COMPROMISSO OU PROGRAMA?
A CONSTRUÇÃO DO ENUNCIADOR
NO CONTRATO DE COMUNICAÇÃO
EM ANÚNCIOS PARA RELAÇÃO AMOROSA OU SEXUAL

Wagner Alexandre dos Santos Costa (UFF)
Lucineide Lima de Paulo (UFF)

 

INTRODUÇÃO

Os jornais publicam um determinado grupo de anúncios, conhecidos por “classificados”, cujo objetivo é ofertar algum tipo de produto. Na maioria das situações em que ocorrem tais anúncios, anunciante e produto são elementos distintos. Mas há um caso singular em que a figura do anunciante se confunde com a do anunciado: é quando, nessa situação comunicativa, uma pessoa anuncia-se a si mesma em busca de um parceiro para relacionamento sexual. Neste caso, a palavra anunciante significa, ao mesmo tempo, aquele que anuncia e o responsável pelo produto/serviço.

Aquele que se anuncia procura construir uma imagem de si próprio, atribuindo-se algumas características específicas. Então, nos anúncios eróticos, alvo desta pesquisa, a pessoa que fornece o produto é também o próprio produto.

Para construir sua própria imagem no curto espaço de que dispõe no anúncio, o anunciante utiliza amplamente a adjetivação, aqui entendida como recurso persuasivo, por meio da qual não apenas se caracteriza, mas também se qualifica, apresentando a mercadoria para o seu interlocutor.

A utilização da função adjetiva constitui nosso objetivo de pesquisa, uma vez que nos propomos a analisar como ocorre a construção do EU enunciador nesse tipo de contrato de comunicação (“anúncios eróticos”), segundo o modelo proposto por Patrick Charaudeau (1996: 5), tendo em vista que a construção do EUe é, neste caso, simultaneamente, uma descrição do ELE (produto).

Optamos, neste trabalho, pela semiolingüística do discurso como nosso aparato teórico basilar, pois seus conceitos permitem abarcar uma análise que considere tanto o lingüístico quanto o situacional. O corpus corresponde ao gênero anúncio publicitário.

Assim, foram analisados 42 anúncios, retirados dos jornais O Dia e O Globo dos dias 19, 20, 21 e 26, 27 e 28 de maio de 2005.

 

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

A Semiolingüística

A Teoria semiolingüística apresenta, para explicar o relacionamento entre as pessoas que compõem o quadro comunicativo, o “Contrato de Comunicação”. Segundo Charaudeau (1996), o ato de linguagem envolve dois circuitos, um externo e um interno. O circuito externo seria o lugar do fazer, onde haveria sujeitos psicossociais, isto é, os seres da ação. Já o circuito interno seria o lugar do dizer, onde haveria sujeitos da palavra, do discurso, isto é, os seres da fala. Por conseguinte, teríamos um duplo EU e um duplo TU. A teoria denomina esses seres do fazer de EU comunicante (EUc) e TU interpretante (TUi) e os seres do dizer de EU enunciador (EUe) e TU destinatário (TUd). Eis os circuitos:

Aplicando esses circuitos à análise dos classificados eróticos, tem-se o seguinte quadro:

 

 

em que o ELE (produto) passa a ser representado por EUp (eu-produto), objeto da troca. Dessa forma, o EUc fabrica uma imagem de si mesmo na figura do EUe. Ele idealiza, também, por hipótese, a imagem do TUd, que é o leitor do jornal a quem se destina o anúncio.

 

Adjetivo/Adjetivação

O adjetivo é a espécie de palavra que serve para caracterizar os seres ou objetos nomeados pelo substantivo, indicando-lhes uma qualidade (ou defeito), o modo de ser, o aspecto ou aparência e, ainda, o estado.

Os manuais tradicionais de gramática da língua portuguesa apresentam as categorias de substantivo e adjetivo separadamente. No entanto, nem sempre a distinção é tão harmoniosa, pois, tanto os adjetivos podem assumir o caráter de substantivo (daí o fato de poderem vir acompanhados de um determinante qualquer: o, um, tal...), como também o substantivo pode passar à categoria de adjetivo, quando se relaciona com outro substantivo, passando, pois, a ser modificador, e, por conseguinte, funcionar como adjetivo.

Assim a adjetivação, segundo Carneiro (2003: 256), pode assumir várias formas: adjetivo, locução adjetiva, oração adjetiva, sufixação, além de substantivo.

