Língua, cultura e poder
o
caso da língua brasileira de sinais
e
seus espaços sociais de resistência
numa
sociedade marcada
pelo “ouvinticentrismo”

Edicléa Mascarenhas Fernandes (UERJ)
Glaucia Silva de
Carvalho (UERJ)

 

A língua como instrumento de poder, dominação e discriminação social de grupos minoritários tem sido bastante estudada no ramo da sociolingüística fundada por Benveniste em 1960. Os trabalhos de William Labov (1963, apud CAMACHO, 2000) sobre as variantes lingüísticas vieram colaborar para o entendimento de que não existe deficiência lingüística, pois toda língua é suficiente para o estabelecimento de um sistema de comunicação num grupo social. O que existe é a tentativa de uma supremacia lingüística de grupos dominantes. Nosso trabalho pretende discutir o processo de estigma e preconceito que a Língua Brasileira de Sinais e a cultura surda sofreu durante anos de supremacia do ouvinticentrismo nos espaços dos sistemas oficiais educacionais e inclusive no campo acadêmico. Os trabalhos do lingüista William Stokoe começaram a ser difundidos no Brasil no final dos anos 80, porém ocorreram incipientes mudanças nas práticas educacionais oficiais para alunos surdos, que passam a ser compreendidos a partir do enfoque bilíngüe. A garantia da manutenção da língua das comunidades surdas e sua cultura vêm sendo garantidas em nosso país muito mais por movimentos sociais organizados do que por organismos oficiais e centros acadêmicos. Apresentamos em nosso estudo, através de fontes documentais, o caso das igrejas evangélicas e do Ministério do Silêncio, que constituíram no cenário nacional o que denominamos de uma pedagogia bilíngüe de resistência através da qual a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a cultura surda vêm se mantendo. Atualmente a Lei 10436/2002, que instituiu oficialmente a Língua Brasileira de Sinais no artigo 1oreconhece como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais Libras e outros recursos de expressão a ela associados. E no parágrafo único define como

Língua Brasileira de Sinais Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

O decreto 5296/2004 que regulamenta as Leis 10048/2000 e 10098/2000 estabelece normas gerais e critérios básicos para promoção de acessibilidade, e no capítulo II, artigo 6o , parágrafo 1o, inciso III

Propõe serviços de atendimento a pessoas com deficiência auditiva prestado por intérpretes ou pessoas capacitadas em Língua Brasileira de Sinais- LIBRAS e no trato com aquelas que não se comuniquem em Libras.

Este panorama se constitui como desafio à universidade brasileira no que concerne à adequação de cursos e ao preparo de profissionais (professores ouvintes e surdos e intérpretes de Libras) para garantirem o direito social e lingüístico do bilingüismo das comunidades surdas.

A diferença sempre fez parte da sociedade, acrescentando uma nuança em toda a cor de nossa existência. Matiz que seria melhor percebido se, da mesma forma que existem pessoas portadoras de necessidades especiais, a sociedade as enxergasse comolhos especiais”. A conseqüência da falta desse “olhar especial” é o completo descaso e a ausência de suportes para que essas pessoas sejam melhor incluídas.

Idéias pré-concebidas em relação a deficiência ocasionaram uma série de intervenções inadequadas que têm sido realizadas nos processos educacionais. Por isso é necessário que se continue e se incentive as lutas em favor das causas das pessoas especiais e se trabalhe para que haja empoderamento; desenvolvimento da autonomia e socialização. E, mais do que isso, é preciso também conhecer os diversos espaços onde, este tipo de trabalho é realizado para que haja uma relação dialógica estabelecendo parcerias. Este tipo de relacionamento poderá trazer contribuições na troca de conhecimentos entre as partes envolvidas e também provocar uma maior mobilização e conscientização pelos direitos das pessoas com deficiência e até mesmo a aceleração de suas conquistas.


 

Os surdos e alguns aspectos de sua trajetória
na
luta para preservar sua cultura e língua

Durante muito tempo a língua de sinais foi reprimida em favor de idéias dominantes que visavam à normalização do surdo, por meio de práticas corretivas. Entre estas práticas podemos mencionar o ato de amarrar as mãos das crianças para impedi-las de sinalizarem. Este tipo de prática por muito tempo esteve presente na educação dos surdos e impedia o uso da LIBRAS nas instituições de ensino, mas, não nas pequenas comunidades. Mesmo sendo alvo de grande preconceito e proibições a língua de sinais resistiu a tais medidas impostas aos surdos.

