A perspectiva funcional
da seqüência narrativa
como organizadora do processo jurídico

Elisabeth Linhares Catunda (UFC)

 

Introdução

Neste artigo, pretende-se fazer uma revisão do conceito de narrativa, passando pelas principais teorias responsáveis pela elaboração do conceito de estrutura narrativa, dentro da perspectiva formal, para atingir-se à funcional. Num primeiro momento, apresenta-se a sua gênese, isto é, a origem do conceito e seu desenvolvimento não só na Lingüística mas em outras áreas. O objeto desta pesquisa é mostrar a perspectiva funcional como organizadora do processo jurídico a partir do conceito de seqüência narrativa postulado por Adam (1992).

 

Ajustando o foco

O que é a narrativa, e como pode ser definida? Na verdade, os primeiros estudos da narrativa começaram a partir da Poética de Aristóteles (1992), escritos em torno do ano de 335 a.C. A profundidade com que este autor analisou a tragédia foi tão grande que até hoje esta permanece sendo uma obra de referência para o entendimento da narrativa. O problema da narrativa foi retomado mais recentemente por Vladimir Propp (1928/ 1983) que, analisando os contos de fada russos, lançou os alicerces da atual narratologia. Em seu trabalho, Propp (1928/1983) se propõe a fazer uma morfologia dos contos de fada (chamados por ele de contos maravilhosos).

Como morfologia, o autor entende uma descrição dos contos segundo as suas partes constitutivas e as relações destas partes entre si e com o conjunto. Analisando e comparando a distribuição dos motivos em diversos contos, Propp descobriu que muitas vezes os contos emprestam as mesmas ações a personagens diferentes. Muitas são as situações, quando comparamos contos diferentes, que se resumem numa mesma ação na qual o que muda são os nomes e os atributos das personagens, mas não suas funções.

Assim, ele propõe um estudo dos contos a partir das funções das personagens. “No estudo do conto, a questão de saber o que fazem as personagens é a única coisa que importa; quem faz qualquer coisa e como o faz são questões acessórias” (Propp, 1928/1983, p. 59). Assim, as funções das personagens representam as partes fundamentais do conto. Propp (1928/1983) define função como “a ação de uma personagem definida do ponto de vista de seu significado no desenrolar da intriga” (p. 59). Isto porque, atos idênticos podem ter significados diferentes e assumir funções diferentes na medida em que os elementos morfológicos da ação, sempre em relação ao contexto do conto, sejam diferentes.

Propp chega a quatro teses fundamentais. 1) Os elementos constantes permanentes, do conto são as funções das personagens, quaisquer que sejam estas personagens e qualquer que seja o modo como são preenchidas estas funções. As funções são as partes constitutivas fundamentais do conto. 2) O número das funções do conto maravilhoso é limitado. 3) A sucessão das funções é sempre idêntica. 4) Todos os contos maravilhosos pertencem ao mesmo tipo no que diz respeito à estrutura.

Devemos ter em mente que as teses citadas aqui só dizem respeito ao folclore, não constituindo uma particularidade do conto enquanto conto, assim o conto enquanto categoria literária não está submetida a estas regras. As funções do conto maravilhoso se resumem a trinta e uma, das quais as sete primeiras constituem a parte preparatória do conto. Todas estas funções nem sempre existem quando tomado um conto particular, mas a ordem em que surgem no desenrolar da ação é sempre a mesma. Os contos principiam por uma exposição de uma situação inicial, que não se caracteriza como uma função, mas constitui um elemento morfológico importante.

As funções são repartidas entre as personagens segundo certas esferas. Estas esferas correspondem às personagens que cumprem as funções. Encontramos no conto maravilhoso sete personagens com suas respectivas esferas de ação: A esfera de ação do agressor, a esfera de ação do doador, a esfera de ação do auxiliar, a esfera de ação da princesa e do seu pai, a esfera de ação do mandatário, a esfera de ação do herói, a esfera de ação do falso herói. As esferas de ação se repartem entre as personagens do conto segundo três possibilidades: A esfera de ação corresponde exatamente à personagem. Uma única personagem ocupa várias esferas de ação. Uma só esfera de ação divide-se entre várias personagens.

