DE PROMETEU AO CLONE

Maria Helena de Carvalho Dockhorn (UGB)

INTRODUÇÃO

Vítor Manuel de Aguiar, na obra Teoria da Literatura, afirma que uma das características do Romantismo é o titanismo. Por titanismo, o autor entende uma rebeldia contra tudo que limita o homem; é um desafio à sociedade e a Deus. Como símbolos dessa rebeldia o autor aponta alguns personagens: Prometeu, Satã, Caim, Fausto. Além desses, podemos mencionar Eva e Frankenstein.

No decorrer da presente exposição, fazemos referência também aos inventores da bomba atômica e à clonagem.

Avaliando esse titanismo, observamos que há duas tendências opostas: aqueles que são a favor dessa rebeldia e os que são contrários a ela. Como exemplo dos que se posicionam contra aquilo que denominamos aventura humana, podemos citar o poeta latino Horácio e o personagem Velho do Restelo, mencionado nos Lusíadas de Camões.

OS GRANDES REBELDES

Nesta parte, tratamos separadamente cada um dos grandes rebeldes.

Prometeu

Dentro da Literatura Greco-latina, Prometeu foi um deus que se tornou célebre por ter se rebelado contra Júpiter, ao colocar-se a favor dos homens. Enganou Júpiter, numa distribuição de carnes, dando ao deus só a gordura e aos homens a parte melhor da carne. Por causa disso, Júpiter castigou os homens, tirando-lhes o fogo, que Prometeu lhes dera. Em novo ato de rebeldia, Prometeu roubou o fogo do carro do Sol e o levou novamente ao mortais. Isso deixou Júpiter profundamente irritado e infligiu dois grandes castigos: condenou Prometeu a ficar acorrentado e criou Pandora.

Ésquilo, um dos três grandes autores gregos de tragédias, na sua peça Prometeu Acorrentado, apresenta Prometeu sendo preso a um rochedo e condenado a ter o fígado devorado constantemente por uma águia. Por ser imortal, seu fígado renascia constantemente.

Como parte do castigo de Júpiter, o pai dos deuses fez Epimeteu, irmão de Prometeu, casar com Pandora. Essa Pandora foi criada, recebendo qualidades de todos os deuses; mas o deus Hermes lhe deu a mentira e o embuste. Prometeu tinha dito ao irmão que não aceitasse nenhum presente de Júpiter. Epimeteu, atraído pela beleza de Pandora, casou-se com ela. Ela recebeu de Júpiter, como presente de casamento, uma caixinha que não deveria ser jamais aberta. Ela, ignorando o conteúdo da caixa, por curiosidade, abriu-a e dela saíram todos os males. Pandora ainda tentou fechar a caixa, mas só conseguiu que nela ficasse a Esperança, que estava no fundo.

Prometeu, na tragédia de Ésquilo, menciona os inúmeros benefícios que trouxe aos mortais. Segundo ele, o fogo entregue aos homens se tornou a fonte de todas as artes e um recurso fecundo; os homens, de estúpidos, se tornaram inventivos e engenhosos; aprenderam a usar os olhos e os ouvidos; descobriram a utilidade dos tijolos e da madeira; aprenderam a raciocinar, estudaram a Astronomia, o sistema do alfabeto, o uso da memória, a arte dos números; aprenderam a domesticar os animais para ficarem a seu serviço; conseguiram fazer com que os cavalos puxassem os carros e aprenderam a arte de produzir navios. Prometeu também lhes ensinou a tirar remédios das plantas, tanto para serem ingeridos como para serem aplicados como bálsamo. Ele lhes ensinou a interpretar os sonhos, o vôo das aves, a ler as entranhas dos animais e também a descobrir a prata e o ouro.

Satã e Eva

O autor inglês John Milton, em sua obra O Paraíso Perdido, nos apresenta Satã, um anjo decaído. Satã pensa que é preferível ser rei no inferno a ser escravo no céu; considera Deus um tirano, contra qual pretende mover guerra eterna. Como Satã não pode enfrentar diretamente a Deus, a sua guerra se dirige contra os homens, tentando atraí-los para si.

