Avoz espiritual de Ismael Coutinho

 

  1. O modernismo mundial

Nossa ideia sobre modernismo é de que foi um movimento que revolucionou a linguagem em quase todas as latitudes da Terra onde ocorreu. Pioneiros como Picasso, com o quadro “Les demoiselles d’Avignon”, que lança o cubismo, em 1909, e a norte-americana Gertrude Stein, com “Autobiografia de Alice B. Toklas”, de 1910, esta geralmente não reconhecida como pioneira, abriram o caminho para a arte dos também emigrados norte-americanos Ezra Pound, T. S. Eliot e os que lançaram o fluxo da consciência como nova técnica narrativa: o irlandês James Joyce e a inglesa Virginia Woolf.
O modernismo propôs uma transformação radical na linguagem poética, na prosa ou no verso, voltando-a para a expressão cotidiana, despojada e adotando uma visão de mundo que se identificava com o cosmopolitismo, a rapidez e a mudança social, o espírito revolucionário, em oposição à placidez romântica e o preciosismo parnasiano. No Brasil, sabemos como essa revolução recorreu ao indianismo, em busca do reconhecimento dos valores nacionais das formas nativistas de expressão. Em todo o mundo, o modernismo se afastou da linguagem erudita e adotou a oralidade e a naturalidade da expressão do sentimento, aproximando-se do cotidiano e da forma denotativa e descritiva, como ocorre na linguagem jornalística.
Desde o barroco a poesia se estabeleceu como uma forma refinada e se tornou, ao longo do tempo, uma arte de elite – seja da nobreza, seja do clero. No período da Ilustração o culto da forma e do estilo elaborado chegou ao auge. Surgiu dessa tendência a poesia parnasiana e simbolista, que buscou palavras raras, por vezes obtendo resultados artificiais, como no caso do parnasiano Olavo Bilac, e redundou no afastamento do público-leitor. Sua poesia nada tem a ver com a de Baudelaire ou mesmo de Cruz e Souza, ambos simbolistas – que usam rimas ricas e palavras raras, mas não rejeitam a expressão natural do sentimento.
Já no romantismo, cujo projeto era alcançar uma comunicação mais ampla, a poesia se esmerou em transmitir o sentimento de forma simples e clara, e por vezes recaiu num sentimentalismo subjetivista exagerado, como ocorre em certos poemas de Lamartine, de Heine e, entre os românticos brasileiros, em Casimiro de Abreu. Essa tendência ao sentimentalismo se torna mais acentuada nos poetas do Brasil, pelo caráter tipicamente oral de nossa cultura, numa sociedade pouco letrada e pouco inclinada a uma educação formal.
Na terminologia do formalismo russo, representado pelos críticos Tynianov, Chklovski e Eikhenbaum, o estilo literário nada mais é do que uma mudança da função fática, que é própria da linguagem cotidiana, para um novo uso, estético e mais refinado, da função literária. Segundo esses críticos, há apenas uma tênue separação, mais de intenção ou função do que de conteúdo, entre o discurso comum usado na fala cotidiana e a escrita literária. O que ocorre no modernismo dos anos 1920 é o entrosamento dessa forma fática com o discurso erudito literário, passando-se a empregar a linguagem denotativa e simples na comunicação artística. Bastou deslizar de um contexto (ou função) para outro para se chegar ao uso “modernista” na linguagem literária. Com isso, rompeu-se a aura que sacralizava a literatura e o ato estético, existente até o século XX, que eram antes associados à inspiração sagrada, proveniente das musas ou deuses, ou ligados a um exercício nefelibático, realizado nas altas esferas da sofisticação de escolha de vocábulos, como num Olavo Bilac. Resultou disso um grande artificialismo na poesia, em busca de rima e de métrica perfeitas, obtidas através de inversões sintáticas radicais e busca de palavras incomuns, que nem sempre ecoavam de forma natural e agradável, principalmente aos ouvidos brasileiros, avessos à norma culta herdada de Portugal.
Na rígida língua francesa, considerada sacrossanta, o modernismo não ocorreu de forma tão radical na morfologia e na sintaxe, embora, desde o Romantismo, o estilo tenha se tornado menos rebuscado e com orações menos longas na prosa, em comparação com o estilo do século XVIII.
Em 1924, a revolução promovida por André Breton na prosa foi de cunho mais surrealista, no plano das ideias, visando a uma abertura para o campo do inconsciente, do sonho e do desrecalque, antes do que propriamente uma mudança na linguagem. Ele utilizou seus estudos de psiquiatria, em especial de Charcot, além de psicanálise, de Freud, para criar uma obra como Nadja (1924), livro antológico que identifica a cidade de Paris com a personagem enlouquecida Nadja. Ela era, na verdade, uma paciente psiquiátrica que Breton conheceu durante seu curso de medicina. Ao mesmo tempo em que fez essa identificação metafórica entre a loucura e a urbs caótica, cosmopolita, Paris, Breton rompe com a ideia de uma unidade essencial do indivíduo.
