A linguagem poética de Laurindo Rabelo

Maria Isaura Rodrigues Pinto (UERJ-FFP)

 

Introdução

O presente trabalho tem o propósito de realizar um estudo de temas e de dados característicos do estilo de Laurindo Rabelo. Restringe-se à análise estilística e interpretativa de aspectos temáticos recorrentes. O método a ser empregado consiste na pesquisa de certas peculiaridades, de certos elementos expressivos, responsáveis por um conjunto de imagens que compõe a atmosfera poética, no caso, o instrumental lingüístico-metafórico: os signos do fechamento e do definhar, os referentes luminosos: presença e ausência de luz, a obsedante presença da cor negra, o lúgubre e a transfiguração alegórica do doloroso existir do eu lírico. Para abordagem dos temas, o procedimento a ser utilizado é o de indicar-lhes a incidência e analisar as constelações semânticas que gravitam em torno da idéia de “dor”; acrescentando interpretações não definitivas, já que cada obra constitui uma fonte inesgotável de leituras.

O estudo busca ainda relacionar as explicações das ocorrências temáticas com o contexto do Romantismo e investigar a utilização de determinados recursos poéticos de natureza subjetiva que marcam e expressam a emoção lírica.

 

Poeta eleito versus poeta inspirado pela dor

Vate não sou, mortais: bem o conheço;
Meus versos, pela dor são inspirados,
Nem são versos, menti..., são ais sentidos
Às vezes sem querer, d´alma exalados.

(p. 90)

Os versos acima, utilizados como epígrafe na abertura do livro Poesias completas, de Laurindo Rabelo, deixam, claramente, evidenciada a posição do eu lírico de negar para si a condição de vate, o que permite apontar questões básicas acerca da produção poética do autor. A alusão à figura do vate remete às poesias iniciais do livro Suspiros poéticos e saudades, de Gonçalves de Magalhães, denominadas: “Invocação ao anjo da poesia” (p. 49-59) e “O vate” (p. 60-66), em que fica delineado o perfil do vate: poeta eleito, missionário, cujo interior é habitado por um anjo que observa as coisas do mundo e as canta, no seu exercício poético com função moralizante e pedagógica. O sujeito lírico, em Rabelo, posiciona-se, antes, como um poeta inspirado por condições humanas conflitantes e dolorosas que geram um estado de dilacerante angústia. O desajuste com o mundo é a fonte de seu universo poético, por isso seus versos são ais sentidos, são gemidos, são frutos da dor, transfigurados em arte.

Nessa perspectiva, a poesia surge como transformação, em linguagem, dos sentimentos, das emoções e das sensações de um eu diante de uma realidade adversa, restando-lhe apenas, como alternativa, o caminho da evasão, da vivência íntima, com imagens nascidas desse conflito, num mecanismo de autodefesa.

A expressão poética dessa tensão se realiza por meio de uma linguagem essencialmente emotiva. Centrada no enunciador, ela revela um dado consubstancial do Romantismo: o individualismo. Essa tendência romântica pode ser entendida como uma forma de resistência à ação despersonificadora da vida que, destituindo os homens de seus valores individuais, transforma-os numa massa anônima.

Os dados emocionais ocupam o primeiro plano nos poemas de Rabelo. Favorecendo a definição de uma constante intimista, deixam aflorar uma visão negativa da vida, estampada na tristeza, no desencanto e no tédio de viver. Essa atitude de pessimismo, configuradora de um impasse irresolvível com a vida, é emblemática do que se convencionou chamar de segunda geração romântica ou geração do Ultra-Romantismo:

Um pouco ao contrário da primeira geração, mais afirmativa e positiva, a segunda mergulhou no mais completo pessimismo, como se estivesse a corporificar, nos trópicos, aqueles desajustes que tomaram conta dos românticos europeus desiludidos com os descaminhos da Revolução Francesa (CITELLI, 1986: 56).

Em Laurindo, reina uma artmosfera nebulosa, povoada de sombras em que os contornos do mundo se diluem na imprecisão das trevas e os aspectos cromáticos se obscurecem na negrura de uma visão distorcida por grandes dores.Trata-se da representação de uma vivência interior, de vôos imaginativos e de um modo peculiar de apreender a realidade circundante. A escritura é um exercício da emoção, afirmando o mistério da vida num existir obscuro, destituído de vitalidade.