Enquanto Adão e Eva desfrutam as belezas do paraíso terrestre, Satanás, transformado em serpente, aproveita a ausência de Adão para falar com Eva.

Milton apresenta um diálogo interessante entre a serpente e Eva. A serpente diz a Eva que ela mesma comeu desse fruto e, com isso, teve grandes vantagens: começou a andar mais reta, a falar com inteligência, a ver com mais clareza – pois seus olhos antes eram turvos – a entender melhor o mundo.

Isso despertou o interesse de Eva, que desejou ver onde ficava a árvore. Quando Eva disse à serpente que Deus tinha proibido que comessem seu fruto, a serpente fingidamente mostra-se indignada, com se estivesse defendendo os interesses dos homens. Segundo ela, o fruto fará com que os homens tenham a vida da ciência; não trará a morte, pois Deus dará pouca importância a essa pequena desobediência e dará mais valor à coragem deles, no esforço de conhecer o bem e o mal. Com efeito, conhecer o mal tornará mais fácil evitá-lo. Ele seria injusto se castigasse os homens. Ele deu essa proibição para manter os homens na ignorância. Se comerem do fruto, seus olhos se abrirão e os homens se tornarão como Deus.

Eva se deixou impressionar pela argumentação da serpente, principalmente pelo fato de a árvore se chamar árvore da ciência do bem e do mal. Por que não conhecer o bem e o mal? Eva se convenceu e comeu do fruto.

Adão a encontra e fica espantado, confuso, lívido e sem voz, ao ouvir de Eva o que ela tinha feito. Censurou-a, mas também pondera que Deus não poderia matá-los, porque senão perderia o trabalho da criação e daria vitória a Satanás. Considera que seu destino está ligado a Eva e que ambos devem sofrer as conseqüências. Por isso, também come do fruto.

Depois desse ato, Adão e Eva começam a experimentar sentimentos que não tinham antes: o desejo carnal, a vergonha e a culpa, o arrependimento, a cólera, o ódio, a desconfiança, a suspeita e a discórdia. A razão não governa mais; agora o trabalho será árduo. Adão recrimina Eva, perguntando que ciência era aquela que os privou da honra, da inocência, da fé e pureza.

Ambos choraram e começaram a sentir violentas paixões.Discutiram, pondo a culpa um no outro. Ambos se escondem de Deus; quando Ele os chama, aparecem confusos e descompostos. Em seus olhares, não havia amor nem para com Deus, nem de um para com o outro; porém a culpa, a vergonha, a perturbação, o desespero, a cólera, a ira e a malícia estavam presentes.

Adão se sente embaraçado por temer o castigo de Deus e ter de acusar Eva. Deus lhe pergunta se Eva era seu Deus, para obedecer a ela mais do que a Ele.

Por sua vez, Eva confessa a Deus ter sido enganada pela serpente. Deus aplica sua sentença a Satanás: a serpente será maldita entre todos os animais; andará de rastos; terá inimizade com a mulher e sua raça; a raça da mulher esmagará a sua cabeça.

Deus dá a sentença à mulher: terá males dobrados na concepção; dará à luz com dores; será submissa ao marido, que a dominará.

Adão recebe a sua sentença: a terra será maldita por sua causa; o seu sustento será conseguido com muito esforço; comerá o pão com suor do rosto.

Fausto

Fausto era uma figura lendária na literatura germânica. Goethe trabalhou em seu drama, que leva o nome de Fausto, durante longos anos de sua existência.

Fausto era um cientista irrequieto, insatisfeito com os resultados de seus estudos; sonha alargar os seus conhecimentos até o infinito e sentir inúmeras experiências, inclusive do amor. Não podendo conseguir os seus intentos, apela para a magia e, finalmente, aceita a ajuda de Mefistófeles, que a encarnação do demônio. Tendo feito um pacto com o mesmo, Mefistófeles procura satisfazer todos os seus desejos, inclusive levando-o a seduzir Margarida (Gretchen). Margarida se torna culpada de vários crimes, inclusive da morte de sua mãe, de seu irmão e de seu filhinho. É condenada à morte, mas é salva do Inferno pela misericórdia de Deus.