Segundo Propp (1928/1983), o texto do conto pode ainda se dividir em seqüências. “Podemos chamar conto maravilhoso, do ponto de vista morfológico, a qualquer desenrolar de ação que parte de uma malfeitoria ou de uma falta, e que passa por funções intermediárias para ir acabar em casamento ou em outras funções utilizadas como desfecho. A função limite pode ser a recompensa, alcançar o objeto desejado ou, de uma maneira geral, a reparação da malfeitoria, o socorro e a salvação durante a perseguição, etc. Chamamos a este desenrolar de ação uma seqüência. Cada nova malfeitoria ou prejuízo, cada nova falta dá lugar a uma nova seqüência. Um conto pode ter várias seqüências, e quando se analisa um texto, é necessário em primeiro lugar determinar de quantas seqüências este se compõe” (Propp, 1928/1983: 144).

Finalmente, segundo Proop (1928/1983), as outras partes constitutivas do conto seriam os elementos de ligação; as motivações; as formas de entrada em cena dos personagens e os elementos acessórios atributivos. É de grande importância a abordagem funcional dos elementos do conto. Isto porque, o fato de podermos trabalhar com funções nos permitirá a construção de uma estrutura do conto. Assim, Propp será o primeiro a chamar a atenção para a forma estrutural do enunciado narrativo. Haja visto que Propp será um precursor do estruturalismo.

 

Alguns teóricos da narrativa

Bremond (1966) irá fazer uma profunda revisão dos trabalhos de Propp, propondo como modelo para os enunciados narrativos uma estrutura triádica. Sua proposta de esquema narrativo não mais se limitará ao conto folclórico, podendo ser expandida para as narrativas em geral. A partir desse momento, falar-se-á de uma estrutura dos enunciados narrativos. “Partindo do fato que a natureza cronológica da estória implica que um evento 1º comece (= antes), 2º se desenvolva (= durante) e termine (= depois), segundo uma relação do conseqüente ao antecedente, Bremond estabelece uma lógica de possibilidades que esclarece o encadeamento tanto das ações, como das virtualidades e das atualizações” (Adam, 1985, p. 26).

Segundo Adam (1985), Bremond parte do princípio de que o processo narrativo apresenta uma situação lógica na qual atuam três papéis básicos: vítima, agressor e ajudante, que se organizam segundo o seguinte encadeamento.

Degradação                 Melhora                              Ajuda

em curso e a evitar / da situação da vítima /demandada de um ajudante

Se, ao final do processo, a ajuda é recebida, então a melhora será obtida e a degradação evitada. Por outro lado, se o processo de ajuda falha ou não é iniciado, não haverá melhora e a degradação não será evitada. Adam (1985), ao revisitar os trabalhos de Bremond (1966), salienta que a maior parte das narrativas repousam sobre a alternância entre as fases de degradação e melhora, de equilíbrio e de desequilíbrio.

Os trabalhos de Propp e Bremond nos dão uma primeira visão do que poderíamos chamar de unidade mínima da narrativa: a proposição narrativa. Adam (1985) define proposição narrativa como uma combinação de uma ou mais funções com um ou mais atores. “Uma proposição narrativa se apresenta como um predicado relacionado a ‘n’ argumentos-papéis narrativos” (p. 37). Isto de forma que o predicado organize os elementos e distribua os papéis. Tomemos um exemplo do próprio Adam. A seguinte proposição narrativa: Margarida ameaçou seu marido com um rolo de massa implica uma série de predicados qualificativos que marcam o estado de ser das personagens:

- A2 É o marido de A1.

- A2 É um homem.

- A1 É uma mulher braba.

- A3 É um utensílio utilizado em uma cena estereotipada.

Esta proposição também implica um predicado funcional (um fazer):

- A1 ameaça A2 através de A3.

Adam propõe três lugares potenciais para a participação na proposição narrativa. Assim, há o Agente (A1), que inicia a ação ou cuja intervenção modifica o curso das coisas; o Paciente (A2), que se submete às transformações; e por fim o Objeto (A3), que ocupa o

lugar de instrumento. As proposições narrativas irão se agrupar, formando assim o que poderíamos chamar de um texto narrativo.

Estas primeiras considerações teóricas a respeito do funcionamento da narrativa já nos permitem traçar algumas condições para que um enunciado possa, a partir de uma abordagem estruturalista, ser definido como uma narrativa. Em primeiro lugar, deve haver uma relação lógico-semântica entre funções e atores para que possa haver uma proposição narrativa. Para que tenhamos um texto narrativo coerente é preciso que os fatos denotados pelas proposições narrativas estejam ligados por uma relação cronológica e lógica. Finalmente, para que haja narrativa, é preciso, também, que haja uma transformação entre uma situação ou estado inicial e a situação ou o estado final que funcione como uma conclusão do texto narrativo.

