A CAPACIDADE DE ARGUMENTAÇÃO
NOS ALUNOS DE 5a  E 6a SÉRIE

Heloísa Helena da Cruz Aguiar

Muito já se tem desenvolvido acerca da importância da produção textual na escola. Sabe-se que o ensino da redação escolar é pautado em três tipos: narração, descrição e dissertação. A narração é definida como uma seqüência de fatos; a descrição como uma seqüência de aspectos e a dissertação como uma seqüência de opiniões.

O tema desenvolvido no trabalho “A capacidade de argumentação nos alunos de 5a e 6a séries” pretende mostrar que apesar de as escolas só começarem a trabalhar o programa de dissertação/argumentação na 7a ou até mesmo na 8a série, os alunos das séries inferiores também materializam em seus textos aspectos da estrutura argumentativa.

A motivação para este tema foi a experiência – profissional e não profissional – que tive em estágios e em escolas, em que pude observar que os alunos com faixa etária menor possuíam argumentos próprios para defender pontos de vista e que podiam convencer colegas, pais e professores com suas idéias. Somado a isso, há o interesse pelo ensino de redação que muitas vezes é desprivilegiado pelo grande trabalho que existe em elaborar temas interessantes, discuti-los e fazer a correção de todas elas utilizando um critério rigoroso.

Para elaborar este assunto, foram analisados, em textos de alunos de diferentes colégios (Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira – Iap-UERJ e Escola Municipal Venezuela), ambos localizados na cidade do Rio de Janeiro, a utilização de marcas que indiquem a argumentação – mesmo em textos narrativos ou descritivos. Em todos os casos foi aplicada uma proposta de redação, sempre baseada em textos com temas de interesse dos alunos dessa faixa etária (Internet, esportes, o uso do uniforme na escola, entre outros), seguida de discussão. Além disso, na maioria dos casos, os alunos respondiam a algumas questões que os auxiliavam a entender os textos e identificar as idéias presentes. Os textos dos alunos foram produzidos tendo em vista este estudo. Eles, porém, desconheceram este fato. Os textos foram analisados sem levar em conta a identidade dos autores mirins.

Veremos agora uma redação feita por um aluno. Este texto pode comprovar a veracidade da pesquisa, visto que o redator mirim estava cursando a 6a série do ensino fundamental, e apesar de não obter conhecimento teórico sobre o que é “dissertação”, seu texto está adequado às normas do texto argumentativo. É importante destacar que o texto foi transcrito de forma idêntica à utilizada pelo aluno.

O esporte na escola

Atualmente as escolas estimulam muito seus estudantes a participarem de práticas desportivas, existem vários eventos relacionados a estas práticas, tais como o Intercolegiais, jogos estudantis entre outros.

Estas atividades integram aos alunos um espírito esportivo, do trabalho em equipe, e também o esporte faz bem a saúde e com certeza é um divertimento ideal para adolescentes nesta faixa etária.

Porém, em muitos casos os alunos se vêm tão envolvidos com o esporte que acabam por deixar os estudos de lado e então não conseguem manter suas médias escolares, e seu desemprenho durante as aulas.

Com certeza, a prática de esportes na adolescência é um ponto extremamente positivo mas é necessário se ter uma maneira de fazê-los manter seus compromissos escolares, restringir as equipes a aqueles que mantém suas médias, fazendo assim com que o esporte seja um estímulo ao estudo.

Com esta redação é possível analisar a possibilidade de elaboração do texto dissertativo por crianças com faixa etária entre 10 e 13 anos. É possível reparar que o primeiro parágrafo, que chamaríamos de introdução, é uma definição de como a escola trata o esporte hoje em dia. Nos parágrafos de desenvolvimento – 2o e 3o – o autor aponta vantagens e desvantagens da prática esportiva com a excelente noção de separar no segundo parágrafo os aspectos favoráveis e no terceiro os aspectos contrários. A conclusão aparece com um posicionamento “a prática de esportes na adolescência é um ponto extremamente positivo” e com uma sugestão, com uma possibilidade para acabar com os problemas citados no terceiro parágrafo.