Na segunda parte do drama, Fausto é apresentado conseguindo grandes vantagens no campo da política, do poder e da economia. Chega a casar-se com Helena de Tróia, com a qual tem um filho. No final, Fausto morre, mas Mefistófeles não consegue levar sua alma, porque Deus envia seus anjos para salvar o doutor. Seu esforço de sempre evoluir lhe trouxe a salvação.

Frankenstein

Mary Shelley, autora inglesa, escreveu, em 1818, a obra Frankestein, o Moderno Prometeu.A origem dessa obra se deve a três fatos. O primeiro elemento desencadeador da obra foi uma viagem que Mary e seu marido Percy Bysshe Shelley realizaram pela Alemanha. Aí encontraram um castelo abandonado, que pertencia à família Frankenstein. Os moradores do lugar diziam que um cientista da família fazia aí experiências com mortos. Aliás, nessa época, havia a tendência entre os cientistas de tentar ressuscitar os mortos.

O segundo fato desencadeador foi o encontro realizado na Suíça por Percy, Mary e Byron. Nesse encontro, ficou acertado entre eles de escreverem romances ou contos relacionados com o sobrenatural. Essa decisão levou Byron a começar uma narrativa que mencionava um vampiro.

Nessa mesma ocasião, Mary teve um tipo de sonho, em que via o Doutor Frankestein costurar pedaços de mortos e produzir uma criatura.

Na narrativa de Mary Shelley, podemos distinguir três partes, que abaixo especificamos.

Na primeira parte, a autora apresenta a viagem de um capitão inglês que comandava um navio que navegava pelas regiões geladas próximas ao Pólo Norte. Nessa viagem, ele avista duas pessoas andando de trenó, parecendo que uma perseguia a outra. A segunda pessoa foi convencida pelos marinheiros a subir ao navio. Essa pessoa lhe conta então a sua história.

Na segunda parte, a pessoa revela ao capitão que se chamava Vítor Frankenstein. Morou muito tempo em Genebra, na Suíça. Tinha uma irmã de criação, chamada Elizabeth e um grande amigo, chamado Henry Clerval. Depois de algum tempo, seus pais tiveram outro filho, que chamaram de William.

Durante seus estudos, voltou-se para o estudo da alquimia. Sentia um desejo profundo de tornar o homem imortal. Aos poucos, descobriu o que era a eletricidade, voltou-se para a Matemática e para as Ciências Naturais.

Na Universidade de Ingolstadt, tentava buscar novos caminhos; dedicou-se à Anatomia e Fisiologia; conseguiu descobrir a causa da vida. Procurou, então, criar um ser humano de estatura gigantesca, coletando materiais de outros humanos.

Depois de ter trabalhado muitos meses, numa madrugada, ele viu sua criatura abrir os olhos. Ficou, então, apavorado e correu para o quarto. Teve sonhos horríveis. Quando acordou, viu o monstro olhando para ele. Fugiu para a rua, temendo encontrar sua criatura. Ficou doente muito tempo.

Por meio de cartas da família, soube que uma moça chamada Justine estava trabalhando para eles. Soube também que seu irmãozinho William tinha sido assassinado. Puseram a culpa em Justine, que foi presa e processada. Vítor voltou depressa para a família, mas não conseguiu evitar que Justine fosse executada.

Num de seus passeios pelas montanhas, encontrou novamente a criatura. Seguiu o monstro até uma cabana, onde a criatura lhe contou sua história.

