Ano 1 - No 01 - Rio de Janeiro, março de 2021. Publicação mensal.

 

O FILÓLOGO DE PLANTÃO

“Um jornal que teima em buscar a verdade na doce ilusão de encontrá-la”
Publicação do CIFEFIL – Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos.
Nova Série, ano 1, nº 1. Rio de Janeiro, março de 2021.

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 Scriptoria de um filólogo medieval
(Fonte: NETO, Antônio. Que faz um filólogo?. 2012. Disponível em: <http://espiralidiomas.blogspot.com/2012/03/que-faz-um-filologo-
parte-1.html>
. Acesso: 2.fev.2021.)

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EXPEDIENTE
CiFEFiL
Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos
Gestão 2020-2024:
Diretor-Presidente
Prof. Dr. José Mario Botelho
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Diretor Cultural Interino
Prof. Dr. Leonardo Ferreira Kaltner
Diretora Financeira
Profª Drª Dayhane Alves E. R. Paes

 

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O Filólogo de Plantão
Editor-geral
Prof. Dr. Ricardo Tupiniquim Ramos
 
EDITORIAL
   Com estreia em dezembro de 1996, sob editoria do Dr. Alfredo Maceira Rodríguez, este periódico teve continuida- de durante 14 anos, com 65 números. Contudo, desde 2011, suas atividades estavam paralisadas.
  A partir deste número, em nova série e sob nova edi- toria, “O Filólogo de Plantão” volta a lume, objetivando periodicidade mensal.
   De início, este periódico se propunha a divulgar as ações do CiFEFiL assim como pesquisas afeitas à Linguística e à Filologia – sobretudo, portuguesas e românicas –, não se desviando, eventualmente, de outros objetos nos limites daquelas ciências.
   Nesta nova série, continuamos a tratar da antiga temática em colunas permanentes e alternadas (“Flashes de Ro- manidade” ou “Flashes de Lusofonia”) ou descontínuas (“Nomes, pessoas e lugares”, “Holofotes” e “Vox Populi”); e incorporamos questões identitárias em colunas per- manentes e alternadas (“Pílulas de Brasilidade” ou “Pílulas de Baianidade”) ou contínua (“Nossos povos, nossas línguas”) e de literatura e cinema, em colunas continuas (“Fica a Dica”), temas esses ligados às questões linguístico-filológicas.
  Quanto às colunas, quando não assinadas, serão de autoria do editor-geral. Todos os colaboradores desta publicação, inclusive ele, aqui escrevem como voluntários, não se criando vínculo de natureza trabalhista entre eles, a publicação ou o próprio CiFEFiL.
   Esperamos a colaboração e o bom julgamento de nossos leitores, a cuja disposição estamos, inclusive para o recebimento de sugestões de pauta.


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Flashes de Romanidade

O CAMPO SEMÂNTICO DO FEMININO EM LATIM

    Nesta coluna, a partir de uma motivação peculiar ao autor, interna ao jornal ou de uma sugestão de leitore(a)s, pretende-se sempre levantar alguma reflexão sobre o latim e/ou as línguas e culturas românicas, seus sentidos e subversões, muitas vezes polêmicas, mas necessárias (?) na contemporaneidade.

    Neste número, a dica de leitura da penúltima página nos permite refletir sobre os nomes integrantes do campo semântico da mulher, em latim, cujos significados arrola Faria (1991): CONJUX, -UGIS – sentidos próprios: esposa (o mais fre- quente); esposo; o casal; – sentidos figurados ou particulares: noiva; amante; a fêmea do animal; DOMINA, -AE – sentidos próprios: dona da casa; daí: senhora, soberana; esposa; amante; nome dado à imperatriz; FEMINA, -AE – sentido próprio: fêmea (em oposição a macho), mulher; MATRONA, -AE – sentidos próprios: mulher casada, mãe de família, dama, matrona; daí: mulher (em geral), esposa (sentido raro); sentido figurado: Augusta (epíteto de Juno, esposa de Júpiter e rainha dos deuses, visto ter a palavra ideia de nobreza); MULIER, -IS – sentidos próprios: mulher (em geral); esposa (em oposição a virgo ‘virgem’); sentidos figurados: fraqueza e timidez, termo de injúria; UXOR, -IS – sentido próprio: esposa (mulher legitimamente casada); sentido figurado: a fêmea dos animais.
    Dessas lexias, a mais geral é mulĭer, origem, via acusativo, do português mulher, do espanhol mujer /mu’her/ e, via nominativo, do italiano moglie /’mͻλye/ ‘esposa’ (um dos sentidos parti- culares do étimo). De femina, a partir do acusativo, derivam: o francês femme /fam/ e o português fêmea. De domina, nominativo, o italiano dona /’dona/ e, do acusativo, o português dona, que, com ligeiras alterações, guarda sentidos próximos aos originais: dona da casa, proprietária e título de nobreza (feminino de dom, v.g. Dona Isabel Cristina de Bragança e Orleans) ou tratamento dirigido a respeitável senhora, geralmente, casada (v.g. Dona Carolina de Michaelis). Do acusativo, também resulta o francês dame (fonte do português dama ‘mulher casada, respeitável, nobre’).

 
    De conjux e matrona derivam, em português, cônjuge e ma- trona, que, embora já sem os sentidos particulares, ainda guardam os próprios dos étimos latinos por serem empréstimos eruditos (os surgidos do uso das ciências, filosofia e teologia) do início do século XIX. Nessa mesma categoria de empréstimos está uxor (como raiz, não como palavra) que, desde então, forma termos portuguesas do juridiquês: uxório ‘respeitante à mulher casada’, uxoricida ‘assassino da esposa’, uxoricídio ‘assassinato da esposa’ (cf. CUNHA, 1997, p. 807), primeira forma de crime realizado contra alguém devido à sua condição de gênero, conceito hoje abarcado pelo termo genérico feminicídio.
    Notes que as palavras latinas em foco guardam uma série de significados pejorativos: femina têm o sentido biologista geral de fêmea em oposição a macho; conjux e uxor o de fêmea de animal; mulier, ainda, as acepções depreciativas de fraqueza e timidez (ainda hoje vivas no conhecido, injusto e combatido epíteto de sexo frágil) e de termo injurioso (em português brasileiro, dirigido a um homem, mulherzinha significa ‘afeminado’; a uma mulher, ‘mulher pouco valorizada, meretriz’).
    Isto demonstra machismo e misoginia não do latim ou das línguas românicas, mas da cultura nelas expressa, a cultura latina, da qual somos herdeiros e (re)construtores. Cabe, portanto, constante reflexão, vontade e ação de mudança de padrões culturais retrógrados e desumanos que vêm permitindo, ao longo do tempo, a opressão masculina sobre as mulheres; mudanças em prol da construção de uma sociedade igualitária e colaborativa na qual as pessoas, não obstante seu gênero, sejam reconhecidas por seu valor humano. Assim, quem sabe, aquelas acepções passem a fazer parte apenas de uma obscura e mutável história, em vez de do nosso cotidiano.

Referências:

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 2. ed rev./ aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

FARIA, Ernesto. Dicionário escolar latino-português. Rio de Janeiro: FAE, 1991.

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Grafismos: Temática está presente em itens de decoração | Arte marajoara, Grafismo  indigena, Elementos das artes visuaisNossos povos, nossas línguasCores e mais cores: GRAFISMOS INDÍGENAS


ÍNDIO, A PERPETUAÇÃO DO ERRO DE COLOMBO

   Índios, indígenas, ameríndios ou brasilíndios, aborígenes, negros da terra, gentios, silvícolas, populações nativas, povos autóctones ou originais, sociedades pré-colombianas ou pré-cabralia- nas...Tantos são os nomes para o conjunto de povos que habita(va)m a América antes da chegada dos europeus que, muitas vezes, ficamos sem saber qual usar, sobretudo em tempos em que uma nomenclatura “politicamente incorreta” pode causar problemas...
De todas as nomenclaturas acima, a mais simples – e talvez, por isso, mais popular – é índio. Contudo, nem por isso ela é fácil de definir. Houaiss (2001, p.1606) entende índio como “aquele que é originário de um grupo indígena é por este reconhecido como membro”. Logo, não se pode entender o significado de índio sem conhecer o de indígena, que, seria: “relativo a ou população autóctone de um país ou que neste se estabeleceu anteriormente a um processo colonizador; relativo a ou indivíduo que habitava as Américas em período anterior à sua colonização por europeus”. (HOUAISS, 2001, p.1605). Assim, índio seria o indivíduo originário de grupo humano habitante da América em período anterior à chegada dos europeus ao continente e ao estabelecimento do processo colonizador moderno.
Também a lei reguladora das relações dessa parcela de bra- sileiros com os demais cita a origem como elemento identitário determinante; índio seria o “[...] indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional“ (BRASIL, 1973). Além disso, aponta outros elementos essenciais do indivíduo indígena: a autoidentificação e o reconhecimento do grupo étnico. Não é muito diverso o sentido do termo nas Ciências Sociais:
[…] parcela da população brasileira que apresenta pro- blemas de inadaptação à sociedade brasileira, motivados pela conservação de costumes, hábitos ou meras lealdades que a vinculam a uma tradição pré-colombiana. Ou, ainda mais amplamente: índio é todo o indivíduo reconhecido como membro por uma comunidade précolombiana que se identifica etnicamente diversa da nacional e é considerada indígena pela população brasileira com quem está em contato. (RIBEIRO, 1957)

  De toda sorte, conforme Nascentes (Apud HOUAISS, 2001, p.1606), índio “[...] provém de um equívoco de Colombo que, ao tocar a ilha de Guana(h)ani, pensou ter chegado às Índias... apesar de se ter desfeito de seu engano, o nome ficou e foi preservado até hoje para designar os nativos do ‘Novo Mundo’”. Assim, tanto índio quanto indígena são termos empregados pelos conquistadores europeus para designar genericamente a população nativa americana à época de sua “descoberta” pelo Velho Mundo. Por isso, atualmente, nos EUA e Canadá, rejeita-se o uso dessas palavras, preferindo-se, em seu lugar, expressões como “povos originalmente americanos”, “populações americanas originais” ou “culturas nativas americanas”. Por sua vez, na Bolívia, Venezuela e Argentina opta-se por “povos” ou “nações originárias”. No Brasil, porém, os povos originários se reapropriaram ou ressignificaram aqueles termos genéricos coloniais porque, a despeito de sua grande diversidade, o passado comum de violências e aculturações e a necessidade presente de união e luta conjunta em prol de direitos e sobrevivência identificam a todos.
A despeito disso, embora o mais desejável seja o conhecimento e menção da etnia exata do indivíduo com (ou de) quem falamos, na ausência dessa informação, a referência a povos e culturas originário(a)s ou mesmo indígenas é mais acertada que índios, em tudo errada.

Referências:

BRASIL. Presidência da República. Lei 6001, de 19/12/1973 – Dispõe sobre Estatuto do Índio. 2016. Acesso: 14 jan. 2016.

CARRELLI, Vincent (Dir.). Índios do Brasil: quem são eles. Brasil: MEC/SEF/SEED, 2000.

HOUAISS, Antônio. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetivo, 2001.

RIBEIRO, Darcy. Culturas e línguas indígenas do Brasil. Educação e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 2, n. 6, 1957, p. 1-102

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FICA A DICA

  LITERATURA

“As alegrias da maternidade”, de Buchi Emecheta

Érica Oliveira*

    Escrito em 1979, mas só traduzido em português em 2018, “As alegrias da maternidade” é a obra capital da nigeriana Buchi Emecheta (1944-2017). A narrativa se passa na Nigéria, no contexto colonialista (início do século XX), no qual a única função pré-estabelecida para a mulher era a reprodutora.

  As primeiras cenas da trama destacam Ona, mulher independente, bela, com porte e ar de deusa, filha única de importante chefe tribal, que opta por não se casar, mas ainda assim, viver maternidade resultante da união com Agbadi, outro importante chefe tribal, da qual nasce a menina Nnu Ego.

    A figura mística de Ona desencadeia um suspiro de esperança fazendo crer que, naquela sociedade patriarcal particularmente cruel para as mulheres, surgiria uma personagem revolucionaria para desestabilizá-la.

   
 

    Contudo, o que se segue é só um forte contraste da cosmogonia da origem dos igbos, representada pela união dos pais de Nnu Ego, no passado, com sua realidade de marginalização no presente narrativo.

    “As alegrias da maternidade” é um livro cuja narrativa acontece no meio de um acontecimento: o sofrimento materno de Nnu Ego. O texto, que nada tem de acalento, enfatiza a ironia de se atribuir à maternidade um estado de alegria para as mulheres. Ao longo de seu percurso, Nnu Ego tenta o tempo todo se livrar da dor da mesma forma que se livra do leite materno, como se a dor pudesse de alguma forma escorrer de seu corpo. Além disso, a protagonista ainda tem a labuta diária de tentar equilibrar a preservação de suas tradições diante do massacre cultural dos colonizadores.

Referência:

EMECHETA, Buchi. As alegrias da maternidade. Porto Alegre: Dublinense, 2018.


* Mestre em Estudos de Linguagem pela UNEB.

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CINEMA         “Negação”, de Mick Jackson

    Baseado no livro History on Trial: my day in court with a Holocaust denier, de Deborah Lipstadt (Rachel Weisz), o drama retrata batalha judicial de 1996, na qual a autora (historiadora especialista no Holocausto) responde processo por difamação pelo escritor e simpatizante nazista David Irving (Timothy Spall). O tribunal acaba por julgálo um negacionista histórico, racista e antissemita, que, por razões ideológicas, persistente e deliberadamente, manipulou evidências históricas, distorcendo, em seus livros, o papel de Hitler no Holocausto para retratá-lo de forma favorável.

    Em tempos sombrios de negacionismo histórico-científico, verdades alternativas e pós-verdade, do embate de crenças religiosas e ideológicas contra fatos, o filme é um sério alerta contra a deturpação do real por gente (gurus de mandatários, inclusive), instituições (mesmo as “sagradas") e/ou por veículos de mídia mal-intencionados.


Referência:

JACKSON, Mick (Dir.). Negação. [Título original: Denial]. EUA/ Inglaterra: Sony Pictures, 2016, 1:50h.


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HOLOFOTES

LOPES, Mailson dos Santos. Estudos histórico-comparativo da prefixação no galego-português e no castelhano arcaicos (séculos XIII a XVI): aspectos morfolexicais, semânticos e etimológicos. 2018. 5 t., 2433 p. Tese – Doutoramento em Língua e Cultura. Salvador: ILUFBA/ PPGLinC, 2018. Disponível em:estudo-historico-comparativo-da-prefixacao-no-
galego-portugues-e-no-castelhano-arcaicos-seculos-xvii.
 Estudo histórico-comparativo da lexicogênese prefixal em galego-português e castelhano arcaico (séculos XIII a XVI), a partir de corpus formado de vocábulos derivados, herdados do latim ou gerados no vernáculo, extraídos de quase 30 mil linhas de documentos remanescentes, de natureza textual-discursiva variada. Da contextualização do fenômeno nas duas línguas enfocadas, naquela sincronia, parte-se para uma revisitação ao método histórico-comparativo e à linguística românica, para uma crítica às principais premissas da morfologia histórica e (sócio)cognitiva e para a prefixação, imersa em continua semânticomorfolexicais. Em seguida, há a exposição do roteiro epistemológico-metodológico e a análise de dados – uma apreciação diacrônico-comparada de cada prefixo do corpus, com um delineamento dos paradigmas prefixais das línguas em tela, no tempo indicado, e a sinalização dos aspectos fundamentais do cotejo entre tais conjuntos, imersos em (re)fluxos, perdas e ganhos, arcaizações e inovações, variação e mudança. Da incidência sobre o comportamento formal e semânticofuncional de cada antepositivo, com sua subordinação às relações entre léxico e processos cognitivos (metáfora, metonímia e perspectivização), há uma aproximação das tensões no léxico arcaico (e sua inflexão ao moderno), moldadas, de um lado, entre forças e componentes conservadores, mais próximos à matriz latina (permanentes ou não na língua em seu devir histórico) e, de outro, forças e componentes inovadores (criações lexicais próprias), que, apesar de incluídas nas possibilidades do sistema, apontam para novas semantizações e empregos gramaticais.

Palavras-chave: Prefixação. Morfologia histórico-comparativa. Galego-português. Castelhano arcaico.

Próximas Atividades do

CiFEFiL


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XIII Simpósio Nacional de Estudos Filológicos e Linguísticos:
Curso de Verão do CiFEFiL - com menção honrosa à memória do saudoso Prof. José Pereira da Silva (1946-2020)
7 e 8 de abril de 2021


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