Hipônax redivivus
comentários
acerca do jambo I de Calimaco
e dos
gêneros poéticos no período helenístico

Fernando Rodrigues Junior

 

O jambo I de Calímaco abre com uma cena bastante peculiar. Hipônax volta à vida e se dirige a um público específico anunciando que traz o jambo:

Ouvi Hipônax, pois acabo de chegar
de de baixo, onde vendem um boi por uma moeda,
trazendo o jambo, não o que canta a luta
contra Búpalo (...)[1]

(vv. 1 – 4)

Segundo a diegesis que acompanha o papiro, o alvo de Hipônax neste poema seria a multidão de filo/logoi reunida no Serapeion em constantes discussões. Após lançar algumas acusações contra aqueles homenspelo que podemos inferir do texto, bastante fragmentado – o poeta passa a lhes contar uma história de fundo moralista, bem adequada para o contexto de rivalidade: a taça de Báticles.

Báticles, um homem árcade (...)
um homem feliz entre os de outrora
foi e tinha todas as coisas pelas quais os homens
e os deuses conhecem os dias brancos.[2]

(vv. 32, 35-7)

Estando prestes a morrer ele pede a seu filho Anfacles que entregue uma taça toda feita em ouro ao mais sábio dos Sete Sábios. Com a morte do pai, Anfacles vai até Mileto entregar a taça a Tales, pois acreditava que ele, mais que nenhum outro, merecesse ter o prêmio. Contudo Tales não aceita ser considerado o mais sábio e passa a herança de Báticles às mãos de Bias. A taça acaba passando por todos os Sete Sábios até retornar a Tales, consagrando-a, desta vez, a Apolo Dídimo. O emprego do coliambo justifica a presença de Hipônax redivivus, porém o estilo do poema de Calímaco difere muito do da produção jambográfica de seu antecessor. Vale lembrar que à poesia jâmbica subjaz o conceito de yo/goj e o poeta jâmbico sempre é um indivíduo raivoso[3]. Horácio na Epístola aos Pisões (vv. 19) dissera que a raiva armou Arquíloco com o jambo[4] e no epodo VI 11-3 afirmara contra os malfeitores erguer os chifres pontudos como o genro desprezado contra Licambes desleal[5]. Para Calímaco (fr. 380 Pf) Arquíloco mantém o veneno de sua boca tomando a acre ira do cão e o ferrão pontudo da vespa[6]. Na mesma medida, Hipônax era visto, no período helenístico, como um poeta picante e mordacíssimo, o que pode ser inferido a partir de alguns epigramas da Antologia Palatina como este de Leônidas de Tarento:

Não passais sem tremor diante da tumba do que está em sono,
nem ergueis uma picante vespa que está dormindo,
pois esta tumba é de Hipônax, o que latiu contra os genitores.
Justamente que seu coração repouse em tranqüilidade.
Mas tomai cuidado, pois, consumidas pelo fogo,
as palavras daquele sabem causar danos também no Hades.[7]

(AP VIII 408)

Teócrito também escreveu um epigrama descrevendo a tumba de Hipônax e aconselhando aos perversos não se aproximarem dela (AP XIII 3). Alceu de Messene assegura que sobre a tumba do poeta de Efeso, em virtude de sua acidez, crescem plantas que enrugam a pele e irritam o paladar de quem as come (AP VII 405), ao contrário da hera e pétalas florescentes sobre o túmulo de Anacreonte (AP VII 23) e uvas e rosas sobre o de Sófocles (AP VII 22).

