 39 )...não vou nunca mais poder te beijar...(l.42) ...já não estou te vendo ... (l . 46). A locução verbal  vou poder indica uma possibilidade futura e a expressão estou te vendo indica o momento em que a ação se desenvolve. Tais perífrases poderiam ser substituídas pelas  seguintes formas: poder e vejo, respectivamente.
 No décimo parágrafo, no trecho : Devia, para falar agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo  ( l. 32 ), vemos um discurso indireto- livre. Segundo Weinrich, quando ocorre este tipo de construção, há um meio- caminho. entre o mundo comentado e o mundo narrado, sendo possível captar-se a fala do narrador e uma reflexão da menina superpostas. Isto contribui para criar um clima de tensão, surpresa e expectativa no texto.
 Assim como prevalece a narração sobre o comentário, observa-se também o predomínio do cenário sobre a ação propriamente dita. A presença do advérbio agora  (l. 34) é mais um índice que confirma o predomínio do mundo narrado sobre o mundo comentado.
 Os atos de fala podem estar relacionados ao emissor, ao receptor ou ao contexto. Agora  é um advérbio que está relacionado ao contexto, pois, sendo um elemento que introduz um fato inesperado na narrativa, sua  função é apenas apresentar os acontecimentos.
 O sistema temporal do verbo permite também indicar o relevo do texto. Esta função ocorre somente no mundo narrado que compreende : primeiro plano e segundo plano ( pano de fundo). O pretérito perfeito simples indica o primeiro plano ou ação propriamente dita e o pretérito imperfeito, o segundo plano ou pano de fundo. Estes elementos aparecem no conto com a função de marcar as duas estruturas textuais que estão em dialogismo. Quando o conto tem o verbo no pretérito imperfeito, temos presente a estrutura narrativa criada por Guimarães Rosa, como no trecho: Havia uma aldeia... ( l. 1 ). O verbo no presente ou pretérito  perfeito remete o leitor ao texto de Perrault. A ação  da narrativa se observa  através  das formas  verbais no passado. As passagens seguintes demonstram esta afirmação: “Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou.” (l. 13-4 ).

4.2 - ELEMENTOS COESIVOS DO CONTO
 Elementos coesivos são formas lexicais e gramaticais presentes na narrativa com o objetivo de estabelecerem as relações textuais, responsáveis pela sua tessitura  e também  pelas  suas relações de sentido.
 O texto se inicia com a anteposição de artigos indefinidos aos substantivos, que funcionam como formas remissivas não-referenciais presas. São, os artigos e o pronome indefinido, formas catafóricas, pois os referentes seguem-se a eles.Vejamos: uma aldeia em algum lugar,... uma meninazinha,... um dia. (l. 1-2). O pronome indefinido todos ( l. 3 ) também é uma forma remissiva referencial que se refere a homens, mulheres e crianças.
 No primeiro parágrafo, devido à presença dos artigos, dos pronomes indefinidos e   dos adjetivos no grau comparativo de superioridade ( sem o segundo elemento da comparação), sentimos certo clima de imprecisão. A enumeração de substantivos designativos dos habitantes da aldeia  e o emprego dos verbos no pretérito imperfeito colaboram para compor o cenário de indefinição, monotonia, falta de perspectividade e duração interminável. dos acontecimentos no tempo. Esta  passagem  comprova nossa afirmativa:  Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam e meninos e meninas que nasciam e cresciam. ( l. 2 )