Mais além foi Guillaume Apollinaire, no teatro, em 1917, com sua peça Les mamelles de Tirésias (As mamas de Tirésias), que tem como protogonista um homem tresloucado que perambula pelo palco monologando com um manequim. Entretanto, em ambos os casos, a “revolução da linguagem poética”, na expressão de Julia Kristeva, se deu mais na autocrítica do pensamento que na alteração da linguagem no plano da expressão. Apollinaire antecipou o teatro do absurdo das peças curtas de Ionesco, sendo as mais famosas A cantora careca (1950) e O Rinoceronte (1957). Ionesco foi aceito pelo Colégio de Patafísica, que funcionou de 1948 a 1973, na Biblioteca Nacional de Paris (tendo sido reaberto em 2000), editando livros ousados, como o Pai Ubu, de Jarry, e James Joyce. As obras de Ionesco, romeno naturalizado francês se destacam pelo silêncio (que, cerca de dois anos depois, será utilizado pelo dramaturgo Samuel Beckett) e pela acusação metafórica de temas sociais, provocando um efeito de nonsense. Em geral, não ocorreu na poiesis francesa uma mudança no uso da linguagem, na poesia e na prosa, como no modernismo em língua inglesa ou no Brasil, se excetuarmos a poética revolucionária de Mallarmé, com seu Um lance de dados jamais abolirá o acaso (1897), que rompe com estrofe, métrica e rima, e o seu Livro (póstumo), que poderia ser lido em ordem aleatória (retomado por Cortázar no romance Amarelinha, de 1963).
Já o dadaísmo, que surgiu no período de entreguerras (entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial) surgiu na língua francesa como um movimento niilista que introduziu o nonsense como forma de crítica da sociedade e elemento de transformação da linguagem. Ele negava a possibilidade de uma filosofia e uma cultura estruturadas. Esse movimento utilizou o que o futurista italiano Marinetti chamou de “palavras em liberdade”, deixando o pensamento fluir sem censura, e, na poesia, aboliu qualquer uso de estrofe, métrica ou rima, chegando a introduzir desenhos no texto em prosa ou em verso, neologismos, e assim desconstruindo a organização sintática do pensamento. Destacou-se no que se entendia então por “ilógico” ou “irracional” na linguagem, mas que Freud bem definiu como o inconsciente, uma segunda visão, imagem onírica e recalcada, ou a “linguagem esquecida” (dos sonhos, da poesia, da criação artística), no dizer de Erich Fromm.
Efetivamente, o século XX se iniciou com diversos manifestos que denotavam essa procura por uma grande revolução linguística e estilística – paralelamente aos grandes movimentos políticos do século – anarquismo, comunismo, socialismo, integralismo. Seu início deu-se com a Primeira Guerra Mundial, em 1914, e não em 1900, em plena bela época – no dizer de Gilberto Mendonça Teles, em seu importante Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. Havia toda uma admiração pelas buzinas, dos carros e das fábricas, o barulho das ruas da cidade, como centro cosmopolita fervilhante de ideias, em substituição ao ambiente natural, rural e bucólico dos campos, que inspirara a literatura, do Renascimento ao Romantismo. O século XX sentia-se a um tempo horrorizado e fascinado com a revolução industrial iniciada no século XVIII: o automóvel substituía, com seus cavalos-máquinas, a força dos cavalos de carne e osso; a indústria armamentista, ainda com metralhadoras, numa guerra de trincheiras, com soldados e tanques, surgia com toda a pompa na imaginação de F. T. Marinetti. Italiano nascido no norte da África, em Alexandria. Ele saudou a modernidade com um clamor incendiário – até as bibliotecas deveriam ser queimadas! – no seu principal manifesto, o Futurista, de 1909, entre diversos outros. Articulou várias mudanças na forma de expressão: a abolição dos adjetivos e advérbios, visando à força e rapidez da comunicação, como ocorre no jornalismo. Os longos períodos propostos por uma nobreza passadista e em extinção, que escrevia de acordo com ócio de que dispunha, dava, assim, lugar a um discurso rápido, tenso, dos tempos modernos, infelizmente cada vez mais belicosos. Nesse ponto Marinetti anteviu o que viria no século seguinte; não se pode afirmar com toda a certeza se ele percebeu essa tendência à transformação na sociedade que o cercava ou se ele realmente introduziu essa nova perspectiva em seus escritos revolucionários. No entanto, Marinetti se notabilizou apenas como um autor de manifestos, mas que não conseguiu se firmar como escritor de literatura, pelo menos fora da Itália.
Descrição: http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/brasil/img/jorge_de_lima2.jpg
Jorge de Lima, "Cavalos Alados", 1940
In: Ana Maria Paulino, em sua obra: Jorge de Lima.. São Paulo: Edusp, 1995. Disponível em: http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/brasil/jorge_de_lima.html