Os tipos de adjetivos

As qualificações

O falante pode atribuir aos substantivos qualidades, que são traços dependentes de suas opiniões sobre o objeto adjetivado ou, conforme o anúncio abaixo, a pessoa. Assim: rostinho em-cantador, corpo escu-ltural, lindíssima. Exemplo[1]:

LETÍCIA (IPANEMA) lindíssima loirinha, rostinho encantador s/usa completíssima. Ana Carla morenaça corpo escultural, brincando juntas, satisfazendo fantasias , s/frescuras. R$80,00 (0xx21)8768-9985

 

2.2.1.2 As características

O falante pode atribuir aos substantivos traços inerentes a essas realidades repre-sentadas pelos substan-tivos, como sua cor, sua forma, sua dimensão, sua posição, seu ma-terial etc. Por exemplo, livro verde. O EUe do classificado utiliza-se desse tipo de adjetivação ao ressaltar de seus cabelos uma característica que a eles é inerente: “cabelos longos”.

LETÍCIA MORENA Tijucana 19ª cabelos lindos longos 1,70m man.38 Corpo escultural. Realmente muito bonita. Anúncio verdadeiro. Super carinhosa. Prive – R$40,00 tel.: 2587 – 2846 www.annemassagens.cjb.net

 

As informações

Algumas vezes o sujeito confere aos substantivos de um texto dados que ele apenas sabe sobre eles, mas que não dependem nem da sua opinião, nem da sua observação: Nicole catarinense, por exemplo.

NICOLE LOIRINHA natural, 21ª branquinha rosadinha, interior catarinense. Meiga, culta, educada. Realmente encontro alto nível. Pessoas especiais R$400,00 Tel.: (048)9137-3488 (021)9799-4373

 

As restrições

Esses adjetivos explicam o tipo do substantivo a que se referem, restringindo o seu alcance significativo: Secretaria de Educação, mulher do vizinho, olhos azuis naturais.

Nesse caso, o adjetivo naturais direciona o sentido para “olhos que não são de lentes de contato”.

ADRIANA LINDA loira, olhos azuis naturais, 1.72alt., corpo escultural, alto nível, discreta, sensual, carinhosa, s/ decepções Tel.:9664-1350 Zona Sul R$1.000,00

 

Os modos de organização do discurso e tipos e gêneros textuais

Um texto se define pela sua finalidade situacional – todo ato de linguagem tem uma intencionalidade e submete-se a condições particulares de produção, o que exige do falante determinadas estratégias de construção textual. Em cada texto, portanto, podem combinar-se diferentes recursos, em função do tipo de interação que se estabelece entre os interlocutores.

Distinguimos aqui tipos textuais (que são determinados segundo sua função básica, por exemplo: texto publicitário, jornalístico, didático, científico etc), gêneros textuais (entendidos como subcategoria dos tipos: para o tipo jornalístico há os gêneros notícia, editorial, anúncio publicitário etc) e, por fim, modos de organização do discurso (narrativo, argumentativo, descritivo e enunciativo – o qual gere os outros três modos).

 

A descrição

A descrição evidencia a percepção que o autor tem dos objetos e dos sentimentos através dos cinco sentidos.

Todo texto descritivo, para Carneiro (2003: 51), apresenta alguns elementos fundamentais: 1º) um observador; 2º) um tema-núcleo que pode ser um objeto, uma pessoa etc.; 3º) um conjunto de dados pertinentes ao tema-núcleo selecionado.

LENITA

Morena gatíssima, bronzeada praia, marquinha fio-dental,corpo exuberante, 1.70m, estilo mulherão, 28ª, realizando seus desejos. Privé discreto. 2542-2908. Copacabana

Nos classificados eróticos também podem ser observadas essas mesmas características. No exemplo ao lado, Lenita, enunciador, constitui o observador e, também, o próprio objeto da observação (tema-núcleo). É importante citar os dados ali relacionados, pois constituem o con-junto de informações per-tinentes ao tema e à inten-cionalidade comunicativa.

 

Descrição objetiva e descrição subjetiva

Para Garcia (1969: 218), “é o elemento subjetivo que determina a impressão pessoal, a interpretação”.

Há, então, duas perspectivas: a subjetiva e a objetiva. A primeira reflete predominantemente o estado de espírito do observador, suas particularidades, suas preferências, o que faz com que veja apenas o que quer ou pensa. A segunda é exata: nela os detalhes são destacados, nítidos em forma, cor, peso, tamanho, cheiro etc.

