Atalhos lingüísticos que o brasileiro usa
para ocultar juízos e pensamentos

Arilda Riani

Os brasileiros não são concisos ao se comunicarem; não fazem, como os portugueses, o emprego cartesiano da língua, o que lhes confere a oportunidade para construir torneios lingüísticos cheios de subentendidos com auxílio do diminutivo. Sua criatividade torce palavras, inventa construções e muitas vezes busca expressões difusas, mas politicamente corretas, para marcar a sua “cordialidade”, uma cordialidade pautada no antiformalismo e na possibilidade de um convívio mais familiar, que não tem nada de polidez, mas uma forma de não se expor, de não deixar a marca de grosseiro.

Pe. Antonio Vieira ensina nos Sermões como através da palavra, do estilo e da voz o pregador pode armar o discurso, preparar o interlocutor para os tempos da bonança, semear ou matar a esperança, ferir ou atenuar a dureza de uma expressão. A lição de Vieira mostra que nesse mister há uma teia de desvios lingüísticos envolvendo conhecimento do mundo, experiências culturais e ideologias, levando-nos a entender que o conteúdo de um texto é como uma moeda: uma face traz o explícito, o conhecimento que temos da língua; na outra, o implícito, a mensagem obscura que na sua maioria se apóia em inferências a partir de um conteúdo explícito, que pode aparecer nas entrelinhas.

Conhecimento, experiências culturais e ideologia passaram a ser objeto da Análise Crítica do Discurso, no final do século passado, com o lingüista holandês Teum A. van Dijk, que viu nestas relações um campo vasto para tratar de questões segregacionais, levando-o a questionar se todo conhecimento é ideológico; se a base comum desse conhecimento é verdadeira e se esse conhecimento não seria uma ficção ideológica (Henriques, 2003:390). A partir desses questionamentos, van Dijk desenvolve uma teoria multidisciplinar de ideologias compartilhadas por grupos que organizam modelos mentais próprios para representar a sua identidade, a estrutura social e a sua posição nessa estrutura. Van Dijk se apóia nos estudos de Ducrot (1987), lingüista que amplia o preceito do significado unitário do signo, base do estruturalismo lingüístico do início do século XX, e passa a estudar o conteúdo textual daquilo que vai além da frase, diferenciando “o que se diz” de “o que se quis dizer com o dito”. Ducrot preocupa-se com a argumentação, com as intenções subjacentes de quem fala, com a situação desse falante e o seu contexto social, e entende que o uso da língua pelo EU é uma forma de agir sobre o OUTRO, diferenciando as noções de posto, pressuposto e subentendido. O pressuposto representará o NÓS e o posto aquilo que o locutor afirma no ato da comunicação, o EU. No momento posterior ao ato da comunicação, como se tivesse sido acrescentado, ocorre o subentendido, que é repassado ao TU. Essas relações comunicativas sociointeracionais funcionam como uma senha, cuja interpretação tem como correspondente outra senha, construções mentais subjetivas encontradas nos pressupostos e nos subentendidos, e que contribuem para a formação do conhecimento e de critérios sociais e culturais de grupos de falantes.

Lembrei-me de uma coisa muito engraçada de vovó. Quando ela vê a sala cheia de mulheres esperando o jantar pergunta a Dindinha, na vista delas: “Chiquinha, minha filha, como você vai se arranjar com tanto franzido no babado?” Dindinha responde: “Já desfranzi, minha mãe.” Vovó pode então ficar descansada, porque isto quer dizer que Dindinha mandou pôr mais água e couve no feijão (MORLEY, 1963: 73)

A ideologia se organiza de forma subjacente e tem uma base comum compartilhada, não ideológica, que tende a constituir a expressão de um pensamento hegemônico capaz de construir formas de impor a representação de uma realidade, valendo-se de discursos que percorrem caminhos particulares e que passam a ser entendidos como uma prática sociointeracional de alguns grupos. Essas expressões representam situações , conhecimentos, identidade cultural e relações ideológicas do grupo, fazendo com que as cognições sociais e as individuais auxiliem na formação de um elo entre discurso e ideologia.

