1
O FILÓLOGO DE PLANTÃO
“Um jornal que teima em buscar a verdade na doce ilusão de encont-la”
Publicação do CIFEFIL Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos.
Rio de Janeiro, Nova Série, ano 2, n.º 11, janeiro de 2022.
Visite www.filologia.org.br para saber das novidades da área de Letras e do CiFEFiL.
Visite https://www.revistaphilologus.org.br para ler a Revista Philologus.
 
Verba Sapientiae
EDITORIAL
Inicialmente, desejamos ao público um 2022
de saúde e disposição para as lutas e desafios
diários, de bom senso, responsabilidade e
sabedoria nas sérias decisões a tomar no mês
de outubro, referentes ao rumo de nosso país.
Começamos o ano com o anúncio de novas
colunas em nosso periódico. nesta edição,
apresentamos Vox Populi ‘A voz do povo’, que
tratará de um aspecto curioso da cultura popular,
calcado na língua: ditados populares e seu
correlatos, esclarecendo sua origem e sentidos,
alguns dos quais já perdidos.
Nos próximos números, teremos uma coluna
para trocar em miúdos aspectos da teoria
linguística relacionados à vida cotidiana e, além
disso, a coluna Fica a Dica passará a ser espaço
para a sinopse de games.
Essas novas colunas dividirão espaço com as
antigas e todas poderão contar com a assinatura
de outros redatores, além dos habituais.
Queremos, assim, diversificar os temas tratados
em nossa publicação e, assim, torná-la mais
interessante ao público-leitor.
Um aviso: as referências do artigo da próxima
página se encontram ao final da página 6.
Pax et bonum!.
O Ano-Novo representa o primeiro dia, o
primeiro mês, o começo do ano e o início da
primavera. A pessoa que celebra esse dia
acumulará virtudes e será amada por
todos, assim como a Lua vai aumentando
de tamanho à medida que se move do oeste
para o Leste, assim como o Sol brilha mais
intensamente enquanto se desloca do leste
para o oeste”. Nichiren Daishonin (1222-
1282)
(GOSHO. Português. Coletânea dos escritos de
Nichiren Daishonin. São Paulo: Brasil Seikyo, 2017, vol.
2, p. 405.)
EXPEDIENTE
CiFEFiL
Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e
Linguísticos
Gestão 2020-2024:
Diretor-Presidente
Prof. Dr. José Mario Botelho
Vice-Diretor
Prof.ª Dr.ª Anne Caroline de M. Santos
Secretário
Prof. Ms. Juan Rodrigues da Cruz
Diretora de Publicações
Prof.ª Ms. Aline Salucci Nunes
Vice-Diretor de Publicações
Prof. Dr. Ricardo Tupiniquim Ramos
Diretor Cultural
Prof. Dr. Leonardo Ferreira Kaltner
Diretora Financeira
Prof.ª Dr.ª Dayhane Alves E. Ribeiro Paes
--------------------------------------
O Filólogo de Plantão
Próximas Atividades do CiFEFiL
XIV SIMPÓSIO NACIONAL DE ESTUDOS
FILOLÓGICOS E LINGUÍSTICOS
2
Editor-geral; autor dos textos não assinados
Prof. Dr. Ricardo Tupiniquim Ramos
5 de abril de 2022
óνομαστικóς
(onomásticos)
A MEMÓRIA DO NOME PRÓPRIO
Taís Oliveira Costa*
Ricardo Tupiniquim Ramos
Em trabalhos anteriores (RAMOS, 2008), concebemos o nome próprio como um signo
linguístico especial, dotado de significante (sua parte sonora e/ou gráfica), significado
etimológico mais transparente ou mais opaco, a depender de uma série de dados externos ao
sistema (como o conhecimento especializado do usuário) e de uma função dêitica: identificar o
ser (no caso do antropônimo) ou lugar (topônimo) referido.
Como, sincronicamente, sua função é antes identificar que significar, ele pode, ainda,
adquirir novos sentidos, como no caso da perpetuação de um nome pessoal
independentemente de sua primeira motivação numa mesma família, em mais de uma
geração, como homenagem a um ancestral.
Por outro lado, historicamente, seu significado original pode tornar-se aos poucos opaco
e desaparecer devido ao distanciamento da primeira motivação, o que faz dele um fóssil
linguístico, expressão linguístico-social de aspectos culturais de núcleo(s) humano(s)
(pre)existente(s). Assim, seu estudo especializado pode resgatar-lhe a motivação original,
revelando camadas de memórias históricas e identitárias sobrepostas e intrincadas.
Recentemente, explicando isso a uma amiga, ela ficou curiosa com o próprio nome,
MAÍSE forma afrancesada do português MAÍSA que, por sua vez, provém do escocês
MAISIE, diminutivo de MARGARET, oriundo do latim MARGARITA, tradução do nome comum
grego margarítes, empréstimo ao antigo persa marwari(d), com o sentido original de ‘criatura
de luz, pérola’. A moça se surpreendeu com a quantidade de cinco camadas históricas em seu
nome: fr. Maise ~ pt. Maísa < esc. Maisie < Margaret < lt. Margarita < gr. margarítes < ant.
persa marwari(d) (OLIVER, 2005, p. 447, 449). Mostramos a ela várias possibilidades de
diminutivos, hipocorísticos, etc. em cada uma dessas línguas ou da transmissão de uma delas
para outras, não arroladas (lt. Margarita < pt. Margarida, it. Margherita, Rita, etc.) e destas,
para terceiras (it. Rita, pt. Rita, etc.). Chamei a atenção, ainda, para as inúmeras memórias de
personagens da história humana, das diferentes historias nacionais, regionais, locais e
familiares e pessoais de portadoras desses nomes.