5 -O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE FITA VERDE NO CABELO
 A voz do narrador lembra a fala do contador de histórias não só pela distância em relação ao fato narrado, que se fundamenta pelo uso freqüente do verbo no pretérito imperfeito, mas também pelo emprego do discurso direto e outras formas típicas do de uma narração oral. Vemos a velha fórmula  era uma vez... substituída pela oração também impessoal:  Havia uma aldeia...(l. 1).
 Podemos observar outras características do texto oral em Fita Verde no Cabelo, como a narração dos fatos na ordem cronológica, a  presença do suspense nesta passagem: Mas agora Fita-Verde se espantava...(l. 34) . Os signos textuais que aparecem em negrito, nas passagens seguintes, são marcas de oralidade na seqüência narrativa: Daí, que, indo,...  (l. 10 ), Então, ela, mesma,... (l. 12)  E ela mesma...( l.16), Vai, a avó, difícil.... (l. 28).
 Fita Verde no Cabelo é também um texto pictórico, pois, além de o narrador contar a estória para a platéia, descreve seus quadros cênicos acompanhados até mesmo pela faixa sonora, levando o leitor à  visualização do que está lendo. Este trecho demonstra o que a afirmamos:  Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu: ...(l. 23 )  A “entrada” dos personagens que compõem o cenário sucede-se à apresentação do ambiente, marcado pelo tédio e pela monotonia. Podemos perceber isto na seguinte passagem: Havia uma aldeia... velhos e velhas que velhavam...meninos e meninas que nasciam e cresciam...(l. 1-3).
 As características encontradas no conto de Guimarães Rosa , descritas no parágrafo anterior, levam-nos a afirmar que este identifica-se também com uma seqüência cinematográfica, pois, a descrição da cena e a visualização do movimento possibilitam uma dinâmica do espaço. O emprego do discurso direto também auxilia o autor nesta apresentação cinematográfica , porque, conforme sabemos, esta forma de narrativa cria um efeito de sentidos de realidade, dando a impressão de que o narrador está apenas repetindo o que disse o interlocutor . A mudança de entonação, intensidade de voz e sotaque do narrador ao proferir o discurso direto são marcas de oralidade que auxiliam na elaboração do efeito de realidade.
 O ritmo desempenha, neste conto, também um papel  fundamental na montagem das seqüências. Inicialmente, em lenta sucessão de acontecimentos, os personagens são apresentados ao leitor:   Havia uma aldeia... com velhos e  velhas que velhavam...(l. 1 -2) Aos poucos, acelera-se o desenvolvimento da narrativa, como podemos ver nas passagens: Fita -Verde partiu...(l.7),   Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou. (l. 30 ). O ritmo da narrativa chega ao seu ponto máximo quando se dá o diálogo entre a menina e a avó, culminando com a frase aterrorizada de Fita-Verde ao descobrir que a avó não mais vivia.

6- O NOME PRÓPRIO FITA -VERDE E A ICONICIDADE
 Um objeto pode ser designado por uma variedade de características pelas quais é capaz de ser identificado, porém , dentre estas, apenas uma pode ser escolhida, justamente aquela mais estrategicamente eficiente no reconhecimento do objeto pelo interlocutor.
  Guimarães Rosa, ao nomear a menina de  Fita-Verde ,  escolheu justamente o distintivo mais evidente da personagem. Esta expressão é um signo que reúne as três categorias peirceanas de apreensão dos fenômenos: representa um ícone, ou seja, nomeia o adereço que a menina usava no cabelo; pode ser considerado também um índice, pois passa a ser um elemento referencial, indicando quem possui o objeto, e, por fim, Fita-Verde é também um símbolo, porque é capaz de conectar o pensamento do leitor a uma experiência particular. Através de uma associação de idéias, somos capazes de concluir que o nome dado à menina simboliza um período de vida experimentado por ela. O título da narrativa parece ser a metáfora da própria personagem.

7- O DIALOGISMO EM FITA VERDE NO CABELO
  Vemos no conto de Guimarães Rosa um jogo dialógico com o conto Chapeuzinho Vermelho, de Perrault. No dialogismo ocorre não a soma, mas a inter-relação ou intersemiotização  entre dois planos narrativos, capaz de criar uma linguagem específica. Portanto, procuraremos descobrir não um dialogismo entre dois textos, mas um dialogismo entre  signos, diálogo capaz de criar, nele próprio, uma linguagem específica.
 Contudo, no diálogo intersemiótico a origem permanece visível, porque, o amálgama sígnico, que produz essa linguagem específica oriunda da correlação dos dois signos, depende da ação do receptor e o impulso e o processo criadores ficam patentes e em constante ebulição, em eterna produção.
 A leitura intersemiótica  se realiza através de recortes no repertório do leitor, por meio de processos de seleção e relação; a  seleção busca as equivalências, semelhanças e dessemelhanças do repertório, enquanto a relação organiza os traços relacionados em unidades contíguas suficientes para serem produtos de leitura caracterizados como significados e, novamente armazenados no repertório- memória.
  Os signos, na intersemiose, são como vestígios, índices que se articulam em ícones e caminham para a imagem. O traço identificador que persiste no diálogo intersemiótico caminha do índice para o desenho, para a imagem.
  Existem dois processos básicos responsáveis pelo texto dialógico: a inversão, que seria a paródia e a amplificação, que consiste na estilização.
 Em   Fita Verde no Cabelo, Guimarães Rosa realiza uma estilização, que consiste em uma adição sígnica tomada como princípio estruturalque não tem característica ornamental, mas supõe, estruturalmente, no texto base um centro irradiador, uma centralidade referencial da leitura, que por um movimento exacerbado do processo do rpocesso pode chegar ao afastamento desse foco gerador, expandir-se, fragmentar-se, proliferando, na leitura, os pólos de referência.  O texto base, no caso Chapeuzinho Vermelho de Perrault, se fragmenta e se expande. .Porém, a narrativa que emerge desta inter-relação de signos não se afasta completamente do texto primeiro.
 Tanto Chapeuzinho Vermelho como Fita Verde no Cabelo são textos metafóricos, que relatam a trajetória do ser humano da inocência para a maturidade. No conto de Perrault, vemos a perda da inocência ocasionada pala ação de pessoas inescrupulosas, que são metaforizadas pela figura do lobo. Em Fita Verde no Cabelo, a personagem, ao presenciar a morte da avó, transforma-se e amadurece, conscientizando-se da realidade que a cerca.