Na terceira parte do relato, o monstro conta todas as suas experiências. Como descobriu a luz, o calor, a neve, como sentiu fome e frio, como ouviu o som dos pássaros, viu a luz da lua. Conta que descobriu uma cabana, onde moravam um velho, um rapaz e uma moça. Eles tocavam um instrumento e cantavam. Descobriu que eles falavam e se interessou na arte da palavra. Com a chegada duma moça árabe, chamada Safie, que ainda estava aprendendo a língua de Félix e Ágata, o monstro aproveitou para também aprender a linguagem e a própria leitura. Ouviu falar das injustiças sociais, descobriu a diferença de sexos, o nascimento das crianças e percebeu que não tinha pai.

Um dia, ao conversar com o velho Lacey, que era cego, foi surpreendido e agredido por Félix. Aí começo a sentir raiva e desejo de vingança, principalmente ao sentir a sua solidão.

Ao andar por uma floresta, viu uma menina cair no rio. Salvou-a, mas foi agredido por um homem, que lhe deu um tiro de revólver. Depois que o ferimento cicatrizou, continuando em sua andança, encontrou um menino, que ele queria levar como companheiro. O menino se assustou e gritou, dizendo que era filho de Frankenstein (o pai). O monstro ficou com mais raiva e estrangulou o menino, arrancando de seu pescoço um retrato de uma linda mulher. Num estábulo, havia uma moça dormindo. Ele colocou o retrato no bolso dela.

A narrativa do monstro termina com o pedido do mesmo para que Frankenstein lhe faça uma companheira.

Na quarta parte da narrativa, Frankenstein continua a falar com o capitão. Diz que se recusou inicialmente a criar uma fêmea para a criatura. Como o monstro o ameaçou de vingança, ele prometeu atender o pedido, desde que a criatura lhe prometesse abandonar a Europa.

Resolveu partir para a Inglaterra, junto com Clerval. Vai para uma ilha deserta, a fim de criar a fêmea para a criatura. Em dado momento, vê pela janela o monstro. Enraivecido, desfaz em pedaços o que estava construindo. O monstro lhe diz que ele, o monstro, é seu senhor e Vítor, seu escravo. Vítor juntou seus instrumentos para ir embora. Ao dormir em seu barco, o vento o levou para uma praia. Quando se acordou, foi convidado a se apresentar se apresentar às autoridades, para reconhecer um corpo. Sua revolta foi grande, quando reconheceu que o morto era Clerval. Ficou dois meses preso, mas depois foi absolvido.

Seu pai o levou de volta para a Suíça e o aconselhou que casasse com Elizabeth.Na noite de núpcias, o monstro matou sua esposa. O pai de Vítor morreu de desgosto. Ao visitar os túmulos de seus mortos, Vítor ouviu de novo a voz da criatura. Passou a persegui-lo por muitas regiões, chegando até à região onde encontrou o navio.

A quinta parte do relato nos leva ao diário de bordo do capitão. O capitão acreditou na narrativa de Vítor. O cientista aconselha o capitão a não se deixar levar pela ambição das descobertas. Vítor morreu na cabine do navio. Mas o capitão vê o monstro dentro dela. O monstro lhe diz que também sentia remorsos e pena de Vítor, mas que tinha levado sua vingança até o fim. Agora só faltava acabar com sua existência. Por isso, jogou-se no mar por uma escotilha.

A BOMBA ATÔMICA E A CLONAGEM

O homem moderno, na sua rebeldia, enveredou por dois caminhos que trazem conseqüências imprevisíveis no futuro da humanidade. Um caminho foi a fissão nuclear; outro é a clonagem.

A fissão nuclear foi muito maior do que a descoberta do fogo. Foi trabalho de grande número de cientistas do século XX. Entretanto, como ocorreu em tempo de guerra, foi utilizada para a criação da bomba atômica, detonada pela primeira vez em julho de 1945 e logo empregada duas vezes contra o Japão. Seus efeitos foram devastadores, causando centena de mortes de civis. Só depois é que os cientistas começaram a pensar no emprego pacífico da mesma.