Dentro dessa linha, o poema “O que são meus versos?” (p. 9-10) exibe um trabalho de confronto entre o que se coloca, de forma hipotética – o conceito de vate – e a realidade poética do eu lírico. As imagens expressas, nas três primeiras estrofes, em que se vê traçado um possível perfil do vate, e as imagens subseqüentes, em que a voz central do poema traça o seu próprio perfil, relacionam-se semanticamente numa correspondência antitética caracterizadora. Veja-se, a seguir, como se efetua essa relação:

VATE

– Possui inspiração divina:

Se é vate quem acesa a fantasia

Tem da divina luz na chama eterna (v.1-2)

 

– Mantém com o mundo uma relação de governo e dinamismo através dos poemas que cria:

Se é vate quem do mundo o movimento

C´o movimento das canções governa (v.3-4)

 

– Traz na alma fontes de ternura:

Se é vate quem tem n`alma sempre abertas

Doces, límpidas fontes de ternura (v.5-6)

 

– Presença positiva do amor:

Veladas por amor, onde se miram

As faces de querida formosura (v.7-8)

 

– Goza de prestígio e influencia, emocionalmente, o povo quando fala:

Se é vate quem dos povos, quando fala,

As paixões vivifica, excita o pasmo (v.11-12)

 

– É aclamado e consagrado:

E da glória recebe sobre a arena

As palmas, que lhe of´rece o entusiasmo (v. 11e 12)

O EU LÍRICO na poesia de Rabelo

– Tem a dor como fonte de inspiração:

Eu triste, cujo fraco pensamento

Do desgosto gelou fatal quebranto (v.13-14)

 

– Em seu mundo íntimo, reina o estaticismo e o desalento:

Que, de tanto gemer desfalecido

Nem sequer movo os ecos com meu canto (v.15-16)

 

– Traz na alma fontes de agonia:

Eu triste, que só tenho abertas n`alma

Envenenadas fontes de d`agonia (v.17-18)

 

– Presença negativa do amor:

Malditas por amor, a quem nem sombra

De amiga formosura o céu confia ( v.19-20)

 

– Excluído socialmente, torna-se um ser solitário e introspectivo:

Eu triste, que, dos homens desprezado

Só entregue a meu mal, quase em delírio (v.21-22)

– Recebe o estigma da dor:

Ator no palco estreito da desgraça

Só espero a coroa do martírio (v.23-24)

Os versos citados, construídos a partir do paralelismo anafórico Se é vate quem ... e Eu triste... deixam nitidamente evidenciada a idéia de oposição entre a existência gloriosa do vate e a existência desvalida do eu lírico nos poemas de Rabelo.


 

Imagens do fechamento e do definhar

No metapoema “O que são meus versos”, já na primeira leitura, chama atenção as metáforas ator no palco estreito da desgraça (v. 23) e planta mirrada (v. 40). Tais expressões metafóricas, que funcionam, na obra, como configurações simbólicas de dor e morte, constituem núcleos imagéticos, constantemente, retomados em outros poemas. A primeira metáfora expressa a idéia de fechamento: o eu lírico preso a um fatalismo opressor, debate-se inutilmente: prisioneiro do sofrimento, pena isolado em sua cela de dor (palco estreito) e, sem ver a luz, sem felicidade, definha em meio ao drama do qual é ator principal; a segunda metáfora, por seu turno, evidencia o resultado do processo de definhar: a vida murchou, secou, sob a ação exterminadora da dor.

O conteúdo significativo dessas metáforas traduz um grande ceticismo que é reiterado com o emprego de outras metáforas que lhe são correlatas e pelo uso obsessivo de termos pertencentes à área semântica da cor negra.

Como imagens do fechamento e do definhar, tomam-se, aqui, todos os correlatos semânticos ligados à “dor” (fechamento) e à “morte” (definhar). No poema “Estragos de Amor” (p. 23, XI estrofe) a experiência é associada a um fruto seco:

Ergue a planta a fronte altiva
Mas de tristonha aparência;
Folha, tronco, é toda luto
Tem mirrado raro fruto;
Esse fruto – é a experiência –

Ocorre, ao longo desse poema, um acúmulo de signos do fechamento e do definhar, pois nele também a imagística do autor expressa as idéias de dor e de morte. Como se pode observar, as metáforas relacionam-se com o reino vegetal, com uma natureza sem vida, escura e sombria. Tais motivos são retomados, a cada passo, e recursos metafóricos semelhantes são utilizados para traduzi-los. Veja-se, a propósito, o exemplo abaixo, extraído do poema “Adeus ao mundo” (p. 39):

Desgraçado de mim! ... Talvez bem cedo
Longe de mãe, de irmãos, longe da pátria
Tenha de me finar ... Ramo perdido
Do tronco que a gerou, e arremessado
Por mão de Gênio mau à plaga alheia,
Mirrarei esquecido!

