1
O FILÓLOGO DE PLANTÃO
“Um jornal que teima em buscar a verdade na doce ilusão de encont-la”
Publicação do CIFEFIL Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos.
Nova Série, ano 1, n.º 9. Rio de Janeiro, novembro de 2021.
Visite www.filologia.org.br para saber das novidades da área de Letras e do CiFEFiL.
Visite http://www.filologia.org.br/rph/80.html para ler a Revista Philologus.
 
Verba Sapientiae
EDITORIAL
Entre nós, este mês é conhecido como
Novembro Negro por nele se comemorar, no
dia 20, o Dia Nacional da Consciência
Negra, data considerada mais adequada à
celebração da resistência negra em nosso
país, a do assassinato de Zumbi dos Palmares
nos idos de 1695.
Embora não seja temática, esta edição traz
três textos que perpassam as questões
africanas/ afro-brasileiras:
1) na coluna “Flashes de Lusofonia” (p. 2-
4), tratamos dos crioulos de base portuguesa,
destacando os surgidos em África;
2) no artigo da coluna “Pílulas de
Brasilidade” (p. 8-9), advogamos a ideia de
que as línguas litúrgicas das diferentes
nações do Candomblé podem ser
consideradas línguas clássicas;
3) na coluna “Holofotes: Filologia”,
trazemos o resumo de uma dissertação
acerca de uma historiografia da literatura
brasileira escrita na década de 1950 por um
intelectual e educador negro baiano.
Por outro lado, dois textos tratam de
aspectos das culturas nativas: o da coluna
“Nossos povos, nossas línguas” apresenta ao
público o tronco etnolinguístico Macro-jê; o da
“Holofotes: Literatura”, o resumo de uma tese
acerca da literatura brasileira indígena
contemporânea.
A despeito do título em inglês, a
dissertação cujo resumo divulgamos na coluna
“Holofotes: Linguística” é escrita em português
e trata de aplicativos de celulares voltados ao
desenvolvimento da pronúncia naquela língua.
Desejamos ao público um bom proveito
desta edição.
Pax et bonum!.
[...] mesmo o infortúnio serve para
desenvolver sua vida. Não se
esqueça de que sua disposição de
lutar contra as adversidades servirá
para muitas pessoas se espelharem”.
Daisaku Ikeda (1928...)
(IKEDA, Daisaku. 365 dias: frases para mulheres.
São Paulo: Brasil Seikyo, 2008, p. 150)
EXPEDIENTE
CiFEFiL
Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e
Linguísticos
Gestão 2020-2024:
Diretor-Presidente
Prof. Dr. José Mario Botelho
Vice-Diretor
Prof.ª Dr.ª Anne Caroline de M. Santos
Secretário
Prof. Ms. Juan Rodrigues da Cruz
Diretora de Publicações
Prof.ª Ms. Aline Salucci Nunes
Vice-Diretor de Publicações
Prof. Dr. Ricardo Tupiniquim Ramos
Diretor Cultural
Prof. Dr. Leonardo Ferreira Kaltner
Diretora Financeira
Prof.ª Dr.ª Dayhane Alves E. Ribeiro Paes
--------------------------------------
O Filólogo de Plantão
Editor-geral; autor dos textos não assinados
Prof. Dr. Ricardo Tupiniquim Ramos
2
Flashes de Lusofonia
CRIOULOS DE BASE PORTUGUESA
Inicialmente, o termo crioulo surge no espanhol para designar os descendentes não-
miscigenados de europeus, residentes na América. No português brasileiro, contudo,
passou a designar o negro nascido no Brasil. Daquele sentido original vem o seu
emprego em relação às línguas pelo qual crioulos são línguas naturais como outras
quaisquer e línguas maternas de seus respectivos falantes nativos; o que têm de diferente
é a situação sociolinguística especial que os origina: a transmissão irregular, por
simplificação, de uma língua moderna de colonização europeia (portanto, uma L2) a uma
população colonizada (africana, ameríndia, asiática, etc.).
A formação de uma língua crioula obedece ao seguinte esquema:
contato entre língua europeia e língua(s) autóctone(s) falar de intercurso > pidgin > língua crioula
Inicialmente, parte da população invadida em contato com o invasor deste aprende um
modelo simplificado de sua língua (falar de intercurso), usado para as primeiras trocas
comerciais. Prolongando-se o contato e efetivamente iniciando-se a colonização da área,
esse falar de intercurso é aprendido por toda a comunidade, que passa a utilizá-lo, ao
lado de sua(s) língua(s) nativa(s), tornando-se um pidgin; essa etapa, de estabilização do
pidgin na comunidade, é chamada pidgnização. Quando a geração estabilizadora do
pidgin o transmite aos filhos, normalmente ainda ao lado da(s) língua(s) autóctone(s), ele
se transforma numa língua crioula, pois passa a ter falantes nativos.
Esse processo pode ser interrompido em qualquer etapa. Assim, admite-se que,
durante os contatos entre portugueses e japoneses no século XVI, deve-se ter iniciado
um falar de intercurso, responsável pelo empréstimo da fórmula de agradecimento
portuguesa (obrigado) ao japonês, aí adaptada como “arigatô”; ou pelo do nome de
vestimenta típica japonesa (kimono) ao português. Mas, como o contato comercial entre
os dois países foi curtíssimo, o falar de intercurso em formação foi abortado, nunca se
tornando pidgin.
Por sua vez, um pidgin pode não chegar a língua crioula, ou seja, pode ocorrer uma
despidginização, como, por exemplo, se deu com o tâibôi, pidgin de base francesa falado
no Vietnã do início da década de 1860 até a invasão norte-americana no fim dos anos de
1960. Durante esse tempo, só os vietnamitas em contato permanente com os franceses o
dominavam e transmitiam entre si; o pidgin o foi disseminado por toda a população
nem transmitido entre gerações. A descolonização em contexto de Guerra Fria, a invasão
norte-americana e a consequente guerra precipitaram sua extinção. (ARAÚJO, 2000)
Por outro lado, se um povo colonizado for submetido a uma nova metrópole, seu
pidgin ou crioulo pode ir substituindo o vocabulário da primeira língua invasora pelo da
nova (relexificação). Stewart (apud Araújo 2000) defende de que diversos crioulos de
base espanhola, francesa, holandesa e inglesa o surinamês (no Suriname, antiga
Guiana Holandesa), o papiamento (em Curaçao, antiga colônia espanhola, depois
holandesa), o filipino (nas Filipinas, ex-colônia espanhola, depois norte-americana) e o
africaner (na África do Sul, antiga colônia holandesa, depois inglesa) surgiram da
relexificação de um primitivo pidgin afro-português surgido na região dos antigos reinos
do Congo e do Ndongo, na atual Angola, para onde “[...] já em 1504 D. Manuel enviava
para o Congo mestres de leitura e escrita” (CARDOSO; CUNHA, 1970, p. 144).