  1. O modernismo no Brasil

Já o Modernismo brasileiro teve uma forte vertente indianista, que não fora abordada no Romantismo brasileiro, que tratara o indígena de forma fantasiosa, imaginativa e indireta, através das correntes europeias (Montaigne, Rousseau, Chateaubriand) ou norte-americana (James Fenimore Cooper), em lugar de escrever sobre o indígena brasileiro real. (Gonçalves Dias utiliza o termo “manitô”, ou espírito dos mortos, que sequer fazia parte do imaginário indígena brasileiro). Nos anos próximos a 1920, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Tarsila do Amaral se dedicam ao estudo antropológico das sociedades indígenas sob a luz de Freud, para compreender o pensamento dos povos chamados “primitivos”. Essa abordagem inspirou, por exemplo, Raul Bopp na escrita do seu enigmático Cobra Norato, que tenta unir a mitologia indígena à noção de inconsciente. Diversos quadros da grande pintora Tarsila do Amaral, que retirou sua inspiração das cores típicas do interior do Brasil caipira numa visita a cidades de Minas Gerais. Cenas como a de “A Negra” (1923), “Paisagem com touro” (1925), “O Abaporu” (1928) e “Antropofagia” (1928) representam a visão naive da vida interiorana brasileira, com sua mescla de cores vivas oriundas das culturas indígena e africana contrastando o sentido de “racionalidade” social europeia imposta sobre essas visões de mundo sul-americanas. O objetivo de nosso modernismo foi criar um Brasil independente, com suas características culturais tropicais peculiares e consolidar a variante brasileira da língua portuguesa. Em vários textos emblemáticos de Oswald de Andrade e Mário de Andrade, na prosa e na poesia, e em diversas expressões reveladas na Semana de Arte de São Paulo, como o poema “Os Sapos”, de Manuel Bandeira, ou a escultura do Cristo de trancinhas, de Brecheret – assim como no primeiro livro de Drummond, Alguma poesia, de 1929, o que representa para nós o modernismo é uma atitude combativa e revolucionária em busca de uma expressão linguística e de uma imagética próprias. E Oswald de Andrade foi quem melhor condensou esse sentimento com seus dois manifestos, Pau Brasil (1924) e Antropófago (1928). No primeiro sugere, com a memorável imagem de um “negro” que gira a manivela do desvio nos trilhos, invertendo a direção de um trem, que se operasse uma mudança histórica na mentalidade colonial brasileira, inclusive incorporando a presença da África aqui, rumo ao Brasil real, não europeu. Com essa imagem quis Oswald mostrar que a cultura no Brasil deveria recuperar todas as suas fontes nativistas, a indígena e a africana, e não continuar a repetir modelos e formas trazidas da metrópole, de forma maquinal, como se fôssemos sua mera continuação do outro lado do Atlântico. Já no segundo manifesto ele propôs a junção das culturas na produção de um novo amálgama linguístico e cultural, resumido no conceito de antropofágico, que antecipa muitos trabalhos do pós-modernismo.
É claro que toda essa ideologia ufanista de pátria autônoma desenvolvida no modernismo se esvaziou um pouco sob o impacto do pós-modernismo, que nos mostrou o equívoco do lema de Pound: “make it new” – seguido no Brasil pelos irmãos Campos, em especial Haroldo de Campos, e por Décio Pignatari. Como renovar completamente uma língua? Escrever e pensar sempre retomam algum ponto na linguagem, uma plataforma pré-existente, pois não se cria a língua do nada, não se inventa ab ovo coisa alguma. Sempre se transforma o que existe, como dizia Lavoisier.
Note-se, no entanto, que, dentro do próprio modernismo brasileiro, há uma linha de escrita menos preocupada com a mudança radical da forma, do tema e do estilo do poema que a dos autores citados acima. Trata-se da poesia modernista praticada por Cecília Meireles e por Darcy Damasceno, na linha espiritualista – compartilhada por Murilo Mendes e Jorge de Lima – que recebeu o epíteto de “poeta cristão”. Nessa autora, captamos a tradição açoriana – por influência da avó, originária dessas ilhas – que ela cultiva através das formas fixas, tais como no Romanceiro da Inconfidência. (Ver, a respeito desse poema, meu artigo in Perspectivas I, Rio de Janeiro, Departamento de Ciência da Literatura da Faculdade de Letras da UFRJ, 1984, p. 109-15). Apesar do uso de um vocabulário despojado, próximo ao cotidiano, na tradição católica e espiritualista, Darcy e Cecília, unem poesia e música, prática não tão distante quanto se possa pensar, da poesia de Mário de Andrade, que segue essa orientação do teórico simbolista René Ghil. A preocupação cristã e espiritualista desses poetas parece remontar ao parnasianismo de Horto, único livro de Auta de Souza, caracterizado pela extrema religiosidade da autora rio-grandense-do-norte. O uso da linguagem cotidiana, imantada pela descrição das cenas de nossa história e vivências, redundou, em Cecília, no belíssimo poema, talvez o seu mais famoso, em que ela revela sua intimidade ao leitor-receptor: “Eu não tinha esse rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro (...)” (“Retrato”, in Retrato natural, 1949). Falta às obras de Ismael Coutinho essa sensibilidade transbordante de emotividade que impregna esse poema de Cecília Meireles.