As ideologias compartilhadas por grupos podem envolver categorias abstratas (relações de identidade e de grupo), objetivos, normas e valores coletivos, daí seus membros freqüentemente definirem o que é bom e o que é ruim, o certo ou o errado, podendo inclusive controlar o que o grupo acredita sobre o mundo, podendo retratar uma visão de mundo preconceituosa e que não aceita a diversidade:

Não sei como uma menina, inteligente como você, não compreende as coisas. Você não vê que isso é coisa desses tontos e que uma ê, bonita, inteligente e de raça inglesa não podia tomar parte? Festejar república é bobagem. República é coisa para essa gentinha (MORLEY, 1963: 238).

No entender de van Dijk, ideologia é o conjunto de conhecimentos avaliativos desenvolvidos e utilizados para a formação do EU, que se imagina um sujeito social com visão mais ampla para a construção do OUTRO. O EU e o OUTRO se unem e formam grupos sociais que, na cumplicidade de seus membros, utilizam-se dessas produções de sentidos para atuar na representação do mundo. Esse conhecimento pode não ser ideológico, mas é amplamente compartilhado e pressuposto na cultura como um todo, constituindo a Base Comum, um conjunto de idéias próprias de um grupo ou de uma época que traduzem a sua situação histórica dentro de um período específico, podendo ou não se deslocar historicamente.

Eu ainda me lembro de quando chegou a Lei de Treze de Maio. Os negros todos largaram o serviço e se ajuntaram no terreiro, dançando e cantando que estavam livres e não queriam mais trabalhar. Vovó, com raiva da gritaria, chegou à porta ameaçando com a bengala e dizendo: “Pisem já de minha casa pra fora, seus tratantes! A liberdade veio não foi pra vocês não, foi pra mim! Saiam já!” Os negros calaram o bico e foram para a senzala. Daí a pouco veio Joaquim Angola em nome dos outros pedir perdão e dizer que todos queriam ficar. Vovó deixou, e os que não morreram ou casaram estão até hoje na Chácara. Também, com a vida que eles levam... (MORLEY, 1963: 171)

Nesse mesmo grupo, outros componentes podem assumir atitudes não compartilhadas, provocando essa mobilização de que fala van Dijk:

Houve agora na Chácara uma coisa que nunca tinha acontecido. Uma negra chamada Magna casou com um negro africano chamado Mainarte. Ela é muito esperta. Não quis que ele ficasse no fundo da horta na preguiça, como vivia, e arranjou um rancho no Arraial dos Forros para os dois. Ela se empregava nas casa para cozinhar e mandava Mainarte trabalhar para os outros. (MORLEY, 1963:.32)

Estes comportamentos evidenciam que a sociedade é formada por grupos sociais distintos, com relações sociocognitivas conflitantes no intra, inter e extragrupos sociais, cada qual representando a sua visão particular de mundo. Essa visão colabora para construir a sua auto-imagem e serve para auxiliá-los a fugir dos efeitos negativos de uma situação que os exponha a críticas. Nesta auto-apreciação, o grupo pode lançar mão de evasões, desculpas e “ocultamentos”, criando uma linguagem eficaz para auxiliá-lo a remover obstáculos sociais e preservar a sua auto-imagem. Esse “ocultamento” se manifesta por implícitos culturais, como o uso que os brasileiros fazem das formas dos diminutivos como atalhos para diminuir as ocasiões de fugir dos efeitos negativos de uma palavra ou expressão, preservando assim a sua imagem de homem "cordial”.

