A recuperação de fontes
para estudos lingÜísticos diacrÔnicos
O
Livro de Linhagens do Conde D. Pedro,
segundo o fragmento manuscrito
da
Biblioteca da Ajuda

Maria Teresa Brocardo
(Universidade Nova de Lisboa)

 

Introdução

O Livro de Linhagens do Conde D. Pedro é um dos inúmeros textos usados por Said Ali na sua Gramática Histórica para atestar características do “falar antigo”. Socorrendo-se das edições então existentes, pratica o gramático a exploração do texto como fonte para estudos lingüísticos diacrônicos, assim cumprindo a metodologia que resume no “Prólogo” da Lexeologia do Português Histórico (1ª edição 1921, reprod. nas edições posteriores): “…escrevi este livro com o intuito de expor sòmente as conclusões a que chegara depois de ler e cotejar muitos e diferentes textos. Citei provas e exemplos”. (ALI, 19646: 9)

Tentando reconstituir o processo de utilização, em termos específicos, desta fonte textual, verificamos, porém, que ela é referida de diferentes modos. Localizei três tipos de referências diferentes. O gramático remete ora para o texto propriamente dito, que identifica simplesmente como Livro de Linhagens, ora para a edição dos Portugaliae Monumenta Historica, ora ainda para a antologia de José Joaquim Nunes, Crestomatia Arcaica (Cf. Nunes, [1906] 19818).

Como mera curiosidade, vejam-se os exemplos retirados do Livro de Linhagens que consegui localizar na Gramática Histórica (ALI, 19646):[1]

- 3 exemplos citados com a referência Livro de Linhagens:

§ 457 Porque mataste aquele mouro que era melhor que ti (sobre a utilização desta forma em vez da forma nominativa tu)

§ 650 nota Senhores peço-vos hu)u dom: que me Outorguedes o que vos quero pedir (atestação desta forma do verbo, em vez de pidir)

§ 1648 Alcarac, nõ poso creer taaes cousas, como me dizes, ca som contra natura: quatro mil cavaleiros mãteer lide a tantos e tã boos como os meus erã! (sobre a utilização do infinitivo impessoal em vez do pessoal)

- 2 exemplos citados com a referência Portugaliae Monumenta Historica:

§ 336 livro dos linhagens (sobre o género da palavra linhagem)

§ 1654 Mandou alcarac Reis e Infantes e outros altos homees acometer os christãos (sobre construções do tipo mandar, deixar, fazer + inf. com sujeito plural, que evidenciam o uso de inf. impessoal)

- 3 exemplos citados com a referência Nunes, Crestomatia Arcaica:

§ 1655 Ali veeriades cavalos sem senhores andar soltos; Vy estes portogueeses asi revolver a lide e ferir estranhamente (sobre o uso de ver + infinitivo impessoal)

§ 1673 Non filhedes tresteza, ne)  esmaiedes, ca tempo averedes pera filhardes vingança (sobre o emprego do inf. pessoal como forma de pôr em evidência o sujeito do verbo)

Apesar da divergência notada nas formas de remissão, o exemplo de Said Ali não deixa de evidenciar a importância da fonte, que é repetidamente citada, em particular para atestar aspectos relativos à sintaxe. O gramático mostra, de resto, estar bem consciente das dificuldades causadas por um insuficiente conhecimento de diferentes aspectos relativos às fontes textuais, quer no que respeita à falta de edições, quer no que respeita a aspectos da sua análise crítica: “...faltam ainda muitos documentos e de vários códices publicados resta a saber a data certa em que foram pela primeira vez escritos”. (ALI, 19646: 9)

A problemática da edição e exploração lingüística de fontes textuais medievais tem, ao longo das últimas décadas, merecido a atenção de muitos estudiosos da história do português, e é no sentido de procurar contribuir para corrigir insuficiências como as que o gramático apontava que se inscreve o trabalho que aqui apresento.

 

O Livro de Linhagens do Conde D. Pedro –
enquadramento do fragmento manuscrito
da
Biblioteca da Ajuda na tradição textual

O chamado Livro de Linhagens do Conde D. Pedro terá sido originalmente redigido entre 1340 e 1344, como ficou estabelecido a partir da investigação de Lindley Cintra sobre a relação deste texto com a Crónica Geral de Espanha de 1344 (Cintra, [1951] 1983 e também 1950 e 1959). Em resumo, este autor baseou-se na relação entre o Livro e a Crónica, estabelecida por coincidências textuais e não textuais e utilização de fontes comuns, de que conclui uma autoria comum do Conde D. Pedro, e a redação posterior da Crónica, pelo que o Livro de Linhagens não poderia ter sido redigido originalmente depois de 1344 (v. as principais conclusões resumidas em Cintra [1951] 1983: CLXXXIX-CLXC). Outros argumentos aduzidos são as referências depreciativas em ambos os textos a Gomes Lourenço de Beja (também objeto de uma cantiga de escárnio do Conde), a que se atribui a responsabilidade das desavenças entre D. Dinis e seu filho, o futuro Afonso IV, passagem raspada no fragmento da Ajuda e não transmitida nos testemunhos posteriores (ibid: CLIX-CLXII), bem como a importância atribuída também em ambos os textos à Batalha do Salado (ibid: CLXIII-CLXV).