  1. Os dois livros de poesia deixados por Ismael Coutinho

Vemos, pela leitura de Silhuetas e de Bosquejos, ambos datados pelo autor de 1922, mas escritos entre 1917 a 1925, que Ismael Coutinho é avesso a tais “revoluções da linguagem poética” que caracterizaram o modernismo mundial – com exceção da linha espiritualista. Nesses seus dois livros, que deixou inéditos, esmera-se no uso da expressão refinada da norma culta e na obediência à forma do soneto, na rima e na métrica bem marcadas e num glossário oriundo da poesia clássica. Apenas em algumas composições dramáticas curtas, ou autos, recupera a “linguagem caipira” brasileira, em tom ingênuo ou naif, mas sempre num contexto cômico. Por exemplo, em “Dois roceiros” (ver Coutinho, Bosquejos), os personagens Chico e Mané, que remetem para o teatro de Artur de Azevedo, como em A capital federal, em que se confrontam o ambiente rural e o urbano.
A poesia de Ismael Coutinho não se insere na revolução modernista quer no uso da língua portuguesa, quer na afirmação do nativismo da cultura brasileira. Ao contrário, salvo as exceções apontadas, busca praticar o vocabulário clássico herdado do passado greco-latino e congelado pelo Simbolismo-Parnasianismo, em especial por Olavo Bilac, que o poeta cita como uma de suas fontes de inspiração, ao lado de Casimiro de Abreu, Victor Hugo e Camilo (mas não Fernando Pessoa...). Todo o movimento da poesia de Ismael Coutinho integra-se a sua prática de professor de língua portuguesa e no projeto de conservar a norma culta.
Assim, há, nos dois livros deixados por Ismael Coutinho, um tom de filiação romântico-simbolista-parnasiana, e até epígrafes que se referem aos grandes românticos – Gonçalves Dias e Álvares de Azevedo, Castro Alves, Casimiro de Abreu, poetas maiores – ao lado da busca vocabular de termos raros que nos remete à antologia da Poesia Simbolista, de Andrade Muricy, cujo maior expoente é Olavo Bilac. Há um uso constante, no poeta, da rima e da métrica perfeitas – levando-o a utilizar termos raros, como “travesseira”, para rimar com “ligeira” (ver Bosquejos). Já na apresentação de Bosquejos, desculpa-se com o leitor, afirmando que a obra é pouco pretensiosa, e oferecendo-a apenas à família; no entanto, sua temática, a métrica, a rima e o glossário pouco diferem do outro livro, Silhuetas. Neste apresenta principalmente sonetos, metrificados em decassílabos, heptassílabos e pentassílabos. Apenas os versos são bem mais longos, em geral, e há mais variação nos metros em muitos poemas. Mas ocorre a mesma busca de vocábulos raros que afasta o estilo dos dois livros do modernismo e o aproximam do parnasianismo; já na temática, ambos denotam o mesmo sentimento ingênuo, familiar, religioso e apelam a cenas rupestres próprias do romantismo, que poderiam aproximá-los do modernismo espiritualista.
Seus temas são, prioritariamente, a própria morte e o enterro em cova rasa sob a sombra de um cipreste, que chorará com o poeta, numa subjetividade exacerbada, que corresponde à primeira fase romântica subjetivista, das três fases apontadas por Alfredo Bosi em História concisa da literatura brasileira. Não se dedica quer ao indianismo quer ao realismo nacionalista, que são as duas fases seguintes. As referências mais frequentes são à família, Deus, Cristo, a Cruz, o sentimento religioso, o abandono, o terror do sono e da solidão, a “estrada” – termo muito utilizado – ou caminho para a velhice e a morte, ao lado da descrição da natureza, os pássaros, a avó, mas também o pai e a mãe. Todo esse ideário se rege pela forma rebuscada e a correção vocabular, sintática, morfológica, em função da norma culta, como lemos na poesia parnasiana de Machado de Assis – chega mesmo a empregar o termo “taful” – e jamais se afasta da métrica exata e da rima perfeita. Não há versos livres, soltos ou brancos, como pregava René Ghil, visando a uma sensibilidade livre; e nada está mais distante da poética de Ismael Coutinho que o conceito de “palavras em liberdade”, do futurista Marinetti.