É possível se dar a extinção do crioulo (descrioulização), por dois mecanismos:
1) a reestruturação segundo o sistema da língua nativa original para Tomás (apud
Araújo 2000), isto se deu em Goa, enclave português na Índia entre 1515 e 1961: “caso
tenha existido algum dia um crioulo luso-indiano em Goa [...], hipótese em que ela não
acredita, ali continua a falar-se o concani reestruturado, ou em formas dialetais, com
empréstimos portugueses e ingleses” (ARAÚJO, 2015, p. 20); ou
3
2) a gradativa assimilação da língua do colonizador para Silva Neto (1957, 1986),
no início de nossa colonização, formou-se um crioulo luso-tupi, extinto a partir do século
XVII, graças a vários fatores, o principal deles o avanço da escolarização; com isso, o
país foi favorecido pelo fluxo renovador da língua colonizadora.
Antiga potência colonial, Portugal impôs seu domínio político em diversas localidades
fora do continente europeu, sobretudo entre os séculos XVI e XIX. Em muitas delas, deu-
se a formação de crioulos, alguns extintos o coxinense, o ormuzense, o ternateno, o
adonarense, o javense, o norteiro, o coromandelense, o magalorense, o bengalense
(ELIA, 1989) outros ainda ativos, como o das localidades abaixo.
Em Damão, na Índia, em 1971, dez anos após a retirada lusitana da região, 2094
cristãos se declararam ao censo falantes de um crioulo luso-asiático em Damão Grande
(Praça) e nas aldeias circunvizinhas de Campos dos Remédios, Jumprim e Damão de
Cima. Além disso, segundo Batalha (1982, apud Neves, 2000),
No porto de Damão, ainda hoje, se pode ouvir um crioulo português
semelhante ao crioulo ‘norteiro’ descrito por Hugo Schuchardt e Sebastião
Dalgado, e é falado por vários milhares de pessoas. O crioulo coexiste com
o português padrão, como língua de baixo estrato social, embora nenhum
estudo linguístico exista que documente as possíveis incursões do inglês e
do jujerati ou do português imposto pela administração de Goa.
Após a entrega do território de Diu à Índia, seu crioulo foi substituído pelo inglês.
Contudo, como a administração local manteve o português como língua de matrícula
optativa na rede de ensino, as últimas décadas vêm registrando um curioso processo de
ressurgimento do crioulo graças ao estudo escolar do português pelas novas gerações.
Em Macau promissora província chinesa de status administrativo especial por ter
sido possessão portuguesa de 1599 a 1999 , embora língua materna de pouquíssimos, o
português vem ganhando usuários entre sinofalantes interessados nas oportunidades
emergentes dos possíveis negócios da China com países de língua oficial portuguesa,
sobretudo com o Brasil. Nessa província, o crioulo macauense está em ascensão, pois
propicia o aprendizado do português, língua co-oficial, ao lado do chinês, e a língua
segunda mais ensinada na Universidade. (PEREIRA, 2005)
Por sua vez, os crioulos de base portuguesa na África, muito diferentes do português
de onde saíram em termos de organização gramatical (TEYSSIER, 1998).
Em Cabo Verde país com cerca de 1,1 milhão de habitantes , sofre o português a
concorrência de línguas nativas do grupo central-africano e do caboverdiano, crioulo
dotado de duas variedades básicas: o barlavento (das ilhas de Boa Vista, Sal, Santa
Luzia, Santo Antão, São Nicolau e São Vicente) e o sotavento (das ilhas Brava, Fogo,
Maio e Santiago). Enquanto as línguas nativas são ágrafas, o caboverdiano tem
expressão escrita mínima e é crescente o movimento de setores da intelectualidade do
país em torno da ideia de sua oficialização, ao lado do português.
Fatores históricos impediram o português de criar raízes profundas em Guiné-Bissau,
país com cerca de 1 milhão de habitantes. Mas aí terminou por surgir o crioulo guineense,
veicular de populações usuárias de línguas do grupo central-africano (balanta, fula,
manjaca, mandinga, pepel):
Assim, o crioulo guineense, falado por 44% da população, continua a ser a
língua de união nacional, embora o português seja língua oficial. Nesse
computo, não estamos levando em consideração o crioulo de base
portuguesa da região de Casamance, no sul do Senegal, a qual, em 1886,
passou do domínio português para o francês; bem como a fa dumbu, crioulo
da ilha de Ano Bom, no golfo da Guiné, de muito pertencente à Guiné
Equatorial [...] (ARAÚJO, 2015, p. 26)
Por fim, no arquipélago atlântico de São Tomé e Príncipe país com cerca de 4,5
milhões de habitantes , o português sofre a concorrência de línguas do grupo centro-
africano e de três crioulos de base portuguesa (o angolar, o forro e o moncó), não sendo
língua materna da maioria da população, que a vai aprender à escola.
4
Referências
ARAÚJO, Antônio Martins de. Bilinguismo, diglossia e crioulização nos países lusófonos.
Revista da Academia Brasileira de Filologia, Rio de Janeiro, Nova Fase, 17, p. 17-
43, 2º sem./2015.
CARDOSO, Wilson; CUNHA, Celso. Português através de textos. 3e. Belo Horozonte:
Bernardo Álvares, 1970.
ELIA, Silvio. A língua portuguesa no mundo. São Paulo: Ática, 1989.
NEVES, João Alves das. Os crioulos de língua portuguesa no mundo. O Estado de São
Paulo, São Paulo, 31/12/2000. Disponível em:
<https://www.novomilenio.inf.br/idioma/20010101.htm>. Acesso: 5.nov.2021.
