A
linguagem
figurada
do
Evangelho
segundo
Marcos
no
códice
grego
da
Biblioteca
Nacional
do
Rio
de
Janeiro
Paulo
José Benício
(MACKENZIE)
A
modo
de
introdução
Na
história
da
tradição
manuscrita
do
Novo
Testamento
grego,
salvo
as
pesquisas
de Kirsopp Lake,
com
respeito
à
chamada
família
1, e as de William
Ferrar,
referentes
à cognominada
família
13, existem
ainda
muito
poucos
trabalhos
sobre
cada
um
dos
manuscritos
disponíveis.
Mesmo
Kurt Aland e Bruce Metzger, duas das
mais
destacadas
autoridades
do
século
passado,
no
campo
da
Baixa
Crítica
Neotestamentária, e
também
defensores
incansáveis
do
texto
alexandrino,
admitem a
generalidade
das classificações
atualmente
empregadas
para
as
diferentes
lições
cujos
critérios,
todavia,
somente
poderão
ser
avaliados
com
precisão
através
do
estudo
individual
dos
muitos
documentos
existentes.
Em
primeiro
lugar,
pelo
valor
material
e
histórico
desses
documentos;
em
segundo,
pela
importância
filológica
que
venham a
possuir,
confirmando
leituras
presentes
em
outros
exemplares
ou
confrontando
variantes.
E,
por
fim,
da
perspectiva
do
que
hoje
se conhece
como
crítica
genética:
o
texto
que
cada
códice
traz
não
deixa
de
constituir
uma
lição
única
– e foi nessa
condição
que
ele
esteve nas
mãos
de sucessivas
comunidades
como
uma
leitura
autorizada dos
evangelhos.
Diante do
que se expôs e
como
resultado de
uma
pesquisa
alicerçada na “coiné”
neotestamentária, objetiva-se, neste
texto,
tratar da
linguagem
figurada no
Evangelho
segundo
Marcos
tal
qual foi
transmitida
pelo
manuscrito
grego
da
Biblioteca
Nacional
do
Rio de
Janeiro,
fonte
textual
ímpar na
tradição
manuscrita do
Novo
Testamento;
isso tendo
em
vista
tratar-se do
mais
antigo
documento e do
único
manuscrito
em
língua
grega de
cuja
existência se
tem
conhecimento
na América
Latina.
No
tocante
ao
uso
da
linguagem
figurada,
três
particularidades
distinguem a
maneira
de
Marcos
registrar
os
acontecimentos
concernentes
à
vida
e
obra
do
filho
de
Deus.
São
elas:
as
construções
frasais
se fazem
por
intermédio
de
ligações,
mudam de
maneira
brusca
(anacoluto) e apresentam
redundância
de
termos
(pleonasmo).
O
emprego de
conectores:
Espalhadas
pelo
Segundo
Evangelho,
não
somente nas
porções
narrativas,
mas
também
naquelas
que trazem
registrados os
diálogos de
Jesus, as
conjunções
kai.
(e), de,
(mas),
ga,r
(porque,
pois) e
o[ti
(que,
porque)
apontam
para a
rapidez,
vivacidade e
expressividade
com
que
Marcos redige
sua
obra. Vejam-se
estes
três
exemplos:
o]j ga.r
av,n poih,sh to. qe,lhma tou/ qeou/,
ou[toj
avdelfo,j mou kai. avdelfh. kai. mh,thr
evsti.n,
Quem
quer,
pois,
que
faça a
vontade
de
Deus,
esse
é
meu
irmão,
minha
irmã e
minha
mãe
(cf. 3,35);
polloi. ga.r
evleu,sontai evpi. tw/ ovno,mati, mou le,gontej o[ti evgw, eivmi,
kai.
pollou.j
planh,sousin,
Porque
muitos
virão
em
meu
nome
dizendo:
Eu
sou (o
Cristo);
e enganarão a
muitos
(cf. 13,6);
o` de.
vIhsou/j
ei=pen,
av,fete auvth,n.
ti, auvth/ ko,pouj pare,cete;
kalo.n ev,rgon
eivrga,sato
evn evmoi,,
Mas
Jesus disse: Deixai-a;
por
que
a criticais?
Ela
me
fez uma boa
obra
(cf.14,6).
Uma das poucas
exceções a
essa
constatação
pode
ser exemplificada
com o
trecho
respeitante à
ressurreição
da
filha de
Jairo. Chegando à
casa da
família
enlutada e vendo o
alvoroço causado
pela
morte da
menina, o
Salvador
bradou:
to. paidi,on ouvk avpe,qanen,
A criancinha
não
morreu (cf. 5,39).
Aqui a
omissão da
conjunção
coordenativa
explicativa
ga,r
pode
ser explicada
pela
preocupação do
escritor
em
realçar a
autoridade e o
poder
com
que o
Messias lidou
com a
situação
por
demais
embaraçosa.