Já a forma latina adotada pelas línguas neolatinas, francesa, espanhola e portuguesa, tem cunho suficientemente rígido em si, pelo grande número de vogais que têm e que marcam muito os sons, contribuindo para a monotonia dos versos, que obedecem a uma contagem silábica rígida. Essa monotonia impede maior musicalidade, como era possível na poesia grega e na tradição celta e bárdica anglo-saxônica, presente em Burns e Byron, para não citar a liberdade quase total dos versos de T. S. Eliot em “The Love Song of J. Alfred Prufrock” (1910-1915) ou “The Waste Land” (1922), por exemplo. Este ignora as regras da métrica e da rima e obedece apenas ao ritmo dos pés métricos (marcados musicalmente, ao contrário das sílabas poéticas, nas línguas neolatinas). Essa característica, possível na língua inglesa, foi levada ao ápice por Gerald Manley Hopkins. Paralelamente, os poemas de Eliot apresentam uma crítica filosófica do mundo moderno, ao retomar as grandes questões metafísicas (que já tinham sido tema dos poetas metafísicos ingleses, no barroco), mas aplicando-as ao cotidiano e unindo-as ao nonsense. Para acentuar esse efeito, Eliot acrescenta notas a “The Waste Land” que parodiam as referências a ensaios, mas que na verdade são falseadas, pois retiradas a esmo de livros que encontrou na sala de leitura de um hospício onde ficou internado (com a esposa) por alguns meses. Esse poema sofreu muitos cortes ao ser editado por Pound. Já este, nos Cantos, juntou recortes de notícias de jornal aleatoriamente, em grandes estrofes de versos brancos e livres, que levam ao extremo a proposta de Sousandrade no Guesa (1867-1884), que já havia feito uso desse tipo de material jornalístico nos dois fragmentos em limerick desse seu poema épico. Pound transforma a poesia simbólica e aurática num simples enumerar de fatos pouco importantes retirados da imprensa, num fluxo de palavras denotativas e destituídas de “beleza”, no sentido da estética de Kant e Hegel, mostrando, realmente, um mundo em desencanto (Weber). Por coincidência, Pound também sucumbe ao apelo do integralismo de Mussolini – repetindo a experiência de Marinetti – talvez porque ambos tenham procurado desse modo ordenar ou frear sua ousada revolução das “palavras em liberdade”. Por isso, tratado como traidor pelos Estados Unidos após ser recolhido no campo de concentração de Pisa, ao fim da Segunda Guerra, Pound passou doze anos (de 1945 a 1957) internado no hospício de Saint Elizabeth, em Washington, D.C., prisão psiquiátrica negociada pelos seus admiradores, em troca da cadeira elétrica; por isso são intermináveis os Cantos, chegando a quase mil páginas.
Assim, Ismael Coutinho atravessa o modernismo erguendo o facho parnasiano das belas letras, indiferente a sua desconstrução pelos poetas de seu século. Insiste na fala preciosista do poeta inspirado pelas musas, na subjetividade do poeta em seu caminho solitário e da morte (é a “estrada”, de Dante?), foge a um sentido político coletivo para a poesia. No solipsismo da voz do poeta vemos um silêncio, um basta a todas as ideologias, devido a sua inclinação espiritualista. Em seus poemas, escolhe o tom elevado de uma estética pura, aurificada, nefelibática, e nada semelhante ao heterônimo Ricardo Reis de Fernando Pessoa, que se identificava com Walt Whitman e a destruição dos valores europeus visando ao surgimento de um mundo moderno.