Ainda nessa perspectiva, se se fizer um levantamento de termos e expressões que conduzem o poema “No álbum duma senhora”, serão encontradas as seguintes construções: traço negro incerto, seu nome escuro, os negrumes do luto, solo mortuário; que giram em torno da cor negra e, obsessivamente, repetem os temas de dor e de morte. Observem-se ainda os seguintes versos da V estrofe:

Sobre ele verta virgem uma lágrima
Do pranto celeste,
Que talvez se desbotem os negrumes
Do luto que o reveste.

A utilização de um vocabulário de matiz escuro e negro, associado a signos que expressam as idéias de aprisionamento e de consumição não é um recurso estilístico original, contudo em Laurindo Rabelo, esse procedimento, rico de conteúdos emocionais, expressa um profundo e singular sentido de tragicidade existencial – divórcio entre o sujeito lírico e o mundo. Empregado com persistência, sem grandes variações, num ritmo monocórdio, tal recurso fixa e enfatiza os referidos temas, bem como denuncia certa restrição e constância no campo imagístico.

 

Da luz às trevas

O poema “O meu segredo” apresenta uma espécie de síntese da visão do eu lírico. Nele, fica explicitada sua travessia do plano da luz para o plano das trevas. Tem-se aí configurado, simbolicamente, o seu posicionamento íntimo diante de um destino cruel. Torna-se, portanto, indispensável analisá-lo para melhor compreensão do processo poético e conseqüente interpretação dos aspectos estilístico-temáticos.

O que salta logo à vista, durante a leitura do poema, é a oposição entre dois tempos: o tempo da luz versus o tempo das trevas. O tempo da luz é o tempo da infância, ele é anterior ao aparecimento do gênio do mal, que funciona como agente implacável de mudanças dolorosas; o tempo das trevas é o que tem início com o seu surgimento. Os versos abaixo (p. 11) anunciam a chegada do anjo maligno, figuração simbólica da infelicidade:

Mandado do inferno
Por ímpio destino
Um Gênio mali`no
No berço me viu –
E após um instante
Haver-me encarado
Com gesto irritado,
O Gênio – o meu fado
Traçando – sorriu.

Na estrofe acima, o Gênio é apresentado como instrumento de desgraça do eu poético, cuja vida se torna tenebrosa e sombria, a partir da fatídica anunciação.

A mudança do padrão rítmico, ditado pela passagem dos versos para redondilha menor, pode ser considerada como um indicativo da transformação que ocorrerá. A diminuição do número de sílabas dos versos ratifica a idéia de fechamento – o eu lírico encontra-se aprisionado, acuado. A estrofe seguinte mostra o início do tempo de trevas (p. 11):

Sorriu... e mudados
No mesmo momento
Que o Gênio cruento,
Cruento me viu
Em negra tristeza,
Meus gostos findaram;
Meus lábios murcharam;
Meus ais começaram;
Meu pranto caiu.

Ao trazer consigo a tristeza, o anjo do inferno desencadeia um processo de fechamento: o eu lírico torna-se escravo do fatalismo e um processo de definhamento se instala. Ele vê perdida a alegria pura da infância, que, como um vegetal murcha, seca:

No peito inda verde
Secou-se a ventura
Daquela fé pura
Que a infância nos dá;
No espelho onde via
Em êxtase santo
Os risos, o encanto,
De um mundo que há tanto
Não sei onde está.

(p. 11)

Como ocorre, freqüentemente, nos contos infantis, uma força misteriosa intervém em sua vida: sua existência é assinalada, torna-se um ser predestinado. Mas o sofrimento estabelece uma relação direta com o ato criativo – atua como elemento catalisador do poético. O eu lírico debate-se entre forças contrárias: de um lado, o anjo do extermínio promove o infortúnio, o definhar, o declínio, o mergulho nas trevas; de outro, o gênio criativo – erguido pelo sofrimento – instala-se no seu interior e, fazendo brotar o poético, assegura-lhe a imortalidade. Inspirado pela dor, ele alcançará a redenção no término da jornada, quando será resgatado pelo gênio altivo que, através da fama, vencerá a morte, tornando-o um imortal. É o que alegoriza, de forma expressiva, a seguinte passagem do poema “O gênio e a morte” (p. 18), III parte:

Tudo no mundo expira:
Só sobranceiro à lousa o Gênio altivo
Nos vôos acompanha a eternidade!
Soberbo em seu poder persegue a morte,
E consegue vencê-la,
Mil vítimas lhe arranca
E da imortalidade nos altares
As mostra coroadas
Em vão do manto esquálido
A bárbara sacode o voraz verme
No cadáver do sábio;
Lá desce o Gênio intrépido,
Em vão as frias cinzas lhe arremessa
Nos abismos do olvido;
E, ao lume da lanterna da memória,
Ajunta as cinzas, sopra o fogo santo
Da santa poesia,
O sábio ressuscita e pasma o mundo!

