ANÁLISE DAS OPERAÇÕES LINGÜÍSTICAS
NO
PROCESSO DE REFORMULAÇÃO DE TEXTO
DE
ALUNOS DA 8ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL 1

Maria Vilani Soares (UFPI e UFC)

 

GT–"Processo de organização textual: algumas perspectivas de análise", sob a coordenação da Profa. Dra. Maria Elias Soares (UFC).

 

Introdução

A grande importância atribuída ao desenvolvimento das atividades de produção textual, levando em conta questões sobre como os alunos escrevem, o que escrevem e com que objetivos escrevem, tem sido responsável por inúmeras investigações sobre o processo da escrita, propondo explicações para os fracassos dos alunos na linguagem escrita e metodologias mais apropriadas para o tratamento da escritura nesse contexto.

Alguns estudiosos como Zamel (1982) e Raimes (1987) direcionaram suas críticas à concepção da escrita dos textos como um produto acabado. Segundo Zamel (1982), essa perspectiva cria no aluno uma noção limitada sobre o ato de escrever, uma vez que o texto é visto como um produto fixo e acabado, que deve ser julgado e avaliado, levando em consideração aspectos formais lingüísticos e características superficiais. Para Raimes (1987), esta concepção vai conduzir o professor a trabalhar a escrita com o propósito de reforçar, treinar e imitar padrões gramaticais eleitos como corretos, segundo normas gramaticais. Ao aluno é negada, pois, a possibilidade de reformular o seu texto.

Outros estudiosos, como Pica (1986); Fiad e Mayrink-Sabinson (1991), privilegiaram a concepção da escrita como processo. Nesta perspectiva, o alvo não é o texto como produto final, mas o escritor, que deve estar consciente de seus objetivos, da sua audiência e da necessidade de comunicar significados. De acordo com Pica (1986), esta concepção enfatiza a importância da revisão e investe no potencial do escritor e no sucesso da reescritura. Fiad e Mayrink-Sabinson (1991:55) afirmam ser a escrita uma construção que se processa na interação, e a revisão um momento que demonstra a vitalidade desse processo construtivo. Concebem, portanto, essas autoras, a produção textual como um trabalho, propondo o seu ensino-aprendizagem, através do trabalho da reescrita. Para elas, o texto original e os textos dele decorrentes podem nos dar uma dimensão do que é a linguagem e suas possibilidades.

Apesar das valiosas contribuições desses estudos, muitos aspectos da atividade de reescrita não foram ainda suficientemente problematizados. Essa realidade exige, pois, considerações com relação às dificuldades dos envolvidos no processo de reformulação de textos no meio escolar.

Com esta pesquisa pretende-se oferecer subsídios de relevância teórica e prática que possam vir a preencher parte dessa lacuna (reescrita), investigando o processo da reformulação de textos de alunos da 8ª série de uma escola pública de Picos-PI, individualmente e de forma colaborativa (professor, colegas), quanto aos tipos de reformulações textuais (supressão, substituição, inserção e deslocamento). Suas contribuições são no sentido de se buscar uma melhor compreensão e caracterização do processo de reformulação, especialmente em situações interativas, e de sua relação com o desempenho dos alunos na produção de textos

Para a teoria da aquisição da escrita e para o ensino, esta proposta está associada, principalmente, à questão da tomada de decisões que os alunos julgarem necessárias para a resolução dos problemas do texto. Isto requer que eles sejam capazes de utilizar as reformulações textuais, ampliando a capacidade de julgar seus próprios textos, uma vez que, no processo de reformulação textual, o aluno insere, suprime, substitui e desloca palavras ou enunciados, reorganizando elementos em seu texto que eles avaliem como inadequados e podem pensar em uma boa maneira de mudá-los.


 

O processo de construção de um texto

Partindo de experiências em laboratórios de produção de textos, demonstrou-se que o processo de construção de um texto passa por três grandes etapas: o planejamento, a execução e a revisão. Foram concebidos modelos teóricos de base cognitiva, criados apenas com fins ilustrativos e como apoio didático, uma vez que o processamento cognitivo não obedece rigidamente às etapas sistematicamente propostas.