Neste sentido, a aparição de Hipônax no jambo I de Calímaco parece inadequada, sobretudo quando o objetivo do poeta é relatar uma história de fundo moral aos filólogos e encerrar a sua contenda. Para Max Treu (Apud DEGANI 1977) sua presença no poema se deve ao fascínio da grosseria num mundo refinado” e Bühler (Entretiens 1964) entende essa aproximação como uma tentativa de mitigar a vulgaridade de Hipônax[8] e lhe conferir maior gravidade. No entanto passa despercebido para a maioria dos comentadores que o próprio Hipônax afirma nos versos 3-4 não cantar a luta contra Búpalo[9]. Portanto não será o escultor que lhe fez uma imagem distorcida o alvo de suas invectivas, tanto quanto não são invectivas que o poeta pretende proferir, mas justamente fazer com que deixem de ser proferidas pelos filólogos no Serapeion. De acordo com Nagy 1976 o jambo trabalha com o yo/goj e se contrapõe ao e)/painoj do epinício[10]. A matéria do jambo I de Calímaco pretende justamente interromper o yo/goj e propor um relacionamento pacífico, contrastando com as características do gênero e com o ânimo raivoso dos poemas de Hipônax. Como nota Clayman (Apud KONSTAN 1998: 134)

Temos diante de nós um espetáculo muito irônico: Hipônax falando no interesse de Calímaco, a voz mais importante nas controvérsias literárias alexandrinas, pedindo aos outros literatos que estão em querela para gentilmente pararem de brigar e isto no primeiro de seus poemas jâmbicos.[11]

Ou seja, Hipônax aparentemente testa os limites do gênero do qual ele seria um dos principais representantes[12]. Com isso Calímaco pretende aludir diretamente à tradição poética jâmbica e inserir matérias que ultrapassam a esfera da invectiva. No jambo VI há a écfrasis da estátua de Zeus em Olímpia, no jambo VII se relata um aition: as origens do culto a Hermes Perfireu em Eno e no jambo VIII há um epinício louvando Pólicles – ou seja, um i)/amboj cuja matéria é o e)/painoj ganhador de uma corrida com ânfora. Devemos ainda acrescentar à lista o jambo XIII, em que o poeta se defende das críticas feitas pelos opositores por escrever poesia jâmbica sem ter ido a Efeso e por misturar os dialetos dórico e jônico num único poema[13]. De acordo com a diegesis, Calímaco responde às acusações de poluei/deia, ou seja, de escrever em variados gêneros poéticos (ei)=doj) e cita o exemplo do poeta Íon de Quios. Sócrates no diálogo platônico Íon afirma que o poeta compõe apartir do poder divino e que cada um é hábil para escrever somente naquele gênero em que as Musas o impelirem (534b-c)[14]. No entanto Calímaco escreve não pela inspiração, mas pela técnica (te/xnh), possibilitando-lhe a variedade genérica[15]. Encontramos um eco disso no Prólogo aos Telquines, quando o autor pede para que seus versos sejam julgados não segundo o alqueire persa (sxoi/n% Persi/di), mas segundo a te/xn$ (fr. 1. 17-18 Pf). Inferimos, tendo em vista o que a documentação textual pode nos proporcionar, que este é o mais antigo jambo preservado (e talvez o primeiro) a apresentar como matéria discussões estéticas e a defesa de um programa poético. De fato estamos distantes da natureza invectiva da poesia jâmbica de Hipônax.

HUTCHINSON 1988 recomenda cautela ao invés de hiperbolizar o trabalho de poetas helenísticos, afirmando que o cruzamento de gêneros nesta época talvez tivesse um papel limitado. Não é o que os textos nos demonstram, no entanto é muito provável que esta experiência não fosse surpreendente ou inusitada para o público alexandrino. Neste sentido o jambo I de Calímaco é menos inovador do que pressupõe Rossi 1971 ao termos informações de que o metro coliâmbico era comumente utilizado no final do século IV e início do III a. C. por autores como Escrião, Fênix de Colofão e Parmenão[16]. Fazer uso do coliambo, portanto, não é dar nova vida a um metro caído em desuso. Mais curioso ainda é que um poema em coliambos de Fênix, cuja poesia era conhecida por sua abordagem moralista, justamente tematize a história da taça de Báticles.