  1. Imagens: Bosquejos

Bosquejos, com seus poemas escritos entre 1919 e 1922, basicamente em Niterói, é praticamente contemporâneo de Silhuetas, cujos poemas são datados de 1922 a 1925, mas se inicia e termina ligeiramente mais tarde, e sempre naquela cidade. Os três poemas que abrem o livro se enquadram na sua dedicatória, feita pelo “Autor” a “seus pais”, a seus “idolatrados irmãos”, evidenciando toda a importância da família no seu imaginário. Em “Meu livro” (datado da cidade de Campelo, 1921), Ismael Coutinho afirma: “Procura outros vergéis, outros palmares” – mostrando sua filiação a Gonçalves Dias e sua romântica “Canção do exílio”. Suas epígrafes também mostram sua filiação ao romantismo. Em “Morrer! Morrer!” a epígrafe é de Castro Alves. Nos poemas seguintes, “Ao meu pai”, a epígrafe é de Lamartine; e em “A minha mãe”, é de Álvares de Azevedo:
Quando partia do teto amado
      E que, apressado,
Me dirigia para a estação,
      E tua mão
      E os olhos teus
      Dizerem adeus
      De longe via
      (...)
Sinto-te perto, vejo-te em sonho,
      Anjo risonho.
Toda a poética ou teoria da criação em Ismael Coutinho se dirige à vida e à linguagem subjetiva, intimista, platônica, mas também ligada à religião, ao didatismo e moralismo, como em “Ser poeta”, quando afirma que ser poeta é
externar os sentimentos
(...) é ser todo ensinamentos;
(...) é viver meditabundo;
(...) viver por entre as flores,
Salmodiando sem ser compreendido
(...)
(...) cantar na frauta amena,
 É viver abraçado à sua cruz.
(Niterói, 1920).
A maior parte dos poemas exibem uma sensibilidade ligada à casa, à família, ao sentimento religioso mencionado acima – que também se encontra no tom adotado pela corrente espiritualista do modernismo, na figura dos quatro poetas já citados: Cecília, Murilo, Darcy e Jorge de Lima. No entanto, na poesia de Ismael Coutinho, que teve formação religiosa em seminário, embora tenha se desviado da ocupação de padre para a de professor (muito pouca diferença, na verdade), revela-se, explicitamente, o tema cristão católico, como em “O Monge” (Niterói, 7 de setembro de 1920):
Ei-lo, de pé, no cimo do rochedo,
Apenas rompe a aurora e enceta o dia,
A contemplar extático a agonia
Da vaga que se embala no penedo.
Também em “A J... R...” a faceta religiosa é explícita:
Anjos em alas na mansão sagrada
Tiram das liras doce melodia
No ar vibrátil, pálida irradia
A suave luz de eterna madrugada
(Niterói, 1920).
A “Visão” (Niterói, 1921) menciona um “anjo da guarda, que te segue ao lado” no “paraíso”, e, mais explicitamente, no poema “Deus”, Ismael Coutinho une a noção de religiosidade cristã com a natureza, outro tema presente na sua poética:
Eu era então imerso em incerteza.
Interrogava a terra, o espaço, os céus,
Buscando ver na bruta natureza
A mansão do supremo ser – que é Deus.

Eu perguntei à brisa que passava
Varrendo as verdes comas vegetais:
“Em que lar Deus habita?” E por resposta:
“Ascende mais.”
(Niterói, 1921).             
Em “Perdão, meu Deus” pede a Ele pelo Brasil e pela humanidade (Niterói, junho de 1921). Há muitos outros poemas explicitamente religiosos, todos escritos no período do seminário em Niterói, como “Hino seminarístico” (abril de 1921); “São João Batista” (22 de novembro de 1919), “Jesus no Calvário” (20 de novembro de 1919), “Perdão, Senhor” (1921), “Queixas” (abril de 1921), “Jesus!” (sem data), “Virgem Maria” (maio de 1921), “A Dom Sebastião Leme” (20 de outubro de 1921); “Rosa branca” anuncia o nascimento de Cristo (junho de 1921).
Os bons sentimentos cristãos imantam o mundo que cerca o poeta, como a figura de “O Ceguinho” esmoler (Niterói, abril de 1921), que aparece em Silhuetas sob a forma de uma mãe mendiga e cega. “Vida e morte” surge quase como um poema didático, sobre a alegria nos lares, os pássaros nos ninhos, as gotas de orvalho e os sinos “a planger finados (...) ao toque da Ave-Maria” (Niterói, 30 de outubro de 1921). “Obrar bem e mal” (Niterói, 31 de outubro de 1921), se inclina na mesma direção didática e reassume um tom próximo dos poemas medievais de Anchieta, que sem dúvida Ismael Coutinho conhecia, com sua imagética simples e ideologia cristã da caridade (obrar bem).
São muitas as referências à natureza, e, como um São Francisco de Assis, pelo menos na alma, Ismael Coutinho povoa seus dois livros com inúmeros animais, em especial pássaros, ao lado de todo tipo de plantas e animais do campo. Em “A rosa e o colibri” surge a ingenuidade romântica de um diálogo entre uma rosa e um pássaro:
Disse um dia uma rosa a um colibri
“Por que, malvado, não me vens a mim
Oscular, como fazes às mais flores,
Ao resedá e ao pálido jasmim?”
(Campelo, 1921).
 Ali, revoam animais alados, ao lado de flores delicadas, para representar o sentimento do poeta, como em “O Pássaro” (Niterói, 1919), “O Canário” (Campelo, 1921) ou em “Saudade” (Campelo, 1921), o qual se refere a uma andorinha que pode ser sua irmã. Os versos de “Minha terra” –
A minha terra é um ninho
De mimoso passarinho,
Igual no mundo não há;
É um jardim de açucenas,
Em que nas tardes amenas
Canta o meigo sabiá
(Campelo, 1921)
– ecoam, numa paráfrase, os de Gonçalves Dias e de Casimiro de Abreu, tanto no glossário quanto na abordagem na temática, relacionando o passado com a pureza dos dias remotos, vividos na inocência em meio à natureza. Aliás, a paráfrase não está ausente da obra do autor, como no poema “Se eu tenho de morrer”, que ele anuncia como “Imitando Casimiro de Abreu” (dezembro de 1921). O preciosismo da linguagem rompe, no entanto, com essa visão paradisíaca tão cara aos românticos quando, na sexta estrofe de “Minha terra”, Ismael Coutinho se preocupa com a rima e rompe o pacto de emoção que a poesia deve provocar no leitor, arrebatando-o, ao escrever:
A fauna do meu torrão,
Se lhe falece um leão,
Supera em outro animal;
As searas, mantos de ouro,
Ostentam cabelo loiro
Té na zona tropical.
Na personificação de “A voz do vento” emprega estrofes sobre a natureza para transmitir um sentimento quase sagrado da criação da natureza e dos animais:
Nas quebradas seus gemidos,
Vão morrer como ganidos,
De cão que de fome chora;
E eu transido de espanto,
Não posso dormir, enquanto
O vento geme lá fora.
(Niterói, maio de 1921),
ou em “À margem de um rio”. Delicados animais confundem-se com descrições da natureza, como em “A lua do sertão”: “A lua desta cidade / Não é a casta deidade / Que vagueia no sertão” (Niterói, 1921).