Esta pesquisa, entre os modelos teóricos existentes, adota os modelos cognitivos do processo da escrita e da revisão propostos por Hayes & Flower (1980), Collins & Gentner (1980), Serafini (1992) e White & Arndt (1995).

Esse embasamento teórico serve como suporte para a compreensão das alterações existentes nas reformulações de textos dos sujeitos envolvidos na pesquisa realizadas por meio de supressão, inserção, substituição e deslocamento, e para a compreensão da tarefa de reformulação como processo.

Atualmente, as pesquisas sobre a escrita mostram essa atividade não mais como uma sucessão linear de estágios fixos, e sim como um conjunto de subprocessos que funcionam tanto simultânea quanto recursivamente em padrões até mesmo irregulares e imprevisíveis.

Numa visão mais aprofundada, resultado de um estudo comparativo dos modelos teóricos de processamento da escrita, Menegassi (1998) os classifica em dois grupos: um de caráter mais teórico e de bases cognitivas, postulados por Hayes & Flower (1980) e Collins & Gentner (1980); outro de caráter mais didático, onde é marcante a preocupação com o aluno, postulado por Serafini (1992) e White & Arndt (1995).

No modelo de Hayes & Flower, desenvolveu-se uma proposta para a identificação do processo da escritura, evidenciando três subprocessos centraisplanejamento, tradução e revisão - que podem ocorrer tanto concomitante quanto recursivamente. no modelo de Collins & Gentner evidenciaram-se apenas dois subprocessos – produção de idéias e produção do texto. É notório que a diferença entre eles está na etapa de revisão, que explicitamente não é proposto por Collins & Gentner, contudo suas idéias permitem enquadrar tal etapa na produção de texto.

O estudo do planejamento textual, em ambos os modelos, é o subprocesso em que os autores mais se detêm, explicando cada aspecto e, muitas vezes, exemplificando com estratégias que facilitam a realização dessa fase.

A etapa de execução, por outro lado, é bem pouco desenvolvida nos dois modelos. Hayes & Flower, limitam-se a afirmar que ela transforma as orientações do planejamento emsentenças escritas aceitáveis” (1980, p.15). Aliás, segundo os autores, essa dificuldade de tomar material da memória de longo termo, sob o controle do planejamento, e transformá-lo em sentenças escritas aceitáveis pode produzir inúmeras frustrações para os escritores, fazendo com que, muitas vezes, interrompam o processo. Collins & Gentner (1980) tecem comentários sobre o momento que denominam produção de texto, apresentando listas de itens que devem ser observados ao se escrever o texto. Essas listas apresentam uma série de considerações formais, enquadradas nos níveis da oração, da sentença e do texto. A revisão é comentada apenas por Hayes & Flower (1980), que a apresentam com aspectos mais relacionados à forma do texto produzido do que ao seu conteúdo.

O outro grupo de caráter mais didático, formado pelos modelos de Serafini (1992) e de White & Arndt (1995), conforme a demonstração de Menegassi (1998), apresenta os mesmos subprocessos do grupo anterior. Nestes modelos, considera-se a produção de texto em situação de ensino de sala de aula, preocupando-se, também, com o tempo disponível para a realização da produção de texto, características não especificadas pelo grupo anterior.

O modelo de Serafini destaca quatro etapas: plano, produção de idéias, produção do texto e revisão, sendo que as duas primeiras etapas pertencem ao planejamento. no de White & Arndt são propostas seis etapas: geração de idéias, focalização, estruturação, esboço, avaliação e re-vendo (revisão), sendo que as três primeiras etapas pertencem ao planejamento.