Pois Tales, o qual é dos cidadãos
(...) o mais sábio
e, como dizem, em relação a muita coisa, dentre os homens,
sendo o mais virtuoso, pegou a taça áurea.[17]

(fr. 4 Powell)

Por mais que Calímaco não pretendesse emular este jambo ao escrever seu poema, mas tomasse como fonte os Milesiacá de Meândrios de Mileto, como sugere Diógenes Laércio (I 28), é evidente que, ao testar os limites da poesia jâmbica, alude diretamente a Fênix de Colofão e se mostra menos inovador do que possa parecer a uma primeira análise[18].

Um século antes de Calímaco a questão dos gêneros havia sido gradativamente problematizada por alguns poetas. Mesmo por meio de paródias, os to/poi da tradição poética eram objeto de reflexão e transgressão. Arquéstrato escreve um poema hexamétrico chamado (Hdupa/qeia (para muitos conhecido como Gastronomia), no qual expõe conselhos sobre alimentação (SH 132 – 92). O texto é chamado de e)piko\n de\ to\ poi/hma em Ateneu 4e e o poeta de e)popoio/j em Ateneu 335f. Seu grande modelo são os Trabalhos e dias e tal como Hesíodo pretende exortar seu irmão Perses com preceitos relativos ao lavor, Arquéstrato direciona sua Gastronomia a dois amigos, Mosco e Cleandro (cf. Ateneu 278d-e). Por sua vinculação genérica ao epos (seu poema é escrito em hexâmetros) e pela paródia dos poetas moralistas, Ateneu VII 310a o chama de o( tw=n o)yofa/gwn (Hsi/odoj h)/ Qeo/gnij[19]. Crates compõe um hino à Parcimônia (Eu)te/leia) em dísticos elegíacos e não em hexâmetros (SH 361), antecipando os Banhos de Palas de Calímaco. Por fim, ainda no século quarto, Erina escreve um lamento de cerca de 300 versos à sua amiga de infância Báucis, que havia morrido (SH 401 - 2). Ao invés do metro coral a poeta emprega o hexâmetro , mas não se vale do dialeto jônico, e sim de uma mistura de dórico e eólico, segundo a Suda (poi/hma d� e)stin Ai)olik$= kai\ Dwri/di diale/kt%). Temos, deste poema, cerca de 55 versos bem fragmentados oriundos de um papiro no qual é possível perceber a descrição provavelmente detalhada das brincadeiras das duas quando meninas[20]. Jogos infantis são próprios dos gêneros pedestres, mais adequados à poesia cômica que, de acordo com Dioniso Trácio, é dotada de uma elocução biotikw=j (cotidiana). No entanto a Suda classifica Erina como e)popoio/j, apesar de sua matéria baixa[21], denotando a complexidade deste poemadifícil de ser devidamente apreciado dada a condição do texto – e a total relação com a poesia helenística produzida cerca de um século depois.

A vinculação genérica pressupõe uma adesão a uma tradição poética precedente e estabelecida, mesmo que por regras implícitas de uso. Na medida em que os poetas helenísticos aludem ao rico acervo de lugares-comuns adequados às categorias genéricas, eles propõem uma continuidade e, sobretudo, uma ruptura com a poesia arcaica, por meio da transgressão dos to/poi esperados[22]. Calímaco no jambo I menciona o uso do gênero como adequado às invectivas pessoais (ou)k a)ei/dw ma/xhn / boupa/leon vv. 3 – 4 cf.) e mantém algo do ânimo de Hipônax na comparação dos homens com moscas ou vespas.

Ó Apolo, o[s homens tal] como moscas ao redor do pastor
ou vespas [saídas da terra, ou vind]os de sacrifícios os delfos
em massa [se amontoam]. Ó Hécate, que multidão![23]

(vv. 26 – 8)

Porém seus jambos não são mais veículo para os ataques pessoais e sua elocução não mais é baixa. A história da taça de Báticles tem como fim cessar as inimizades entre os ditos sábios e, desta forma, ampliar a possibilidade de matérias tratadas na forma jâmbica. Apesar da vinculação genérica e da alusão explícita a um representativo poeta do gênero, tais elementos apontam para a distância entre os poemas de Hipônax e Calímaco.