Estas ações foram fundamentadas em uma ideologia clínica e dominante que contribuiu para o impedir a disseminação da língua de sinais, ao mesmo tempo em que impôs uma condição sob a qual a maioria dos surdos não pôde se incluir, por pressupor que a comunicação plena do surdo aconteceria se ele aprendesse a se expressar verbalmente. A surdez era entendia comodoença”, sendo assim propostos tratamento fonoaudiológico e o uso de aparelhos auditivos. Como conseqüência desta ideologia ouviticentrista criou-se uma cultura surda marginalizada, reprimida, e o isolamento social deste grupo, pois esta ideologia clínica não conseguiu dar conta do que ela própria defendeu (SKLIAR, 1998).

 

Espaços de manutenção da cultura surda
o
estudo de caso das Igrejas Protestantes

Os espaços observados, neste estudo, foram as Igrejas de religião protestante que realizam projetos com pessoas surdas, entre quais podemos citar: Primeira Igreja Batista em São Gonçalo, que tem pouco mais de vinte anos de ministério; Primeira Igreja Batista do Rocha e Primeira Igreja Batista em Trindade. Esta última tem um trabalho mais recente (aproximadamente cinco anos). O motivo desta escolha é o fato de se perceber que muitos intérpretes são provenientes de igrejas evangélicas e este também ser o lugar onde começou a sua trajetória na experiência com os surdos além destes últimos estarem incluídos e atuantes nas atividades promovidas pelas igrejas. O objetivo desta pesquisa é identificar a existência de uma proposta pedagógica nos trabalhos de evangelização realizados e quais são os meios utilizados. Além de descobrir quais são as contribuições para o desenvolvimento sócio-cultural do surdo. Esses tipos de movimentos (ministérios), espaços sociais de resistência, há muito têm carecido de um olhar acadêmico.

A metodologia empregada foi o estudo de caso, a observação participante, análise de fontes documentais (revistas, material pedagógico e registro dos eventos) e entrevistas gravadas em áudio e vídeo. Durante a entrevista os surdos tiveram a oportunidade de exprimir suas motivações no envolvimento com o trabalho; as contribuições trazidas para o seu crescimento como pessoa; sua opinião crítica sobre a escola, como eles têm percebido a visão da sociedade em relação aos aspectos da surdez, bem como sua participação no ministério.

Uma visita ao arquivo da Junta de Missões Nacionais, que é um órgão ligado as Igrejas Batistas e oferece treinamento e assessoria para a organização do ministério, trouxe um dado estatístico importante: consta no seu cadastro um total de 569 igrejas que foram atendidas pela Junta de Missões no Brasil. Isso ainda não retrata completamente a realidade uma vez que o cadastro encontra-se em construção e a cada ano surgem novos ministérios em diferentes denominações, como por exemplo, Assembléia de Deus, Nova Vida e Presbiteriana.

Apesar do enfoque maior do nosso estudo ser no município de São Gonçalo podemos citar algumas igrejas que desenvolvem um trabalho com surdos do Espírito Santo: Primeira Igreja Batista em São Mateus (início do trabalho: 1988); Segunda Igreja Batista de Cachoeira de Itapemirim (início do trabalho: 2000); Igreja Batista da Praia do Canto ( início do trabalho: 1999); Igreja Batista Praia de Suá (início do trabalho: 1989); Primeira Igreja Batista de Vitória (início do trabalho: 1994); Primeira Igreja Batista de Guarapari (início do trabalho: 1999).

Primeira Igreja Batista em São Mateusinício do trabalho: 1988.

Estes exemplos servem para mostrar que a língua de sinais tornou-se um elo entre as igrejas de diversas denominações e regiões.

É importante tentar entender a motivação do surdo, porque, na verdade quando ele não encontra apoio entre seus familiares (na maioria dos casos) e se sente discriminado, ele procura um grupo no qual possa se identificar. Essa identificação é fundamental, pois, facilita sua inclusão:

O desencontro do surdo com sua identidade o conduz a uma atitude de não aceitação a sua própria condição, e esse desencontro se dá devido a imposição de um ouvinte como modelo, gerando insegurança, rejeição à Língua de Sinais e, óbvio, fracasso na comunicação do surdo com outras pessoas. (BRITO,1993: 56)

O processo de identificação conseqüentemente, reforça a manutenção da cultura surda e de sua língua, porém, em guetos. E a permanência isolada dessa cultura não contribui para desconstrução de idéias equivocadas em torno da surdez que tem sido olhada como uma deficiência e não como uma diferença, ou seja, há uma grande preocupação com a patologia, com a intervenção clínica e não com as possibilidades que podem surgir com o uso da língua de sinais, que possui uma beleza singular, como principal característica o uso espacialvisual , transmite idéias, expressões e sentimentos sejam eles quais forem.