Percebe-se também, neste grupo, uma preocupação marcada com o planejamento do texto, no entanto não é considerada como etapa primordial do processo. Neste caso a revisão acaba por tornar-se até mais significante que o planejamento, tomando aspectos mais amplos do que no grupo anterior, uma vez que é enfocada sob os aspectos do conteúdo e da forma. Os dois modelos se apresentam, quanto à etapa da execução, mais específicos do que os anteriores, persistindo, todavia, na mesma forma de apresentação.

A seguir será apresentado um quadro sinótico elaborado por Menegassi (1998:20), apresentando as características dos modelos comentados nesta seção, oferecendo, visualmente, um panorama das teorias expostas até o momento. O objetivo do autor é comprovar, após uma análise comparativa desses modelos, a pouca importância dada à reescrita e demonstrar que esta é uma etapa do processo da escrita, devendo fazer parte do quadro abaixo, após a revisão.

 

Quadro 1: Quadro sinótico dos modelos teóricos do processo de escrita
proposto
por Menegassi (1998:20)

ETAPAS

MODELOS

PLANEJAMENTO

EXECUÇÃO

REVISÃO

HAYES

&

FLOWER

(1980)

1) Planejamento

a) Geração

b) Organização

c) Estabelecimento de metas

2) Tradução

3) Revisão

a) Leitura

b) Editoração

COLLINS

&

GENTNER

(1980)

1) Produção de idéias

a) Apreensão de idéias

b) Manipulação de idéias

2) Produção de texto

a) Os diferentes objetivos da escrita

b) Os diferentes mecanismos para alcançar os objetivos

c) Os operadores de editoração

––––

SERAFINE

(1992)

1) O Plano

a) Distribuição do tempo

b) Identificação das características do texto

 

2) Produção de idéias

a) Seleção das informações

b) Organização das informações

c) Roteiro

3) Produção de texto

a) Parágrafos

b) Melhor mostrar que declarar

c) Os conectivos

d) A pontuação

e) A introdução e a conclusão

4) Revisão

a) Do conteúdo

b) Da forma

WHITE

&

ARNDT

(1995)

1) Geração de idéias

a) Levantamento de idéias

b) Uso de questões

c) Uso de anotações

d) Uso de recursos visuais

e) Uso de interpretação e simulação

 

2) Focalização

a) Descobrir as idéias centrais

b) Considerar o propósito

c) Considerar o interlocutor

d) Considerar a forma textual

 

3) Estruturação

a) Ordenação de informações

b) Experimentação com a organização de informações

Relação da estrutura com a idéia central

4) Esboço

a) Esboço realizado pelo professor

b) Iniciar, adicionar e finalizar

 

 

5) Avaliação

a) Avaliação do esboço

b) Ler e responder

conferir

6) Re-vendo

a) Verificar o contexto

b) Verificar os conectivos

c) Verificar as divisões

d) Avaliar o impacto

e) Editar, corrigir e marcar

Avaliação final do produto

O modelo de processo de escritura de Hayes e Flower (1980) foi construído a partir dos resultados da análise de protocolos verbais de redatores e, por ser um modelo centrado não no produto, mas no processo, parece ser adequado para dar uma visão mais precisa das etapas nas quais os alunos podem ter problemas no complexo envolvimento com a reformulação de texto.

 

Metodologia

Sujeitos da Pesquisa

Os sujeitos envolvidos nessa pesquisa foram quinze alunos, na faixa etária de 14 a 16 anos, que cursavam a 8ª série do Ensino Fundamental, em uma escola pública na cidade de Picos-PI. Na escola havia apenas uma turma de 8ª série, com aproximadamente trinta alunos freqüentando. Como os professores da rede pública, na época, encontravam-se em greve, decidiu-se que a pesquisa se realizaria em forma de minicurso (“A tarefa de reformulação textual”). Apenas 15 destes alunos se matricularam, o que representou um número bastante razoável, considerando a ausência dos professores, e, conseqüentemente, dos alunos na escola. Os nomes desses alunos, neste estudo, não foram citados, com o propósito de resguardar suas identidades. Os sujeitos pesquisados tinham idade entre 14 e 16 anos e haviam concluído a 7ª série em escola pública.

