LEMBRANÇAS DE UM MUNDO MÁGICO
A
goiabeira oferecendo-se às crianças da ladeira. “Ladeira João Vieira, entra burro e sai caveira”.
“Zé
perequeté, tira bicho do pé pra tomar com café”; “Grupo Escolar Dr. Cunha
Leitão. Entra burro e sai alemão”. “Vopocêpê sapabepe apa línpinguapa
dopo pêpê?”; “Pêra ou limão? Garfo ou faca?”; “Tudo que seu mestre
mandar...fazeremos* todos.”; “E o último a chegar é mulher do padre...
e come todas as porcarias do
mundo”.
Quantas corridas levou por querer a fruta do quintal do vizinho. Verde, lógico. Madura, tinha em casa, mas qual seria a graça?
A figurinha do bafo-bafo, o time de botão de casca de coco ou galalite. Só perebas.
As bolas de gude cacarecadas. Bola ou búlica?
Vibrava com suas pipas voadas, até que o pai lhe explicou que ganhava quem cortava a pipa do outro. Os cacos de vidro que sobravam das garrafas moídas para o cerol até pareciam brilhantes de verdade. Serviam para enriquecer o tesouro guardado na caixa de pó-de-arroz vazia que a tia lhe dera e que escondia embaixo de um árvore no fundo do quintal.
O Joãozinho, menino mau, cortava as pernas dos pintinhos da Madame, velhinha francesa que morava num casebre na ladeira. Todos a temiam, malcriada que era. Por um favor , oferecia um ovo, morno ainda, recém saído do dito cujo da galinha.
Dona
madame, pode pegar a pipa que caiu no seu quintal? “Dona madame! Dona madame! Ninguém
nunca avisou que madame já queria
dizer Dona, Senhora.
E tome de passar anel, de brincar de berlinda e queimada e pique ... e de estátua e de par ou impar.
“Mamãe, posso ir? Quantos passos?” E foi e foi e foi pela vida à fora.
Restou o a criança do retrato com os tamancos cambetas calçando os pés virados para dentro e os cabelos suados grudados à testa, sem pose para o retrato tirado pelo tio. Era urgente retomar a brincadeira.
Hoje, sorri fotogênico e sem pressa para o retrato na festa de formatura do filho criado no apartamento de dois quartos comprado com suor e susto.
Quantas vezes foi ao Itotoró beber água e não achou!
Passaraio, passaraio* que me deixe eu passar se não for o da frente há de ser o de trás de trás de trás de trás de trás de trás de trás de trás de trás de trás de trás de trás de trás de trás trás trás trás trás trás trás trás trás trás trás trás trás trás trás trás trás trás trás trás trás trás ....
*É assim mesmo, revisores de plantão.
(in O Correio, Rio de Janeiro, 18 a 31/03/2000, p.06.)