A versão do texto que chegou até nós, porém, revela um autor mais tardio que o Conde de Barcelos, visto que inclui a referência a fatos posteriores à sua morte, como foramuito notado por diversos estudiosos. De acordo com Mattoso (1980: 41-50), que retoma e discute estudos e propostas anteriores (em particular, Veiga, 1942 e Saraiva, 1971, além dos citados trabalhos de Cintra), o Livro teria sido objeto de (pelo menos) duas refundições, com características diferentes. A primeira, realizada em 1360-1365, teria tido o objetivo, previsível num texto deste tipo, de atualizar genealogias. A segunda, porém, evidenciaria um refundidor mais interessado em questões “literárias” do que preocupado com a atualização dos dados linhagísticos, visto que não incluiu a menção de fatos e personagens bem conhecidos depois de 1365 (como Leonor Teles), o que permitiu detectar a camada textual anterior. Um dos principais argumentos para a identificação desta segunda refundição do Livro é a inclusão da menção da morte e sepultura do Prior D. Álvaro Pereira, ocorrida c. 1380, no final da narrativa da Batalha do Salado, na qual é dada grande relevância à intervenção do prior. Portanto, creio que não pode tomar-se como absolutamente certo que aquela narrativa constasse da redação original do Livro. Sabemos, pelo menos, que ela foi nalguns pontos refeita ou retocada posteriormente e que a sua conclusão é também posterior.

O Livro foi transmitido, como se sabe, através de uma riquíssima tradição textual (Mattoso, 1980: 12-27 apresenta uma lista que, apesar de não exaustiva, inclui mais de cinqüenta manuscritos, com datas que vão até ao século XIX). Dentro desta tradição o manuscrito conservado no Palácio da Ajuda tem importância excepcional por, além de ser o testemunho mais antigo dos conservados, incluir passagens narrativas que não constam nos mais tardios, entre as quais a mencionada narrativa da Batalha do Salado. Além disso, as conclusões de José Mattoso no estudo da transmissão textual da refundição do texto, levam-no a avançar a hipótese de que o manuscrito da Ajuda representará “um exemplar de trabalho utilizado pelo próprio refundidor em 1380-1383” (Mattoso, 1980: 34-35).

Segundo pude verificar, esta hipótese parece reforçar-se com dados da observação material do manuscrito, apesar de este se encontrar atualmente incompleto. De fato, essa observação fornece indícios sobre o processo de elaboração do manuscrito que efetivamente parecem apontar para que a mesma tenha sido parte integrante do próprio processo de refundição do texto.

O chamado Nobiliário da Ajuda ou do Colégio dos Nobres contém a parte final do Título XXI e os Títulos XXII a XXXV, com lacunas no Título XXX, do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro. Trata-se de um conjunto de 39 fólios de grandes dimensões, distribuídos por seis cadernos, alguns dos quais incompletos e um deles com as folhas trocadas. Foi encadernado juntamente com o Cancioneiro da Ajuda, incluído, portanto, num grosso códice de aspecto monumental, mas a seqüência dos cadernos encontra-se também desordenada.[2]

A observação do fragmento parece indicar que se trataria de parte de um manuscrito destinado originalmente a transmitir um texto concebido como definitivo. Assim indiciam toda uma série de características integradas nos processos habituais de construção dos códices medievais: o cuidado na preparação e disposição do pergaminho e na sua organização em cadernos (de estrutura, segundo tudo indica, bastante uniforme), a regularidade do pautado e, sobretudo, a rubricação e decoração. Outros aspectos, pelo contrário, parecem apontar para que o fragmento é parte de uma obra não acabada, em particular as interrupções no texto e as passagens, de variada extensão, deixadas em branco, incluindo páginas inteiras não preenchidas que não correspondem a quaisquer lacunas nos testemunhos posteriores, o que viria portanto reforçar a hipótese de Mattoso segundo a qual a projetada refundição do texto nunca terá chegado a concluir‑se. A observação do fragmento mostra também que chegou ainda a haver revisões em importantes passagens do texto (como a narrativa da batalha do Salado, sendo visíveis várias passagens raspadas, esporadicamente ainda legíveis, que não voltaram a ser preenchidas, e também passagens copiadas sobre raspado), que, mais uma vez, esse trabalho ficou incompleto.