O valor subjetivo dos diminutivos

“Sob a pele das palavras há cifras e códigos”
(Carlos Drummond de Andrade)

Segundo ALONSO (1972:178), os sufixos formadores de diminutivos, além da função precípua de afetividade, carregam a função de “cortesia”, que atua como uma intimidação cortês ou estratégica do falante. O diminutivo, não obstante o seu largo emprego no campo da emotividade, é esta a sua função menos freqüente, seja na língua escrita ou na oral. Como a linguagem afetiva está centrada no emocional, qualquer dos sufixos da família dos diminutivos pode, conforme a ocasião, apresentar dominante afetiva ou intelectual. Essas conotações, sempre de caráter impreciso, constituem um meio estilístico de eliminar a objetividade da linguagem tornando-a mais flexível e amável. Uma mesma forma, dependendo do contexto, pode tomar valores opostos, como pivetezinho, que tanto pode trazer a conotação de carinho quanto de desprezo, levando Leo Spitzera afirmar que os diminutivos revelam uma “ternura para com o idioma”. Suas formas podem apresentar em cada uso um matiz distinto que se fixa na língua, dotando-a de variável poder evocativo. Na maioria das vezes podem remeter para sentimentos como coisa pequenez (livrinho=livro pequeno), depreciação (gentinha=ralé), apreciativo (irmãzinha, apelativo carinhoso de irmã), intensidade (juntinho = muito junto), qualidade (bonitinho), e muitos outros, auxiliados por meios indiretos de expressão como a entonação, gestos e os processos de sintaxe afetiva.

No dizer de ALONSO (1972:171), a propagação das formas do diminutivo nos meios rurais podem denunciar um tom amistoso do falante, “uma forma socialmente plasmada de comportamento nas relações coloquiais, que consiste na reiterada manifestação de reciprocidade”.

Para MARTINS (1989: 114), os diminutivos “estão na fala de todos, cultos ou ignorantes, e só não aparecem com um tom afetivo nos textos escritos que têm por meta a objetividade e, portanto, só admitindo o sentido nocional, exprimindo a idéia de tamanho pequeno”.

Os diminutivos podem assumir vários valores, como uma atenuação tolerante, compreensiva, como nos exemplos tirados a MORLEY:

Acho hoje que o vestido é bonitinho. (p. 150)

Eu sou franca, digo o que penso e o que faço, e Luisinha é das caladinhas, que são as mais perigosas. (p. 202)

Nas comunicações em que o falante deseja deixar a marca da segregação ou do preconceito, uma mesma expressão no diminutivo pode carregar marcas opostas de discurso:

Que bobagem é essa agora de passar as noites pajeando negrinha? (...) Penso que se a menina fosse branquinha mamãe não se incomodava. Mas ela sempre ralha da gente de pajear negrinhos. ( p. 79)

Esses juízos podem vir ainda sob uma forma de intensificação afetuosa, que carrega na manifestação de carinho, amor:

Vou dormir ainda esta noite com isto na cabeça e vou conversar com Nossa Senhora tudo direitinho. ( p. 167)

Ela sempre deixa os cachos de banana amarelinhos para apanhar. (p. 71)

Observe-se que “amarelinho” pode assumir a função de ironia em outro contexto, como “Mamãe não gosta que eu brigue na escola, mas ainda vou pegar aquela amarelinha.” (p. 95)

Podem conduzir sentimento de compaixão, piedade, pesar:

Ela disse com um encanto que eu nunca tinha visto em menina daquela idade: “Coitadinha!” Não gostei do “coitadinha”, mas ela era tão linda que eu não pude deixar de me sentir satisfeita de ter-lhe causado aquela pena. (p.174)

Carregam noções de desprezo e depreciação:

República é coisa para essa gentinha. (p. 238)

Tudo na vida tem um fim. (...) Eu estava doida para me encontrar com aquela amarelinha longe de mamãe, e hoje chegou o dia. (p.212)

Nas expressões cuja finalidade é a ironia, o diminutivo pode representar a crítica do falante a outrem:

Seu Guilherme é o homem mais enjoado do mundo, (...) Ele não é capaz de falar nada sem diminutivo. “Pode fazer o obséquio de abrir a boquinha para eu ver o dentinho?” E fica nisso de boquinha, dorzinha, dentinho, que não acaba mais. (p. 192)

Cortesia à moda da casa

Os brasileiros não são concisos ao se comunicarem, não fazem, como os portugueses, o emprego cartesiano da língua, o que lhes confere a oportunidade para construir torneios lingüísticos cheios de subtendidos. Essa flexibilidade e imprecisão muitas vezes atuam sobre o falante como uma pressão, levando-o à interdição lingüística para ocultar pensamentos que o perturbam. É no meandro do dito e do não dito que ele arma e municia o seu discurso de “homem cortês”, cordial, de que fala Buarque (1982: 106): “Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade e daremos ao mundo o homem cordial”.

Para BUARQUE (1982: 87), a palavra “cordial” deve ser tomada no sentido estritamente etimológico, entendido como o “capital sentimento” dos brasileiros, que é a bondade e até uma certa “técnica de bondade”, traduzida no trato caloroso, na hospitalidade e na generosidade, virtudes que enganosamente podem significar “boas maneiras”, civilidade. Acrescenta que o brasileiro tem aversão a todo formalismo e convencionalismo social e que a sua “cordialidade” pode iludir na aparência. A sua polidez é uma defesa, um disfarce, visando a preservar-se.O do brasileiro temperamento admite formas de reverência, e até as aceita de bom grado, desde que não interfira na possibilidade de um convívio mais familiar com o outro e não suprimam de todo o desejo de estabelecer intimidade. Essa intimidade pode passar pela omissão do nome de família, prevalecendo o nome batismal, como sugestão de abolir psicologicamente as barreiras de convívio.

Na visita de Sua Santidade, o Papa João Paulo II, ao Morro do Vidigal, abordado por um jornalista para emitir opinião sobre a visita de Sua Santidade, um morador respondeu, acenando positivamente com o polegar: “Gente finíssima o João Paulo!”, estabelecendo uma relação de familiaridade calcada no afeto e afastando a manifestação normal de reverência adotada por povos de outras nações. Esta atitude passa também no domínio da lingüística pela irreverência e anti-ritualismo que o brasileiro emprega em sentenças quando a manifestação seria de respeito. A devotos e praticantes essa informalidade pode causar impacto e estranheza:

Eu tinha vontade de saber como é que seu Joaquim Santeiro fazia santos(...) Outro dia nós passamos por lá e ele estava na frente da casa, com o machado muito amolado, trepado num tronco de pau, tirando lascas(...). Meu pai disse: “Bom dia, Joaquim. Que é que você está fazendo aí?” Fico até boba de escrever o que ele respondeu e sei que se vovó souber vai se zangar comigo. Mas que hei de fazer, se ele falou assim? Ele parou com o machado, virou para meu pai e disse: (...) “Isto é um demônio de um São Sebastião (...) e só agora encontrei este tronco que me está dando um trabalho dos diabos... (MORLEY,,1963:.89).

Pode passar pelo pendor acentuado que têm os brasileiros para recorrer às expressões no diminutivo, entendendo que o sufixo – inho, aposto a palavras, serve com uma forma mágica para reduzir tudo à mesma dimensão, ainda que o assunto exija a maior seriedade, como se pode aduzir na maneira tratada sobre os efeitos da cirurgia bariátrica em pessoas obesas:

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica, Fernando Barroso, pioneiro da técnica no Rio, a troca um problemão por probleminhas, administráveis desde que levados a sério. (REVISTA “O GLOBO”, 21-11-2004, p. 23).

Ao aborda os problemas de depressão, mal-estar, branco de memória e recurso ao álcool e ao fumo que alguns pacientes passam a enfrentar o pós-cirúrgico, os diminutivos empregados na advertência do médico são de uma sutileza tocante!

Costumamos dizer ao paciente que ele trocará uma doença por outra. Uma é incapacitante, tira sua alegria de viver, sua auto-estima, sua cidadania e sua saúde. Outra é uma doencinha que aproveita mal os alimentos, as vitaminas (...) e vai ter que tomar uma polivitamina profilática para o resto da vida (idem, p. 25).

Conclusão

Para os brasileiros, os diminutivos constituem um símbolo da aproximação, de intimidade. Resistir quem há-de ao convite para uma “cervejinha geladinha” (diga-se que deve estar quase no ponto de congelamento) ou para um “cafezinho fresquinho” (enganosamente “fresquinho”!); servem de advertência em expressões como “toma cuidadinho”, “trate direitinho”, quando emprestamos algum objeto, cuja intenção é mostrar o nosso apego por eles e advertir que os queremos de volta.

Se o diminutivo tem como função precípua a emotividade, nos usos lingüísticos do brasileiro ele pode servir para desviar o sentido ameaçador de certas palavras. Estão sempre desarmados para uma “prosinha”, para um “papinho”, que pode ir do papo-furado ao papo-cabeça, passando por uma “fofoquinha”, para incrementar o papo ou aliviar a tensão, mas nada de chamar para uma conversa, que soa e passa e ser compreendida como uma palavra ameaçadora... A palavra “corte”, pronunciada por um cirurgião, pode evocar no brasileiro o sentimento de dor; se atenuada para “cortezinho”, “operaçãozinha”, “cirurgiazinha”, a intervenção poderá ser de alto risco, mas ele não se sentirá ameaçado pelo perigo, porque a afetividade dessa linguagem vai passar pelas brechas da lógica e funcionar como um elemento atenuador.

Ameaçadora e altamente provocativa também é a expressão “queridinho”, que ao primeiro sinal da sua utilização deixa o brasileiro na retranca, de ouvido em pé, pronto para a revanche. Chamar o maridão de “queridinho” às vezes pode levar àquela situação em que a mulher não sabe por que está apanhando, mas o marido sabe perfeitamente por que está batendo! Amantes e namorados se tratam por “benzinho”, “amorzinho”, e ninguém discute a afetividade deste tratamento, mas é certo que subjaz a intenção de evitar conflitos na identificação, não correr o risco de errar o nome do parceiro. Neste campo semântico cabe a “escapadinha”, a “rapidinha”, o “sarrinho”, áreas de conhecimento que o brasileiro se orgulha de exercitar com competência em locais conhecidos pelos catarinenses por “instantinho”.

Há também a preferência por palavras enganadoras como “boquinha”, “gracinha”, “fezinha”, “coisinha”, “trenzinho”. Fazer uma “boquinha” não significa necessariamente que o brasileiro se comporte educadamente à mesa, pois ele pode surpreender batendo um colossal “pf”, e não se deve confundir com “o boquinha”, aquele visitante indesejado que bate ponto na sua casa sempre no horário das refeições. Diz-se que o Brasil é o maior país católico do mundo, e nisso não cabe dúvida, pois o brasileiro está sempre renovando a sua “fezinha” no número do cavalo do Santo Guerreiro! Se o falante não for mineiro, ao primeiro sinal da expressão “ó coisinha”, “ó trenzinho”, qualquer brasileiro reagirá negativamente pensando tratar-se de uma “gracinha”; se for mineiro, terá a certeza de que é alguém que o saúda de forma efusiva. Agora, “fazer gracinha” está mais para a ironia do que para qualquer outra manifestação, e ironizar não é coisa de brasileiro que se preze. Ele está mesmo ligado é nas “mentirinhas” e nas “pegadinhas” de mau gosto que os políticos aprontam a cada dia. Recentemente o governo federal deu aos servidores um aumento salarial de 0,01%, ao qual a imprensa classificou de “aumento de mentirinha”, que não ajudaria nem no “pãozinho” nem no “cafezinho”! Na linguagem usual entre crianças, entretanto, a expressão “mentirinha” leva conotação afetiva. Brincar de “mentirinha” é um jogo lúdico no qual elas colocam com muita seriedade suas expectativas profissionais (médico, professor, dentista e domésticas, entre outras).

Eu propus brincarmos de comidinha (...) Eu expliquei que a gente cozinha, faz as comidas (...). Se a comidinha é de verdade, a gente precisa arroz, toicinho (...) Se é de mentira, a gente tem que fingir. (MORLEY, 1963: 174)

Como se vê, o fato de “fingir” e de encenar uma circunstância particular recorrendo ao diminutivo é um expediente cultural, um conjunto de conhecimentos sociais e comportamentais que o brasileiro acolheu e assumiu como uma tradição, normas e valores, que utiliza com habilidade para guiar suas atitudes e não se expor de forma direta. Esta atitude permite que ele defina quem é, e quem pensa que é, preservando assim a sua auto-imagem, a imagem de homem cordial.

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