Ora, tudo isso constitui indelével memória histórica, afetiva e identitária do antropônimo,
presente também nos topônimos, como nos revela o histórico de nomes de um dos mais
antigos municípios baianos, registrado no primeiro mapa da província da Bahia em 1824:
vila de São Francisco das Chagas da Barra do Rio Grande. Enorme para os padrões atuais, o
ele guarda uma dupla referência a São Francisco o rio e o santo de Assis, místico portador
no próprio corpo das chagas de Cristo, padroeiro da cidade e de um dos três primeiros
bispados baianos desmembrados da Arquidiocese Primaz do Brasil em 1913 (RAMOS, 2013).
Menciona, ainda, o rio Grande, afluente do rio da integração nacional, em cujas águas
barrentas desagua as suas, negras, e em cuja barra, em 1752, instaram a dita vila, fruto do
desenvolvimento econômico de sesmaria doada a Garcia d’Ávila em 1670 (RAMOS, 2008, p.
3
275). Ao longo do tempo, o nome foi se reduzindo: São Francisco das Chagas da Barra do Rio
Grande (1752) > Barra do Rio Grande (1890) > Barra (1940) (idem). Ora, se o topônimo
desvela essas inúmeras camadas memoriais e identitárias, pensem nas outras, reveláveis
pelo estudo das instituições e personagens históricas evocadas nesse histórico, de outras,
ilustres ou anônimas, da história do município; dele e de sua cultura popular.
Como se vê, são inúmeros os vieses de conhecimento e pesquisa guardados na memória
dos nomes próprios.
_____________
* Licencianda em Letras Língua Portuguesa e Literaturas pela Universidade do Estado da Bahia.
VOX POPULI
PROVÉRBIOS
Hermone Gomes da Silva*
Ricardo Tupiniquim Ramos
Estudado pela paremiologia, o provérbio é definido como frase curta, elegante e
concisa, de valor proposital que, de forma condensada e oral, veicula a sabedoria popular,
podendo ser confundido com outros fraseologismos com quem compartilha o status de
tradição universal, ao lado da impessoalidade (ausência de autoria) e da atemporalidade.
Em suas concepções sobre provérbio, diversos estudiosos Silva (1998), Rocha
(1995) e Bussarello (1998), entre outros apresentam convergências e disparidades.
Contudo, no geral, entendem-no como uma unidade léxico-fraseológica fixa, consagrada
por uma comunidade linguística, o que lhe garante compreensão de sentido, atrelada ao
conhecimento linguístico-cultural dos interlocutores que, num dado momento, o utilizam.
Conforme alertam Xatara e Succi (2008), o provérbio pode ser confundido com outros
fraseologismos, agrupáveis, por sua vez, nas seguintes categorias:
a) eruditos: ligados à cultura letrada (isto é, escrita) e a determinados exercícios
profissionais; estão aí incluídos:
aforismos (gr. aphorismós ‘definição, sentença moral’) “fórmula ou prescrição
concisa, que resume uma teoria, uma série de observações ou encerra um preceito
(BUSSARELLO, 1998, p.27): Ars longa, vita brevis ‘Longa a arte, breve a vida’
(Hipócrates);
máximas frases célebres de escritores imortais de uma dada literatura; logo, têm
autoria, real “Ser ou não ser, eis a questão” (Shakespeare) – ou presumida: “Nesta terra,
em se plantando, tudo dá” (pseudo-Caminha);
brocardos sintetizam princípios gerais da jurisprudência e da ciência do Direito,
podendo ter autoria ou ser anônimos: Nullum crimen sine lege praevia ‘Não crime sem
lei anterior que o defina’;
sentença (< lt. sententia ‘julgamento’) “pensamento (sobretudo moral) expresso de
maneira dogmática e literária, diferindo do proverbio por seu caráter menos vulgar e sua
forma mais abstrata” (BUSSARELLO, 1998, p.27);
slogans “frase concisa, marcante, geralmente incisiva, atraente de fácil percepção
e memorização, que apregoa as qualidades e a superioridade de um produto, serviço ou
ideia” (RABAÇA e BARBOSA, 1987, p.544 apud GONZALES, 2003, p.26): “Imagem não é
nada, sede é tudo: beba Sprite”.
b) populares: ligados à cultura da oralidade; além do proverbio, aqui se enquadram:
adágios (lt. adagium < ad agendum ‘o que deve ser feito’) “máxima prática ou
jurídica, antiga e popular, dito ou sentença breve e clara, que transmite o saber da
experiência, constituindo-se em uma proposição que tem por finalidade ia ação moral”
(BUSSARELLO, 1998, p.26)
4
anexins (ár. annexid ‘estrofes recitadas’) “ditos sentenciosos, de caráter popular,
aparentados com os provérbios” (idem, p.26)
ditos (< lt. dictum) “palavra dita, expressão proferida, sintetizando um pensamento”
(idem, p.25)
preceitos (lt. praeceptum) “ensinamento ou mandamento, ordem, regra de conduta
(como os preceitos do Decálogo ou de Evangelho de Jesus Cristo, por exemplo, amai-vos
uns aos outros” (idem, p.26 grifos do autor)
c) mistos: podem ser eruditos ou populares; entre eles, temos:
• expressões idiomáticas – lexias complexas, resultantes da imobilização de frases em
situações específicas: Ela é uma Maria-vai-com-as-outras;
• refrãos – possuem estrutura de estrofe calcada na rima;
• superstição – crença popular desprovida de fundamento lógico.