Retomando o poema “O meu segredo” (p. 10-16), observa-se que, depois do relato de como se deu a chegada do anjo mau, ocorre um recuo temporal que traz à tona o tempo perdido da infância com seus momentos fugazes e pormenores significativos que o eu lírico, menino, descobria e contemplava. Na representação desse tempo de encantamento o que parece, realmente, interessar é contar o que se via e se ouvia nessa época, bem como mostrar as repercussões íntimas que isso causava:


 

 

Em dita tão pura

Minh´alma exultava,

E quando alcançava

Sabia explicar;

Que, além de dar crença

A tudo que ouvia,

Por certa magia

As coisas que via

Sentia falar.

 

Se às vezes tentava

Brincar com as flores,

Revendo os lavores

De um vasto jardim,

A brisa me dava,

No trânsito leve,

Um cântico breve

Escrito na neve

De um casto jasmim.

Fugaz borboleta

Nas asas de ouro

Imenso tesouro

Deixava-se ver;

E, qual um avaro,

Sedento, inquieto,

Com ardido afeto

Atrás do inseto

Me punha a correr.

 

Qual boca de ninfa

Há pouco desperta,

Se rosa entreaberta

Prendia louçã,

Segredos da infância

A flor me contava,

Q´eu só escutava,

E, rindo exclamava:

— Tu és minha irmã!...

(p. 1 1-12)

Na infância, os sentidos do eu lírico se integravam às coisas do mundo natural através das sensações. Ele contemplava a natureza com carinho, aguçava os sentidos e era capaz de, ouvindo-lhe a voz secreta, entrar em comunhão com ela. Assim é que o tempo de encantamento apresenta uma atmosfera serena, luminosa, clara; determinada por um vocabulário baseado em tons claros e brilhantes: neve, ouro, tesouro; por um conjunto de adjetivos e substantivos de conotação leve, serena e fluida: pura, brisa, leve, casto, fugaz, asas e por um sistema imagético no qual se utilizam, como termos ideais, elementos da natureza: flores, brisa, borboleta, inseto, rosa. O efeito, obtido a partir da combinação desses recursos, é o da harmonia de um universo acolhedor.

As estrofes a seguir (p. 12-13), intermediárias às estrofes anteriormente transcritas, contrastam em conteúdo com elas. Tem-se aqui configurada a transição: o eu lírico transforma-se e passa a ver a natureza com outra visão. O olhar metamorfoseado empresta ao oceano um sentido negativo. Dessa forma, o mar vem representar as turbulências emocionais e afetivas por que passa o sujeito:

À vista do oceano,
Imenso, ruidoso,
Que quadro assombroso
Fez meu ideal!...
Em êxtase, longo
Vi nele espantado,
Rugindo deitado
Um monstro azulado
D´enorme cristal.
Em crua e constante,
Horríssona guerra,
In´migo da terra,
Pintou-se-me o mar —
Que fero co´as ondas
Na praia batia,
E aflito bramia,
Porque não podia
A praia arredar.

A alteração sensível da atmosfera pode ser sentida, principalmente, em três aspectos lingüísticos: no cromatismo vocabular — ocorre uma intensificação das cores, as imagens revelam a perda da luminosidade e um declínio das tonalidades. O ambiente deixa de ser claro, sereno e luminoso (quando assombroso, monstro azulado); no dinamismo agressivo dos verbos, que infiltram no poema um tom de inquietação e de ameaça (rugindo, batia, bramia) e no emprego de adjetivos de conotação agressiva e ameaçadora (imenso, ruidoso, assombroso, espantado, horríssona).

Cumpre-se, assim, a primeira profecia do gênio do mal: a felicidade míngua, murcha como vegetal sem seiva, a crença nas coisas do mundo desaparece, os horizontes se estreitam, a luz se dispersa:

Mas esse tempo de encantos,
Que nunca julguei ter fim,
Não é hoje para mim
Mais que morta e seca flor!...
Do gênio mau completou-se
A primeira profecia:
Era o que o Gênio dizia
No seu riso mofador.