 

Descrição de tipos

Tipo seria o indivíduo, modelo, que possui acentuadas as características essenciais que o singulariza e o difere dos demais.

Os classificados eróticos apresentam uma gama de referências a tipos sociais, tendo como objetivo a clareza da descrição e, também, a construção da imagem que o Eu-comunicante faz do Eu-enunciador.

 

ANÁLISE DO CORPUS: LISTA DOS ADJETIVOS

Qualificadores

 Corpo

Escultural, impecável, sarado, malhado academia, malhadão, 100% gostosona, mignon, sem decepções, sensualíssima, completíssima, lindíssima, quase-mulher, femininíssima, pura tentação, belíssima, raríssima, toda maravilhosa, bonito, exuberante, (de) “parar trânsito”

Nível

Discreta, discretíssima, fino trato, elite, modelo, “top model”, “(capa) de revista”, ator, vip, melhor, elegante, exclusiva, educada, culta, speack english

Rosto

Cinematográfico, encantador, lindíssimo

Seios

U.S.A., Exuberantes, esculturais

Cabelo

Lindíssimo

Quadril

Exuberante, insaciável

Atendimento

Sem frescuras, (novidade) delirante, com aparelhos, folgosa, sapequinha, quentíssima, enlouquecedora, gulosíssima, carinhosa, especialista, anti-stress, relaxante, (técnicas) combinadas, indianas, (rebolado) gostoso, (rebolado) enlouquecedor, delirante, liberal, sem limites, (apartamento) aconchegante, meiga, inesquecível, 24h, indecepcionável, cheia de fantasia

Estilo/ tipo

Mulherão, sereia, boazuda, academia, namoradinha, gatinha shopping, mulher do vizinho, gatinha da praia, patricinha

Cliente

Exigentes, especiais, bom (gosto), vip’s

Beijos

Atrevidos

 

Caracterizadores

Cabelos

Loiros, lisos, longos, negros

Olhos

Azuis, verdes

Estatura

1,72...

Idade

21...

Pele

Branquinha, bronzeada (marquinha fio dental), morenaça, morena clara, mulatinha

Manequim

40...

Corpo

Musculoso, fofinha, mignon

Cintura

Fina, pilão

Pernas

Torneadas, saradas

Seios

Moranguinho, empinados, duríssimos, médios, fartos, bicudinhos

Coxas

Grossas

 

Informativos

Origem/ novidade

(Interior) catarinense, gaúcha, mineira, (descendência) libanesa, nunca anunciada, iniciante, recém-chegada

 

Restritivos

“Posse”

(mulher) do vizinho

 

OS TIPOS / PERFIS SOCIAIS DO ENUNCIADOR

Freqüentemente, os anúncios apresentam uma descrição canônica: dos cabelos, da altura e do peso, da cor da pele etc., como no exemplo:

ADRIANA LINDA loira olhos azuis naturais, 1.72alt., corpo escultural, alto nível, discreta, sensual, carinhosa. S/ decepções Tel. 9664-1350 Zona Sul R$ 1.000,00

Há casos, po-rém, em que, ao lado dessa descrição, surgem expressões que tipificam o anunciado/produto, associando-o a um grupo de pessoas possuidoras de determinados atributos comuns, construindo um certo perfil. Aqui surgem os tipos sociais, descritos a seguir:

 

A mulher do vizinho

É aquela que evoca, por oposição à prostituta, a família, em que representa a “mulher direita” (mãe e esposa). O fetiche é, ão, um metonímico desejo pela parte (mãe/ esposa) de um todo (mulher).

ÁGATHA MULHER do vizinho 30 anos. Aquela bonitona! Que deixa você imaginando coisas! Porque somente imaginar? Podes experimentar! (9739-5512 Barra)

 

A gatinha da praia

Mulher muito natural e informal. O lugar que freqüenta, a praia, é local de encontro da juventude. Ela ainda possui mais atributos: sua pele é bronzeada e, nela, deve-se ver a marquinha do fio dental, tão sedutora. Este tipo de mulher possui, em geral, um corpo bonito e, aparentemente, saudável, resultado da prática de exercícios e de esportes na praia.

CINDY LINDA gatinha de praia loira cab. Cacheados 18a.(USA) corpo malhado definido pele dourada, delicada carinhosa at. Completo (perfeita) 8222-3341 Barra 24h

 

A namoradinha

Ela repre-senta a moça de família, moça ho-nesta, até virgem, na qual se confia, com quem se pode passear.