A clonagem de seres vivos é outra ambição da raça humana. A clonagem é um processo de reprodução de seres vivos que se caracteriza por dois aspectos: ela sai dos caminhos naturais da reprodução, quando elementos de dois seres convergem para a produção de um novo ser; em segundo lugar, ela possibilita a reprodução de seres idênticos.

Vimos esses resultados na clonagem da ovelha Dolly. Mas a ambição dos cientistas é a clonagem de seres humanos. Isso dá margem para várias reflexões.

Suponhamos que esse processo de clonagem caia nas mãos de ditadores (ou mesmo governantes democráticos) sem escrúpulos, que queiram criar séries de homens de vários tipos. Se criassem séries de artistas ou de intelectuais, voltados unicamente para pesquisas úteis para a humanidade, poderíamos até aplaudir. Mas se a clonagem se voltasse para a reprodução de guerreiros, comandados para matar, tipo Soldado Universal (do filme), que males isso traria para a humanidade? Ou se criasse bandidos?

Infelizmente, podemos logo imaginar que uma clonagem em massa de seres humanos seria voltada para fins militares. Essa rebeldia humana seria uma das piores que poderiam existir.

OS OPOSITORES: HORÁCIO E O VELHO DO RESTELO

Nem todas as vozes da literatura aceitam tranqüilamente a rebeldia da raça humana. Destaco aqui duas vozes que convergem para reprovar, talvez, de forma demasiadamente rígida, os passos dados por aqueles que pretendem sair das próprias limitações. Uma das vozes é do poeta latino Horácio; a outra é de um personagem que aparece nos Lusíadas de Camões, e que costuma ser denominado como Velho do Restelo.

Horácio

O poeta latino Horácio viveu em Roma na época do imperador Augusto e se tornou célebre por suas odes. Uma dessas odes leva o título Ao Navio. Refere-se ao navio que transportava seu amigo Vergílio na viagem paras a Grécia. Nessa ode, o poeta faz uma série de críticas à rebeldia humana.

Invectiva o inventor do navio: “O primeiro indivíduo que confiou ao mar revolto uma frágil embarcação só poderia ter o peito feito de duro carvalho e de três camadas de bronze”, isto é, não é um ser humano comum, de peito feito de carne. Horácio reprova os navegantes por não terem medo de enfrentar os perigos das navegações, os monstros do mar e as ondas do mar revolto. Diz que “foi inútil um deus prudente separar as terras por meio do Oceano”.

Horácio critica a raça humana, que tenta tudo e “descamba no proibido”. Nem Prometeu (a raça de Jápeto) escapa à sua crítica. O fogo, que Prometeu roubou do céu, só trouxe males: a magreza, as febres e o aceleramento da morte

O poeta também recrimina Dédalo, que “experimentou o ar vazio com asas que não foram concedidas ao homem”. O autor se refere à fuga de Dédalo e de Ícaro, seu filho, da ilha de Creta, usando asas feitas de penas.

Outro herói que o poeta critica é Hércules, que atravessou o Aqueronte, nos infernos, para trazer o cão Cérbero. Horácio conclui dizendo que “em nossa loucura, ... não deixamos Júpiter depor seus raios irritados”.

Para Horácio, portanto, são dignos de recriminação aqueles que tentaram superar os limites estipulados ao homem: o inventor do navio, os navegantes, a raça humana, Prometeu, Dédalo e Hércules.

O Velho do Restelo

No Canto IV dos Lusíadas (estr. 94 a 104), Camões, na narrativa que o Gama faz ao rei, apresenta um episódio que ficou célebre. É a crítica que uma pessoa idosa, conhecido como o “Velho do Restelo” faz às navegações dos portugueses.

As críticas do velho, que Camões qualifica como “de aspeito venerando” e de “honrado”, são tiradas da “experiência”. Na verdade, ele representa as críticas do povo, que não entendia a razão dessas navegações que traziam tantos lutos às famílias.

A primeira crítica é dirigida ao desejo de mandar e de adquirir fama e honra, que só trazem conseqüências funestas: mortes, perigos, crueldades, inquietação, desamparos, adultérios e engano do povo.