 

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[1] )Akou/saq(Ippw/naktoj: ou) ga\r a)llh(/kw / e)k tw=n o(/kou bou=n kollu/bou pi prh/skousin/ fe/rwn i)/ambon ou) ma/xhn a)ei/donta / th\n Boupa/leion, ktl. (fr. 191. 1 – 4 Pf).

[2] a)nh\r Baquklh=j )Arka/j (...) / tw=n pa/lai tij eu)dai/mwn / e)ge/nonto pa/nta dei)=xen oi(=sin a)/nqrwpoi / qeoi/ te leuka\j h(me/raj e)pi/stantai. (fr. 191. 32, 35 – 7 Pf).

[3] A poesia jâmbica era marcada por seu conteúdo invectivo e raivoso, como nos atesta Arquíloco no fr. 126W (Conheço uma grande coisa: a quem me fez mal responder com mal dizeres terríveis. [e(/n de)pi/stamai me/ga, / to\ kakw=j me)/rdonta de/nnoi a)ntamei/besqai kakoi=j.]). Certamente é este animus que Horácio tem em mente ao afirmar que primeiro mostrou ao Lácio os jambos pários, segundo o ritmo e o ânimo de Arquíloco (cf. Epístolas I 19. 12 – 14). Na Suda i)ambi/zw é sinônimo de u(bri/zw (no sentido de ultrajar), tal como em Fócio Biblioteca 319b o termo é glosado como loidorei=n e u(bri/zein. Etimologicamente i)/amboj estaria se referindo ao nome )Iambh/. Segundo o Hino homérico a Deméter 192 – 205 uma garota chamada )Iambh/ teria feito a deusa sorrir com seus gracejos quando estava triste pela ausência de sua filha, raptada por Hades (cf. Fócio op. cit.). Logo, além do animus raivoso e invectivo do jambo, há também a presença do geloi=on, do jocoso (Erasmonide Cárilo, eu te direi uma coisa engraçada, mais amável dos companheiros, e a ouvindo te alegrarás.[ ) Erasmoni/de Xari/lae, xrh=ma toi geloi=on / e)re/w,polu\ fi/ltaqe (tai/rwn, te/ryai da)kou/wn.] Arquíloco fr. 168W). No entanto a verve raivosa parece predominar nas descrições que os gramáticos fizeram deste gênero, considerada como sua característica mais marcante. Diomedes em Artis Grammaticae Libri III p. 485, 11 – 17 (Keil) chama o jambo de poema maledicente (Iambus est carmen maledicum). Nos Comentários a Hefestião, Escólios B (Consbruch, Hephestionis Enchiridion Stutgardiae: Teubner, 1971, pg. 281), o escoliasta considera que o i)/amboj tem este nome porque os que desejavam ultrajar e insultar os outros (u(bri/zein ti/naj kai loidorei=n) se valiam deste metro. Ao lado disso são sugeridas etimologias fantasiosas, como to\ i)o\n ba/zein (proferir algo venenoso), ou por causa de uma garota chamada )Ia/mbh que, ultrajada de modo vil, se enforcou (paralelo com a história de Licambes e suas filhas). O escoliasta passa a tentar explicar a composição do , formado de uma sílaba breve e uma longa, pois a u(/brij, começando numa acusação pequena, termina num grande mal (cf. a mesma explicação na Suda). Diomedes op. cit. destaca, entre os gregos, os poetas jâmbicos Arquíloco e Hipônax enquanto Fócio op. cit. a tríade Arquíloco, (considerado a)/ristoj) Semônides de Amorgos e Hipônax. Quintiliano em Instituição Oratória X 1. 59-61 reconhece os três poetas jâmbicos aprovados pelo julgamento de Aristarco, mas destaca o nome de Arquíloco, por seu estilo enérgico e cheio de vigor, elegante com reflexões pungentes (Mais informações em WEST 1974: 22 – 39; NAGY 1976: 191 – 205; BARTOL 1992: 65 – 71; DEGANI 1977: 106 – 26; MIRALLES & PORTULLAS 1983; DOVER 1964: 181 – 222. .