PEREIRA, Luís. Queremos falar português. Macau, Macau, série 4, n. 1, p. 26-34,
dez./2005.
SILVA NETO, Serafim da. Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil. Rio
de Janeiro: Presença/INL, 1986.
SILVA NETO, Serafim da. História da língua portuguesa. 2e. rev./aum. Rio de Janeiro:
Livros de Portugal, 1957.
TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998.
FICA A DICA
LITERATURA
“O diário de Nisha”, de Veera Hiranandni
Érica de Souza Oliveira*
Narrado por uma garotinha de 10 anos, meio hindu, meio muçulmana, “O
diário de Nisha” (2019) se passa na época da Guerra Civil na Índia, pouco depois
de sua indepenencia em relação à Inglaterra. O conflito acabou culminando na
divisão da Índia entre o Paquistão dos mulçumanos e a Nova Índia dos hindus.
Como, após o falecimento de sua mãe, a família de Nisha passa a ser predominantemente
hindu, eles têm de migrar do Paquistão para a nova Índia. A mudança se às pressas e com poucos
recursos, a pé, pelo deserto, apenas com o primordial para a sobrevivência. Entre os objetos essenciais
da protagonista estava seu diário, por meio do qual conseguia se expressar sem medo de ser
repreendida ou silenciada. Ele é também meio de comunicação entre ela e sua mãe, para quem
escreve cartas na tentativa de contar as mudanças à sua volta e cujos motivos não consegue entender.
Apesar de um contexto distante, “O diário de Nisha” faz pensar no momento atual no qual a
liberdade ainda é questionada e interpretada de diferentes maneiras em muitas culturas. É uma leitura
que mexe conosco e nos obriga a repensar o que realmente é essencial para os seres humanos.
Referência: HIRANANDNI, Veera. O diário de Nisha. Tradução de Debora Isidoro. Rio de Janeiro:
Darkside Books, 2019.
____________________
* Mestre em Estudos de Linguagem pela Universidade do Estado da Bahia.
5
Nossos povos, nossas línguas
LÍNGUAS INDÍGENAS BRASILEIRAS: PATRIMÔNIO E DIVERSIDADE POVOS E
LÍNGUAS MACRO-
Há duas edições, começamos a apresentar ao leitor uma visão panorâmica do amplo
espectro da diversidade representado pelas línguas indígenas brasileiras que, de um
ponto de vista da origem comum, podem se apresentar isoladas ou agrupadas em
famílias, por sua vez, também isoladas (karib, maku, mura, etc.) ou reagrupadas em
troncos. Tratamos, na ocasião, do tronco Aruaque e ficamos de, desta feita
1
, apresentar o
Macro-
2
, sobre o qual cabe inicialmente informar ter nove famílias, cinco delas com
línguas isoladas (krenák, guató, ofayé, rikbaktsá e yatê), sendo estas as demais:
bororo línguas: bororo, umutina;
línguas: akwén
3
, apinayé, kaiapó (dialetos: gorotirê, kararaó, kokraimorô,
kubenkrankegn, menkragnoti, mentuktyirê ou txukahamãe e Xikrin), kaingang (dialetos: do
Paraná, central, Sudoeste, do Sudeste), panará, suyá (dialeto tapayúna), timbira (dialetos
canela apaniekra, canela ramkokamekra, gavião do Pará ou parkateyé, gavião do
Maranhão ou pukobiyé, krahó-krenjê ou krenyê, krikati ou krinkati), xokléng;
karajá línguas: javaé, karajá, xambioá;
maxakali línguas: maxakali, pataxó, pataxó---hãe.
Como se vê, a quantidade de povos, línguas e dialetos desse tronco é muito grande,
o que impossibilita um estudo aprofundado de cada um deles devido às limitações deste
artigo. Assim, trataremos de fatos representativos da trajetória de resistência do tronco,
como um todo, e de alguns elementos culturais gerais.
Atualmente, as populações macro-jês habitam entre as bacias dos rios São Francisco
e Araguaia. Sua origem é incerta: embora se apontasse o leste do Brasil, a recente
inclusão dos chiquitanos da Bolívia e de Mato Grosso e dos jabutis de Rondônia no tronco
aponta o oeste brasileiro como seu berço. Além disso, evidências arqueológicas indicam
sua diferenciação linguística mais de 6 mil anos e sua expansão sobre a maior parte
do atual território brasileiro na metade desse tempo.
Contudo, por volta do ano 1000, povos do tronco (Macro-)Tupi, provenientes do sul
da Amazônia, migraram para o leste, expulsando boa parte dos Macro- do litoral e
forçando-os a migrar para o sertão, de forma que, quando da invasão portuguesa
4
(1500),
as únicas exceções Macro-Jê ao domínio tupi no litoral eram os Tremembé (Maranhão,
Piauí e Ceará), os Aimoré
5
(sul da Bahia e norte do Espírito Santo) e os Goitacá (sul do
Espírito Santo e norte do Rio de Janeiro) (BUENO, 2002).
Os povos Macro-jês ofereceram grande resistência à invasão portuguesa, sendo
responsáveis pela morte de muitos colonos e pelo fracasso das capitanias de Ilhéus,
Porto Seguro, Espírito Santo e São To (BUENO, 2002). O avanço português sobre
seus territórios causou reações, como a Confederação dos Cariris (1688-1713), cujo
conflito terminou com a derrota e a quase extinção desses povos (kipeá, paiacus, caripus,
icós e caratiús). É dessa época (1699) a elaboração de uma gramática da língua dos
kipeá pelo jesuíta italiano Luís Vincêncio Mamiani (MAMIANI, 1877) e de um catecismo
nessa língua (NANTES, 1709). A partir deste material, de outras escassas fontes
documentais e da fugidia memória dos mais antigos, os atuais Kariri, em seus diversos
grupos, tentam fazer renascer sua língua ancestral, extinta ainda no século XVIII.