  1. Formas: Silhuetas

Enquanto Bosquejos é apresentado ao leitor como um livro íntimo e pouco pretensioso, quase uma lembrança para a família, parece-me que em Silhuetas Ismael Coutinho procurou esmerar-se ainda mais na forma, utilizando muitos sonetos, e sempre com rima e métrica perfeitamente acordadas. Aqui a temática é mais séria, mais literariamente selecionada. Já o primeiro poema é, mais uma vez, dirigido “A minha mãe” (1922). O mesmo tema se repete em “Minha mãe” (Niterói, 1º de outubro de 1923) e em “O olhar de minha mãe” (Niterói, 2 de outubro de 1923), escrito no mesmo dia que o anterior. Também ao pai dedica “Conselhos paternos”, em cuja voz busca modelo e exemplo para seu futuro (Niterói, 1º de novembro de 1933). “Minha avozinha” é um soneto. Essa figura que conta histórias, cercada de crianças (Niterói, 28 de agosto de 1924), é descrita noutro poema, “A avozinha”, como uma senhora de cabelos brancos que narra histórias à luz da lua que “aclara a varanda”, enquanto “assopra uma aragem branda... / Geme ao longe um noitibó...” (sem local, 1º de outubro de 1925).
Contudo, já o segundo poema do livro envereda por um tema novo, “O Proletário”, que tem perfil social, embora seja tratado do ponto de vista emocional:
Vejo no pranto a mágoa que o consome:
Pois deixa os filhos a gemer com fome
E a esposa sobre o leito agonizando
(Niterói, 3 de maio de 1922).
Na mesma linha seguem “O mendigo” (Niterói, 7 de maio de 1922) e “A Esmola” (Niterói, 8 de maio de 1922), sendo os três sonetos. Já “Gratidão” adota os dodecassílabos, numa única estrofe de 24 versos e retoma o tema religioso, no qual Jesus se volta para as “criancinhas pobres” (Niterói, agosto, sem ano). “Rosa e borboleta” surge como um diálogo semelhante à “A rosa e o colibri” de Bosquejos, em 1921, mas aqui só temos o local, Niterói, sem data, que pode ser entre 1919 e 1922.
“O Canarinho” (Niterói, sem data), também se refere a cenas de natureza; este poema tem uma variante, o soneto em decassílabos “Meu canário” (novembro de 1925), enquanto outros retomam o tema religioso, como “O Sacerdote”, homenagem ao Exmo. Sr. Bispo Diocesano (sem data) e “Sta. Isabel” que descreve o milagre efetuado por essa personagem religiosa (Niterói, 29 de agosto de 1924). Em “Ave, Maria!”, belo soneto em decassílabos, afirma, no primeiro terceto:

“Ave, Maria!” O velho bronze entoa,
No campanário, e esta sublime loa
E o miserere do final do dia...
(Niterói, 15 de agosto de 1924).