A fim de se obter informações relativas aos hábitos de leitura e escritura dos alunos, fez-se necessário a aplicação de um primeiro questionário, onde os mesmos relataram ter hábito de leitura, principalmente de revistas e livros. Quanto à atividade de produção de textos, classificaram-se como péssimos e declararam que suas maiores dificuldades estavam relacionadas ao âmbito da ortografia, da concordância e da acentuação. Relataram ainda que não possuíam o hábito de reformular os próprios textos e que, raramente, eram solicitados a fazê-lo por seus professores de Língua Portuguesa, os quais raramente teciam comentários sobre os problemas encontrados nas suas produções. Fez-se necessário, também, a aplicação de um segundo questionário constituído de perguntas relacionadas à avaliação do minicurso e, conseqüentemente, da proposta de reformulação textual.

Os procedimentos utilizados para a coleta dos dados serão discriminados e detalhados a seguir, conforme planejamento do minicurso “A tarefa de reformulação de texto”, que ocorreu no período de 19 a 27 de maio de 2003, perfazendo um total de 20 horas/aula, em uma escola pública de Picos-PI, sob a orientação desta pesquisadora.

 

Procedimentos

A coleta dos dados

A coleta de dados obedeceu a uma seqüência da seguinte ordem:

1.    Três encontros preparatórios (2h/a) com os sujeitos envolvidos na pesquisa para que se familiarizassem com a pesquisadora, sendo que, inicialmente, foi destinado uma hora/aula para a aplicação de questionário constituído de perguntas sobre dados pessoais e, também, relativas aos temas de interesse e aos hábitos de leitura e escritura dos alunos. Logo depois, optou-se por trabalhar como uma atividade de desinibição da escrita que priorizasse a reflexão. A primeira providência foi trazer para a turma um determinado tema e pedir que estes criassem “argumentos” a partir desse tema proposto, sendo necessário, para isso, questionar-se “Por quê?”. Foi lembrado ao aluno que, ao iniciar a reflexão sobre o tema proposto, procurando respostas a esse questionamento (Por quê?), este deveria recordar-se do que já havia lido ou ouvido a respeito do assunto (memória a longo termo).

2.    Seis encontros (6h/a) destinados à apresentação da proposta: leitura, debates, produção e reformulação de textos (professor e alunos). Os textos produzidos nestes encontros foram desprezados para fins de análise, já que essas sessões objetivavam a familiarização dos alunos com a metodologia empregada.

3.    Quatro encontros (4h/a) destinados à leitura, debates e produção de textos (para fins de análise);

4.    Seis encontros destinados à atividade de rever e reformular os textos (individualmente, com a ajuda do colega e com a ajuda do professor), e

5.    Um encontro final para aplicação do 2º questionário constituído de perguntas relacionadas à avaliação dos encontros.

Os dados foram coletados por meio de dois questionários e dos quinze textos e suas respectivas versões reformuladas. No final dos encontros contou-se, para análise, com quinze (15) produções textuais em primeira versão, e quinze (15) versões reformuladas, sendo cinco (05) em situação individual, seis (06) com ajuda do colega e quatro (04) com a ajuda do professor, perfazendo um total de trinta (30) textos para análise.

As redações em primeira versão foram produzidas sempre em função de uma determinada situação comunicativa, seguindo as etapas de geração de idéias e produção. Toda a turma produziu sob as mesmas condições de produção, seguindo a mesma proposta: texto dissertativo sobre o tema “A fome no Brasil”.

Na tarefa de reformulação, dividiu-se a turma em três grupos distintos. A cada grupo foi atribuída uma tarefa diferente: grupo (1), composto de cinco alunos, reformulação individual; grupo (2), composto de seis alunos, reformulação com a ajuda do colega e grupo (3), composto de quatro alunos, reformulação com a ajuda do professor.