Em 1873, sob o falso argumento da consumada extinção dos povos nativos, o
Ministério de Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Império decretou o fim das
aldeias indígenas no país, passando suas terras a legalmente não terem dono, sendo,
portanto, passíveis de ocupação por leilão público. Contudo, já antes disso, as montanhas
do sul do Brasil, território tradicional dos Kaingang, vinham sendo alvo da expansão da
fronteira agrícola, levando os governos provinciais da região a forçar o aldeamento
desses indígenas para fixar colonos, inclusive imigrantes italianos, alemães, poloneses,
ucranianos, russos etc. No oeste paulista, isso passa a ocorrer no início do século XX,
com a abertura da estrada-de-ferro Bauru-Mato Grosso. Os frequentes ataques Kaingang
6
aos trabalhadores da construção da ferrovia levou à criação do SPI Serviço de Proteção
ao Índio, em 1910, cujo primeiro diretor foi o marechal Cândido Rondon
6
.
O SPI iniciou uma política de pacificação de povos hostis e de criação de reservas
indígenas onde pudessem preservar sua cultura, como a Terra Indígena Caramuru-
Paraguaçu, no sul da Bahia, criada em 1937 para abrigar os Pataxó Hã--hãe
7
. Contudo,
na década seguinte, o governo do Estado começou a conceder a agricultores lotes dentro
da terra indígena, iniciando um conflito fundiário solucionado em 2012, quando o
Supremo Tribunal Federal decretou que a nulidade daqueles títulos.
O SPI apoiou ainda a pesquisa de indigenistas e antropólogos brasileiros, como os
irmãos Orlando, Claudio e Leonardo Villas-Boas e Darcy Ribeiro, ou o belga Claude Lévi-
Strauss, que, durante a segunda metade da década de 1930, visitou várias etnias, como
os Kaingang e Bororo, daí resultando o famoso livro "Tristes Trópicos", de 1955.
Em 1961, ainda sob aquele órgão
8
, os Villas-Boas criaram o Parque Indígena do
Xingu, grande área do Mato Grosso para onde transferiram, num dramático
empreendimento quase épico, inúmeras etnias indígenas algumas delas, Macro-jês
(Kaiapó, Kínsedje, Panará, Tapaiuna) ameaçadas pelo contato com a sociedade
nacional envolvente, para que, assim, sobrevivessem e preservassem suas culturas.
Lançado em 2011, o filme Xingu (HAMBUEGER, 2012), do qual participam indígenas
Xavante e Krem, narra esses fatos.
Na década de 1970, no sul do Pará, destacou-se o líder Kaiapó Tutu Pombo por sua
atitude polêmica e inédita de, em vez de confrontar o invasor branco, permitir a
exploração de madeira, ouro e pedras preciosas em suas terras, daí decorrendo o
enriquecimento e a autossuficiência econômica de sua aldeia a custo de grande
destruição ambiental. Esse mesmo líder assinou acordo de fornecimento de castanha-do-
pará para a empresa inglesa de cosméticos Body Shop, que lhes rendeu 700 mil dólares
americanos em 5 anos. Em 2019, no lastro do discurso do presidente Bolsonaro na ONU
de que o cacique Kaiapó, Raoni Metuktire, primo de Tutu Pombo, seria manobrado por
potências estrangeiras interessadas na Amazônia, surgiram fakenews, logo denunciadas
como tais, que associavam essa liderança aos desvios dos recursos advindos do acordo
acima referido, do qual não participou. (MENEZES, 2019)
Antes disso, em 1980, o xavante Mário Juruna (1943-2002) representou nossos
povos nativos no IV Tribunal Bertrand Russel, na Holanda. Em 1982, foi eleito o primeiro
Deputado Federal indígena brasileiro, pelo Rio de Janeiro, sendo responsável pela
criação da Comissão Permanente do Índio no Congresso Nacional. Ele ficou famoso por
gravar as promessas dos políticos e depois usar as gravações para cobrar o cumprimento
delas. (MENEZES, 2002)
Em 1984, o cacique Raoni conseguiu a demarcação de terras de seu povo no norte
do Mato Grosso após o bloqueio por mais de um mês da BR-080. Partidário de um ramo
Kaiapó contrário à postura comercial e predatória de seu primo, Raoni procura proteger o
meio ambiente e o estilo de vida tradicional de seu povo. Mundialmente celebrizado após
acompanhar o cantor inglês Sting em turnê mundial em defesa dos povos nativos
amazônicos em 1989, Raoni Metuktire, 91 anos, permanece firme em seu ativismo
ambiental, já tendo publicado três livros na França, ainda não traduzidos em português.
Tratemos, agora, de alguns aspectos culturais gerais dos povos macro-jês.
Tradicionalmente, eles vivem da caça, pesca, coleta de produtos da floresta e de
cultivos agrícolas. Com o tempo, a exaustão paulatina desses recursos acaba por exigir
frequentes migrações, o que fez não desenvolvessem cerâmica e tecelagem, produtos
custosos para carregar nas viagens. Em vez disso, seus artefatos primam pela leveza e
simplicidade. Para a caça, utilizavam grandes arcos, maiores que os usados pelos tupis.
Para a guerra, porretes semelhantes aos dos tupis. Para dormir, tradicionalmente não
usavam redes: só cobriam o chão com ramos de árvores, formando um leito de folhas.
Politicamente, os macro-jês organizam-se em aldeias
9
de até mil indivíduos, divididas
em duas metades simétricas que comandam as sociedades em épocas alternadas
(estiagem e chuvas). Os membros de uma metade podem se casar com os da outra e
o homem casado passa a fazer parte do grupo familiar da esposa, o que faz destas
sociedades matrilineares. Na nomeação dos indivíduos, atribui-se à criança o nome de
algum ancestral de sua mãe, normalmente um irmão ou irmã de sua avó materna.
7
Desde o período colonial, os macro-jês são associados à força física, devido, entre
outros fatores, à sua maior estatura e corpulência. Atualmente, entre um costume macro-
relativo à força física é a corrida de revezamento, em algumas etnias , com toras
carregadas às costas, erroneamente associada apenas a ritos de passagem, quando, na
verdade, são praticadas também como esporte, entretenimento.
Outro costume desses povos é adornar os lóbulos das orelhas, o nariz e os lábios
inferiores com pedaços de osso ou madeira enfiados em perfurações feitas na pele. Em
vista disso, muitas vezes indígenas macro-jês eram chamados pelos brancos de
"botocudos", em referência à “botoco”, antiga palavra portuguesa com o sentido de rolha.