  1. Conclusão: uma vida espiritual

Deduzimos que o cunho religioso da poesia de Ismael Coutinho se deve a sua inclinação monacal, tendo estudado dos 17 aos 26 anos no Seminário São José, de Niterói, a qual não foi cumprida (casou-se, teve sete filhos), mas que se condensou na profissão de professor. Conforme afirma Rosalvo do Valle (UFF), que foi seu aluno no Colégio Brasil, em Niterói (ver “O homem e a obra”, in http://www.filologia.org.br/XV_CNLF/homenageado.htm): “Para ele, o magistério era um sacerdócio, a que se dedicava como um missionário. E o professor, que forma alunos, foi-se tornando o mestre, que forma discípulos.”
Natural de Santo Antônio de Pádua, RJ, onde nasceu em 12 de maio de 1900, segundo filho da família, faleceu em 24 de julho de 1965, de acidente de automóvel, em São Paulo. Ismael Coutinho passou uma infância pobre, pois o pai ficou paralítico e a mãe, muito católica, costurava para fora. Ele a ajudava como vendedor ambulante de pão, no pequeno arraial de Paraoquena, dos poemas de 1919 – que é, assim como Campelo, localidade próxima a Santo Antônio de Pádua, onde nasceu. De 1917 a 1926, sedimentou profundamente seus estudos de latim e grego no seminário. Até então, seus estudos de língua e gramática tinham sido feitos como autodidata, devorando gramáticas; já o latim ele aprendeu no secundário, com o professor José Pinto de Sousa, que o aconselhou a melhorar o manejo da língua através da leitura de bons autores – como os padres Antonio Vieira, Manuel Bernardes e Frei Luís de Sousa. Pela mão de dom Agostinho Benassi, começou o primeiro emprego no magistério, nos anos de 1927 e 1928, no colégio Sílvio Leite, na cidade do Rio de Janeiro, sempre se destacando pela integridade de seu caráter. Em 1929 fixou-se em Niterói. Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, dedicou-se ao ensino e a cargo público na Prefeitura de Niterói, como chefe de gabinete (1941-1944), além de outros dois cargos públicos: secretário de Educação e Saúde (1947) e presidente do Conselho Estadual de Educação (1958). Foi fundador da Academia Brasileira de Filologia, em 26 de agosto de 1944 e colaborou na fundação da atual Universidade Federal Fluminense (antes denominada Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).
Afirma Rosalvo do Valle (ver homepage acima), que Ismael Coutinho publicara, em O Município, de Lavras (MG), sonetos e pequenos textos em prosa, às vezes com o pseudônimo de João das Chagas, escritos quando era seminarista em Niterói. Num caderno por ele deixado de “Poemas e artigos publicados”, encontram-se as seguintes criações: a) sonetos: “Minha Mãe”, “Natal”, “Soror Teresinha”, “Retorno” (publicado em Lira, Resende, RJ), “A cigarra” e “Conselhos paternos”; b) em prosa, sob o pseudônimo de João das Chagas: “Ruínas” e “Almas penadas”. C) há cinco poemas manuscritos: “Quando o teu vulto passa”, “A H. L. F.”, “Esfinge”, “Amor e Receio” e um soneto sem título – todos datados de Belo Horizonte, dezembro de 1926), seguidos de outras composições poéticas, datadas (08/05/1927), ou sem data. Talvez o último poema que publicou (Belo Horizonte, 05/02/1957) foi “À minha netinha Branca”, escrito para a neta primogênita pelo “vovô Baé”.
Podemos afirmar que a principal preocupação de Ismael Coutinho, em sua poética, prende-se ao tema religioso cristão aliado ao tom didático, moral, educativo, como no último poema de Silhuetas, o soneto “Meu rosário”:
Este rosário sempre me acompanha,
Acompanha-me sempre pela vida
(...)

Hei de guardar, num lindo relicário,
Todas as contas deste meu rosário,
Depois de velhas, entre murchas flores,
(...)
(novembro de 1925).
A literatura religiosa, após as criações excepcionais da poesia de José de Anchieta, os sermões do Padre Antonio Vieira e a poesia sacra de Gregório de Matos, no barroco, não teve grande repercussão na criação poética brasileira. Surge assim, na vertente espiritualista da poesia modernista brasileira, um autor que exerceu a arte religiosa, inserindo-a na preocupação com a norma culta e no cuidado com a técnica de poetar – arte na qual sobressaiu Cecília Meireles. Nem poderia deixar de ser assim sua poesia, tão esmerada, tendo sido Ismael Coutinho titular de língua e literatura latina na Universidade Federal Fluminense.

Serão acrescentados ao final deste volume os poemas que se encontravam no acervo preservado por seu amigo Rosalvo do Valle, como apêndice: “Quando o teu vulto passa”, “Esfinge”, “Amor e receio”, “Vivendo do passado”, “A H. L. F.”, “M. P. da R.”, “À minha netinha Branca” e dois poemas sem título: um soneto e um poema constituído de dez quartetos em versos decassilábicos, além da “Ode da ressurreição” e “Retorno”. [N.E.]

 

 

Produção Digital: Silvia Avelar @ 2011