8- A INTERTEXTUALIDADE E A INTERDISCIPLINARIDADE

  Fita Verde no Cabelo , é um texto riquíssimo, que dá oportunidade ao professor de trabalhar com o aluno não só a estrutura da narrativa, como também abordar em sala de aula uma série de temas importantes para o adolescência como  as relações familiares, a doença, a velhice, os perigos a que estamos sujeitos, os medos que estão no outro e dentro de nós mesmos, entre outros que poderão surgir através do diálogo em sala de aula. Guimarães Rosa recupera a importância do conto de fadas e com sua linguagem peculiar resgata a tradição do saber popular, fazendo com que o aluno perceba a riqueza das narrativas infantis.
 O texto do escritor mineiro, remetendo o leitor a outros textos da literatura  clássica e contemporânea, sugere ao professor trabalhar em sala de aula com a intertextualidade e com uma  tendência da  pedagogia moderna: a interdisciplinaridade.
 Ao fazer uma leitura do conto de Guimarães Rosa, o receptor percebe a interação de dois discursos distintos: o texto figura e o texto figurado, que dá origem a uma narrativa onde o texto presente faz uma leitura do passado.
  Chapeuzinho Vermelho é um dos contos de fada mais divulgados. Há inúmeras versões para este texto, que fazia parte da  tradição oral dos camponeses da França no século XVII. Ele foi adaptado pela primeira vez para a literatura infantil no final do mesmo século, por Perrault. Ainda no século XVII, os Irmãos Grimm fizeram duas versões, sendo uma delas a adaptação mais popular do conto
  Documentos provam que os contos populares existiam antes de ser concebido o termo “folclore”, neologismo que surgiu no século XIX. Os pregadores medievais utilizavam elementos da tradição oral para ilustrar argumentos morais. Perrault escreveu seu conto nos moldes destas hitórias medievais, finalizando o texto com um poema  no qual propõe uma moral a ser deduzida.
  A literatura infantil tradicional caracterizava-se por incentivar o individualismo, a obediência absoluta aos valoras do Governo, da Família e do Poder, entre outros. Havia sempre uma moral dogmática, de caráter religioso, onde se premiava a virtude e se penalizava qualquer tipo de comportamento que fugisse dos seus padrões.
  Observa-se que a literatura  infantil e também a juvenil contemporâneas valorizam o espírito comunitário, questionam o poder absoluto e respeitam  as diferenças. Reconhecem também as transformações por que vem passando o sistema social e procuram não ditar normas de conduta. A “moral” da estória desapareceu dando lugar à moral espontânea.
 Vemos, na literatura infantil brasileira várias versões do conto Chapeuzinho Vermelho. Destacamos a versão de Chico Buarque ? Chapeuzinho Amarelo ?onde nota-se uma inversão total da história originária. Inicialmente, podemos observar que a
mudança de cor  do nome do personagem é significativa: no conto que deu origem às várias versões, a cor vermelha é associada à pureza da mulher . O amarelo é associado ao medo que possuía de tudo, a menina. O texto de Chico Buarque refere-se também a uma trajetória, pois a personagem principal consegue vencer o medo que a  impedia de viver como as outras crianças.
 Temos também Chapeuzinho Vermelho  de Ricardo Gouveia , que, assim como Chico Buarque, faz uma paródia da história original. Chapeuzinho Vermelho criada por este autor é divertida e bastante crítica em relação à personagem da história original.
 Finalmente, podemos fazer uma rápida apreciação da versão de Angelo Machado: Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Guará.  Este texto , que também faz uma paródia do tradicional conto de fadas, traz inúmeras informações e convites a pesquisas sobre meio ambiente e  Ciências.
 Enfim, Fita Verde no Cabelo além de ser  uma interessantíssima obra de um de nossos mais importantes escritores, faz um convite ao leitor para conhecer outros textos que estabelecem um dialogismo com o conto de fadas adaptado por Perrault e também pelos Irmãos Grimm .O aluno ainda poderá, através de uma leitura comparativa dos vários textos, estudar não só nossa flora e fauna, como também, após tantas atividades criar seu próprio  Chapeuzinho Vermelho.
 
 

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