As narrativas tradicionais macro-jês têm a finalidade prática de ensinar valores
morais às comunidades. Assim, para ensinar a evitar a gula, os bororos contam que, sem
paciência de esperar a comida esfriar, um garoto comia-a quente e transformou-se num
papagaio. Noutra narrativa, os homens de uma aldeia matavam as lontras que ajudavam
as mulheres a pescar. Como punição por seu ato violento, as mulheres lhes preparam um
suco de pequi com espinhos que os transformou em porcos. (SILVA, 2017)
Tradicionalmente, na cultura macro-jê, não havia roupas. As pessoas pintavam o
corpo com tintas extraídas das sementes de jenipapo e urucum e com cinzas, ainda
usadas, secundariamente, ao vestuário, aprendido da sociedade brasileira envolvente.
Os macro-s não influenciaram tanto a cultura brasileira contemporânea quanto os
do grupo tupi. À exceção se encontra na toponímia, sobretudo em regiões onde tais
grupos ainda têm uma relativa presença demográfica, como algumas localidades no sul
do Brasil, com nomes de origem: Goioerê Campo da Água, Xanxerê Campo da
Cascavel, Erechim Campo Pequeno, Erebango Campo Grande, Campo Erê Campo da
Pulga, Goioxim Água Pequena(D’ANGELIS, 2006).
____________________
1. As referências deste artigo encontram-se no final da página 9.
2. No século XIX, o cientista alemão Carl Friedrich Philipp von Martius percorreu grande parte do Brasil e
propôs uma divisão de nossos povos nativos segundo um critério linguístico, criando o tronco jê, que
englobava falantes de línguas aparentadas que se autodenominavam com nomes compostos por pai,
chefe, antepassadoou, alternativamente, cran filho, descendente. No início da era colonial, os Macro-
jês chamavam-se a si próprios nac-manuc ou nac-poruc ‘filhos da terra’, ou ainda buru (CHAIM, 1983).
3. No século XIX, devido às pressões decorrentes do avanço das sociedade (luso-)brasileira sobre seu
território (o atual estado do Tocantins), os Akuén se dividiram em dois grupos, um dos quais permaneceu
(os Xerente) e o outro migrou para o Mato Grosso (A’wé ou Xavante). Só em 1972, os Xerente
conseguiram, pela primeira vez, demarcar parte de suas terras no Tocantins (PAULA, 2021).
4. Devido ao maior contato com os povos tupis, os portugueses deles assimilaram o termo Tapuia,
designativo de qualquer outro povo indígena (NAVARRO, 2013, p. 464), mas erroneamente traduzido
como ‘inimigo’, ‘selvagem’ ou ‘escravo’. Além disso, assimilaram uma ideia equivocada segundo a qual
as populações Macro-jês seriam mais rusticas, com tecnologia menos desenvolvida, desenvolvendo-se
daí um prejulgamento dessas populações que perdurou ao longo de séculos, mesmo entre os cientistas.
5. Entre o fim do século XIX e o início do século XX, a construção da estrada-de-ferro Vitória-Minas
desalojou os últimos aimorés da região, cujos remanescentes atualmente se denominam Krenak e
habitam os arredores do município mineiro de Resplendor.
6. Um pouco posteriores a essa época são os primeiros estudos científicos sobre a língua Kaingang: um
dicionário (1918) e uma gramática (1920), ambos de Mansueto Barcatta de Val Floriana, franciscano
italiano encarregado da catequese indígena no norte do Paraná. (D’ANGELIS, 2006)
7. Pertencia a essa etnia Galdino de Jesus Santos, assassinado em 20/04/1997 por jovens da elite de
Brasília, que lhe atearam fogo enquanto ele dormia em um ponto de ônibus da cidade, para onde tinha
ido com oito líderes de seu povo para reivindicar ao governo federal a retomada de suas terras.
8. Extinto em 1967, o SPI foi substituído pela FUNAI Fundação Nacional do Índio.
9. O formato das aldeias é bastante variável: os Jês do Norte, idealmente, dispõem as casas nas bordas
de um círculo, bem como os Jês centrais, mas estes num círculo aberto, como os Xokléng, Jés Sul.
Estes, bem como os Bororo e Xerente, têm a abertura do círculo de suas aldeias voltada para o Oeste.
Exceto esses e os Karajá cujas aldeias são mais retilíneas, ao longo do rio, dos demais povos não
se pode dizer o antigo formato das aldeias. (MELATTI, 2018)
8
PÍLULAS DE BRASILIDADE
ALÉM DO PORTUGUÊS, LÍNGUAS CLÁSSICAS AFRICANAS NO BRASIL?
Embora usado até no nome de habilitações de cursos de graduação em Letras e de
Departamentos de universidades que os mantêm, línguas clássicas é termo não definido
mesmo em dicionários técnicos da área. Apesar disso, os textos remanescentes nelas
escritos tem possibilitado “[...] análises comparativas e contrativas não só nos campos da
poesia, da narrativa ficcional e do drama, mas também da filologia, da historiografia, da antropologia, da
sociologia, da ciência política” (CARDOSO, 1994, p. 390).
Em outro texto (RAMOS, 2021), a partir do levantamento dos traços da literatura clássica, nos
aproximamos dos das línguas que as expressam: antiguidade; caráter erudito (em oposição ao popular) e
superior (hierarquização da arte e das variedades linguísticas); excelência ou grau máximo de
desenvolvimento; (ideal de) perfeição estética, universalmente lido e reconhecido; caráter referencial
(autoridade) já em seu tempo; perpetuação muito após seu surgimento; caráter modelar, com
aprendizagem em ambientes formais; renovação periódica, a partir do engenho individual.