Sendo assim, acredito que a pesquisa poderá tornar-se suporte para professores de Língua Portuguesa, mais precisamente os de Redação, sob uma nova concepção: a de que é possível trabalhar textos argumentativos nas séries em que os alunos se encontram com a dita menor maturidade.

Como base teórica de estudo, o trabalho se baseia em autores como Luiz Antônio Marcuschi (2000), Charaudeau (1999), Ingedore Koch (2002), Eduardo Guimarães (1987), Helênio Fonseca de Oliveira (2003), Agostinho Dias Carneiro (1996), Sigrid Gavazzi, entre outros que discutem a questão da argumentação/ dissertação no âmbito da sala de aula, além da questão da redação como gênero e da argumentação como modo discursivo.

Sabe-se que falar em argumentação, hoje, implica trabalho sobre critérios do verossímil, sobre a formação de opinião própria. A necessidade desta formação se confirma no dizer de Breton (apud GAVAZZI, 2002: 2), ao afirmar que a situação típica da argumentação coloca em pauta a ação da opinião. É neste ponto, mais precisamente, que o presente trabalho quer se aprofundar. E para isso é preciso provar que os alunos mais jovens são capazes de convencer alguém usando argumentos próprios, e descobrir se a argumentação nas aulas de 5a e 6a séries auxiliariam no processo de desenvolvimento da produção textual.

Estes argumentos próprios, aos quais no referimos anteriormente, podem ser comprovados com o seguinte fragmento da redação de um aluno da 5a série do ensino fundamental, sobre a questão da presença da linguagem virtual na escola. Mais uma vez, é importante destacar que o texto foi transcrito de forma idêntica à utilizada pelo aluno.

A linguagem virtual é um recurso utilizado para tornar a conversa mais rápida e dinâmica, até aí tudo bem [...] Mas quando essa linguagem começa a ultrapassar o meio virtual, começa a complicar.

[...] Se essa linguagem começar a interferir no dia a dia, seja ele escolar ou universitário, na minha opinião é prejudicial. Primeiro porque essa linguagem diminuí no dia a dia o domínio sob a língua portuguesa, atrapalhando até mesmo na comunicação. A longo praso poderia atrapalhar em situações importantes da vida, como arrumar emprego, prestar vestibular etc.

Sendo assim, eu não sou contra o uso dessa linguagem, apenas acho que ela não deve ultrapassar as barreiras do mundo virtual [...]

No trecho acima, apesar de marcas da oralidade (“até aí tudo bem”), fica clara a opinião do autor mirim (“na minha opinião é prejudicial”). Seus argumentos, para defender o próprio ponto de vista, vêm listados a seguir, demostrando a capacidade de defender suas idéias.

Durante a pesquisa bibliográfica, encontramos diferentes definições e posicionamentos para a questão da argumentação/dissertação. Conforme analisado nos estudos de Bastos, a argumentação refere-se à competência do indivíduo em convencer alguém de alguma coisa. Ao argumentar é “preciso defender certos pontos de vista e assumir determinados posicionamentos” (BASTOS, 2002: 72). Já ao dissertar não se convence o leitor de nada; o autor expõe, explica e interpreta, mas não materializa, ao menos como função aparente, a intenção de persuadir.

Outros autores, estudiosos e profissionais da área de educação, contudo, encontram diferentes definições para estes termos. Segundo o professor Helênio Fonseca de Oliveira, em seu artigo Os gêneros da redação escolar e o compromisso com a variedade padrão da língua (2003), esse termo não tem o mesmo sentido para o professor de português e para os outros professores. Para o professor de Língua Portuguesa, “uma dissertação é uma ‘seqüência de opiniões’ destinada a persuadir o destinatário da veracidade de uma tese.” (2003: 1). Já para os educadores das demais disciplinas, “é a exposição de um tema, sem um empenho excessivo de persuadir o leitor.” (2003:1). Dissertar sobre um item do conteúdo programático, para estas pessoas, é discorrer sobre ele. “Numa prova, por exemplo, ‘questão dissertativa’ é a que determina a produção de um pequeno texto.” (OLIVEIRA, 2003: 1)

Apesar dessa divergência de opiniões, não nos preocupamos neste trabalho em discutir teorias ou vértices teóricos mais particulares, mas intentamos adequar (alguns) pontos que julgamos mais relevantes para o professor.