Dada sua complexidade como fenômeno cultural, o provérbio é analisável em três
dimensões: a histórica (seu contexto de enunciação); a social (sua difusão em várias
camadas sociais e regiões); e a linguística (o provérbio como gênero textual com estrutura,
significado e função).
Nesta última, destaquemos suas propriedades sonoras efetivados na oralidade,
fonte de sua excelência e energia, são dotados de ritmo (em geral, binário, às vezes
ternário) e cadência, podendo ser compostos por assonâncias e rimas , semânticas
estratégias comunicacionais, advogam conselhos e expressam opiniões gerais,
interpretáveis metaforicamente ou literalmente, acerca de aspectos básicos da vida (amor,
saúde, idade, pobreza, riqueza, trabalho etc.) , sintáticas simetria evidente mediante o
uso de paralelismos, repetições, temas; uso quase categórico de frases declarativas ou
imperativas e do indicativo-presente e uso frequente de pronomes pessoais e lexicais
uso de arcaísmos sem perder o tom coloquial. (ANDRADE 2003)
O impacto da enunciação de um provérbio nos faz refletir sobre a verdade contida
neles. Afinal, o que se oculta em suas entrelinhas são verdades morais, advertências
filosóficas ou apenas sabedoria popular? Diversas análises disponíveis deixam
transparecer uma aparente contrapartida entre sua produção na oralidade e seu
desenvolvimento e propagação, não rara, pela escrita. Por outro lado, alguns provérbios
m a pretensão de ensinar, alertar ou advertir sobre fatos já previstos: “O cão que late não
morde” ensina que quem faz muitas ameaças, em geral, não vai às vias, de fato. “Vale
mais a prática do que a gramática” ensina que a experiência propicia segurança no
enfrentamento dos fatos e nas decisões que se deve tomar. Essas verdades seguem em
outro como: “Quem desdenha quer comprar” ‘‘Olho por olho, dente por dente’’ e “A riqueza
atrai amigos, a pobreza os seleciona”.
Para finalizar, nada melhor que servir uma máxima do escritor inglês Aldous Huxley
que sintetiza bem a conclusão do presente trabalho: “Os provérbios são sempre chavões,
até você experimentar a verdade contida neles”. (HUXLEY, 1930, p.289)
Referências
ANDRADE, Tadeu Luciano Siqueira. Provérbios falados no Nordeste: um olhar linguístico
e histórico. CONGRESSO NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA, V. Anais do V
Congresso... Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2003, vol. 4. Disponível em:
<www.filologia.org.br/vcnlf/anais%20v/civ3_09.htm>. Acesso: 11.fev.2017.
BUSSARELLO, Raulino. Máximas latinas para o seu dia-a-dia: repertório de citações,
provérbios, sentenças e adágios tematizados e traduzidos. Florianópolis: Ed. do Autor,
1998.
GONZALES, Lucilene. Linguagem publicitária: análise e produção. São Paulo: Arte e
Ciência, 2003.
HUXLEY, Aldous. Jesting Pilate: the diary of a journey. London: Chatto and Windus,
1930.
ROCHA, Regina. A enunciação dos provérbios: descrições em francês e português. São
Paulo: Annablume,1995.
SILVA, José Pereira da. Alguns provérbios, máximas e frases feitas de origem latina que
são bastante comuns entre nós. Revista Philologus, Rio de Janeiro, ano 4, n. 12, p. 54-
5
76, set.-dez./1998. Disponível em: <www.filologia.org.br/revista/artigo/4(12)54-76.html>.
Acesso: 30.jan.2017.
XATARA, Claudia Maria; SUCCI, Thais Marini. Revisitando o conceito de provérbio.
Revista de Estudos Linguísticos Veredas, Juiz de Fora, ano 1, n.º 1, p. 33-48, 2008.
_____________
* Licencianda em Letras Língua Portuguesa e Literaturas pela Universidade do Estado da Bahia.
Nossos povos, nossas línguas
OS SAMBAQUIS
Quando falamos em legado das populações indígenas brasileiras muito anteriores à invasão do
continente americano pelos europeus no fim do século XV, os arqueólogos apontam a existência de
diferentes tradições. Contudo, utilizam essa palavra num sentido distinto do próprio do cotidiano. No
jargão da Arqueologia, tradição “faz referência à prática de uma recorrência estilística por um grupo
cultural em um determinado período cronológico e em espaço geográfico circunscrito (grandes
regiões rupestres)” (JUSTAMAND, et al., 2017, p. 154). Até o momento, foi possível a essa ciência
identificar diversas tradições rupestres no território brasileiro algumas constituídas de subtradições
e estilos1, outras espalhadas em largo espaço geográfico, verdadeiras províncias arqueológicas2;
umas especializadas em determinados artefatos, outras em campos de conhecimento.