As práticas de ensino, pesquisa e extensão consolidadas em algumas das principais universidades do
país bem como do consenso geral da academia permitem a identificação de 16 línguas clássicas (grego,
latim, hebraico, árabe, sânscrito, chinês, japonês, coreano, tupi-antigo, tâmil, persa, egípcio, antigo eslavo,
gaélico, nauatle, maia), seus usos, inclusive o intelectual-artístico, apontando, em sua literatura, as obras
com a mesma caracterização. Além disso, metade delas (grego, latim, hebraico, árabe, sânscrito, persa,
egípcio, antigo eslavônio) têm uso litúrgico, ou seja, são usadas nos rituais de religiões a elas associadas
ao longo da história, um fenômeno geral de todas as culturas. Nessas línguas ocorreu o registro escrito de
textos sagrados de cada tradição religiosa (o Novo Testamento cristão, a Vulgata, o Antigo Testamento
cristão ou Bíblia Hebraica, o Alcorão, os Vedas, etc.), base para os ritos atuação e atualização das
narrativas religiosas contidas nos textos de cada tradição, celebrados nessas línguas clássicas, vale
dizer, antigas, só faladas nesse contexto. Segundo Bagno (2017, p. 252),
O emprego de línguas arcaicas confere às religiões um caráter esotérico de antiguidade e
de decorrente autoridade, além de restringir o conhecimento íntimo e profundo da teologia
a um grupo seleto de iniciados [...], o que faz desses idiomas um dos muitos instrumentos
de controle social e ideológico, um capital simbólico, portanto. (grifos do autor)
Esse capital simbólico se compõe de alguns elementos e suas relações entre si (BAGNO, 2017):
gestos, movimentos corporais e comportamentos linguísticos, equivalentes de eventos anteriores e
vinculados a tempos e/ou lugares remotos, com base na (crença de) repetência e permanência do rito,
capaz de recriar ou imitar “mundos sociais por meio de atos de fala” (TAVÁREZ, 2014); texto com
construções estrutural, semântica e estilística paralelas e repertório vocabular específico, com palavras
esotéricas, estrangeiras, arcaicas ou ininteligíveis, logo, intensamente metafórico e frequentemente opaco;
qualidade de voz, entonação e prosódia especial, fluente e estilizada, barreira para a expressão da
personalidade do(a) celebrante do rito e determinante da isenção de sua responsabilidade quanto às
palavras proferidas, já que ele(a) é apenas um canal transmissor de texto oriundo de fonte externa a si.
Essa fonte externa tanto pode ser o documento concreto, instituinte da forma e conteúdo do rito v.g.
o Missale Romanum ‘Missal’ católico, que, inclusive, põe em partitura, os aspectos melódicos da fala
estilizada do celebrante (SANCTA SEDES APOSTOLICA, 1922, p.119-21) –, quanto “a personificação de
divindades e entidades o humanas por meio de atos de fala” (TAVÁREZ, 2014), algo típico, entre nós,
das celebrações da Umbanda, da Encantaria e do Candomblé, entendidos esses últimos como os termos
genéricos respectivos das religiões indígenas e afro-brasileiras (exceto a Umbanda).
Cada nação de Candomblé utiliza uma língua litúrgica africana: a nação Nagô/Ketu, o ioruba; a Jêje-
Mahi, o fon (fongbé); a Angola, o quimbundo ou o quicongo. Contudo, o uso ritual dessas línguas que as
leva a serem chamadas línguas-de-santo (CASTRO, 2002) se desde um estágio pretérito, vale dizer,
antigo (seguramente do século XIX, talvez anterior) delas, que continuaram sua natural trajetória histórica
de variação e mudança nos espaços de origem, porque deixou de haver comunicação regular entre as
comunidades de usuários dos dois lados do Atlântico, com o fim do tráfico negreiro e, depois, com a
Abolição. A cristalização de estágios antigos dessas línguas, em uso ritual, faz delas fósseis linguísticos
(CASTRO, 2009). Temos, então, dois traços de línguas clássicas nessas línguas: uso ritual e antiguidade.
Além disso, originalmente, todas elas possuíam uma rica oratura, formada por narrativas míticas (os
itãs e odus iorubanos), nticos às divindades, elementos esses registrados, sobretudo por etnólogos e
antropólogos desde pelo menos o final do século XIX, mas, mais recentemente, também pelos próprios
9
praticantes e sacerdotes dessas religiões (VERGER, 2002a e 2002b; entre outros). Cantados em todas as
cerimônias, os nticos referidos constituem orações coletivas; logo, podemos advogar o caráter de
excelência e perfeição estética dessas línguas litúrgicas, visto serem usadas pelos fiéis para dirigirem sua
fala e louvor ao Sagrado, o que não se faz, nas outras religiões, por um registro de língua coloquial.
Por fim, como, no interior dos terreiros, de forma natural e cotidiana, essas variedades antigas e
fossilizadas das referidas línguas são ensinadas pelos mais velhos (na idade e na iniciação) aos mais
novos, é possível falar de uma transmissão linguística em espaço diferencial formal, devido ao contexto
religioso, mas também familiar, graças à natureza parentesca dessas comunidades , o que lhes confere
perpetuação e caráter modelar, traços próprios de línguas clássicas, a despeito de objeções a essa afirmação,
baseáveis, talvez, no preconceito religioso, uma inequívoca expressão de racismo.
Referências
BAGNO, Marcos. Dicionário crítico de sociolinguística. São Paulo Parábola, 2017.
CARDOSO, Zélia de A. Letras clássicas. Estudos Avançados, São Paulo, ano 8, n. 22, p. 389-94,
dez./1994. Disponível em: <sicelo.br/j/ea/a/tHRhsMFJCqHW78TVXNTRxDL/?lang=pt>. Acesso:
15.dez.2018.
CASTRO, Yeda Pessoa de. Falares africanos na Bahia: um vocabulário afro-brasileiro. Rio de Janeiro:
Topbooks/ Academia Brasileira de Letras, 2002.
CASTRO, Yeda Pessoa de. O português do Brasil, uma intromissão nessa história. In: GALVES, C.;
GARMES, H.; RIBEIRO, F. R. (Org.). África-Brasil: caminhos da língua portuguesa. Campinas:
EDUNICAMP, 2009, p. 175-83.
RAMOS, Ricardo Tupiniquim. Línguas clássicas: é possível afirmar sua existência no Brasil? Palestra
apresentada ao III Encontro de Iniciação Científica do Oeste da Bahia, promovido pela UNIFAAHF em
agosto de 2021.
SANCTA SEDES APOSTOLICA. Missale Romanum: ex decreto Sacrossancti Consilium Tridentini. 5e.
Turino: Alfredi Mame et Filiorum Typis, 1922.
TAVÁREZ, David Eduardo. “Ritual language”. In: ENFIELD, N. J.; KOCKELMAN, Paul; SIDNELL, Jack
(Ed.). The Cambridge Handbook of Linguistic Anthropology. Cambridge University Press, 2014, p.
496-516.
