Momentos
I
“Tanta água no
coco e o riacho tão seco e só.”
Som,
barulho, música alteada no máximo de volume. Lá se vai o clima de apatia em
mim.
Amanheci naquela de “estou cansada”, “pra que tanta luta?”, “de que adianta tudo?”. “tenho que ir às compras, mas estou com preguiça”, “pra que comer, dormir, vestir?”, etc... etc... etc.
Não
sabe aquela de crise existencial? Como não curti-la de vez em quando?
“Se
pudesse o céu chover só a metade do que chove no meu coração.”
Sapequei
Sivuca na vitrola. Sacudi-me naquela de “epa, não dá pra se entregar,
menina. Reaja!”
E
reagi.
“Meu
canto é um canto de coragem... e covardia.”
Afinal,
Sivuca é Sivuca. Som variado, combinação de sons, enchendo-me o pós-almoço,
numa reação à madorra, ao desânimo, à preguiça, à apatia.
“Mas,
morto um canto, eu canto um novo, no outro dia.”
Como
viver sem música e poesia?
II
Vivaldi, agora. Ouço e penso. Música no ar, vazio imenso. Um pleno
vazio imenso -
estranho isso que escrevi agora.
Não
há tristeza. Quem disse que vazio implica tristeza? Infeliz de quem não
descobriu o poder sedutor da solidão. Da solidão curtida como tal. Não
imposta. Não importa.
Um
gole de vinho, só para saboreá-lo. Sem pileque ou angústia. Um gole apenas,
sorvido no estalar da língua. Bebericado. Be-be-ri-car é lindo! Deu vontade de
can-ta-ro-lar.
Ih!
Desconfio que o vinho acabou subindo. Talvez não. Não é preciso beber para
vibrar com a sonoridade das palavras. Nem da música.
Vivaldi
ao fundo. Acordes lindos. Genialidade.
Está
gostoso aqui. Eu comigo. Me acompanhando. No pleno vazio imenso.
Só
é aquele que não tem o vinho. Nem Vivaldi. Nem a vontade de escrever e gostar
de fazê-lo.
Neste
momento, meu mundo é intenso, nesse pleno vazio imenso, cheio de sonoridade e
paz.
(in revista .Clube dos Aliados, Campo Grande/RJ, set./1987. P 6-7.)