Vimos que o reagrupamento de proposições narrativas em tríades imbricadas constituem grupos de funções. São estes grupos de proposições organizadas em ciclos que formam as seqüências narrativas. Para que um grupo de proposições narrativas forme uma seqüência é preciso não somente que um mesmo ator as unifique atravessando-as, mas também que haja uma transformação (Adam, 1985: 54).

Adam sintetiza nossa visão de narrativa até aqui na Figura 1.

Labov define narrativa como um método de recapitulação de experiências passadas comparando uma seqüência verbal de proposições (clauses) com a seqüência de eventos que de fato ocorreu. Segundo ele, a narrativa vai ter duas funções fundamentais: de referência e avaliação. A função de referência aparece na transmissão de informações que encontramos na narrativa, sendo estas de lugar, tempo, personagens, de eventos — o que, o onde e o como os fatos ocorreram — a seqüência temporal das ações ou dos episódios. A função de avaliação transmite ao ouvinte o motivo da narrativa ter sido contada, tanto na forma da expressão explícita da importância da história para o narrador, como na dos juízos de valor emitidos ao longo da narrativa (Peterson & McCabe, 1983). Assim, Labov e Waletzky centram sua definição de núcleo narrativo menos sobre a organização temporal e sobre o esqueleto dos eventos objetivos do que sobre a dimensão avaliativa que precisa o ponto central da narrativa, e colocando o acento sobre os eventos mais importantes.

Segundo Adam (1984), a sócio-lingüística de Labov e Waletzky (1967) entende que a narrativa, além de uma dimensão cronológico-seqüencial que ordena os elementos um após outro, comporta e necessita uma dimensão figuracional, na forma de uma macro-estrutura semântica, na qual é a “figura” que ordena os elementos um ao lado do outro. Desta forma, a narrativa vai ter uma superestrutura textual composta de macro-proposições de orientação, complicação, ação ou avaliação, resolução, conclusão ou moral, dentro das quais se agrupam as proposições, estas as menores unidades da narrativa. As proposições são as sentenças, frases ou subfrases, que compõem o texto, podendo, conforme suas características, ser divididas em uma dessas categorias ou macro-proposições. Labov e Waletzky definem uma narrativa mínima como “uma seqüência de duas proposições narrativas restritas, temporalmente ordenadas, de maneira que uma mudança em sua ordem resultará na mudança na seqüência temporal da interpretação semântica original” (p. 27).

Tal esquema divide a narrativa em cinco macro-proposições. Um texto narrativo inicia a partir de uma Orientação na qual são definidas as situações de espaço, tempo e características das personagens. Em seguida, ocorre uma Complicação através de uma ação que visa modificar o estado inicial e que dá início à narrativa propriamente dita. A narrativa, então, culmina no momento em que uma Ação transforma a nova situação provocada pela complicação ou em que uma Avaliação da nova situação indica as reações do sujeito do enunciado. A narrativa, então, chega a um Resultado em que é estabelecido um novo estado, diferente do estado inicial da estória. O final da narrativa se dá no momento em que é elaborada uma Moral, a partir das conseqüências da estória. Todorov (1971), a partir da crítica literária, proporá uma definição da narrativa que também aponta para os 3 conceitos de macroestrutura narrativa e de macro-proposição narrativa foram cunhados por Adam (1984 e 1985) e aplicado às teorias do enunciado narrativo de diversos autores. Estes conceitos serão empregados daqui para frente.

 

Ricoeur e sua concepção de narração

Podemos, neste momento, retomar Ricoeur (1983/ 1994), e com ele a leitura das indagações acerca do tempo em Santo Agostinho (398/1987). Ricoeur mostra que para Agostinho o tempo é entendido como representação, o tempo é aqui definido como experiência do tempo. Poderíamos lembrar neste momento a concepção de Kant (1781/1985), segundo a qual o espaço é a forma de nossa experiência exterior e o tempo é a forma de nossa experiência interior. Inerentes ao conceito de tempo são os conceitos de movimento e duração, seja dos corpos que observo ou das palavras que recito ou que penso. Assim, o exemplo do hino é tomado por Ricoeur como um paradigma da representação do tempo. Deste modo, o tempo encontra na narrativa a sua representação mais clara e exata, a narrativa revela-se aqui como o caráter temporal da experiência humana.

O mundo exibido por qualquer obra narrativa é sempre um mundo temporal. (...) o tempo torna-se tempo humano na medida em que está articulado de modo narrativo; em compensação a narrativa é significativa na medida em que esboça os traços da experiência temporal (Ricoeur, 1983/1994: 15).