Dos artefatos dessas diferentes tradições, destacamos os sambaquis, termo de etimologia
controversa, como demonstra Okumura (2008, p. 9-10):
Embora a etimologia correta da palavra “sambaqui” apresente algumas dúvidas, a mais
aceita delas é que seria de origem tupi, sendo tamba ‘molusco’ e ki ‘acúmulo’ (Prous,
1991). Outras possíveis origens seriam hambá-kyp (que significa ‘moluscos espargidos’)
e h’ambá-kyb (cuja tradução seria ‘monte de moluscos’) (Serrano, 1940). Qualquer que
seja a etimologia correta, todas seguem a tendência de exprimir uma descrição sucinta
da topomorfologia desses locais: grandes montes formados principalmente por conchas
de moluscos e por sedimento.
Montes de conchas de moluscos formados por pescadores de tribos seminômades, conforme a
indicação etimológica, os sambaquis constituem os principais sítios arqueológicos do litoral
brasileiro, grande parte dos quais coberta pelo mar, devido às mudanças climáticas ocorridas no
pleistoceno tardio e holoceno (entre 11,7 mil anos 8,2 mil anos atrás).
Esses monumentos arqueológicos são conhecidos e até explorados há bastante tempo:
Devido a seu uso comercial para a extração das conchas e posterior fabricação de cal,
os sambaquis eram conhecidos pelos exploradores portugueses desde o século XVI,
sendo a referência mais antiga a esses sítios a de José de Anchieta, de 1549, que
menciona as ‘ilhas de cascas’ das quais se fazia uma cal tão boa quanto aquela obtida a
partir de pedra calcária. (OKUMURA, 2008, p.9)
Sobre isso e os vestígios arqueológicos encontrados nesses sítios, Justamand et al (2017, p.
135-6) registram ainda que Frei Gaspar Madre Deus (1715-1800) discorre acerca da existência de
sambaquis (ostreiros) que eram usados para extrair a matéria-prima para fazer a cal; nestes locais
foram achados machados feitos de rochas, de fragmentos de cerâmica, de esqueletos humanos ou
de restos de mariscos. Os esqueletos refletem a presença de ritos funerários e, portanto, o uso dos
sambaquis para sepultamento. Além disso, a maior incidência de pontas de flecha indica
comunidades de caçadores de animais silvestres e pescadores de arpão:
Nossos concheiros constituem uma prova de que os habitantes das regiões onde foram
encontrados eram mais coletores do que caçadores e que, na falta de carne, os
moluscos, muito abundantes naquela época em toda a orla marítima do Brasil, permitiam
a existência de grupos numerosos que encontravam no berbigão (Anomalcardia
6
brasiliana, o tipo de molusco mais comum nos sambaquis) seu alimento principal.
(ABREU, 1987, p.20)
Contudo, mesmo conhecidos desde o início da era colonial, os sambaquis começaram a ser
objeto de estudo cientifico no final do século XIX, por meio das escavações de von den Steinen em
Santa Catarina com o intuito de determinar, pela análise dos artefatos, o patamar evolutivo de seus
produtores a partir de escala elaborada na Europa. Como, na época, consideravam nossas culturas
nativas muito primitivas, concluíram que seus ancestrais seriam incapazes de elaborar as belas
esculturas dos sambaquis, fruto de uma influência das culturas andinas. (PROUS, 2006, apud
JUSTAMAND et al. 2017)
Felizmente, com o posterior desenvolvimento da Arqueologia e da Antropologia, essas posturas
racistas e eurocêntricas foram, aos poucos, abandonadas, restando à ciência entender a natureza
dos sambaquis. Sobre isso, Miranda (1964) destaca três conjuntos de hipóteses interpretativas: as
naturalistas pelas quais eles seriam formações naturais, amontoados de conchas acumuladas
sucessivamente por correntes marinhas e ventos; as artificialistas pelas quais seriam artefatos
humanos; e as mistas que conjugam as duas anteriores. Os dados atualmente disponíveis ainda
não permitem conclusão definitiva a esse respeito.
Referências
ABREU, Aurélio M. G. de. Culturas indígenas do Brasil. São Paulo: Traço, 1987.
JUSTAMAND, Michel; MARTINELLI, Suely A.; OLIVEIRA, Gabriel F. de; SILVA, Soraia Dias de Brito
e. A arte rupestre em perspectiva histórica: uma história escrita nas rochas. Revista Arqueologia
Pública, Campinas, v.11, n.1, p.130-172, jul./2017. Disponível em:
<https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rap/article/viewFile/8648451/16261>. Acesso:
14.dez.2021.
MIRANDA, Fernando Marquez. História das Américas: os aborígines da América do Sul. Rio de
Janeiro: W. M. Jackson, 1964, vol. 2.
OKUMURA, Maria Mercedes Martinez. Diversidade morfológica craniana, micro-evolução e
ocupação pré-histórica da costa brasileira. São Leopoldo: UNISSINOS, 2008. [Pesquisas:
Antropologia, 66].