O critério usado para a divisão dos grupos considerou, principalmente, a reformulação com a ajuda do colega, que deveria ser em pares (no caso três pares) e a reformulação orientada pelo professor, que não poderia ser uma quantidade muito grande de alunos, a fim de que o professor pudesse dar assistência individual no apontamento dos problemas do texto. O número de alunos do grupo (1) foi em número maior que o do grupo (3), em virtude de não ser fundamental a presença do professor no apontamento dos problemas.

O fato dos alunos terem sido divididos em grupos distintos, não realizando todas as tarefas de reformulação, foi com o objetivo de se poder avaliar, sem nenhuma influência das experiências vivenciadas com tais atividades de reformulação, em qual dessas modalidades os alunos empregaram mais alterações produtivas.

 

As situações de escritura do texto

Geração de idéias

Nesse momento foram utilizados diferentes métodos de estímulo à produção textual, procurando-se instaurar uma situação comunicativa o menos artificial possível. As atividades propostas aos alunos foram, em ordem, as seguintes:

 

a) Primeiro texto (para apresentação da proposta):

Para a elaboração desse trabalho, confeccionou-se uma coletânea de textos jornalísticos, retirados de fontes diversas, que abordavam a questão da “Intervenção dos Estados Unidos no Iraque”. A escolha desse tema foi efetuada, levando-se em conta os últimos acontecimentos internacionais e pelo fato de ser um tema bastante divulgado pela mídia, supondo que isso pudesse levar a um melhor planejamento, uma vez que, nas considerações de Flower & Hayes (1981) quanto maior for o domínio do sujeito em relação ao conteúdo a ser utilizado e à medida que aumenta o vínculo existente entre o sujeito e o interlocutor, maior será a possibilidade do planejamento ser mais bem sucedido. A escolha desse tema, para a apresentação da proposta de reformulação, foi também no sentido de estimular a geração de idéias, extraindo da memória a longo termo as informações que poderiam ser relevantes para a produção do texto.

Após a leitura, um aluno destacou-se pelo fato de se posicionar a favor da intervenção dos EUA no Iraque o que foi alvo de críticas, mas que, de certa forma, serviu como pretexto para os debates: quem é a favor ou contra a intervenção e por quê?

Alguns levantaram argumentos a favor e outros contra. Houve até quem argumentasse em favor da necessidade de adoção de medidas para conter atitudes extremistas como a dos Presidentes Bush e Saddam.

Observou-se que os alunos dessa etapa participaram com enorme entusiasmo, o que foi constatado pelo tom exaltado com que defendiam suas idéias nos debates.

 

b) Segundo texto (para fins de análise):

Para a elaboração do segundo texto, pediu-se aos alunos que trouxessem material informativo sobre o tema “A fome no Brasil”. Esse material poderia ser composto de panfletos e cartazes sobre o “Programa Fome Zero” e, principalmente, de textos jornalísticos.

Como alguns alunos trouxeram muitos textos iguais, combinou-se que os textos escolhidos seriam os que mais se repetissem, o que foi previamente aceito pelos alunos, sendo que os mesmos foram os responsáveis pela escolha dos textos.

Antes da aula marcada para a utilização dos materiais, os alunos assistiram a uma palestra sobre o “Progama Fome Zero”, proferida pela Diretora do “Espaço Cidadão” da cidade de Picos-PI. Na Palestra, abriu-se um espaço para que todos pudessem questionar sobre alguns pontos que achassem obscuros. A palestrante prontificou-se a tentar esclarecer o que fosse possível.

No início da aula seguinte, todos fizeram depoimentos sobre o que entenderam do tema da palestra. Em seguida, para reflexão e debates, distribuiu-se os textos jornalísticos escolhidos pelos alunos, que versavam sobre “A fome no Brasil”.

Após a leitura compreensiva e os debates de algumas questões levantadas pelos alunos e pelo professor, imediatamente, os alunos foram convidados a dissertar sobre o referido tema, utilizando a mesma técnica observada nos três primeiros encontros de familiarização com a pesquisadora (reflexão, partindo do questionamento “Por quê?”). Combinou-se que os textos seriam expostos em um mural no saguão da escola.


