A FILOLOGIA ROMÂNICA
NA PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS DA UFBA

Célia Marques Telles (UFBA)

 A Filologia Românica tem gozado de uma posição privilegiada na Universidade Federal da Bahia desde o final da década de 50, graças, como é sabido, aos esforços e ao  dinamismo do Prof. Dr. Nilton Vasco da Gama. É devido a essa situação especial que a Filologia Românica, na instalação do Curso de Mestrado em Letras em 1976, foi uma das áreas de Concentração Menor. Com a reestruturação do Curso de Mestrado em Letras em 1992, passou a ser uma das áreas de concentração da Macroárea de Estudos Lingüísticos. Reiteradas vezes a CAPES apontou a Lingüística Histórica como um dos aspectos fortes da Pós-Graduação em Letras da Bahia, área em que se inserem os estudos de Filologia Românica. Tal fato levou a uma nova e revolucionária reestruturação da Pós-Graduação em Letras em 1995. A partir de então, os Cursos de Doutorado em Letras e de Mestrado em Letras oferecem duas linhas de pesquisa diretamente ligadas ao ensino da Filologia Românica, a de Mudanças Lingüísticas na România  e a de Crítica Textual. Esta configuração tem feito do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia um polo formador em Filologia Românica.
 

INTRODUÇÃO: NILTON VASCO DA GAMA

 Ao iniciar esta exposição faz-se necessário retomar algumas palavras do discurso de saudação ao Prof. Dr. Nilton Vasco da Gama, o Mestre, na ocasião em que lhe foi outorgado o título de Professor Emérito da Universidade Federal da Bahia .
Os membros da equipe de Filologia Românica da Universidade Federal da Bahia, dos mais antigos àqueles que estão chegando agora, discípulos e alunos de Nilton Vasco da Gama, são a prova cabal do que ele construíu na Universidade Federal da Bahia: a equipe de Filologia Românica. Líder nato, professor em todos os momentos, ensinou a estudar e a aprender. Ergueu com dedicação, pertinácia, coragem e amor um Grupo de Trabalho que se consolidou há mais de trinta anos.
 Ensinou a todos o amor e a fidelidade à Filologia Românica, tal como no documento românico mais antigo, que jamais admitiu ser desconhecido, desde os primeiros dias de trabalho, por quem quer que fosse. Desse modo, todos aprenderam a, por assim dizer, “jurar” fidelidade aos estudos da Filologia Românica:
  Pro deo amur et pro chrisptian poblo et nostro commun salvament, d’ist di in avant, in quant deus savir et podir me dunat si salvarai eo (...) et in adiudha, et in cadhuna cosa, sicum om per dreit (...) dift (...)

 Personalidade forte, homem de caráter, modestia e humildade científica, nos anos 70, vê frutificado o seu trabalho no campo da Romanística e o preparo do seu Grupo de Trabalho, ao consolidar-se a sua equipe de Filologia Românica  com a abertura dos concursos públicos.
 Espírito de liderança, sempre trabalhou com seus estudantes, formando de início pequenos grupos de trabalho, quer na Faculdade Católica de Filosofia, quer na Faculdade de Filosofia ou no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia.
 É resultado do seu esforço - dir-se-ia trabalho, no sentido de base - o fato de a Filologia Românica gozar de prestígio nos Cursos de Letras no Estado da Bahia: na Universidade Federal da Bahia, na Universidade Católica do Salvador, na Universidade Estadual de Feira de Santana e na Universidade do Estado da Bahia. Graças aos seus esforços a Universidade Federal da Bahia oferece nos Cursos de Pós-Graduação stricto sensu duas linhas de pesquisa no campo dos estudos filológicos: Mudanças Lingüísticas na România e Crítica Textual. Na linha de Crítica Textual, após ter iniciado pesquisas em edição crítica de textos quinhentistas não literários (de que trouxera microfilmes da Biblioteca Nacional de Paris em 1955), criou, em 1977, o Grupo de Edição Crítica de Textos que, desde então, vem se dedicando também à edição crítica da obra do poeta baiano Arthur de Salles.
 Esta é a razão pela qual a Filologia Românica goza de tanto prestígio na Bahia, constituindo-se hoje um dos polos de formação filológica no País.
 