LOLITA 18 ANINHOS (Novidade) Beleza jamais anunciada estilo namoradinha, completamente inesquecível, carinhosa, discretíssima apartamento aconchegante. Atendimento relaxante. Tel. (0xx21) 3903-0916/ 9445-9099 24hs Copacabana

 

A patricinha

Diferencia-se da namoradinha em alguns pontos: a patricinha é a garota de shopping, geralmente vestida de roupa rosa (de grife) ou com detalhes dessa cor. Esse tipo de garota também é “de família”, tem boa educação, bom estudo etc.

BIANCA GAÚCHA (olhos verdes naturais) Rio /25a. loirinha, patricinha Z.Sul, marquinha de biquíni. Linda! T. 2259-3516 /2259-3526 Ac/cartões Leblon (Speak English) www.ellegance.com.br

 

O mulherão

É um estilo/tipo de mulher muito vistosa, chamativa, que, por onde passa, é percebida por ser, além de grande, formosa e sensual. Mulherão tam-bém pode representar, ao mesmo tempo, a idéia de mulher madura.

ANITA COROA Tijucana Catarinense. 36ª 1,71m. alt 112cm. Quadril Man.40 Cabelos aloirados. S/frecura estilo mulherão. Prive discreto Tel.: 2278-7625 (9771-5630) 24H www.destack.com.br/anitacoroa

 

A boazuda

Boa, pelo dicio-nário, significa “mulher de físico atraente, de formas agradáveis à vista”. Somada ao sufixo -(z)uda, a palavra recebe o sentido cultural do impacto visual que tal mulher provoca no homem. Ela é uma mulher de formas consideradas ideais.

RAIMUNDA                 T. 2265-9674

Advinhe por que? Rebolado enlouquecedor! Folgosa cheia de fantasias! (Aparelhos) Amanda, estilo boazuda, quentíssima! Faço spring love. Catete. (R$20,00)

 

A sereia

As principais carac-terísticas dessa mulher são: cabelo comprido e bonito, cintura fina e quadril largo e, ainda, olhos enigmáticos. Do seu campo semântico fazem parte: mar, praia, conchas e pedras, areia, sedução.

LEBARA ESPETACULAR!!!

(Beleza parando trânsito!!!) GG delicioso, 22ª, morena clara, quentíssima!!! Estilo sereia. S/ Limites. Copacabana (Privé-24h. R$ 20,00/2275-0966)

 

A gatinha de shopping

BEATRIZ BARRA 8199-5163. Novidade! Bela gatinha shopping 18ª minhonzinha cab. Lisinhos 1,65alt barriguinha malhada estilo namoradinha educada meiga moro (só).

Esse tipo remete às garotas que freqüentam shoppings. Parecidas entre si, são comprometidas com a moda vigente. Piercing e celular moderno compõem o seu visual.

 

O perfil econômico das profissionais

A partir da reunião das descrições que cada uma apresenta sobre si, observamos três grandes grupos, aos quais chamaremos Grupo A, Grupo B e Grupo C:

 

Grupo A

·    Apresenta-se como sendo capa de revista, ator/atriz/modelo;

·    Atende a pessoas vip’s, especiais, “exigentes”;

·    Aponta como áreas de atuação bairros nobres: Barra, Ipanema;

·    Custo: alto, por vezes chamado de “cachê”;

·    Atribui-se grau de cultura e educação (inclusive outros idiomas);

 

 

Grupo B

·    Referência a um atendimento “sem frescuras”;

·    Aponta como área de atuação Centro, Tijuca, Jacaré;

·    Custo: “preço de mercado”.

 

 

Grupo C

·    Aponta, como áreas de atuação, Centro, Baixada, Zona Norte e, às vezes, Copacabana;

·    Custo: abaixo do preço de mercado, há promoções ou oferece condução (normalmente, são vinculadas a uma “casa” especializada);

·    Idade superior a trinta anos;

·    Anuncia junto com outra pessoa;

·    Aproveita o anúncio para “recrutar” outras pessoas para a atividade.

A classificação dos anúncios de cada grupo obedece aos critérios listados acima e suas combinações. Contudo, devido a uma não homogeneidade das descrições, é possível que uma ou outra pessoa seja classificada como pertencendo ao grupo A e, ao mesmo tempo, apresente características típicas do grupo B. Será, então, enquadrada num subgrupo: AB. E assim sucessivamente com as outras descrições. De outra forma, as pessoas do grupo A que apresentarem todas ou muitas características desse referido grupo, receberão a referência do subgrupo AA.