[4] Archilochum proprio rabies armavit iambo.

[5] Cave, cave: namque in malos asperrimus / parata tollo cornua, / qualis Lycambae spretus infida gener.

[6] Ei(/lkuse de\ drimu/n te xo/lon kuno\j o)cu/ te ke/ntron / sfhko/j, a)pa)mfote/rwn di)o\n e)/xei sto/matoj. (cf. também Píndaro Pítica II 54 – 6)

[7] )Atre/ma to\n tu/mbon paramei/bete, mh\ to\n e)n u/(pn% / pikro\n e)gei/rhte sfh=ka)napauo/menon. / )/Arti ga\r (Ippw/naktoj o( kertome/onta bau/caj / a)/rti kekoi/mhtai qumo\j e)n h(suxi/$. / ) Allá\ promhqh/sasqe: ta\ ga\r pepurwme/na kei/nou / r(h/mataphmai/nein oi)=de kai\ ei)n )Ai/d$.

[8] Cf. o fragmento 12W, descrevendo o intercurso sexual entre Búpalo e Arete. O verso 1 menciona os filhos de Eritreu ( )Eruqrai/wn pai=daj). Pelo contexto percebemos uma alusão ao adjetivo e)ruqro/j (vermelho), sugerindo uma ereção de Búpalo (cf. e)ruqro/j associado ao fallo/j em Aristófanes Nuvens 537 – 9, Paz 927, 1351 e Assembléia de mulheres 1048). A imagem pretende hiperbolizar o desejo de Búpalo para torna-lo uma figura cômica. A partir disso ROSEN 1988: 29 – 41 pressupõe que sob o nome Búpalo subjaz a grotesca idéia de bouj + fallo/j, da mesma forma que West 1974: 26 – 7 considera o nome de Licambes, alvo preferencial das invectivas de Arquíloco, ligado etimologicamente ao nome do gênero a partir de uma provável raiz –amb-. A possibilidade por mim sugerida é que Licambes e suas libidinosas filhas não eram pessoas contemporâneas a Arquíloco, mas personagens-estoque de um entretenimento tradicional com algum (talvez esquecido) embasamento ritual. Portanto é sintomático que Hipônax nomeie seu alvo como o do falo de um boi, denotando sua constante ereção. Conferir também os fragmentos 28W (o poeta utiliza como epíteto o composto katwmo/xanoj, rasgado até os ombros, num sentido correlato ao eu)ruprw/ktoj (cf. Nuvens 1090)) e 92W (descrevendo a cena de um indivíduo tendo um ferrolho introduzido em seu ânus enquanto era golpeado nos testículos com um ramo de figueira até acabar defecando e atraindo inúmeros escaravelhos).

[9] Segundo a Suda Hipônax escreveu seus jambos contra os escultores Búpalo e Atênis, por terem feito uma estátua sua distorcida (cf. Horácio Epodo VI 14 acer hostis Boupalo). Plínio em História Natural XXXVI 4. 11 testemunha a existência, na ilha de Quios, dos escultores Búpalo e Atênis, filhos de Arquermo, os quais eram mestres eminentes nesta arte na época de Hipônax. (Boupalos et Athenis vel clarissimi in ea scientia fuere Hipponactis poetae aetate). Não temos informações sobre Licambes além dos poemas de Arquíloco, Búpalo é mencionado por alguns autores por causa de suas esculturas (cf. Pausânias IV 30. 6 e IX 35. 6), o que nos garante tratar-se de uma figura histórica. No entanto a associação entre esse escultor real e a personagem atacada nos jambos de Hipônax talvez seja posterior. (cf. R. M. Rosen 1988: 31).