_________________
1. “[...] a subtradição diz respeito a uma especialização de uma tradição rupestre, mantendo um padrão geral
estético, mas contendo elementos diferenciadores; o estilo é uma maior especialização da tradição, de modo que
possui mais elementos diferenciadores, mas mantém um uma recorrência técnica”. (JUSTAMAND, et al., 2017, p.
154-5)
2. Segundo Miranda (1964, p. 266), Ihering identificou duas grandes províncias sambaquianas, uma ocupando Rio de
Janeiro, São Paulo e Santa Catarina, a segunda, chamada sul-brasileira, do Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro.
Em seus estudos, ele desconsiderou os sítios localizados noutros Estados.
7
PÍLULAS DE BRASILIDADE
O BRASIL IMIGRANTE E NOSSA MULTIDIVERSIDADE LINGUÍSTICA
Fato linguístico destacável no Brasil na segunda metade do século XIX e ao longo das
primeiras décadas do seguinte decorre da imigração de colonos de origem europeia
(italianos, alemães, poloneses, ucranianos, tchecos, russos, etc.) e asiática (japoneses,
árabes de várias procedências, coreanos, chineses, etc.) inicialmente para povoar áreas de
baixa densidade populacional, depois para suprir a ausência de mão-de-obra para as lavouras cafeeiras,
provocada pela abolição e pelo deslocamento dos antigos escravos para os centros urbanos.
Cada um desses povos trouxe consigo sua cultura, língua e dialetos, chamados genericamente
línguas de imigração recente, instalando-os nas regiões onde passaram a viver, constituindo, ao longo do
século XX, várias ilhotas linguísticas no Brasil, nas quais seus descendentes lhes conservam o falar e
outros costumes. A convivência dos imigrantes em grupos relativamente coesos e o isolamento de suas
colônias em relação aos demais centros de povoamento contribuíram para a manutenção dessas línguas.
Assim, hoje, boa parte dessas minorias linguísticas é bilíngue em sua língua materna e em português.
Contudo, exceto em relação ao alemão, ao italiano e sua(s) comunidade(s) sobre cuja implantação,
bilinguismo com o português do Brasil (doravante, PB), interferência deste e neste (via herança lexical),
um número já considerável de estudos sistêmicos e relativamente adensados , a contribuição das demais
comunidades imigrantes e a relação de suas nguas com o PB o vêm sendo estudada pela nossa
academia, constituindo uma lacuna a ser preenchida. Sobre a maioria delas há, no máximo, trabalhos
genéricos sobre os empréstimos, em que se identificam vocábulos de uso geral, em todo o país, e aqueles
bem mais geograficamente localizados, que acabaram aprofundando as diferenças regionais do PB.
Até a Constituição Federal de 1988, a situação dessas comunidades bilíngues (e de outras, como as
indígenas) era bastante complicada, porque o Estado não reconhecia sua existência. Neste sentido, um
importante aspecto da atual Carta Magna é a caracterização do Brasil como país de ngua oficial
portuguesa. Assim, desde 1988, o Estado brasileiro admite que, embora majoritário, o português não é
língua de todos os seus cidadãos, abrindo a brecha para que as minorias linguísticas sejam inicialmente
escolarizadas em suas efetivas línguas maternas. A partir dessa prerrogativa, alguns municípios
resultantes de antigos núcleos de colonos europeus, em suas Leis Orgânicas, oficializaram, ao lado do
português, a língua materna de sua população, base da escolarização inicial.
Este dado da realidade linguística brasileira aponta um aspecto básico de nossa problemática
alfabetização: se em relação às línguas de imigrantes, é relativamente mais fácil a solução (material
didático e humano para a alfabetização e escolarização nessas línguas não são raros) e se mesmo
algumas línguas autóctones estão suficientemente estudadas a ponto de possuir material didático e
humano para a empreitada, sua implementação, na maioria dessas, ainda é utopia.
Nesta e nas próximas edições, trataremos dos casos de algumas línguas de imigração recente de per
si, destacando aspectos de sua influência no PB e de algumas questões identitárias da população falante.
Iniciemos pelo italiano, língua românica cujos primeiros falantes ingressos no Brasil procediam da
Lombardia, de Trento (Alto Ádige, Friuli), Venécia Júlia e do Vêneto é atualmente falado no Acre, sul da
Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, sul de Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo, sendo um dos mais difundidos
idiomas da chamada imigração recente. (GUIMARÃES, 2005)
Não se pôde ainda precisar o número de imigrantes italianos que entraram no Brasil no período do
grande movimento de imigração, em função da alta proporção de imigração clandestina, não registrada.
Ademais, muitos falantes de dialetos italianos nascidos no Brasil foram registrados como brasileiros e
falantes de português. A interdição das línguas estrangeiras apressou a nacionalização dos imigrantes
italianos no Brasil. Assim, durante longo tempo, sua língua e a memória histórica foi silenciada.