 

QUANTIFICAÇÃO DOS DADOS

QUADRO III - Quadro Comparativo dos Jornais (em %)

Jornal

Grupo AA

Grupo A

Grupo AB

Grupo B

Gr. BC

Grupo C

Total

O Dia

-

10,34

3,44

41,37

-

44,82

100

O Globo

23,07

23,07

7,69

30,76

-

15,38

100

 

QUADRO IV - Quadro com os números finais

 

Grupo AA

Grupo A

Grupo AB

Grupo B

Grupo BC

Grupo C

Total

Quant.

3

6

2

16

-

15

42

%

7,14

14,28

4,76

38,09

-

35,71

100

 

CONCLUSÃO

Recuperar os sentidos propostos em um texto requer do interpretante o reconhecimento não apenas das formas lingüísticas que o constituem, mas também do contrato de comunicação em que a situação comunicativa se insere.

Os índices lingüísticos analisados – os adjetivos –, pela situação comunicativa em que se inserem, demonstraram ter uma ocorrência inusitada, visto que palavras como insaciável, gulosíssima, moranguinho etc. adquirem um sentido muito afastado do usual, sentido particular ao contrato de comunicação no qual estão envolvidos.

Dentre as estratégias utilizadas, ressaltamos a tipificação do EU-produto num modelo social privilegiado. Ou seja, o EU-comunicante forma a imagem do seu EU-enunciador segundo algum tipo do imaginário comum masculino, eficazmente reproduzido e incorporado por ele nos anúncios.

O gênero textual anúncio adapta-se, sem dificuldade, às configurações dos circuitos do ato comunicativo de Charaudeau (quando o objeto da troca é, de fato, um ser diferente do EU). No caso dos anúncios eróticos, tornou-se preciso reconfigurar os circuitos, uma vez que o objeto da troca, nesse caso, coincide com a figura do próprio EU-comunicante.

Observou-se que, dentre os dois jornais analisados – O Globo e O Dia –, as profissionais dos grupos AA ao grupo B demonstraram preferência pelo jornal O Globo. Já a maioria dos anúncios publicados no jornal O Dia pertencem aos anunciantes dos grupos B ao C, ressaltando-se que houve zero ocorrência de anúncios do grupo AA neste jornal. Esse quadro nos revela a imagem construída pelo EU-comunicante sobre o perfil do TUi do O Globo: um sujeito economicamente privilegiado (daí os preços de atendimento serem mais altos nesse jornal). Mais outra constatação: os anunciantes consideram o TUi do jornal O Dia sujeitos de recursos econômicos restritos, o que explica o fato de os enunciadores oferecerem,  acopladas aos serviços, promoções (por exemplo “condução grátis”).

Procuramos demonstrar, em nossa pesquisa, que a atribuição de sentido à forma depende de todo um aparado situacional que envolve enunciador e enunciatário e que define um “contrato de comunicação” a ser respeitado pelos partícipes do ato de linguagem.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BÁSICAS

CARNEIRO, Agostinho Dias (org.). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do autor, 1996.

––––––. Redação em construção: a escritura do texto. São Paulo, Moderna, 2001.

––––––. Para uma nova análise do discurso. In: CARNEIRO, Agostinho Dias. O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do autor, 1996.

––––––. “De la Competencia Social de Comunicación a las Competencias Discursivas”. In: Revista Latinoamericana de Estudios del Discurso. Caracas, 1(1): 7-22, ago. 2001.

EDUARDO, Silvana. A argumentatividade no “Diário de Bagdá”: uma questão de valores. Niterói, 2004. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa – Instituto de Letras, UFF, Niterói.

GARCIA, Othon Moacyr. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas: 1969.

GAVAZZI, Sigrid & PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino. Da língua ao discurso. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

Grande Dicionário Larousse Cultural. São Paulo: Nova cultural, 1995.

MONNERAT, Rosane Mauro. A publicidade pelo avesso – Propaganda e publicidade, ideologias e mitos e a expressão da idéia – o processo de criação da palavra publicitária. Niterói: EDUFF: 2003.


 

[1] Todos os anúncios foram transcritos tais como publicados nos jornais, mantendo-se, portanto, grafias, abreviações, espaços e demais marcas de redação.

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