[10] Em Plutarco Vida de Licurgo VIII 2 as leis espartanas estão baseadas em dois princípios: ai)sxrw=n yo/goj kai\ kalw=n e)/painoj.

[11] We have before us a most ironic spetacle: the surely Hipponax, speaking on behalf of Callimachus, the most vocal participant in the Alexandrian literary controversies, asking the others quarreling literati to kindly stop fighting, and this in the first oh his iambic poems.

[12] Hipônax mantém algumas características de seu ânimo raivoso neste jambo, como a comparação dos filo/logoi a moscas ou vespas (vv. 26 – 7) e a menção a um calvo (vv. 29), lançando invectivas específicas a alguns indivíduos sem jamais nomear seus alvos. Nos versos 9 – 11 o poeta se refere a um ancião que idealizou Zeus Panqueu e escreveu livros injustos (e)j to\ pro\ tei/xeuj i(ro\n a(le/ej deu=te, / ou(= to\n pa/laiPa/gxaion o( pla/sajZa=na/  ge/rwn lala/zwn a)/dika bibli/a yh/xei). Segundo Plutarco 880e este ge/rwn seria Evêmero de Messena, um filósofo da época de Ptolomeu I Sóter que narrara suas navegações até a ilha Panquéia, no Oceano Índico, onde encontrara documentos quer explicavam de modo racionalista a religião tradicional. Por isso Plutarco inclui Evêmero entre os filósofos que kaqo/lou fasi\ mh\ ei)=nai qeou/j (cf. também Sexto Empírico Contra os matemáticos IX 51 e Clemente de Alexandria Protréptica II 4. 2 classificando-o como a)/qeoj). Hipônax redivivus se dirige a este ancião como se ele estivesse presente diante dos muros do templo, tagarelando. De acordo com REES 1961: 1 – 3, Calímaco estaria se referindo a uma suposta estátua de Evêmero situada diante do Serapeion. Ora, o modo encontrado por Hipônax para lançar invectivas é bastante sutil. Não se menciona o nome de Evêmero, mas somente a indicação que ele idealizou Zeus Panqueu (aludindo à ilha Panquéia, onde foram encontrados documentos que teriam abalado a crença nos deuses). Seus livros são considerados injustos (a)/dika bibli/a) e o ancião tagarela (lala/zwn vv. fr. 191. 14), o que denota o pouco apreço da persona loquens a seus escritos.

[13] Cf. fr. 203. 12 – 4 (ou)/t)/Efeson e)lqw/n) e fr. 203. 17 – 18 ( )Iasti\ kai\ Dwristi\kai\ to\ su/mmeik[ton).

[14] que não compondo pela técnica e dizendo muitas coisas belas sobre os assuntos. como tu sobre Homero, mas por lote divino, cada um é capaz de compor belamente em vista do que a Musa o impeliu: um ditirambos, outro encômios, outro hiporquêmata, outro épica, outro jambos. Nos outros [gêneros] cada um deles é inferior. ( (/Ate ou)=n ou) te/xn$poiou=ntaj [kai\] polla\ le/gontej kai\ kala\ peri\ tw=n pragma/twn, w(/sper su\ peri\ (Ome/rou, a)lla\ qei/# moi/r#, tou=to mo/non oi(=o/j te e(/kastoj poiei=n kalw=j efdh(Mou=saau)to\n w(/rmhsen, o( me\n diqura/mbouj,o( de\ egku/mia,o( de\ u(porxh/mata,o¨ de)/ph, o¨ di)a/mbouj: ta\ da)/llaj fau=loj au)tw=n e (/kasto/j e) stin.).

[15] Cf. CLAYMAN 1976 e DEPEW 1992. Quem disse (…) tu compões pentâmetros, tu versos heróicos e tu sorteaste, por vontade divina, compor tragédias? (ti/j ei)=pen (...) / su\ penta/metra sunti/qei, su\ dh[r%o]n, / su\ de\ trag%de[i=n] e)k qew=n e)klhrw/s%;).