2 DA GRADUAÇÃO À PÓS-GRADUAÇÃO

Até 1962 ? ano da reforma dos Cursos de Letras ? a Filologia Românica integrava a formação curricular dos cursos de Letras Clássicas e de Letras Neolatinas.  Com a reforma, passa, na Universidade Federal da Bahia, a ser disciplina de Currículo Mínimo. Essa situação vai refletir-se no início dos anos 70 no âmbito da Universidade Católica do Salvador, quando se reintegra a Filologia Românica no currículo mínimo dos Cursos de Letras. Com a plenificação das Licenciaturas em Letras, pouco a pouco, os Cursos de Letras da Universidade Estadual de Feira de Santana e da Universidade do Estado da Bahia passam a ter a Filologia Românica como disciplina de currículo mínimo.
Essa consolidação no âmbito dos cursos de graduação, leva, logo depois, à colocação da Filologia Românica como uma das áreas de concentração menor, dentro da área de Estudos Lingüísticos, no Curso de Mestrado em Letras, criado em 1976.

3 FILOLOGIA ROMÂNICA: CONCENTRAÇÃO MENOR NO CURSO DE MESTRADO EM LETRAS

 Em 1976, ao criar-se o Curso de Mestrado em Letras na Universidade Federal da Bahia, a área de concentração menor em Filologia Românica, sob a responsabiloidade de um único docente, o Prof. Dr. Nilton Vasco da Gama, com título de Livre Docência, possuía um elenco de nove disciplinas que foram oferecidas com certa regularidade entre 1976 e 1991, sete relativas às mudanças lingüísticas na România e duas, à crítica textual.

FRXX Análise da lírica trovadoresca no antigo provençal
FRXXI Estudo dos sistemas fonológicos românicos
FRXXII Estruturas semânticas nas línguas românicas
FRXXIII Problemas de lexicologia e semântica afetos às línguas românicas
FRXXIV Contato de línguas e mudanças lingüísticas na România
FRXXV Evolução e estrutura da lexicografia românica
FRXXVI Estudo léxico-semântico do vocabulário político-social dos trovadores galego-portugueses
PEXX A Edição crítica de textos
PEXXI A Edição crítica de textos modernos

 Em 1983, mais um professor é credenciado para atuação no Curso de Mestrado em Letras, Albertina Ribeiro da Gama. Nesse momento, as disciplinas de mudança lingüística na România ficam a cargo de Nilton Vasco da Gama, enquanto as de crítica textual passam à responsabilidade de Albertina Ribeiro da Gama. Embora dois professores mestres tivessem sido credenciados, somente com o respectivo doutoramento estes passaram a atuar regularmente na pós-graduação. Em 1989 passou-se a contar com um terceiro docente, Célia Marques Telles, atuando em disciplinas das duas vertentes. Posteriormente, criou-se mais uma disciplina, Escritas Cursivas posteriores ao século XVI. Essa era a situação quando, em 1991, procedeu-se à primeira reestruturação do Curso de Mestrado em Letras.
 Com a reestruturação efetuada  em 1991, a Filologia Românica tornou-se uma das áreas da macroárea de Estudos Lingüísticos. Contando com três docentes, com um número regular de alunos interessados na formação específica (professores da Universidade Federal da Bahia, da Universidade Católica do Salvador, da Universidade Estadual de Feira de Santana, da Universidade do Estado da Bahia), refez-se o quadro de disciplinas: 8 foram mantidas, 1 reformulada, 3 criadas:

Análise da lírica trovadoresca no antigo provençal
Estudo dos sistemas fonológicos românicos
Estruturas semânticas nas línguas românicas
Problemas de lexicologia e semântica afetos às línguas românicas
Contato de línguas e mudanças lingüísticas na România
Estudo comparativo de aspectos léxico-semânticos na língua dos trovadores
Estudo diacrônico do espanhol
Estudo diacrônico do francês
Estudo diacrônico do italiano
A edição de textos manuscritos
A edição crítica de textos manuscritos
Escritas cursivas posteriores ao século XVI

 Além dessas disciplinas optativas, coube ao Setor de Filologia Românica o ensino da disciplina obrigatória da macroárea, Lingüística Histórica.
 A esse tempo, as avaliações do curso feitas pela CAPES apontavam a Lingüística Histórica como área de excelência do curso. A Filologia Românica compartilha, desde então, com a Língua Portuguesa o domínio dos estudos na área de Lingüística Histórica.
 Em conseqüência do plano de recuperação do curso de Mestrado em Letras, criou-se o Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística (PPGLL), procedendo-se, em 1995, à reestruturação do curso de Mestrado e a implantação do curso de Doutorado, recomendado pela CAPES em 1997. A Filologia Românica, a partir das suas duas linhas de pesquisa, acha-se inserida, desde então, em duas das novas áreas de concentração dos cursos: a de Lingüística Histórica (linha Mudanças Lingüísticas na România) e a de Teorias e Crítica da Literatura e da Cultura (linha Crítica Textual). Em 1996, contou-se com mais um docente-doutor, Teresa Leal Gonçalves Pereira, havendo o credenciamento de um quinto docente em 1997, João Antônio de Santana Neto; esses atuam, respectivamente nas linhas Mudanças Lingüísticas na România e Crítica Textual.
A cada uma dessas linhas se acham ligadas três disciplinas (princípio geral para todas as linhas do PPGLL). A disciplina obrigatória da área de Lingüística Histórica, Teorias e métodos da Lingüística Histórica, encontra-se sob a responsabilidade do Setor de Filologia Românica. Também é responsabilidade do mesmo Setor o ensino da Metodologia da Pesquisa, disciplina obrigatória para os dois cursos. O novo quadro das disciplinas compreende, portanto, três disciplinas em Mudanças Lingüísticas na România:

Problemas de lexicologia e semântica afetos às línguas românicas
Contato de línguas e mudanças lingüísticas na România
Tópicos em diacronia

e  três  na linha  Crítica Textual:
A edição crítica de textos manuscritos
A edição crítica de textos modernos
Escritas cursivas posteriores ao século XVI

 A diminuição do número de disciplinas permite que se faça uma oferta regular, podendo todas elas, no mínimo, constar uma vez no planejamento bianual do Setor.
 Atualmente as disciplinas oferecidas apresentam as seguintes ementas:
Contato de línguas e mudanças lingüísticas na România
? Estudo da formação dos sistemas lingüísticos românicos, a partir da covariação existente no latim entre as situações de diglossia latim culto / língua latina espontânea e de bilingüismo latino-bárbaro

Problemas de lexicologia e semântica afetos às línguas românicas
? Exame dos problemas afetos à análise do léxico, de um ou mais sistemas lingüísticos românicos.

Tópicos em diacronia
? Estudo da formação de línguas românicas, em diferentes níveis lingüísticos.
 

A edição crítica de textos manuscritos
? Estudo dos elementos imprescindíveis ao estabelecimento crítico de textos do século XIV a XVI, com ênfase especial em textos de língua portuguesa.

A edição crítica de textos modernos
? Elementos básicos para o estabelecimento de um texto de tradição impressa.

Escritas cursivas posteriores ao século XVI
? Estudos dos elementos essenciais à edição diplomático-interpretativa de manuscritos posteriores ao século XVI.

 
4 AS LINHAS DE PESQUISA EM FILOLOGIA ROMÂNICA NA PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS DA UFBA

  A pesquisa em Filologia Românica sempre privilegiou duas vertentes, o estudo das mudanças lingüísticas e o das edições críticas de textos. Constituída a equipe, nos idos dos anos 50, na década de sessenta desenvolveu-se um intenso trabalho no estudo do vocabulário do Leal Conselheiro de Dom Duarte, logo estendido para o Livro da ensinança de bem cavalgar toda sela. Ao mesmo tem, como trabalhos do Bacharelado em Letras Neolatinas, intensificou-se o estudo da crítica textual (ecdótica) e começaram-se a preparar edições críticas. Foi com este programa de pesquisa que se iniciou a atuação no Curso de Mestrado em Letras.
 A linha Mudanças Lingüísticas na România traz a ementa:
? Estudo dos elementos básicos da Romanística buscando analisar fatos da formação das línguas românicas em diferentes níveis lingüísticos;
enquanto a Crítica Textual apresenta como ementa:
? Estudo de documentos relacionados com aspectos culturais do Recôncavo Baiano, visando à edição crítica de textos manuscritos e de textos modernos.
A primeira, além dos estudos introdutórios de Lingüística Românica, dedica-se ao estudo e análise do léxico. A segunda, desenvolve o Programa Edição Crítica da obra de Arthur de Salles, além de dedicar-se à edição crítica de textos manuscritos quatrocentistas e quinhentistas e à edição semidiplomática de textos notariais dos séculos XVIII e XIX.