Partindo da crítica aos casos concretos e atuais, o velho recrimina Adão, que nos tirou da idade de ouro e nos pôs na idade de ferro e de armas. Diz que somos geração de Adão e não prezamos a vida como devíamos, uma vez que o Autor da vida teve tanto receio de perdê-la.

O velho continua em suas recriminações, falando da falta de lógica em ir buscar lutas em territórios longínquos, quando há inimigos a combater perto.

Das recriminações aos erros do presente, o velho parte (Camões revisitando Horácio) para amaldiçoar o inventor do navio, que, segundo ele, mereceria ser condenado ao Inferno e nunca deveria ter seu nome lembrado. Do inventor do navio, o velho volta as críticas a Prometeu (nova revisitação de Horácio), dizendo que o fogo trazido por ele só nos trouxe armas e mortes. Seria melhor o homem não ter esse fogo de altos desejos.

O Velho do Restelo inclui em suas recriminações Faetonte (o moço miserando), que dirigiu mal o carro de seu pai Apolo. Também critica o grande arquitector Dédalo e seu filho Ícaro, por terem usado asas que não são próprias dos mortais. A aventura dos dois acabou com a morte de Ícaro, que caiu no mar Egeu.

Podemos observar que o Velho do Restelo se posiciona contra toda a aventura que ultrapasse os limites do ser humano.

CONCLUSÃO

Na presente exposição, apresentamos o tema da tentativa do homem de superar os próprios limites e alcançar poderes que não foram lhe dados pela natureza. Incluímos aí também as tentativas de seres não humanos, que a literatura universal aponta. Essas tentativas de superação foram denominadas, de modo geral, como rebeldia.

Fica no ar uma pergunta que permanecerá enquanto o homem existir: deve o homem tentar ultrapassar os próprios poderes naturais ou deve permanecer confinado ao que a natureza lhe deu?

Foi errado o ser humano criar o fogo? Cultivar a terra com o arado?

Produzir armas? Criar navios? Produzir trens? Aviões? Atravessar os mares? Ir ao espaço e à Lua? Produzir energia nuclear? Clonar seres vivos?

E no campo social? Foi errado o ser humano derrubar as barreiras existentes entre nobres e plebeus? Foi errado o homem buscar a igualdade social?

Quando foi promulgada a atual Constituição da República Federativa do Brasil, em 5 de outubro de 1988, Ulysses Guimarães, presidente da Câmara Federal, fez um discurso em que dizia que o Brasil estava partindo para uma nova era. Fez menção, então, das palavras do Velho do Restelo e se perguntou se o Brasil deveria ficar confinado a estruturas sociais já ultrapassadas ou se deveria arrojar-se destemidamente ao novo e a novos ideais.

Ulysses Guimarães não concordava com o Velho do Restelo.

Parece que a resposta final a toda essa problemática está num ...desde que... Desde que, acima de tudo, os rebeldes tenham em vista o bem da humanidade. Desde que não predominem interesses bélicos e comerciais, que servem aos interesses de oligarquias ou de grupos. Numa palavra, desde que os homens da ciência não busquem somente ciência, mas, antes e acima de tudo, busquem SABEDORIA, que vem sempre acompanhada do AMOR.

BIBLIOGRAFIA

CAMÕES, Luís de. Os lusíadas. Rio de Janeiro: Tecnoprint, [s/d.].

ÉSQUILO, SÓFOCLES. Prometeu acorrentado. Rei Édipo. Antígone. Trad. J. B. Mello e Souza. Rio de Janeiro: Tecnoprint, [s/d.].

LODEIRO, José. Traduções dos textos latinos. 5ª ed. Rio de Janeiro: Globo, 1960.

SHELLEY, Mary. Frankenstein. Trad. adapt. Cláudia Lopes. 3ª ed. São Paulo: Scipione, 1996.

SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. 3ª ed. rev. aum. Coimbra: Almedina, 1973.

 

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