 

Produção

Imediatamente após cada etapa de geração de idéias, os alunos foram solicitados a escrever textos dissertativos sobre os temas indicados no item anterior. A opção por esse tipo de texto deveu-se ao fato de ser o mais trabalhado na faixa etária e nível escolar dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Além disso, considerou-se a possibilidade de emergência de diferentes estratégias de revisão conforme o tipo de texto produzido, o que mereceria outro estudo.

Após produzirem os textos, estes eram lidos pelos alunos para a turma e, em seguida, entregues à pesquisadora. Os textos produzidos, em todas as suas versões, eram fotocopiados pela pesquisadora e devolvidos aos alunos no encontro seguinte. Essas produções escritas, bem como o material gráfico utilizado nas etapas de geração de idéias eram depositados, pelos alunos, em uma pasta personalizada que haviam recebido no início das atividades propostas.

 

Reformulação Individual

Após a produção dos textos, os alunos do grupo (1), instruídos para a necessidade de alternar os papéis de produtor e leitor do texto, verificavam, por sua iniciativa, a necessidade de ajustar os textos a fim de aprimorá-los em todos os aspectos que julgassem necessários. Para isso, liam, novamente, o texto, antes de efetuar as alterações.

Os sujeitos eram deixados livres para alterarem seus textos. Não lhes foi fornecida nenhuma orientação técnica para que realizassem as atividades.

As alterações efetuadas durante a fase de produção do texto não puderam constituir o corpus deste estudo. Embora essa seja uma limitação da presente pesquisa, isso não se constituiu em obstáculo para a realização deste estudo, dados os seus principais objetivos. Exigir que os alunos não fizessem alterações durante a fase da produção significaria desconsiderar a existência de diferentes estilos cognitivos individuais de escrita. E, ainda, isso significaria impor uma visão distorcida do processo de escritura como sendo constituído de estágios fixos e lineares.


 

Reformulação com a ajuda do colega

Os alunos do grupo (2) reavaliavam seus textos com a ajuda de outro leitor. Nessa situação de reformulação em pares, os avaliadores liam o texto, individualmente, e faziam anotações que considerassem necessárias para a indicação de problemas ao autor. Em seguida, os avaliadores discutiam, com o autor, os problemas levantados no texto, sem que nenhuma das partes efetuasse qualquer alteração ou utilizasse qualquer recurso para marcar o problema.

Após a discussão, cada aluno reavaliava seu texto, individualmente, observando as questões apontadas e fazia ou não as modificações, o que dependia de seu julgamento. Esse procedimento visou garantir a liberdade do autor para alterar ou não o texto sem qualquer forma de pressão.

Nesta etapa de avaliação, os alunos foram instruídos a não abordarem questões divergentes, relativas à opinião pessoal, a menos que observassem incoerências no texto e, ainda, a não negociarem os significados apenas oralmente, deixando de ajustar a escrita pelo fato de terem compreendido os aspectos obscuros através do diálogo.

 

Reformulação com a ajuda do Professor

Nas atividades de reformulação dos textos em conjunto com a professora os alunos foram alertados para a necessidade de discussão dos aspectos levantados, já que a leitura desse avaliador poderia não estar adequada às intenções dos autores do texto.

Além disso, procurou-se conduzir o diálogo de forma a fazer emergir soluções sem apontá-las. Para tanto, forneciam-se, aos alunos, pistas que pudessem conduzir à solução dos problemas. Em último caso, quando demonstravam desconhecimento de algum aspecto indispensável para o encontro da solução, as possíveis formas de solucionar o problema eram apontadas.

Cabe observar ainda que, na maioria das situações de apontamento de problemas por parte da professora, nem todas as falhas foram indicadas, procedimento que se considerou adequado para evitar a sobrecarga de informação e, em conseqüência, a baixa atuação do sujeito na revisão de seu texto.