A tradução de qualquer assunto pela língua de sinais acontece porque ela é completa apresentando todos os níveis lingüísticos: fonológico, sintático e semântico, permitindo que a LIBRAS seja considerada uma língua (BRITO, 1993).

Dentro do Ministério do Silêncio podemos perceber um exemplo prático do quanto a língua de sinais pode traduzir termos abstratos, principalmente durante a interpretação de louvores. Por exemplo, uma determinada música possui a seguinte frase: “Vou voar como águia...” que transmite a idéia de força e liberdade. Podemos observar o uso da linguagem figurada, que foi utilizada para fazer uma comparação, e que ouvintes compreendem bem e dão a sua particular interpretação. Ao passar esta mensagem ao surdo o intérprete tem o cuidado de usar os sinais que correspondam à mensagem abstrata (força, liberdade) e não fazer a interpretação ao da letra, sinalizar: “EU IGUAL ÁGUIA VOANDO” que seria a tradução em LIBRAS no sentido literal. Este tipo de interpretação pode causar uma grande confusão entre o público surdo, principalmente entre àqueles que não conhecem o Português, além de se estar incorrendo no erro de abandonar a estrutura gramatical da língua de sinais. Seria como se tentasse traduzir cada palavra utilizando um sinal equivalente. Dessa forma o intérprete, mesmo sem intenção, estaria alimentando uma concepção que durante muito tempo permeou as idéias relacionadas a LIBRAS levando as pessoas a crerem que ela não passava simplesmente do Português sinalizado.

Quando uma pessoa é integrada à comunidade dos surdos ela recebe um sinal. Este sinal funciona como se fosse o nome próprio, e é formado pela letra inicial mais um traço físico marcante da pessoa. Como exemplo, uma das intérpretes cujo nome começa com a letra “R” e possui as sobrancelhas grossas, quando precisa ser solicitada, os surdos se dirigem a ela com a mão em “R” (alfabeto dactilológico) tocando a sobrancelha. É como se fosse uma espécie de batismo, ao ingressar na comunidade. Às vezes o sinal pode ser modificado se os surdos perceberem que existe um traço mais adequado para a formação do mesmo. Apesar de existir a possibilidade de modificação o sinal não é transferível, ou seja, ele é usado para se referir a uma única pessoa mesmo que dentro da comunidade coincidentemente possa haver dois sujeitos com a mesma inicial e traços físicos em comum. (BRITO, op. cit., p. 107)

Essa é uma característica interessante da cultura surda e que foi respeitada e aceita pelo Ministério do Silêncio, dando oportunidade aos surdos o gozo de seus direitos lingüísticos de forma plena, sem superficialidades, onde sua cultura e língua são valorizadas e não reprimidas, servindo apenas como um meio de oralização e normalização do surdo.

O surgimento do Ministério do Silêncio aconteceu devido à necessidade de atender aos surdos que chegavam à igreja, e tinham vontade de participar das reuniões de adoração (cultos). As Igrejas que foram observadas contam com um grupo de aproximadamente vinte surdos que participam ativamente no ministério. O número de participantes muda constantemente, pois, alguns saem ficam um período fora e depois voltam, ou mudam para uma outra Igreja. Este estudo identificou dentro dos ministérios investigados uma metodologia de trabalho, uma sistematização que envolve peças teatrais, visitas nos lares, passeios, estudos da bíblia e apresentação de músicas por meio da Língua de Sinais. Além dessas atividadestambém uma preocupação da equipe responsável em acompanhar o surdo na procura de um emprego, nas idas ao médico, encaminhá-lo para uma escola, e procurar mantê-los sempre informados sobre cursos e oportunidades novas que possam aparecer.

Durante as reuniões no templo o grupo de surdos ocupa os primeiros bancos, pois precisa ter o tempo todo um intérprete para que consiga acompanhar a programação. Tudo que os surdos fazem causa grande impacto e admiração, pois até bem pouco tempo o máximo que se via era apresentação de um coral ou uma pequena peça teatral e hoje até composições musicais são feitas :como foi encontrado na Primeira Igreja Batista de São Gonçalo, uma surda que compõe louvores e a maior parte do tempo canta em Língua de Sinais. A descoberta desta surda compositora mostrou que a língua de sinais também promove momentos de lazer e adoração e é essencial para desenvolver as potencialidades do surdo, mesmo que estas potencialidades na concepção do “ouviticentrismo” fossem impossíveis.