VERGER, Pièrre F. Lendas africanas dos Orixás. Salvador: Fundação Pièrre Verger, 2002a.
VERGER, Pierre F. Orixás: deuses iorubas na África e no Novo Mundo. 6e. São Paulo: Corrupio, 2002b.
Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/6898406/Pierre-Verger-Os-Orixas-pdf>. Acesso em: 15.dez.2011.
Referências (do artigo da coluna “Nossos povos, nossas línguas”)
BUENO, Eduardo. Brasil: uma história. São Paulo: Ática, 2002.
CHAIM, M. Aldeamentos indígenas: Goiás, 1749-1811. 2e. São Paulo: Nobel, 1983.
D’ANGELIS, Wilmar da Rocha. A língua Kaingang e seu estudo. 2006. Disponível em
<www.portalkaingang.org/index_lingua_2_1.htm>. Acesso: 5.nov.2021.
HAMBURGER, Cao (Dir.). Xingu. Brasil: Globo Filmes/ Sony Pictures, 2011, 102 min.
MAMIANI, Luiz Vincencio. Arte de grammatica da lingua Brazilica da nação Kiriri. 2e. Rio
de Janeiro: Bibliotheca Nacional, 1877 [1699]. Disponível em:
<http://etnolinguistica.wikidot.com/biblio:mamiani-1877-arte>.
MELATTI, Julio Cezar. Aspectos culturais (e não linguísticos) dos povos falantes de
línguas do tronco Macro-. 2018. Disponível em: <http://www.juliomelatti.pro.br/notas/n-
aspectos-culturais-macro-je.pdf >. Acesso: 5.nov.2021.
MENEZES, Maria E. de. O gravador que era arco e flecha. Jornal da USP, São Paulo, ano 15,
n. 696, 29/07-4/08/2006. Disponível em: <www.usp.br/jorusp/arquivo/2002/jusp606/pag10.htm
>. Acesso: 6.nov.2021.
NANTES, Bernardo de. Katecismo indico da lingua Kariris. Lisboa: Officina de Valentim da
Costa Deslandes, 1709. Disponível em: <http://etnolinguistica.wikidot.com/biblio:nantes-1709-
catecismo>.
NAVARRO, Eduardo de Almeida. Dicionário Tupi-antigo: a língua indígena clássica do Brasil.
São Paulo: Global, 2013.
PAULA, Luís Roberto de. “Xerente”. In: RICARDO, Fany Pantaleoni (Ed.). Povos Indígenas no
Brasil. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2021. Disponível em:
<https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Xerente>. Acesso: 6.nov.2021.
SILVA, Alberto da Costa. Lendas do índio brasileiro. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 2017.
10
HOLOFOTES:
Estudos Literários
PERES, Julie Stefane Dorrico. A literatura indígena contemporânea no Brasil: a autoria
individual e a poética do eu-nós. 2021. 254f. Tese Doutorado em Letras. Escola de
Humanidades, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2021. Disponível em
<http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/9655>.
Chave de leitura para obras de autoria individual da literatura indígena contemporânea, a
poética do eu-nós sinaliza características presentes na autoria indígena que configuram
afirmação do pertencimento étnico dos autores, tais como: a assinatura do nome tradicional
e/ou o nome do povo, o uso da língua materna, seja por vocábulos ou traduções bilíngues, a
localização geopolítica e a celebração do paradigma homem e natureza. Em conjunto, esses
traços mostram que a autoria individual reitera o caráter coletivo da identidade indígena,
prescrita no Brasil pelo advento da Constituição Federal, em 1988; em Genebra, pela
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1989, e ratificada no Brasil
pelo Decreto 5.051, de 19/04/2004. Tradicionalmente, a legislação concebeu os sujeitos
indígenas como categorias transitórias, seres em trânsito do primitivismo à civilização e, por
isso, impossibilitados de gozar simultaneamente da cidadania e da identidade étnica. Para
desconstruir a imagem genérica e racial do índio despolitizado e reiterar suas humanidades, os
escritores indígenas passaram a publicar livros em duas vertentes: a da autoria coletiva
circunscrita ao contexto da educação escolar indígena, um de seus objetivos e a da autoria
individual, acessível a um público mais amplo, uma vez que a distribuição editorial lhe permite a
difusão em outros espaços culturais e, logo, uma maior recepção, motivo de sua escolha como
objeto de investigação pautada, boa parte, numa epistemologia nativa.
LIRA NOVA
UM TANKA BILINGUE*
Ricardo Tupiniquim Ramos
XE-KUNHÃ-KAÎÁ DELA, A RABA
Xe-kunhã-kaîá Dela, a raba
Ikatupe, mosãîa Livre, crua, desnuda
Pysyroma, pyr Esparramada
O-mun kama-‘u-abo Cospe leite sorvido
Îekosu’-opersy-pe Em gozo sonolento
______________
* Tradicional forma lírica fixa de origem japonesa, o tanka é composto de um terceto com versos de 5, 7 e 5
sílabas e um dístico com versos de 7 sílabas, totalizando 31, num desafio à capacidade de síntese do poeta.
Além da exigência métrica, o tanka deve, ao final, compor uma cena na mente do leitor, como numa tomada
panorâmica de uma câmera. A escolha do tanka e do bilinguismo português/ tupi-antigo para a expressão de
minha poesia indígena é tentativa de rasura decolonial da língua opressora da cultura de meus ancestrais e,
ao mesmo tempo, da tradição poética ocidental.
11
HOLOFOTES:
Filologia
SANTOS, Daniela Pereira dos. Manuscritos de Alfredo José da Silva: reflexões sociais,
políticas e identitárias sobre o Brasil edição crítica e cartilha de brasilidades. 2020. 176 f.
Dissertação Mestrado Profissional Ensino, Sociedade e Linguagem. Departamento de
Ciências Humanas, Universidade do Estado da Bahia, Caetité, 2021, 2 vol. Disponível em:
vol. 1: <http://www.ppgels.uneb.br/wp-content/uploads/2021/08/DISSERTACAO-
MANUSCRITOS-DE-ALFREDO-JOSE-DA-SILVA-Danielly-dos-Santos.pdf>. vol. 2 (cartilha):
<http://www.ppgels.uneb.br/wp-content/uploads/2021/08/Produto-Cartilha-de-brasilidade-
Danielly-dos-Santos.pdf>.