Assim sendo, convém definir as relações a serem abordadas na pesquisa em questão. Normalmente, o ensino de argumentação/dissertação, nas escolas brasileiras, tem seu início nas 7ª e 8ª séries do ensino fundamental, mas, sobretudo, é destaque no Ensino Médio. Este fato se daria porque, neste momento, já estaria o aluno cognitivamente preparado para um raciocínio de ordem analítica (que solicita determinada organização de dados da realidade). Sobre estes dados, deve o aluno opinar e redigir de forma dissertativa, afinal, já deve possuir arcabouço ideológico suficiente para tal. Leitura, interpretação e produção de textos narrativos e descritivos são trabalhados arduamente pelos professores até as séries em questão; este último fato proporcionaria a ascensão à modalidade dissertativa, que se fundamenta em idéias e valores, atemporais, ainda “que possam estar situadas em algum momento histórico ou fictício” (CARNEIRO, 1996:105).

Os PCNs incentivam a “possibilidade de o aluno poder expressar-se autenticamente sobre questões efetivas” (PCNs, 1998:40). Logo, temas que gerem polêmica são bem-vindos, pois, inerentes aos temas sociais, abrem possibilidades para o trabalho com a argumentação, por meio da análise de formas de convencimento empregadas nos textos, da percepção da orientação argumentativa que sugerem, da identificação dos preconceitos que possam veicular no tratamento das questões sociais etc.

É necessário ressaltar que, por se tratar de crianças com faixa etária entre 10 e 13 anos, os textos com temas polêmicos devem ser previamente selecionados; os assuntos devem gerar debate dentro da sua área de conhecimento e precisam estar de acordo com a maturidade que lhes compete.

Desta forma, o aluno não será surpreendido com informação nova, já que passou por processos gradativos de aprendizagem. Iniciar, então, em séries menos avançadas, as técnicas argumentativas, forneceria, possivelmente, ferramentas para que estes alunos pudessem argumentar com mais segurança e, sobretudo, com mais criatividade. Em outros termos: faria com que entendessem “a diversidade dos pontos de vista e as formas de enunciá-los”, além de aprender “a convivência com outras posições ideológicas, permitindo o exercício democrático” (PCNs, 1998: 40).

Referências Bibliográficas

BASTOS, Dau e SOUZA, Mariana e NASCIMENTO, Solange. Monografia ao alcance de todos. Rio de Janeiro: Novas Direções, 2002.

CARNEIRO, Agostinho Dias. Texto em construção: interpretação de texto. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 1996.

GAVAZZI, Sigrid. Ensino de argumentação na escola: uma nova proposta. On line: disponível na Internet via www.uff.br

GUIMARÃES, Eduardo. Texto e argumentação: um estudo das conjunções do Português. São Paulo: Pontes, 1987.

KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguagem. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. “Gêneros textuais: definição e funcionalidade”. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva, MACHADO, Anna Rachel e BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.., p.19-36.

OLIVEIRA, Helênio Fonseca de. Os gêneros da redação escolar e o compromisso com a variedade padrão da língua. Artigo correspondente à comunicação feita pelo autor na Mesa Redonda “A Língua Portuguesa e seu Ensino: Restrições e Liberdades”, coordenada pela Doutora Maria Teresa Gonçalves Pereira, no VII Fórum de Estudos Lingüísticos – UERJ, outubro de 2003.

PARÂMETROS curriculares nacionais: 3º e 4º ciclos do ensino fundamental. Língua Portuguesa. Brasília: MEC, 1998.

 

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