A equipe responsável pelo Ministério das igrejas estudadas é formada por uma coordenadora geral que é ouvinte, um surdo que além de ensinar LIBRAS, no curso oferecido, ajuda no aconselhamento, na organização de eventos, além de contar com um grupo de intérpretes que se organizam por meio de uma escala e auxiliam nas visitas e estudos oferecidos aos surdos e ouvintes que desejam se tornar intérpretes. A equipe procura ao máximo se atualizar e aprender mais sobre os aspectos da surdez. Participa de encontros e seminários a fim de se aperfeiçoarem para o trabalho, e os surdos estão sempre acompanhando esses eventos, eles não deixam de se envolver e gostam muito disso por considerarem muito importante que os ouvintes se interessem em aprender a língua do surdo e sua cultura. Isso pode se perceber no curso de LIBRAS, sempre tem um surdo, além do professor, acompanhando o curso e ajudando com muito empenho. O curso é ministrado através de recursos visuais e atividades de pequenas representações teatrais do cotidiano e evita-se ao máximo usar o Português.

É importante lembrar que as pessoas envolvidas nesse trabalho não são fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais ou psicólogos, são pessoas interessadas em trabalhar com surdos e dedicam parte do seu tempo ao ministério. Embora a base da formação destes voluntários esteja nos cursos que são oferecidos pelas próprias igrejas, muitos deles procuram o ingresso em uma faculdade . Eles acreditam que a formação superior contribui para o bom desenvolvimento do trabalho.

Um dos encontros promovidos, para capacitação e aperfeiçoamento de intérpretes, que merece ser mencionado é o ENOS – Encontro Nacional de Obreiros com Surdosque acontece anualmente. Este evento começou a nível estadual em Goiânia com trinta e cinco intérpretes inscritos e, atualmente acontece a nível nacional ,ultrapassando o número de oitocentas pessoas inscritas entre elas intérpretes e surdos de diferentes denominações. Os temas abordados nesses encontros apontam questões que envolvem tanto a postura do intérprete como as questões lingüísticas relacionadas a LIBRAS. Como exemplo, podemos citar alguns: Traços Supra-segmentares da Língua de Sinais /Discurso Direto e Indireto, Oficina de Expressão, Ética e Associação de Intérpretes, O Uso do Cantor Cristão na Interpretação; Surdez e Linguagem; Teatro para Surdos; Implantação do Ministério com Surdos; Contratação de Obreiros com Surdos; Preparo do Obreiro Surdo; O Preparo do Obreiro Surdo para Aconselhamento de Surdos; Personalidade e Estrutura no Contexto Cristão; Abordagem Fonoaudiológica – Visão Geral e Ministério com Surdos uma Obra Missionária; A Postura Corporal e sua Influência na Liderança; A Vida do Líder Cristão: Princípios Morais, Éticos e Espirituais.

O ENOS é um evento que reúne surdos e intérpretes de todos os estados brasileiros. Um encontro como esse, tem a possibilidade de promover trocas enriquecedoras entre as mais diversas comunidades surdas de todo o Brasil, trazendo um acréscimo ao potencial lingüístico do surdo e maior conhecimento para os intérpretes.

No início deste trabalho citamos como um dos objetivos a identificação de propostas pedagógicas. Apesar de não aceitarmos o reducionismo da pedagogia, ou seja, “enxergar a prática educacional dissolvida nos movimentos sociais” (LIBÂNEO, 2002), temos que reconhecer que dentro dos ministérios observados identificamos práticas pedagógicas. Além do ENOS, constatamos tais práticas no curso de LIBRAS, obviamente, com metodologia própria para ensinar aos ouvintes a língua de sinais. Ensinar o vocabulário não é a principal preocupação dos organizadores do curso, existe também todo o cuidado de transmitir aos futuros intérpretes questões que envolvem a postura, a responsabilidade e a ética, ou seja, considera-se importante capacitá-lo para uma atuação criteriosa e eficaz em qualquer instituição seja ela de ensino, trabalho ou qualquer outro aspecto da vida social. O fato do intérprete ser capacitado no ministério do silêncio não o vincula a atuar exclusivamente na igreja, muitos deles trabalham em outras instituições de ensino como faculdades e cursos profissionalizantes.