4.1 Mudanças Lingüísticas na România
 
As primeiras dissertações de mestrado na área de concentração menor Filologia Românica, trataram de problemas relativos às mudanças lingüísticas e ao estudo lexicológico: A palatalização de t e k no ibero-romance, de Vera Lúcia Britto Gomes , Considerações sobre a mudança lingüística: o vocalismo latino-romance, de Teresa Leal Gonçalves Pereira , As categorias de modo, tempo e aspecto em textos românicos do séc. XVI, de Célia Marques Telles , e Considerações lexemáticas a propósitos da tradução portuguesa de Arthur de Salles da tragédia de William Shakeaspeare, Macbeth, de Hilda Maria Ferreira de Carvalho .  Em 1991, apresentava-se outra dissertação nessa linha, a de Rosauta Maria Galvão Fagundes Poggio, Estudo sincrônico-diacrônico das orações infinitivas em latim e em português . Seguem-se, no período seguinte, três dissertações: a de Andréia Caricchio Café, Uso da preposição a em dois jornais do estado da Bahia  , a de Risonete Batista de Souza, Estudo descritivo do vocabulário de Pero da Ponte   e a de Samantha de Moura Maranhão, O vocabulário das receitas de medicamentos e regimentos relativos à saúde do “Livro da Cartuxa” .
 Acaba de ser entregue mais uma dissertação nessa linha, a de Celina Márcia de Souza Abbade, Três campos lexicais no vocabulário do Livro de Cozinha da Infanta D. Maria . Começa-se a esboçar, sob a orientação do Prof. Nilton Vasco da Gama mais uma dissertação enfocando o léxico . Ainda no campo dos estudos lexicais desenvolve-se uma tese de doutorado, a de José Raimundo Galvão, sob orientação de Célia Marques Telles, a propósito dos verbos de movimento em roteiros de viagens quinhentistas escritos em língua portuguesa e em língua francesa.
 Tem-se a expectativa de ingresso de três doutorandos e de um mestrando nessa linha, na próxima seleção.

4.2 Crítica Textual

 Ainda em 1977, na dsisciplina Paleografia e Ecdótica XXI, A edição crítica de textos modernos, deu-se início à pesquisa sistemática para a edição crítica de textos modernos, preparando-se como trabalho final uma edição crítica do Prólogo de Sangue-mau do poeta baiano Arthur de Salles. Com isso ficava criado o Grupo de Edição de Textos da UFBA que vem trabalhando, desde então, na edição crítica da obra de Arthur de Salles e na edição de textos portugueses quinhentistas da literatura de viagens e na edição semidiplomática de textos notariais dos séculos XVIII e XIX.
 Em 1986 conclui-se a primeira dissertação nessa linha de pesquisa, a de Célia Goulart de Freitas Tavares, Alguns aspectos da prosa dispersa e inédita de Arthur de Salles .  Do período de 1992 a 1995 contam-se seis dissertações na linha Crítica Textual:  a de Rosa Borges Santos Carvalho, “Poemas do mar” de Arthur de Salles: tentativa de edição crítica , a de Rita de Cassia Ribeiro de Queiroz, Sonetos de Arthur de Salles: tentativa de edição crítica  , a de Gustavo Ribeiro da Gama, Arthur de Salles: tradutor de Shakespeare? , a de Elisabeth Baldwin, O dote de Mathilde, conto de Arthur de Salles: proposta de edição crítico-genético e estudo  , a de Permínio Souza Ferreira, “Inquirições de D. Dinis”: índices e 27 primeiros fólios; edição crítica de um texto medieval notarial português , e a de Maria da Conceição Souza Reis, O ramo da fogueira, obra regional de Arthur de Salles: proposta de edição crítica  .
 Vem de ser entregue uma dissertação nessa linha, a de Maria Dolores Teles, A obra dispersa de Arthur de Salles em: Nova Revista, Bahia Illustrada e A Luva: tentativa de edição crítica . Seis dissertações encontram-se em andamento, duas preparam edições críticas de parte da obra de Arthur de Salles, uma dedica-se a fazer a edição crítica de um roteiro de viagem quinhentista, três pretendem fazer uma edição semidiplomática de textos notariais dos séculox XVIII e XIX . Também nessa linha desenvolve-se uma tese de doutorado, a de Rosa Borges Santos Carvalho, que estuda e prepara a edição crítico-genética da poesia do mar de Arthur de Salles, orientada por Nilton Vasco da Gama.
Tem-se previsão de ingresso de, pelo menos, mais dois mestrandos e de um doutorando nessa linha.
 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 O rápido esboço historiográfico que se acaba de fazer buscou apresentar a situação da Filologia Românica na Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Bahia. Toda essa história é o resultado do esforço, da dedicação, da obstinação e do amor de um homem: Nilton Vasco da Gama, o Mestre, o Mentor, o Amigo.
 A Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Bahia tem-se tornado marcante na área de Lingüística Histórica a partir do trabalho do Grupo de Filologia Românica, aliado a parte do trabalho desenvolvido em Língua Portuguesa.
 O Grupo de Pesquisa de Filologia Românica, hoje cadastrado no Diretório de Pesquisa do CNPq, tem como líder o Prof. Dr. Nilton Vasco da Gama e conta com a colaboração de quatro doutores, três mestres, um graduado. Contam-se, além disso, ao todo, três doutorandos, oito mestrandos, um bolsista de aperfeiçoamento, cinco bolsistas de iniciação científica, um monitor.
 Esta é, Senhores, a situação da Filologia Românica no âmbito da Pós-Graduação na Universidade Federal da Bahia!