[16] Cf. Knox 1953: XV – XIX.

[17] Qalh=j ga\r, o(/stij a)ste/rwn (...) / o)nh/istoj / kai\ tw=n to/tw(j le/gousi, pollo\n a) nqrw/pwn  / e)w\n a)/ristoj, e)/labe pelli/da xrush=n.

[18] Ao contrário do que afirma Rossi op. cit. pg. 83: Calímaco colocará em prática ele mesmo tais preceitos novos e revolucionários [i. e. uso variado dos dialetos e poluei/deia].

[19] Cf. o a)ttiko\n dei=pnon escrito em hexâmetros pelo poeta paródico Mátron (Ateneu 134d ss) cujo primeiro verso emula o proêmio da Odisséia (dei=pna moie)/nnepe,Mou=sa, polu/trofa kai\ ma/la polla\).

[20] Cf. Zanker 1987: 56 – 7.

[21] Em Argonáutica III 1114 – 27 Eros e Ganimedes estão brincando com ossinhos (a)straga/loisi), antes de Cípris encontrá-los e pedir ao filho que encante Medeia no interesse de Jasão. Como observa Zanker 1987: 70 – 1, a descrição desta brincadeira entre crianças divinas é bastante detalhada enfaticamente em termos humanos (cf. o Hino a Ártemis de Calímaco), inserindo elementos do cotidiano e detalhes pictoriais, segundo o autor característicos da poesia Alexandrina. No fr. 398 PMG Anacreonte diz que de Eros são os ossinhos, as loucuras e os combates (a)straga/lai d)Erwto/j ei)si / mani/aite kai kudoimoi/). A relação entre Eros e o jogo de ossinhos também era muito explorada na iconografia, como nos informa Plínio em História Natural XXXIV 55 ao descrever Astragalizantes de Polícrates (cf. também AP XII 46). Para Meléagro AP XII 47 Eros está nos seios da mãe e, criança, brinca com os ossinhos enquanto arrisca o sopro de vida alheio (Matro\j e)/te) n ko/lpoisin o (nh/pioj o) rqrina\ pai/zwn / a)straga/loi j  tou (mo\npneum e) ku/beusen)/ Erwj). A aparência difícil e tenra do deus contrasta com seu poder arrasador, como sugere Mosco em)/ Erwj drapeth/j. Sua voz é doce, mas seu pensamento é de fel (w(j melifwna/ / w(j de\ xola\ no/oj e) sti/n vv. 9 - 10); ele possui uma bela cabeleira, mas sua fronte é impudente (Eu)plo/kamonto\ ka/ranon, e)/xei di)tamo\n to\ me/twpon vv. 12); suas mãozinhas são minúsculas, mas lançam longe (Miku/la me\nth/n% ta\ xeru/dria, makra\ de\ ba/llei vv. 13); referindo-se às suas flechas pequenas, mas que levam até o éter (tutqo\n me\n to\ be/lemnon, e)j ai)qe/ra da)/xri forei=taivv. 19). Semelhante contraste é bem adequado à cena dos jogos de Eros e Ganimedes nos Argonáutica. A irresponsabilidade, falta de cuidado e espírito brincalhão do deus contrasta com o sofrimento que cedo infligirá em Medeia. Sofrimento este causado pelo próprio deus que, após acertar a garota com uma flecha (III 280-84), abandona o palácio de Eetes gargalhando (kagxalo/wn v. 286).

[22] Uma consciência de abismo pode (...) engendrar o sentido de liberdade excedente no uso não preso e inventivo que os poetas helenísitcos fazem do passado. (cf. BING Apud KONSTAN 1988: 136).

[23] w)/pollon, w(=ndrej, w(j parai)po/l% mui=ai / h)/ sfh=kej e)k gh=j h)/ a)po\ qu/matojDelfoi/, / ei)lhdo\n e)j meu/ousin: w)= (Eka/th plh/qewj. (fr. 191. 26 – 8).

 

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