Além disso, com o propósito de garantir a motivação do aluno, procurou-se, sempre que possível, elogiar os aspectos positivos do trabalho produzido.

 

Levantamento e análise de dados

Os textos produzidos pelos alunos foram analisados, inicialmente, através da comparação entre a primeira versão e a versão reformulada. Para isso criou-se para cada texto um quadro com quatro colunas, colocando-se na primeira a numeração dos parágrafos; na segunda coluna, a primeira versão; na terceira, a versão reformulada, com indicação das alterações ocorridas, e na última coluna os resultados das alterações: RP (resultado positivo); RN (resultado negativo) e RI (resultado indiferente).

 

Demonstração das alterações efetuadas e dos resultados
entre a versão inicial e a versão reformulada individualmente

PARÁGR.

VERSÃO INICIAL

VERSÃO REFORMULADA

RESUL-
TADO

Somos brasileiros necessitados de mais atenção da parte governamental de nosso país, para as necessidades mais urgentes. Como no caso a “fome” que atinge milhões de famílias carentes. (linhas 1-3)

Somos brasileiros necessitados de mais atenção da parte governamental de nosso país, para as necessidades mais urgentes, como no caso a “fome” que atinge milhares de famílias carentes. (linhas 1-3)

SUBST.= RP

 

SUBST.= RI

Nesta investigação, analisaram-se as quatro alterações que um escritor pode realizar no seu texto: suprimir, inserir, substituir e deslocar um segmento. Um segmento pode ser um parágrafo, uma frase, parte de uma frase, uma palavra e mesmo parte de uma palavra. Optou-se pela utilização de alguns procedimentos, a fim de representar, na escrita, os diferentes tipos de alterações utilizadas pelo escritor nas duas versões produzidas: (1) supressão (texto tachado); (2) inserção (texto em negrito); substituição (texto sublinhado); (3) deslocamento (texto em itálico).

Posteriormente, efetuou-se a computação geral desses dados, em cada uma das modalidades de reformulação (individualmente, com o professor e com a ajuda do colega) com o propósito de evidenciar o desempenho dos sujeitos nas tarefas de reformulação de seus próprios textos. Os quadros não dão conta de todos os problemas encontrados nas atividades de reformulação, mas apenas daqueles que desencadearam alguma mudança no texto, seja ela positiva ou negativa.

 

TIPOS DE

REFORMU-LAÇÃO

REFORMULAÇÃO

INDIVIDUAL

REFORMULAÇÃO

COM O COLEGA

REFORMULAÇÃO RESULTADO

COM O PROFESSOR GERAL

(+)

(–)

T

(+)

(–)

T

(+)

(–)

T                %

supressão

03

11

14

10

20

30

11

07

18               34%

inserção

10

01

11

16

03

19

10

03

13               24%

substitui ção

12

07

19

16

12

28

12

05

17               35%

deslocamento

01

01

02

04

02

06

01

03

04               7%

alterações %

57%

43%

25%

55%

45%

46%

65%

35%

29%          ___

Total das alterações úteis (+) e prejudiciais (-)
 efetuadas em cada modalidade de reformulação

Para proceder a essa quantificação, tornou-se necessário tomar cada ocorrência, na qual o aluno efetuou alguma alteração, e classificá-la segundo os critérios estabelecidos neste trabalho. Essa classificação não foi tarefa fácil, visto que o significado de um elemento, tomado isoladamente, pode não coincidir com aquele que assume em relação ao todo. Sendo assim, procurou-se, sempre que possível, julgar cada ocorrência, verificando-se seu maior efeito na realização, ou local, ou global do texto.

Baseando-se, então, na observação sistemática dos textos analisados neste estudo, para quantificar-se os dados, dividiram-se as reformulações efetuadas nos textos em dois grupos: aquelas que incidiram sobre os problemas locais e aquelas que incidiram sobre os problemas globais. Foram considerados problemas locais os relativos à acentuação, à ortografia das palavras e à pontuação. Quanto aos problemas globais foram considerados os casos relacionados ao emprego do léxico (inadequação vocabular), à informatividade (insuficiência de dados, irrelevância da informação), à coesão (emprego inadequado de conectores) e à coerência (falta de clareza das idéias, ambigüidade).