(p. 13)

Desfeito o liame que existia entre a natureza e o eu lírico, este já não é capaz de ouvi-la e compreendê-la, angustiado, sente-se um estranho num mundo desconhecido. A imagem do exilado acentua o clima de solidão:

A natureza calou-se
Desde que o Gênio me viu
Minha alma inteira sentiu
Repentina mutação,
Dei por mim em terra estranha;
Tive novos pensamentos;
Tive novos sentimentos;
Criei novo coração.

(p. 13)

Concretizada a primeira profecia, instala-se, logo a seguir, um outro momento doloroso. O novo estágio da travessia é o do irresolvível dilema amoroso:

Tinha a visão tal encanto
Que, ao vê-la, absorto fiquei;
Tanto, que não escutei
O profundo soluçar
Da inocência, que, sentindo
Da paixão a ardente calma,
Abraçada com minh´alma
Se despedia a chorar.
.......................................
Mas foi-se o tempo de risos
Da minha feliz loucura!...
Libei o fel da amargura
No mel de um beijo traidor!...

(p. 14)

Os versos acima transcritos revelam uma visão amorosa calcada na frustração. Nesse contexto de não-correspondência do amor, o anjo maligno representa a inexorável força do destino que, agindo contra o eu lírico, impede-o de ser feliz e lança-o na solidão.

Com a traição da mulher amada, concretiza-se a segunda profecia:

Do Gênio mau completou-se
A segunda profecia
Era o que o gênio dizia
No seu riso mofador.

Dessa profunda chaga resta ainda
Dorida cicatriz a mão do tempo
Talvez cure-a por fim; mas não tão cedo.
Que inda verte de si pútrido sangue
Se a magoam cruéis reminiscências
De quadra tão feliz.

(p. 14)

Enquadra-se o fazer poético de Rabelo no esquema romântico do amor impossível: o encontro amoroso não se realiza, pois o amor ideal, bom, puro e transcendente não cabe nos limites do mundo imperfeito.

Também a questão da extrema valorização das emoções, um outro ponto de identificação do Romantismo, encontra perfeita repercussão na obra de Rabelo e como conseqüência desse modo poético de compor, surge uma linguagem impregnada de impressões subjetivas, alegoricamente, ornada com a presença de fantasmagorias.

A carga de emoção angustiante é direcionada para o término do poema em que o eu lírico sintetiza sua trajetória de dor, enumerando suas perdas. Seu existir é colocado como um amontoado de sucessivas desilusões. Nele, a felicidade, efêmera quimera, só por breve tempo, antecedeu o tédio e a desgraça:

E desde então existo, mas não vivo;
Só tenho sentimento
Nesse elo fatal por onde a vida
Se prende ao sofrimento.
Vi na infância relâmpago afogado
Em negra escuridão;
De amor nas breves ditas vil mentira,
Na glória uma ilusão.

(p. 16)

 

Considerações finais

A produção poética de Laurindo Rabelo está vinculada à vertente romântica que, convencionalmente, se denomina de Ultra-Romantismo; nessa esteira, mantém uma concepção extremamente cética da vida, expressão de um romantismo desencantado e dramático que descamba para a exaltação do imobilismo, do saudosismo e da morte. Embora a obra esteja repleta de esquemas românticos, estes se realizam de forma peculiar, através de uma linguagem rica de recursos metafóricos e conteúdos emocionais ímpares.

O visualismo freqüente revela que a emoção poética vem, sobremodo, através da sensação visual do mundo, que o eu lírico capta por meio de uma óptica subjetiva. Essa captação artístico-imagística resulta na expressão tensa de sentimentos e visões pessoais que têm como suporte básico o metaforismo do anjo mau, anunciador de desgraças. O senso de mistério, o sonho ou pesadelo e as visões são aspectos que sobressaem em sua obra. As imagens obsessivas do fechamento e do definhar traduzem as relações conflituosas entre o eu lírico e o mundo, falam das agruras do seu existir.

 

Referências bibliográficas

CARA, Salete de Almeida. A poesia lírica. São Paulo: Ática, 1986.

CITELLI, Adilson. Romantismo. São Paulo: Ática, 1986.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura e linguagem: a obra literária e a expressão lingüística. São Paulo: Quíron, 1986.

MAGALHÃES, Domingos José Gonçalves de. Suspiros poéticos e saudades. Brasília: Universidade de Brasília; Instituto Nacional do Livro, 1986.

RABELO, Laurindo. Poesias completas de Laurindo Rabelo. Rio de Janeiro: Ediouro, [s/d.].

 


 

 

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