Atualmente, muitos brasileiros provenientes da imigração italiana falam o português com traços de
italiano. Esses traços estão presentes desde a fonologia, passando pelo léxico, pela semântica e pela
morfologia, até a sintaxe, apresentando-se ainda em fragmentos de discursos, em provérbios e
8
expressões. Deste modo, as especificidades linguísticas dos imigrantes italianos interferiram nas
transformações da língua portuguesa no Brasil. (BOLOGNINI; PAYER, 2005)
A partir dos anos 1980, com a globalização, especificidades “culturais” e “regionais” passaram a
adquirir lugar na mídia; hoje, vê-se um revigoramento da memória, da língua e da história dos brasileiros
provenientes da imigração. Nessa onda de discursos, algumas prefeituras de regiões colonizadas por
imigrantes italianos passaram a inserir no currículo das escolas o italiano como língua estrangeira.
Ainda neste tópico, cabe-nos falar um pouco do talian ou vêneto brasileiro, uma língua de imigrantes
italianos, muito falada atualmente no Brasil (LUZZATTO, 1994). Seus falantes se concentram em
diferentes cidades da região Sul: Caxias do Sul, Farroupilha, Garibaldi, Bento Gonçalves, Flores da
Cunha, Veranópolis, Erechim, Carlos Barbosa (RS); Joaçaba, Caçador, Chapecó, Concórdia (SC);
Cascavel, Pato Branco, Francisco Beltrão, Medianeira, Toledo (PR).
Quando chegavam ao Brasil, os imigrantes eram conduzidos a fazendas ou a áreas ainda não
habitadas nem cultivadas. Disso resultavam as colônias de imigrantes, vinculadas ao processo de
colonização dessas áreas. No caso da região sul, de modo geral, dividiam-se essas novas áreas em linhas
e travessões e nelas se estabeleciam os imigrantes, aleatoriamente agrupados. Dos imigrantes italianos
direcionados ao Sul do país, em fins do século XIX, 95% provinham do neto e da Lombardia. Destes,
60% tinham língua e cultura vênetas, o que fez com que formas dessa língua predominassem nas
situações de conversa entre eles, resultando no talian, atualmente, um amálgama de formas e expressões
vinculadas tanto às línguas dos imigrantes como à portuguesa.
No entanto, é reconhecida como língua com regras próprias, gramaticalmente definidas e com uma
ortografia unificada. Nela se têm produzido textos em prosa e verso e em seu nome têm sido realizados
encontros. Embora possua, ainda, um dicionário e uma gramática e seja oficialmente reconhecido pelo
governo da Itália como um dialeto italiano surgido e falado fora daquele país, o talian o é ensinado em
escolas (LUZZATO, 1994). Para isso, o que falta, afinal?
Referências
BOLOGNINI, Carmen Zink; PAYER, Maria Onice. Línguas de imigrantes. Ciência e Cultura, São Paulo, v.
57, n. 2, p. 42-46, jun./2005.
GUIMARÃES, Eduardo (Coord.). Enciclopédia das línguas do Brasil. Campinas: Laboratório de Estudos
Urbanos/UNICAMP, 2005. Disponível em: <https://www.labeurb.unicamp.br/elb/geral/busca.html>. Acesso:
13.jun.2009.
LUZZATO, D. L. Talian (Vêneto Brasileiro): noções de gramática, história e cultura. Porto Alegre: Sagra-
Dc Luzatto, 1994.
FICA A DICA
LITERATURA
“Kindred, laços de sangue” de Octavia Butler
Érica de Souza Oliveira*
Escrito por Octavia Butler (1947-2006), a grande dama negra da ficção
cientifica, universo dominado por escritores brancos, “Laços de sangue”
(2019) teve mais de meio milhão de copias vendidas no mundo. A autora
ambienta seus romances em espaços surpreendentes e impactantes, junto
a personagens que projetam nossos problemas sociais mais complexos.
O romance se passa por volta da década de 1970, mas a narrativa
trata de uma viajem no tempo. Recém-casada, a protagonista negra (Dana)
preparava a mudança para a nova casa junto ao marido, quando repentina-
mente é transportada para o Sul dos Estados Unidos no século XIX, em pleno período escravista, para
conhecer e encontrar seus ancestrais. Esse encontro resulta em sofrimento e desdobramentos
surpreendentes, a personagem terá de descobrir como voltar para sua época e de criar estratégias de
sobrevivência para a sua própria ascendência.
Recomendado a todos os leitores, o livro é uma sensacional fonte de entretenimento e, ao mesmo
9
tempo, de incômodo em sua cadeira...
Referência: BUTLER, Octavia. Kindred: laços de sangue. Tradução: Carolina Caires Coelho. São
Paulo: Morro Branco, 2019.
____________________
* Mestre em Estudos de Linguagem pela Universidade do Estado da Bahia. Doutoranda em Letras pela UNICAMP.
FICA A DICA
LITERATURA
O língua” de Eromar Bomfim
Embora em português, boa parte dos sentidos de língua sejam próprios de
seu uso no gênero feminino, um sentido exclusivo do masculino, equivalente
a intérprete, tradutor, registrado, sobretudo, nos séculos iniciais da colonização.
É esse o sentido que encontramos no título do terceiro romance do escritor
baiano Eromar Bonfim, “O língua”, de caráter histórico e indigenista.
Ambientada em terras então conhecidas como sertões de dentro, povoadas
pela numerosa e fragmentada nação Kariri, do tronco etnolinguístico Macro-jê, a
narrativa parte de dados históricos e etnográficos positivos, sobre os quais cria o autor sua diegese.