Podemos observar no nosso estudo de caso a presença de uma pedagogia formal, estruturada e planejada para, intencionalmente, transmitir um conhecimento (que neste caso é a língua e a cultura surda) a fim de que seja disseminado entre as pessoas interessadas em trabalhar com os surdos, independente de denominação religiosa. E mais do que isso vemos uma pedagogia inclusiva que procura aceitar a diferença e fazer dela um importante meio de se exercitar a solidariedade e encorajar os surdos a desenvolverem diversos trabalhos onde a sua cultura e a sua língua tenham um destaque.

Se existe uma crença na educação para todos e uma expectativa de um currículo menos excludente, é preciso criar pontes entre a cultura surda e a cultura da sociedade ao qual o surdo está inserido. No entanto, não existirão pontes firmes se não existir uma compreensão da visão do surdo diante do mundo e também da sua postura. E não haverá melhor maneira de conhecer esta postura se não tentarmos uma aproximação com estes sujeitos dentro de seus espaços de atuação.

É importante ressaltar que o olhar sobre esses espaços deve ser desatrelado dos preconceitos para que se possa “... aprender e apreender a multiplicidade de elementos constitutivos das realidades que fazem parte de nosso campo de pesquisa...” (OLIVEIRA, 2005). Este fragmento foi retirado de um texto em que a autora se referia a escola. Porém com a ampliação do conceito de educação e, mais do que isso, considerar o papel do pedagogo também como pesquisador deve-se ultrapassar os muros da escola e observar outros campos. Campos estes aos quais muitos alunos estão inseridos e atuantes. E que podem de alguma forma contribuir para a elaboração de um currículo que abranja culturas das mais diversas e tenha como finalidade a formação de uma sociedade mais justa e democrática. Dessa forma poderá ser desfeito a legitimação de uma cultura hegemônica em detrimento de culturas estigmatizadas.

O preconceito social não é o único entrave na vida do surdo. Existem também muitas dificuldades enfrentadas como a falta de um apoio por parte da família que geralmente não compreende a dificuldade que o filho surdo enfrenta e há até mesmo desinteresse em aprender a língua de sinais. E muitas das vezes a não preocupação em aprender a língua de sinais, se dá não pelo fato de discriminação do filho, mas, pelo fato de se acreditar numa ideologia marcada pelo ouviticentrismo, no qual a verbalização é o único e possível meio de comunicação aceitável em nossa sociedade (BOTELHO, 1998). Destaca-se o descaso das instituições e compromisso dos poderes públicos na garantia e fiscalização da legislação existente que legitimou a Língua de Sinais Brasileira garantindo a pessoa surda o direito à educação bilíngüe e a presença de intérpretes em instituições de caráter público (escolas, hospitais, fóruns, delegacias, empresas). Como resultado vemos o isolamento do surdo dentro da própria casa, da comunidade e do país) e mais prejuízo na sua auto-estima, dificuldade no convívio social e na aprendizagem. Porém, nosso estudo de caso aponta para o fato que os mecanismos sociais de inclusão podem ser planejados, sistematizados e implementados. As fontes documentais estudadas confirmam o que denominamos de uma “pedagogia bilíngüe” pautada numa metodologia que envolve publicações, capacitação de instrutores, manuais de orientação, performances artísticas, encontros e eventos. Esta pedagogia levou a inclusão social da pessoa surda, a aquisição da LIBRAS pela comunidade de surdos e ouvintes e principalmente quebra de preconceito, promoção de igualdade com respeito à singularidade cultural e lingüística e sobretudo solidariedade humana. Estas conclusões nos remetem à possibilidade de utilização de metodologias similares em outras instituições e movimentos sociais: como escolas, centros de convivência, associações de moradores e empresas para a promoção de ambientes inclusivos.

 


 

REFERÊNCIAS BibliogrÁFICAS

BRASIL. Lei 10436 de 2002. Disponível em www.planalto.gov.br. Acessado em 10 de julho de 2004.

–––––. Decreto 5296 de 2004. Disponível em www.planalto.gov.br. Acessado em 10 de julho de 2004.

CAMACHO, R. G. Sociolingüística- parte II. In MUSSALIN e BENTES. Introdução à lingüística: domínios e fronteiras, v. 1, 3ª ed. São Paulo: Cortez,2000.

BOTELHO, P. Segredos e silêncios na educação dos surdos. Belo Horizonte: Autênctica, 1998.

BRITO, L. A integração social e educação de surdos. São Paulo: Babel Editora Universidade, 1973.

ENOS 2002. Anais do Encontro Nacional de Obreiros com Surdos. Guarapari, 2002.

LIBÂNEO, J. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 2002.

MISSÕES NACIONAIS. O Clamor do Silêncio- uma estratégia de evangelização para surdos, 79 p.

SKLIAR,C(org.). Um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.


 

 

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