 

Resultado geral dos aspectos locais e globais reformulados

MODALIDADES DE

REFORMULAÇÃO

ASPECTOS LOCAIS

ASPECTOS GLOBAIS

(+)

(-)

%

(+)

(-)

%

INDIVIDUAL

16

11

27

23

38

61

COM O COLEGA

11

07

18

61

40

101

COM O PROFESSOR

09

17

26

55

36

91

RESULTADO %

21%

23%

22%

79%

77%

78

Imediatamente após a apresentação dos dados quantitativos obtidos da análise de cada aluno, procedeu-se ao exame das reformulações efetuadas, primeiramente nas etapas individuais e, em seguida, nas colaborativas (com a ajuda do aluno e com a ajuda do professor).

 

Conclusão

Considerando-se que, a maioria das reformulações efetuadas por esses alunos provocaram melhorias nos textos, e que, principalmente, serviram para desmistificar a idéia do texto como sendo produto de um esforço inicial, único e suficiente, é possível considerar a experiência como positiva para seu crescimento, o que só vem confirmar a hipótese de que, das tarefas de reformulação (individualmente, com o professor ou com o colega), independentemente de quem sejam os parceiros, resultam melhorias nos textos e nas situações de aprendizado. A tarefa de reformulação deve ser utilizada constantemente na escola, com a mesma importância que está sendo empregada nas etapas de planejamento e execução das produções textuais, criando um automatismo benéfico nos alunos.

A análise dos resultados desta pesquisa mostrou que, inicialmente, os alunos possuíam um conhecimento rudimentar sobre a necessidade de regulação da linguagem. Quando reformulavam os textos, os sujeitos alteravam apenas poucos aspectos que não provocavam mudanças significativas no texto. A falta de habilidade para se distanciarem de seu produto e realizarem a auto-avaliação foi identificada, principalmente, na atuação individual.

Aliás, cabe ressaltar as contribuições das tarefas de reformulação de forma colaborativa para o professor, que, passando a participar do processo de construção da escrita de seus alunos, tem a oportunidade de conhecer estilos individuais de escritura. Essa mudança de paradigma do produto para o processo poderá auxiliá-lo na construção de metodologias mais eficientes para o ensino, porque estão baseadas no reconhecimento das reais dificuldades e, principalmente, das formas de aprendizado de seus alunos.

Esta pesquisa, sem a pretensão de oferecer resultados definitivos, revelou que a tarefa de reformulação pode ser uma alternativa para que os alunos percebam a escrita, já no âmbito da instrução, como uma atividade relevante para a vida. Como afirma Figueiredo (1994, p.157), ”Escrever não é um dom, nem um privilégio inato dos gênios, mas um trabalho aturado e orgânico, um trabalho que envolve o fazer e o refazer”.

 

Referenciais Bibliográficos

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FIAD, Raquel Salek. Operações Lingüísticas Presentes nas Reescritas de textos. Revista Internacional de Língua Portuguesa. Associação das Universidades de Língua Portuguesa, 4, p.91-97, 1991.

–––––– & MAYRINK-SABINSON, M. L. T. O Estudo de diferentes versões de um texto e a prática escolar. In: SEMINÁRIOS GEL. Anais de Seminários GEL. São Paulo: GEL, v. 1, 1994.

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1 O presente texto é uma versão resumida da Dissertação de Mestrado em Lingüística (UFC), da autora, defendida em dez./2003, sob avaliação das Professoras Dras. Maria Elias Soares (orientadora – UFC); Leonor Scliar Carbral (UFSC); e Ana Célia Clementino Moura (UFC). Tal pesquisa foi publicada na Revista Eletrônica do II Encontro de Pesquisadores em Lingüística da UFPI/ 2004.

 

 

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