A partir da definição de narrativa como representação do tempo, Ricoeur (1983/1994) introduz a proposta de uma descronologização da narrativa. Se uma narrativa ordenada cronologicamente corresponde a uma representação linear do tempo, esta forma de representação, na verdade, não correspondem à experiência psicológica do tempo, vide a experiência de Santo Agostinho (398/ 1987) com o hino. Ricoeur propõe, então, que o estudo da representação da temporalidade deva não ser abolido, mas aprofundado.

O segundo pilar do edifício teórico construído por Ricoeur (1983/1994) é a Poética de Aristóteles (1992). Aqui Ricoeur centra seu estudo em torno de dois conceitos fundamentais de Aristóteles: Mimese e Muthos (Mito). Aristóteles define as artes poéticas como imitativas, entre elas a tragédia, e a comédia. O que diferencia a tragédia da comédia é o objeto que elas imitam: “Pois a mesma diferença separa a tragédia da comédia; procuram, esta, imitar os homens piores, e aquela, melhores do que ordinariamente são” (Aristóteles, 1992: III, 9). A poesia imita a vida, e é na verossimilhança com a vida que reside o seu verdadeiro valor. Não devemos, entretanto, entender imitação como cópia do real, mas como uma imitação criadora que dá espaço à ficção, e que por isso mesmo faz com que a poesia seja definida, pelo próprio Aristóteles, com sendo “algo de mais filosófico e mais sério do que a história, pois refere aquela principalmente a universal, e esta o particular” (IX, 50). Mas Aristóteles também define tragédia como “imitação de uma ação de caráter elevado” (VI, 27), e será, justamente, a partir da noção de mimese como imitação da ação que Ricoeur (1983/1994) irá aproximar mimese e mito. Os conceitos de mimese e mito coincidem no de representação (imitação) da ação, pois Aristóteles (1992) define Mito como “imitação de ações” (VI, 30), mas também como “composição dos atos” (VI, 30), que Ricoeur (1983/1994) traduz como “agenciamento dos fatos” (p. 76). Não por acaso, a composição dos atos, que Aristóteles chama de Mito, é para nós chamada de intriga ou narrativa.

 

Seqüência textual Segundo Adam

Para construir um conceito de seqüência textual, Adam se apoiou no conceito de gênero postulado por Bakhtin (2000) que o define como “tipos relativamente estáveis de enunciados”; no conceito de enunciado como “unidade concreta de texto”; e principalmente, na subdivisão dos gêneros em primários(enunciados simples) e secundários(enunciados complexos que incorporam os gêneros primários). É dessa idéia de estabilidade e de que os gêneros primários são tipos nucleares menos heterogêneos e responsáveis pela estruturação dos gêneros secundários,que Adam os concebe como seqüências textuais, compostos por proposições relativamente estáveis.

A noção de protótipo (Rosch apud Bonini, 2000) que define um objeto como mais típico, aquele que reúne o maior número de pistas de validade, vai colaborar com a noção de estabilidade das seqüências (narração, descrição, explicação,argumentação e diálogo), como esquemas seqüenciais prototípicos.

Assim como Werlich (apud Bonini, 2000), Adam compartilha a idéia de que tipos textuais compõem um conjunto de recursos cognitivos responsáveis em parte pela produção do texto, e é a partir dos cinco tipos de texto postulados por Werlich (descrição, narração, exposição, argumentação e instrução) que Adam propõe sua tipologia.

O último conceito no qual Adam se apóia é o de superestrutura de van Dijk (1978) como sendo um esquema cognitivo, composto por categorias vazias que, ao serem preenchidas, são responsáveis pela realização das partes características do texto, ou seja, a superestrutura como um esquema textual superposto às estruturas gramaticais.

Partindo desses conceitos, Adam (1992) concebe seqüência textual como sendo uma rede hierárquica, uma entidade relativamente autônoma e um processo textual presente na composição de determinado gênero. A princípio o autor aponta sete tipos de seqüências (narrativa, descritiva, argumentativa, expositivo-explicati- va, injuntivo-instrucional, conversacional e poético-autotélica), que posteriormente foram reduzidos a cinco (narrativa, descritiva, explicativa, argumentativa e dialogal). Cada um desses tipos possui um conjunto de traços que lhe são próprios e que se diferenciam dos gêneros Por serem mais homogêneos e facilmente delimitáveis.

Para Adam, a seqüência narrativa se caracteriza por apresentar: sucessão de eventos, uma unidade temática, predicados transformados, um processo, uma intriga e uma avaliação final. Dentro desse panorama, o esquema prototípico da seqüência narrativa pode ser descrito a partir de cinco macro-proposições que são: situação inicial, complicação, (re)ações, situação final e moral.