Assim, vemos o registro da fauna, da flora e da toponímia real da região, bem como a descrição de
aspectos culturais conhecidos dos cariris.
Trata-se da história do mameluco Urutu, fruto do estupro da jovem indígena Ialna, da etnia anaió,
com Antônio Pereira, padre, fazendeiro e etnocida de nativos, de cujas terras se apropria para ampliar o
pasto para seu gado. Após passar a infância com a mãe, Urutu passa a viver aldeado com os jesuítas,
que o batizam como Leonel e, mais tarde, devido à sua facilidade com outras línguas, o enviam como
intérprete nas frentes de conquista de povos nativos e dos emergentes quilombos.
Em meio às lutas, Leonel conhece Aleixo e Gabiroba, seus amigos desde então, de quem se
aparta algumas vezes, por razões variadas. Numa dessas separações, após escapar de perseguições
em Salvador, a dupla se instala às margens do Rio Preto, refúgio dos anaiós, onde encontram Ialna de
regresso a essas paragens. Após lhes relatar suas dificuldades e o grande anseio de reencontrar o
filho, ela lhes solicita que o resgatem na capital, para onde seguem e o encontram.
Quando, com muita alegria, iniciam a viagem de volta, passam pela Floresta do Marimbondo e se
dão conta do desparecimento de Leonel. Ao chegarem a Ialna com a notícia, ela os surpreende com o
enigma que encerra, mas não soluciona a narrativa: “Eu sei. Ele já está comigo. E o espírito de tudo que
vive novamente se manifesta, e quem vê se alegra pode dançar” (BONFIM, 2018, p. 190).
Referência: BOMFIM, Eromar. O língua. São Paulo: Ateliê, 2019, 190 p.
CINEMA A última floresta”, de Luís Bolognesi
Habitantes de uma região montanhosa da floresta amazônica, no extremo
Norte do país, sob a liderança do pajé e intelectual Davi Kopenawa, os yanomamis
resistem à invasão de igrejas evangélicas, à incursão nem sempre autorizada de
madeireiros, garimpeiros e engenheiros construtores de estradas ou hidrelétricas,
às doenças trazidas pelos de fora e a outros elementos da cultura nacional
envolvente, lutando para manter viva sua cultura espiritual e cotidiana e
enfrentando, inclusive, inúmeros conflitos internos, como o desejo dos jovens por
bens de consumo e pela vida fora da floresta, nas cidades.
Misto de documentário e ficção, o longa-metragem disponível apenas na Netflix permite refletir
sobre a diversidade cultural do Brasil e a necessidade de preservação do modo de vida de cada povo e
10
do meio que as sustenta. Tensiona tamm até que ponto o acesso a tecnologias externas a uma
cultura, de fato, a descaracteriza: se indígenas com acesso a celular são menos (ou já não são)
indígenas, seríamos menos brasileiros por usar esse artefato, para nós, também vindo de fora?
Referência: BOLOGNESI, Luiz (Dir.). A última floresta. Brasil: Gullane e Buriti Filmes, 2021, 74 min.
HOLOFOTES
Estudos Literários
PINHEIRO, Maria Talita Rabelo. La Llorona e as damas de branco: aproximações
culturais e representação identitária no México e no Brasil. 2021. 143 f. Dissertação:
Mestrado em Linguagens. Departamento de Ciências Humanas, Universidade do
Estado da Bahia, Salvador, 2021. [Ainda indisponível no repositório institucional]
Na presente dissertação, propõe-se uma análise histórica e comparativa de narrativas que
envolvem o mito mexicano La Llorona, uma representação feminina latino-americana,
especialmente do México, com narrativas brasileiras, dando ênfase ao texto de Câmara
Cascudo, a Lenda de Itararé, utilizando-se, ainda, como complementação da análise, textos
colhidos em sites na internet - wattpad.com , recanto das letras, Universidade Federal do
Rio Grande, encanto caboclo além de uma referência à novela Tieta, no intuito de mostrar
a divulgação e difusão dessa história. Neles aparecem um fantasma de uma mulher de
branco, chorosa, em pena, presente nos lagos, rios, nascentes ou encruzilhadas. Tal
aproximação se faz com suportes teóricos que visam demonstrar essa influência entre as
culturas através dos mitos e lendas, no âmbito histórico e identitário, levando-se em conta o
poder de representação na construção da memória individual e coletiva e da identidade
cultural, tanto no mito mexicano como as lendas brasileiras a partir de autores como Eliade
(2016), Lévi-Strauss (1978), Câmara Cascudo (1967, 1983, 2002, 2003, 2006, 2012),
Campbell (1990), Laraia (2006), Ortiz (2003), Montandon (2007) dentre outros. A temática
mexicana La Llorona foi abordada e retratada por três perspectivas narrativas diferentes,
com intelectuais que se ocuparam dela, como a Grande Deusa Cihuacóalt, com Fray
Bernardino Sahagún e seu discípulo Fray Diego Durán, José María Roa Bárcena e Luis
Gonzalez Obregón, que deram um tratamento simbólico, abordando uma possível
transformação da deusa; passando pela Llorona transformada em Malinche com Ignacio
Manuel Altamirano e José Maria Marroquí, em que trazia uma mulher no papel de traidora
de uma nação; e, finalmente, a versão da infanticida com Vicente Riva Palacios e Juan de
Dios Peza: La Llorona traidora e infanticida, em que se abre margem para um recorte
associativo com Medeia de Eurípedes. A força dessas histórias ultrapassou as fronteiras,
desbravando as origens de comportamentos individuais, sociais e históricos e suas
proliferações, levantando questões sobre o seu poder de representação e atualização do
mito. Com uma pesquisa qualitativa, realizou-se um recorte priorizando os aspectos
temáticos com recursos que pudessem fornecer informações pertinentes para o tema e
seus eixos como a análise das obras, suas influências no aspecto social como memória,
identidade e representação, e finalmente as aproximações com as narrativas do Brasil.