Alfredo José da Silva nasceu em 1887. Nesse período, eram poucas as expectativas sobre ele
por ser negro e pobre. Ocupando espaços privilegiados por meio da educação, esse cidadão
santo-amarense fez seu nome em Caetité, pequena cidade do Semiárido baiano, e deixou dois
manuscritos que, juntos, compõem um vasto ensaio de historiografia e crítica literária. O primeiro
deles foi objeto de sucessivas edições (SANTOS, 2015, 2016, 2017, 2018), passando o segundo
agora pelo mesmo tratamento crítico-filológico, o que permitiu a compreensão das
temporalidades e deslocamentos da produção desse intelectual negro baiano. Por meio dessas
materialidades discursivas, foi possível observar aspectos sociais, educacionais e políticos da
época de escrita dos manuscritos em questão, integrantes de um imaginário social perpetuado,
em muitos aspectos, na atualidade. Para tanto, fez-se uso de necessária bibliografia, que transita
entre os estudos sociais, raciais, educacionais, culturais e discursivos, por meio da produção
teórica de intelectuais como Romero (1888), Veríssimo (1916), Nina Rodrigues (2008), Orlandi
(2000; 2007), Candido (2000), Seyferth (2002), entre outros. Além da discussão teórica oriunda
do legado imaterial do autor e do tratamento filológico-crítico do segundo volume de seus
manuscritos, foi possível a elaboração de um produto educacional: cartilha aplicável à Educação
Básica sobre elementos construtores de uma brasilidade.
FICA A DICA (continua no final da próxima página...)
CINEMA Marighella”, de Wagner Moura
Adaptada da biografia Marighella - o guerrilheiro que incendiou o mundo, de
Mário Magalhães, a estreia de Wagner Moura como diretor teve o lançamento
inicialmente previsto para 20/11/2019 duas vezes adiado: primeiro, para 2020
devido a problemas com a Agência Nacional do Cinema entendidos pelo diretor
como censura política , depois, para este ano, devido à pandemia de COVID-19.
A cinebiografia tenta resumir o contexto do ex-deputado, poeta e guerrilheiro
brasileiro Carlos Marighella (1917-1969), morto pela Ditadura, afirmando que o
caráter golpista do regime político implantado em 1964 com ajuda do governo norte-americano, sob
pretexto de prevenir o comunismo e permanecer por tempo curto, até estabilização da situação.
Apesar disso, Moura busca conquistar tanto a esquerda que no protagonista um ícone quanto a
direita feliz por vê-lo morrer em cena. Sem canonizar ou condenar o biografado, o filme faz concessões
12
HOLOFOTES:
Linguística
BALDISSERA, Luana G. App resources for developing English pronunciation: a focus on
mobiles technology. 2020. 105f. Dissertação: Mestrado em Estudos Linguísticos e Literários.
Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2020. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/216334?show=full>.
A pronúncia é um dos componentes da habilidade da fala necessários para a comunicação e a falta de
ensino desta pode resultar em estudantes sem suficiente autoconfiança para falar ou com dificuldades
de compreensão na L2. O ensino de pronúncia hoje deveria possibilitar os estudantes a desenvolver
uma fala inteligível, e para isso, é importante ensinar a percepção e produção tanto de segmentos
quanto de suprassegmentos da pronúncia, sempre levando em conta os grupos específicos de
estudantes. No entanto, o ensino de pronúncia enfrenta muitos desafios, como poucas oportunidades
de promover prática e fornecer feedback, salas de aula numerosas, tempo limitado, falta de
conhecimento dos professores na área, ansiedade e motivação. A tecnologia sempre teve um papel
importante na área de ensino de pronúncia, começando por meio de gramofones, toca-discos, toca-
fitas, CDS, softwares de computador e, mais recentemente, de materiais desenvolvidos para Mobile
Assisted Language Learning (MALL). Os aplicativos desenvolvidos para pronúncia possibilitam aos
estudantes não apenas a prática da pronúncia em curtos períodos de tempo, em qualquer lugar, a
qualquer hora, mas também o acesso a uma variedade de insumo linguístico, ao recebimento de
feedback imediato e ao aumento de sua motivação e autonomia. No entanto, à medida que essas
ferramentas proliferam, fica difícil entender como elas diferem umas das outras, seus melhores recursos
e as implicações pedagógicas de seu uso, tornando-se necessária a análise quantitativa e qualitativa do
conteúdo, do método e dos recursos de ensino e da usabilidade de quatro aplicativos de ensino de
pronúncia. Para tanto, foi necessário desenvolver um framework baseado na literatura a respeito de
ensino de pronúncia e MALL. Os resultados da análise aplicada mostram que, apesar da oferta de
conteúdo relacionado a segmentos e suprassegmentos, uma tendência de focar mais naqueles. Os
aplicativos analisados oferecem apresentação, prática de escuta, prática controlada e feedback. No
entanto, nenhum deles possibilita a prática guiada e a prática comunicativa de pronúncia. Apesar disso
e de limitações relativas ao reconhecimento de voz e variedade de insumo linguístico, é possível afirmar
o caráter pedagógico eficaz dos aplicativos para o desenvolvimento da pronúncia em língua inglesa.
FICA A DICA CINEMA (continuação...)
para atingir o público jovem ávido por ação e o mais maduro interessado em História.
Como o atual cenário político, de militarização do governo, dialoga com o retratado no filme, os
apoiadores do presidente Bolsonaro têm detratado a obra, chegando a aval-la negativamente de
forma massiva no IMDb, base de dados online sobre cinema, TV, música e games. Além disso, os
críticos da produção acusam-na de distorcer a real tez da pele do cinebiografado, mais clara que a do
ator que o representou (Seu Jorge). Contudo, não se pode negar a negritude de Marighella, neto, por
linhagem materna, de ex-escravizados da etnia hauçá e filho de imigrante italiano.
O filme mostra a necessidade de lutar contra as forças opressoras, majoritárias e oficiais, de ontem
e de hoje, motivo pelo qual o recomendamos, juntamente com a entrevista de seu diretor ao programa
Roda Viva de 1º/11/2021, disponível no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=FvOO3Gysd7Q).
Referência: MOURA, Wagner (Dir.). Marighella. Brasil: Downtown Filmes/Paris Filmes, 2021, 155 min.