O
anacoluto:
As
construções
truncadas
ou
incompletas, indicando
movimento
rápido
de
pensamento
e
ação,
são
uma
outra
marca
deste
evangelho.
Ainda
aqui
se pode
usar
como
exemplo
a
porção
referente
à
ressurreição
da
filha
de Jairo: angustiado,
ele
interrompeu a
exposição
do
estado
de
saúde
de
sua
filhinha,
le,gwn o[ti to. quga,trio,n
mou evsca,twj ev,cei,
Dizendo:
A
minha
filhinha está nas últimas,
a
fim
de
suplicar
ao
Servo
Sofredor,
kai. parakalei/ auvto.n polla.,
E
lhe
roga
muito,
a
restauração
que
a
ela
era
devida:
i[na evlqw.n evpiqh/j ta.j cei/raj auvth/ o[pwj swqh/ kai. zh,sh,
Que
venhas, e
lhe
imponhas as
mãos,
para
que
seja curada e
viva
(cf. 5,23).
É
oportuno
se
fazer,
todavia,
a
seguinte
ressalva:
em
alguns
lugares,
onde
se imagina
encontrar
o anacoluto, deve-se
saber
que
tais
textos
formam a
base
de
expressões
parentéticas
ou
explicativas,
não
podendo
então
ser
considerados
como
meros
trechos
inacabados,
fruto
da artificialidade
ou
do
desconhecimento
lingüístico
do
autor.
Isso
ocorre,
por
exemplo,
quando
Jesus,
depois
de
repreender
publicanos e
fariseus
(que
condenavam
seus
seguidores
por
comerem
sem
lavar
as
mãos
como
ensinava a
tradição
dos
anciãos),
chamou a
atenção
dos
próprios
discípulos
sobre
a
realidade
e a
seriedade
da
impureza
do
coração
humano
(cf. 7,18.19a):
kai. le,gei auvtoi/j,
ou[twj
kai. u`mei/j avsu,netoi, evste;
ouv
noei/te
o]ti pa/n to.
ev,xwqen eivsporeuo,menon eivj to.n av,nqrwpon ouv du,natai auvto.n
koinw/sai,
Então
lhes
disse:
Assim
vós
também
não
entendeis?
Não
compreendeis
que
tudo
o
que
de
fora
entra no
homem
não
o pode
contaminar,
o]ti ouvk eivsporeu,etai auvtou/ eivj th.n kardi,na avll v eivj
th.n koili,an,
kai. eivj
to.n
avfedrw/na evkporeu,etai;
Porque
não
lhe
entra no
coração,
mas
no
ventre,
e sai
para
lugar
escuso?
O
autor
do
Segundo
Evangelho,
então,
na
preocupação
de
reforçar
as
palavras
e
justificar
a
atitude
de
Cristo,
faz uma
breve
elucidação
sobre
os
costumes
judaicos
respeitantes
aos
ritos
de
purificação
(cf. 7,19b):
kaqari,zon pa,nta ta. brw,mata,
Purificando
todos
os
alimentos.
O
pleonasmo:
Marcos
se
vale
muito
das
negações
duplicadas,
tais
como:
mhk,eti
mhde. (não
mais...
nem
mesmo),
mh. mh,te
(não...
nem),
ou,vte
ouvdei.j (não
mais...
ninguém),
ouvk ouvde,na (não...
ninguém),
ouvk ouvdemi,an (não...
nenhuma),
ouvke,ti
ouvde.n (não
mais...
nada)
e
ouvdeni. ouvde.n (ninguém...
nada).
Além
disso,
ele
também
se
mostra,
em
alguns
trechos
do
seu
evangelho,
bastante
redundante.
Testifique-se
esse
aspecto
do
seu
modo
de
escrever
com
os
exemplos
abaixo:
kai. le,gei auvtoi/j.
av,gwmwn
eivj ta.j evcome,noj kwmopo,leij,
i]na kai. evkei/
khru,xw.
eivj
tou/to ga.r evxelh,luqa,
E
lhes
diz: Vamos aos
povoados
vizinhos,
para
que
ali
também
pregue;
pois,
para
isso
vim (cf. 1,38);
evleu,sontai de.
h`me,rai
o]tan avparqh/ avp v auvtw/n o` numfi,oj.
kai. to,te
nhsteu,sousin
evn evkei,naij tai/j h`me,raij,
Virão,
porém,
dias
quando
será tirado deles o
noivo,
e
então,
naqueles
dias,
jejuarão
(cf. 2,20).
Isso
não
deve,
todavia,
causar
estranheza,
já
que
todo
o
seu
livro,
ao
contrário
do
que
ocorre
em
passagens
mais
rebuscadas dos
escritos
de Lucas, da
Carta
de Tiago, da
Epístola
aos
Hebreus
e das
Cartas
de Pedro, evidencia
indubitáveis
afinidades
com
a
língua
falada,
tal
como
se
lê
nas
inscrições
e
papiros
antigos
encontrados no Egito (no
período
de 1897 a 1907).
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