11
HOLOFOTES
Filologia
CUNHA, Cristina da Silva. Edição semidiplomática e estudos lexicais dos termos
de exames da Instrução Pública da Bahia livro manuscrito do século XIX. 2021.
Dissertação: Mestrado em Língua e Cultura. Instituto de Letras, Universidade Federal
da Bahia, 2021. [Ainda indisponível no repositório institucional]
A apresenta os Termos de Exames, um livro com 132 atas dos procedimentos realizados
durante os concursos para professores públicos no Estado da Bahia realizados entre 1835
e 1858. O livro foi escrito por seis scriptores, devidamente identificados em seus nomes e
respectivas funções, na grande maioria das atas. Inicia-se este trabalho com a descrição
material do manuscrito: seu estado de conservação, composição, numeração das folhas,
características da mancha escrita e da própria escrita, uso de maiúsculas, união de
palavras e abreviaturas. Em seguida, procede-se ao estudo retórico da estrutura fixa do
gênero textual ata e suas variantes na datatio do texto em questão, com destaque para a
datação, o uso dos numerais e as designações para a cidade do Salvador. Apresentam-se
a seguir a edição semidiplomática do livro e o estudo lexicológico, com ênfase na mudança
linguística de certas lexias, ocorrida entre os séculos XIX e XXI. Tais lexias foram
agrupadas em campos léxicos para, em seguida, serem alvo dos levantamentos
lexicológico e documental. Os campos léxicos encontrados foram as disciplinas do sistema
educacional; regiões administrativas; documentos; instituições educacionais; métodos de
ensino; cargos, funções e qualificações das áreas administrativa, civil, eclesiástica,
educacional, judiciária e militar. A pesquisa documental trouxe elementos elucidativos
notadamente nos campos dos métodos de ensino, como os chamados ensino mútuo e o
ensino simultâneo, e das regiões administrativas, como província, vila, arraial, povoação.
Destacam-se ainda as lexias “opositor”, “lente” e “Director Geral dos Estudos”,
nomenclaturas não são usuais, no terceiro caso porque se trata de uma função que deixou
de existir. Em função justamente da perda de compreensibilidade de algumas lexias, foi
elaborado um glossário, a partir das técnicas lexicográficas e das metodologias
semasiológica e onomasiológica. Com a edição semidiplomática e respectivo glossário,
cumprem-se dois objetivos: o de facilitar, aos leitores de hoje, o acesso à história da
educação pública na Bahia do século XIX; e o de acrescentar à Filologia uma nova
pesquisa, com potencial de vir a ser base para outros estudos nos campos da Educação,
da História e da própria Filologia.
12
HOLOFOTES
Linguística
MACEDO, Márcia V. Ramos de (Org.). Variedades linguísticas na
Amazônia ocidental: Feijó fala. São Paulo: Ixtlan, 2020. Disponível
em: <https://drive.google.com/file/d/1ZICyG33mFLaitsWw_OzHE-
rNp1WHXV1n/view>.
Decorrente da atividade de iniciação científica desenvolvida por
sua organizadora, Márcia Verônica Ramos de Macêdo, doutora em Letras
e Linguística e professora da Universidade Federal do Acre, “Variedades linguísticas na
Amazônia Ocidental: Feijó fala” apresenta oito estudos elaborados em 2016 por graduandos
em Letras dessa universidade, acerca de fenômenos de variação linguística do município de
Feijó, o quinto mais populoso do Acre, localizado a cerca de 500 km da capital, Rio Branco.
Combinando as metodologias da Sociolinguística e da Dialetologia, os autores foram a
campo colher informações a sujeitos com o seguinte perfil, definido pela ficha do informante
do Projeto ALiB: pessoas nascidas e criadas no município, pertencentes a ambos os gêneros,
com faixa etária entre 18 e 110 anos, grau de escolaridade do zero (analfabetas), passando
pelo mínimo (Ensino Fundamental incompleto), médio até o superior. Como instrumento de
coleta de dados, utilizou-se o questionário semântico-lexical, aplicado in loco, tanto em Feijó
quanto no município vizinho de Tarauacá para estabelecer um corpus de controle.
Os textos tratam de atividades comuns à região (extrativismo, pesca, produção de açaí,
farinha e do daime), itens lexicais específicos, como doenças e o vocabulário da Maçonaria,
entidade antiga nas localidades. Recomendamos a leitura do e-book material, disponível para
download no sítio indicado na referência acima, e a replicação do gesto de sua organizadora,
a divulgação da produção científica de seus discentes.
Agenda alia...
EM 2022,
PROMOVE: