MARCAS DE ARGUMENTAÇÃO
EM PRODUÇÕES ESCRITAS,
IDENTIFICADAS POR LEITORES
DO ENSINO FUNDAMENTAL

Antonia Valdelice de Sousa (UFC)
Ana Cristina Pelosi Silva de Macedo (UFC)
Maria Elias Soares (UFC)

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, visamos apresentar os modelos que tratam de esclarecer o aprendizado da escrita de texto argumentativo, os textos argumentativos, o processo de negociação, as marcas de argumentação, os graus de argumentatividade, a retórica e uma visão geral da pesquisa sobre leitura e escrita. Entre as versões mais difundidas, estão os modelos de Schneuwly (1988), Dolz (1992), Golder & Coirier (1994), Boissinot (1992), Perelman (1997). Os modelos de Hyman (1977) e de Cavalcânti (1989), Ericsson & Simon (1987) tratam dos paradigmas metodológicos da pesquisa em Psicologia e do estudo do processamento. Portanto, dada a sua abrangência teórica e seu eminente nível de generalização, estes serão tomados como modelo geral subjacente aos processos adstritos à compreensão e produção de textos pelos sujeitos da pesquisa.

Pretendemos, destarte, discorrer sobre as propostas dos autores acima citados a respeito dos textos argumentativos e das marcas de argumentação nas produções escritas.

ARGUMENTATIVIDADE
REPRESENTAÇÃO PROTOTÍPICA
DO TEXTO ARGUMENTATIVO

Segundo Golder & Coirier (1994), podemos identificar os seguintes tipos de textos argumentativos, segundo o grau de argumentatividade, a saber: a) texto pré-argumentativo com grau 0: nenhuma afirmativa é feita (O muro de Berlim foi derrubado. O evento foi televisionado. O mundo todo foi informado) e grau 1: uma afirmativa é feita (Esportes coletivos são mais enriquecedores que esportes individuais. Existe uma larga variedade de esportes.) Alguns são específicos de certos países); b) texto minimamente argumentativo com grau 2 (grau 1 + apoio auto-centralizado): uma afirmação é feita e apoiada com um argumento auto-centralizado (Deveriam ensinar uma língua estrangeira nas escolas de primeiro grau. Isso fortaleceria os laços entre os países. Isso me permitiria encontrar pessoas de um país estrangeiro e falar com elas.), e grau 3: uma afirmação é feita apoiada por um argumento não-centralizado (É uma boa idéia oferecer aulas de direção aos dezesseis anos de idade. Isso permitiria que os jovens motoristas tivessem acesso a apólices de seguro mais baratas: eles também teriam menos acidentes.); c) texto argumentativo elaborado: grau 4: uma afirmativa é feita e apoiada com um argumento geral mais uma ou duas marcas de restrição (Muitos pais sentem que a televisão é má para os filhos. Ela informa sem exigir que eles pensem. Isso nem sempre é verdadeiro. Algumas vezes há documentários históricos ou científicos eminentemente instrutivos na TV.) e grau 5: uma afirmativa é feita e apoiada por um argumento geral mais uma marca de endosso de seu autor (Eu acho, eu sinto etc.), (Os donos de loja acham que a propaganda é inútil. Acredito que ela é altamente útil para o consultor. Muitas pessoas evitam fazer más compras através da prévia comparação de produtos, seus preços e características).

O processo de negociação
marcas de argumentação nas produções escritas

As marcas de argumentação nas produções escritas, conforme definidas por Golder & Coirier (1994), são: a) contra-argumentos: um argumento a favor de uma dada conclusão é apresentado como sendo mais forte que uma inicialmente apresentada a favor de uma conclusão oposta (conectivos concessivos e apositivos tais como mesmo se, contudo etc., são indicadores lingüísticos de contra-argumentação); b) formas prescritivas: que definem uma obrigação moral ou constitucional (não se deve, deve-se...) e formas axiológicas que expressem uma avaliação subjetiva de fatos ou um julgamento de valores (é bom, é estúpido); c) expressões de graus de certeza: aquele que fala indica o alcance de seu julgamento (talvez, certamente); d) endosso do locutor e expressão: o sujeito indica a fonte enunciativa de uma declaração e mantém alguma distância do próprio discurso ou está disposto a ser tido como responsável por ele (creio que, em minha opinião).

O TEXTO ARGUMENTATIVO E SUA ESTRUTURA

Segundo Van Dijk (1978), a superestrutura do texto argumentativo pode ser descrita com base em um esquema hierárquico (argumentação, justificativa, conclusão, marco, circunstância, pontos de partida, fatos, legitimidade e reforço), que relaciona uma justificativa e uma conclusão. A categoria justificativa é subdividida em várias outras de diferentes níveis. Há, ainda, a legitimidade que consiste numa regra geral que autoriza a conclusão que se afirma, podendo vir acompanhada de uma elucidação minuciosa dessa regra de legitimidade. O marco indica a situação ou contexto em que a regra legitimidade é válida. Os fatos indicam os argumentos em favor da conclusão.

Boissinot (1992: 38) assevera que o texto argumentativo caracteriza-se pela passagem de um estado inicial de pensamento (tese refutada) para um estado final de pensamento (tese proposta) mediante um processo de argumentação através do qual se apresenta um certo número de evidências (argumentos) que são suficientes para o convencimento do leitor. O autor deixa patente o caráter dinâmico e polêmico do texto argumentativo, isto é, o texto argumentativo ocupa o lugar do discurso contraditório sobre aquilo que é real, onde dois pontos de vista se cruzam exprimindo-se de modo mais ou menos claro, surgindo de um lado o argumentador e de outro, os detentores da tese que ele trata de refutar. Assim, o traço definidor do texto argumentativo passa a ser o seu caráter polêmico. Esse traço é justamente o que faz a distinção entre o texto argumentativo e o expositivo. Este último é caracterizado por ter seu ponto de vista unificado e por apresentar o desenvolvimento constante de um tema.

O texto argumentativo apresenta um modo de realização podendo variar de acordo com a estratégia argumentativa utilizada, produzindo, assim, vários tipos argumentativos, como por exemplo, o argumentativo de tendência dialógica, expositiva e demonstrativa. O primeiro coloca como plano essencial o aspecto polêmico da argumentação, manifestado através do contraste de diferentes “vozes” ou pontos de vista acerca de um tópico. O segundo, ainda que propondo uma tese, tem sua estruturação baseada numa progressão da informação. E, finalmente, o terceiro organiza-se segundo procedimento de raciocínio clássico, como a indução, a dedução e as analogias, de modo a se chegar à tese proposta.

NEGOCIAÇÃO: UM PROCESSO PRECOCE OU ATRASADO?

Dois pré-requisitos governam a produção do discurso argumentativo: a) a pessoa que fala deve compreender que o domínio argumentativo é controverso (somente se discutem coisas discutíveis), e b) ele ou ela devem querer estabelecer o argumento através do discurso (e não por estratégias persuasivas como suborno ou ameaças). A tentativa para modificar as representações de outra pessoa pela argumentação envolve a implementação de certos processos de texto. O termo texto não é usado para se referir à oposição oral/escrita ou à oposição diálogo/monólogo. Um texto é um discurso oral escrito contendo um número mínimo de declarações correlacionadas que formam uma estrutura total (retórica, macroestrutural etc.). Os dois mais importantes processos que sublinham a produção do texto argumentativo são os processos de apoio, que envolvem declarar uma ou mais razões para apoiar uma afirmativa (Apotheloz & Mieville, 1989; Coirier & Golder, 1993; Coquin & Coirier, 1992; Grize, 1990), e os processos de negociação, que envolvem fazer com que o ouvinte aceite aquelas razões. (Brassart, 1992; Coirier, 1991; Coirier, Coquin, Golder & Passerault, 1990; Espéret, Coirier, Coquin & Passerault, 1987; Golder, 1992a; Golder & Coirier, em publicação; Pièraut-Le Bonniec & Vallete, 1987). O processo de negociação pode ser levado a cabo de várias formas. Em uma situação de diálogo, ele pode ter sucesso simplesmente levando-se em conta o que diz o ouvinte (ver a noção de cooperação em Golder, 1992b). Em uma situação escrita (necessariamente um monólogo), assim como no diálogo oral, a negociação pode ser conseguida mantendo-se uma certa distância do próprio discurso (através do uso de marcas de endosso pessoal tais como ‘’eu penso’’ e "eu acredito") , usando-se argumentos "aceitáveis", isto é, os que são consistentes com o sistema de valores socialmente aceitos (Golder, 1992c; Miller, 1986, 1987), ou pela incorporação de argumentos opostos no próprio discurso (Brassart, 1988, 1992). Seja este um texto argumentativo formal (debate científico) ou um texto argumentativo natural (expressão de opiniões), a forma de negociação mais freqüente e regularmente observada consiste em endossar as declarações com formas tais como as mencionadas acima.

Golder e Coirier (1994: 190) ressaltam que o processo de negociação evolui ao longo de diversas dimensões em crianças de idades entre 3 e 14 anos: os muito jovens podem negociar, mas de forma inconsistente e apenas em certas situações. À medida que ficam mais velhas, as crianças começam a negociar sistematicamente. Como adolescentes, ao contrário dos mais jovens que só são capazes de levar em consideração um ouvinte presente, eles podem considerar sua audiência mesmo estando esta ausente. Finalmente, enquanto os argumentos das crianças muito jovens são baseados em seus próprios interesses pessoais, os das crianças mais velhas são baseados em valores sociais comuns.

O PROCESSO ARGUMENTATIVO ESCRITO

O discurso argumentativo elaborado só é dominado relativamente tarde. Existem diversas razões para as quais as crianças podem ter dificuldades em argumentar por escrito. Escrever requer não somente a mudança de uma situação de diálogo para uma de monólogo (é sempre mais fácil considerar a outra pessoa quando ele ou ela está presente), isso também requer a mudança de um texto não muito elaborado para um “texto estendido’’. A produção de tais textos envolve o uso de operações hierárquicas tais como o planejamento de idéias sem um modelo externo organizado (“organização auto-sustentada’’, McCutchen, 1987). Voss, Green, Post e Penner (1983) apontaram problemas adicionais, criados pela indefinição dos domínios argumentativos, tornando-os de difícil organização conceitual. Outra dificuldade importante é a necessidade de conduzir simultaneamente diversas operações (Bereiter, 1980; Hayes & Flower, 1980). Dessa forma, o simples pensar nos argumentos que o ouvinte pode vir a ter não é suficiente; eles devem ser incorporados no texto por meio de formas concessivas, e assim por diante. Neste caso, restrições de planejamento e transcrição interagem.

O resultado acima levou os autores a formular as seguintes hipóteses gerais: os obstáculos que as crianças encontram ao escrever textos argumentativos elaborados não existem num nível argumentativo básico (apoio, considerando o ouvinte numa situação de diálogo), porque os mínimos processos argumentativos são dominados em idade muito tenra. As dificuldades que surgem estão de fato relacionadas especificamente aos processos negociadores da argumentação. É também feita a hipótese de que o desenvolvimento deste processo com a idade é ligado às habilidades do escritor nos três domínios seguintes:

Habilidades de composição de texto, que incluem todas as operações tais como planejamento, criação de tópicos, e coesão, são necessárias para a composição de textos grandes e coerentes. Estas operações não são específicas para a escrita de textos argumentativos, mas devido à sua complexidade conceitual, coerência e coesão são realmente fatores muito cruciais, como mostram os resultados de McCutchen (1987).

Domínio de escritos específicos para situações de argumentação. Por analogia com as máximas conversacionais de Grice (1979), podemos propor (Charolles, 1980) um certo número de regras que são específicas para o discurso argumentativo e que refletem as inferências pragmáticas que podem ser feitas em situações onde a discussão é apropriada. Estas regras incluem a adesão daquele que conduz o discurso à opinião que está sendo defendida, a suposição deste de que o ouvinte é capaz de mudar de opinião, e assim por diante.

A representação prototípica do texto argumentativo. Como os estágios propostos por Botvin e Sutton-Smith (1977) para descrever o desenvolvimento nas crianças da estrutura narrativa usada para a produção de estórias, postulamos a existência de "estágios argumentativos", começando por um estágio de não-argumentação (o interlocutor não fornece argumentos de apoio, e pode até não fazer qualquer afirmação) e terminando em um estágio argumentativo elaborado (o interlocutor apóia e negocia suas declarações). As representações de textos argumentativos pelas crianças deveriam refletir seu desenvolvimento.

DEMONSTRAR, ARGUMENTAR, PERSUADIR

A nova retórica é o "estudo dos meios da argumentação, outros que estes retiram da lógica formal, que permitem a obtenção ou a ampliação da adesão do outro às teses que propomos" (Ch. Perelman e L. Olbrechts-Tyteca, "Nouvelle rhétorique-Logique et rhétorique", in L'homme et la rhétorique, p. 117). Se exclui a lógica formal, essa nova retórica recusa também a "sugestão pura e simples". Ela se define, então, por um duplo sistema de oposições, que faz intervir alternadamente os meios utilizados, a imagem do emissor e do público visado (Perelman fala de "auditório").

Da antiga à nova retórica

A tradição retórica e poética dominou a reflexão literária do século V. a. C até o século XIX. Ao longo desses séculos estabeleceu-se um cerrado aparelho conceitual em torno do fenômeno discursivo. Cada vez mais os estudiosos de literatura e das demais áreas do saber voltam sua atenção para esse gigantesco patrimônio que ficou relegado a segundo plano por quase dois séculos.

A retórica é uma arte (techne, em grego) que se dedica ao domínio do discurso em todos os seus níveis, tendo em vista obter-se uma maximização dos seus efeitos sobre o público. Ela foi dividida já na Grécia antiga em três modalidades ou gêneros, conforme o seu objeto, público e fim: a) retórica judicial (genus iudiciale, na terminologia latina); b) retórica deliberativa ou política (genus deliberativum); e c) retórica epidíctica ou demonstrativa (genus demonstrativum) em que elogia-se ou censura-se uma pessoa. A primeira modalidade tem o seu local privilegiado no tribunal; a segunda na ágora, a praça pública; a terceira em festas ou enterros. O tempo verbal da primeira é predominantemente o passado (julgam-se ações passadas); o da segunda é o futuro (delibera-se na ágora sobre ações futuras que deverão ser apreendidas); e o da terceira, o presente (o princípio da epidêixis é descritivo e visa à apresentação da pessoa elogiada ou censurada).

A retórica antiga distingue cinco etapas na produção de um discurso argumentativo. Chama-se invenção (conhecida pelo termo latino inventio) à etapa argumentativa que usa o pensamento na procura de argumentos pertinentes para o exame de uma causa. Nessa fase procuram-se os temas relacionados ao objeto que será exposto. Ao longo do tempo estabeleceram-se certos temas clássicos – chamados topoi ou loci, ou seja, locais – a partir de uma concepção espacial da memória como uma arquitetura composta de compartimentos que abrigam os diversos elementos do saber. Na Idade Média estabeleceu-se um conjunto básico de questões a serem respondidas no momento da invenção: quem, o que, onde, com que, por que, como, quando?;. Chama-se disposição (em grego taxis, em latim dispositio) à etapa textual. Uma vez criados os argumentos, estes são postos em ordem. Assim, por exemplo, o orador organiza a apresentação das suas idéias de acordo com diferentes estratégias de convencimento. Seu acento pode variar recaindo ou sobre as emoções mais fortes (visando a comoção, em latim: movere), ou sobre afetos mais amenos (atingindo o deleite, delectare), ou ainda sobre uma apresentação ordenada com base em argumentos racionais (princípio didático). O relevante é que haja uma adequação (aptum) entre o fim do orador, seu método, seu público e o objeto de seu discurso. Chama-se elocução (léxis, elocutio) à etapa lingüística. Depois de pensarmos numa argumentação, colocamo-la em palavras e em frases. A lingüística materializa a argumentação. Na teoria retórica clássica essa etapa corresponde à passagem (adequada) das idéias (res) para as palavras (verba) correspondentes. Essa é a parte da retórica que mais se desenvolveu na modernidade. Ela trata da teoria do estilo e da ornamentação da linguagem. Nesta, encontramos as descrições dos tropos e das figuras retóricas. Um discurso argumentado compreende mais duas etapas: a de memória que ocorre após a composição do discurso na elocução, o orador deve memorizá-lo. A teoria retórica desenvolveu uma complexa metodologia de memorização, a ars memoriae, mnemotécnica, que tem sido recuperada nas últimas décadas em inúmeros estudos acadêmicos e a de ação (hypocrisis, pronunciatio): finalmente o orador declama seu discurso. Faz parte da teoria pronunciatio uma doutrina tanto da entonação como também da linguagem corporal – gestual – do orador.

Os meios utilizados

Para definir o campo da argumentação, em comparação com o da demonstração, Perelman (1977) retoma as distinções de Aristóteles. Sabe-se que se Platão rejeitava a retórica, Aristóteles, ao contrário, reservava-lhe um espaço, admitindo, ao lado dos raciocínios analíticos, os raciocínios dialéticos.

O raciocínio analítico é aquele que, usando procedimentos lógicos como o silogismo, permite transferir de maneira incontestável a verdade das premissas sobre a conclusão. Impessoal e artificial, ela exclui ambigüidades. Ela visa estabelecer uma verdade.