A seqüência argumentativa é constituída com base em um “já dito” e consiste essencialmente, na contraposição de enunciados. Ou seja, o esquema argumentativo é construído a partir de um dado (argumento) e de uma conclusão, passando por um “já dito”. Adam apresenta o esquema da seqüência argumentativa constituído por três partes: os dados(premissas), o escoramento de inferências e a conclusão.

Já a seqüência descritiva é para Adam a menos autônoma de todas e a que dificilmente será predominante em um texto. Esta seqüência se caracteriza por não apresentar uma ordem fixa. Para ele a descrição é constituída de três partes: uma ancoragem, uma dispersão de propriedades e uma reformulação.

Para Adam, a seqüência explicativa pode ser confundida com a descritiva porque ambas têm como características prover uma resposta à questão “como”?, mas a seqüência explicativa diferencia-se por construir um desenho claro de uma idéia, enquanto que a descritiva descreve os passos para atingir um objetivo. Segundo o autor, a seqüência explicativa se constitui de três fases, nas quais busca: levantar um questionamento, responder o questionamento, sumarizar a resposta avaliando o problema.

A seqüência dialogal possui como característica fundamental, o fato de ser poligerada, quer dizer, formada por mais de um interlocutor. Para Adam, esta seqüência é o componente principal dos gêneros textuais mais característicos da comunicação humana: a conversação.

 

O processo jurídico

Constituído pelos gêneros jurídicos, pode ser entendido como uma complexidade de textos que, embora tenham intersecções que os caracterizam como discurso jurídico, têm também especificidades que os individualizam. Este discurso se caracteriza, dentre outros aspectos, pelo fato de que se dirige a um público bastante seleto. Apesar de os processos jurídicos[1], na sua maioria, serem públicos, ou seja, qualquer pessoa que desejar pode ter acesso a eles, geralmente esse acesso se torna restrito pela forma como os produtores desses textos utilizam a linguagem. Na verdade, o discurso jurídico se dirige a poucos sujeitos.

Por terem como enunciadores juízes, promotores e advogados, aqui denominados operadores do direito, os textos jurídicos têm uma força enunciativa que deve ser considerada, visto que eles têm o poder de alterar o rumo da vida das pessoas nele envolvidas. Os advogados são enunciadores que são contratados pelas partes[2], a fim de representá-las em um mundo fictício, para o qual são necessárias habilidades específicas. Esses enunciadores são os representantes do Estado encarregados de solucionar os problemas a eles levados através de textos, que possuem características especificadas/ determinadas pela comunidade da qual os enunciadores fazem parte.

A estrutura dos textos jurídicos é definida por lei, presentes nos Códigos de Processo Civil e Penal, e em geral, é essencialmente a mesma: primeiro deve conter uma referencia ao fato; depois deve-se mencionar a adequação desse fato à lei vigente no país; e, por ultimo, a conclusão, que para o advogado é o pedido e para o juiz é o dispositivo, onde determina a procedência ou não da ação. São textos em que o espaço para a criatividade é diminuto, uma vez que o enunciador deve-se cingir à legislação vigente no país.


 

Referências

ADAM, J-M. Le récit. Paris: Presses Universitaires de France, 1984.

––––––. Le texte narratif. Paris: Nathan, 1985.

ARISTÓTETELES. Poética. Tradução de E. de Souza. São Paulo: Ars Poética, 1992.

BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

BREMOND, C. La logique des possibles narratifs. Communications, 1966.

BRUNER, J. Atos de significação. Tradução de S. Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

JUNG, C. G. Da essência dos sonhos. Tradução de M. R. Rocha. In: A dinâmica do inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1984, p. 287-306.

KANT, I. Crítica da razão pura. Tradução de M. P. dos Santos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.

LABOV, W. & Waletzky, J. Narrative analysis: Oral versions of personal experience. In: PROPP, V. Morfologia do conto. Tradução de J. Ferreira & V. Oliveira. Lisboa: Veja, 1983.

RICOEUR, P. Tempo e narrativa. Tradução de C. M. César. Campinas: Papirus, 1994.


 


 


[1] No sentido amplo, significa o conjunto de princípios e de regras jurídicas. Em conceito estrito, exprime o conjunto de atos que se indicam necessários, para que se investigue, e afinal, para que se esclareça a pendência. (De Plácido e Silva, 1980: 1227).

[2] Termo referente a toda pessoa que participa de um processo. Pode ser a parte que provocou o processo ou a parte que se defende. Cada uma das pessoas que se opõem num litígio. ( De Plácido e Silva, 1980: 1123).

 

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