O raciocínio dialético parte do que é aceito para admitir outras teses com ajuda de argumentos. Ele não é nem impessoal (seu valor depende da ação que exerce sobre o espírito da audiência), nem desprovido de ambigüidades, nem artificial. Na verdade, se uma única prova é suficiente para uma demonstração, uma argumentação precisa sempre de vários argumentos. O domínio do raciocínio dialético é o da opinião, ele trata do verossímil e não do verdadeiro. Perelman refere-se a isso como "lógica do preferível".

A argumentação surge, portanto, do raciocínio dialético e não do raciocínio analítico. Porém, argumentar não consiste em persuadir por qualquer meio e em obter uma persuasão irracional que joga com a vontade, mas sim em obter uma convicção racional, fazendo apelo ao entendimento. Vista assim, ela não pode ser reduzida às diversas formas de propaganda e de marketing comercial ou ideológico.

DESCRIÇÃO DA PESQUISA

A pesquisa que estamos propondo utilizará o método indutivo, em que a análise dos fenômenos observados avança das constatações particulares às leis e teorias, fazendo generalizações científicas cada vez mais abrangentes. Partiremos da observação do fenômeno particular das marcas de argumentação em textos argumentativos para chegar a generalizações sobre o papel dos julgamentos na escrita argumentativa.

De uma turma única de 53 alunos, na faixa etária de 12 a 15 anos, cursando a 8ª série do ensino fundamental de uma escola classe média alta particular de Fortaleza, selecionaremos aleatoriamente, para análise, os textos base (contendo contra-argumentos, endosso do autor e as duas marcas de argumentação simultaneamente, perfazendo um total de 120 textos) lidos de 40 alunos proficientes, assim classificados com base nos resultados do teste close.

A opção por essa turma se dá por três motivos, a saber: a) por ser composta de alunos, que estão na mesma turma (da pré-escola à 8ª série); b) por ser considerada “turma especial ou olímpica” (onde se reúnem os “melhores” alunos), o que facilitaria a aplicação de nossas tarefas experimentais; c) por acreditarmos que, nessa fase, supõe-se que o aluno leitor já tenha desenvolvido o hábito de leitura o suficiente para ler livros e artigos e, em seguida, elaborar seu próprio discurso sobre o conteúdo lido.

MATERIAL

O material analisado constará de três textos escritos, selecionados com base nos seguintes critérios: a) textos argumentativos, cujo conteúdo, nível de complexidade, extensão e organização global nos pareçam mais adequados aos propósitos da nossa pesquisa; b) textos de interesse e mais familiares aos sujeitos da pesquisa; c) textos que apresentem apenas as marcas de contra-argumentos; d) textos que apresentem apenas as marcas de endosso do autor; e) textos que apresentem as duas marcas de argumentação simultaneamente.

Na situação de leitura e produção usaremos textos impressos. Além disso, utilizaremos apenas papel e lápis ou caneta, material usado em situações normais de produção na escola.

PROCEDIMENTO

Procuraremos explicitar as características do processo de pesquisa e da coleta de dados, dividindo-as nas três etapas, descritas abaixo:

A primeira etapa pretende selecionar textos e verificar se os instrumentos são adequados para testar a validade das hipóteses.

No tocante ao experimento, os sujeitos terão uma aula expositiva acerca de tipos e gêneros textuais e de várias marcas de argumentação.

A segunda etapa pretende avaliar a compreensão de marcas de argumentação, por leitores do ensino fundamental como medida de habilidade leitora avaliada através da Técnica do Cloze separando leitores proficientes e não proficientes.

A terceira etapa procurará avaliar o desempenho dos sujeitos em relação às marcas de argumentação que indiquem contra-argumentos e endosso do autor, identificadas a partir da leitura de textos base. Nesta, aplicaremos os testes com todos os alunos, mas para fins de formalização, pois analisaremos apenas os textos de leitores independentes e instrutivos.

Os sujeitos realizarão três tarefas experimentais para avaliar as marcas de argumentação nas produções escritas, a saber: 1) leitura de um texto base argumentativo que apresenta apenas contra-argumentos, a tarefa do sujeito será identificar as marcas de argumentação em cada tipo de texto; 2) leitura de um texto base argumentativo elaborado apresentando somente marca de endosso do autor; 3) leitura de um texto base contendo as duas marcas de argumentação.

Para cada uma destas tarefas, três textos base serão gerados. Cada texto constará de um tema diferente e sempre familiar aos sujeitos da pesquisa.

Solicitaremos que os alunos leiam os três textos (o primeiro, com apenas contra-argumentos; o segundo, com endosso do autor e o terceiro, contendo as duas marcas de argumentação simultaneamente) separadamente e os classifiquem em uma das duas marcas de argumentação. Os textos serão aplicados e coletados em situação escolar. O tempo permitido será de 45 (quarenta e cinco) minutos.

Ressaltaremos o fato de que o objetivo e as estruturas de texto são diferentes para cada tarefa. Durante a realização das tarefas, a pesquisadora não interferirá com indagações ou adendos que possam alterar o curso da produção escrita e, conseqüentemente, o processo de planejamento que o aluno leitor desenvolverá naquele momento. Eventuais interferências só ocorrerão caso os sujeitos indaguem acerca da apresentação dos procedimentos.

Para seleção dos textos do experimento, vários textos argumentativos serão coletados em livros, revistas e jornais. Após a avaliação inicial, selecionaremos três textos argumentativos. Finalmente, optaremos por um texto com marcas de contra-argumentos, um texto argumentativo com marcas de endosso do autor e um texto contemplando as duas marcas.

Os textos base serão lidos pelos sujeitos, numa mesma semana, em horários de aula da disciplina de Língua Portuguesa, sob orientação das condições de tarefa segundo os procedimentos tradicionais e previamente informados sobre o escopo de nossa pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os autores até aqui discutidos, contribuíram para a reflexão do tema acerca da argumentação. No entanto, não reuniram critérios suficientes para definir e elucidar as marcas de argumentação deixando em aberto uma lacuna a ser preenchida por investigações mais sistemáticas e profundas desse fenômeno.

Esclarece Sousa (2003) que o ensino de textos argumentativos deve ser ensinado logo no limiar da pré-escola, pois possibilitará o aumento da capacidade argumentativa. É essencial ensinar ao aluno a ler e a produzir textos. Além disso, o aluno deve, logo no limiar da escolarização, entrar em contato com vários gêneros e tipos de textos, pois, nesse processo, aprenderão também a argumentar e adquirirão melhor capacidade de comunicação.

A opção pelas marcas de argumentação (contra-argumentos e endosso do autor) se dá não só pelo fato de acreditarmos que os alunos são capazes de dominar o discurso argumentativo elaborado, mas principalmente por acreditarmos na possível aplicação de implementação didática acerca dessas marcas em contextos teórico-metodológicos, que venham suprir a lacuna existente possibilitando, portanto, que os alunos dominem e sejam capazes de exercitá-las desde cedo e de forma eficaz.

Contudo, parece que situações argumentativas são experimentadas bem antes que as crianças sejam capazes de fazer inferências a partir de um texto de situações argumentativas. Mas o decréscimo do grau de argumentação percebida quando os textos contêm uma marca de negociação (contra-argumentos) novamente lança dúvidas quanto à interpretação de que a escrita de um texto argumentativo (negociatório) esteja baseada em um modelo da superestrutura argumentativa (para ser considerado argumentativo, um texto deve expressar certeza por parte de quem o escreve). Esta interpretação só é possível para os alunos de 15 a 16 anos, que já percebem nos textos negociatórios um certo grau de argumentatividade.

Uma argumentação "elaborada" parece ser um comportamento lingüístico complexo, com componentes inter-relacionados. Tal informação só será parcialmente confirmada pela análise de regressão múltipla: a argumentação elaborada será relacionada principalmente com a tarefa de julgamento argumentativo, e em menor grau, com a tarefa de inferência de situação argumentativa. Essa correlação parece não existir para as crianças mais jovens, mas só poderemos ratificar isso após as nossas análises.

Finalmente, a existência de instrumentos metodológicos e a implementação didática acerca de produção de textos argumentativos possibilitam a explicitação e elucidação dos processos envolvidos na aquisição e desenvolvimento da produção destes textos e das marcas de argumentação, com um modelo da superestrutura argumentativa (expressando certeza por parte de quem escreve). Mas as nossas hipóteses só serão confirmadas, a partir da evidência advinda de nossas próprias análises, ainda em andamento.

Vale lembrar também que a maior parte destes estudos foi realizada em inglês e francês, o que, por si só, já motiva a pesquisa em outras línguas.

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