 

A nova edição do fragmento manuscrito
da
Biblioteca da Ajuda
do
Livro de Linhagens do Conde D. Pedro

Justificação

O Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, como é sabido, foi objeto, modernamente, de duas edições. Alexandre Herculano editou separadamente os dois manuscritos mais antigos dos que se conservam (PMH, Scriptores I), por considerar que eles apresentavam divergências que corresponderiam a duas versões diferentes do texto. Por razões repetidamente referidas por vários estudiosos da história da língua, o meritório trabalho de publicação de fontes levado a cabo pelo historiador não preenche os critérios de rigor que atualmente se exigem na transcrição de textos medievais, especialmente se as edições se destinam a fins lingüísticos.

José Mattoso realizou uma ediçãocrítica” do texto, usando vários dos manuscritos conservados, com o objetivo de recuperar uma fonte histórica, e não uma fonte lingüística, como o próprio editor assume: “Tenho em vista sobretudo os historiadores e genealogistas. Não pretendo realizar trabalho completo ou definitivo para os filólogos”. (Mattoso, 1980: 8)

Diferentemente, o trabalho de edição que agora se apresenta tem como objetivo recuperar uma fonte textual para estudos lingüísticos, incidindo por isso num único manuscrito, o mais antigo dos conservados, cuja importância na tradição textual foi referida. Note-se ainda que todos os restantes testemunhos que chegaram até nós podem considerar-se tardios em relação à época de redação original do texto, incluindo o segundo em antiguidade, conservado no IAN/TT, de finais do século XV ou princípios do XVI.

O fato de o manuscrito editado estar incompleto, poderia, à partida, desencorajar a sua abordagem como objeto de trabalho com a referida intenção. Vários aspectos, porém, contrabalançam o evidente inconveniente de tomar em mãos um testemunho truncado. Desde logo, a consideração de que, como bem sabe o estudioso do passado, este não deixa senão testemunhos que são sempre parciais relativamente à totalidade dos textos originalmente produzidos, e cuja representatividade, mesmo em termos puramente quantitativos, é sempre impossível de avaliar. Mas além disso, há ainda a juntar aos argumentos apresentados sobre o papel deste manuscrito na tradição textual a sua excepcional importância tendo em conta a escassez de testemunhos medievais tipologicamente próximos. A considerar-se um subtipo nobiliários dentro da prosa literária, os restantes Livros de Linhagens conhecidos se conservam em manuscritos tardios, do século XVIII. Mas mesmo considerando a totalidade dos textos conservados dentro do tipo mais abrangente, são escassos os que se conservam em testemunhos do século XIV (v., por exemplo, Castro, 2004: 105-106; Cepeda, 1995).

É certo que, tratando-se de um livro de linhagens, é constituído em boa parte por enunciados com uma estrutura bastante repetitiva – as passagens propriamente linhagísticas –, cujo interesse, portanto, poderá ser menor para muitos tipos de estudos lingüísticos (mas que não deixarão de ter interesse para estudos específicos). Contudo, inclui várias passagens de caráter narrativo, que constituem mesmo exemplos praticamente únicos de prosa deste gênero dentro do seu âmbito cronológico.

Se se pode considerar preenchida com a edição de José Mattoso a tarefa de recuperação da importantíssima fonte histórica que é o Livro de Linhagens, embora o próprio declare, de acordo com os bons princípios do trabalho científico, que «não consider[a] definitivo o trabalho realizado» (Mattoso, 1980: 8), creio que a recuperação da fonte lingüística, neste caso tomando autonomamente apenas o seu testemunho mais antigo, objetivo que comecei por declarar, estava ainda por tentar. A edição que apresento não pretende também, de modo algum, representar um trabalhodefinitivo”, que, aliás, não creia que exista quando se trata de editar textos, menos ainda se o objetivo da edição é lingüístico. Começaria por sublinhar que este trabalho se assume como proposta consciente das limitações de vária ordem que sempre constrangem o trabalho de edição de textos medievais, limitações que decorrem essencialmente do desconhecimento de muitos aspectos relevantes relativos às circunstâncias específicas de produção do objeto textual que a edição pretende recuperar. Este tipo de limitações será eventualmente ainda mais drástico quando o que se pretende recuperar representa um dos testemunhos relacionados num processo de transmissão, ou seja, quando não se está, como no caso presente, perante um original único, mas em face de um elemento de uma rede com diferentes tipos de ligações. No caso específico deste manuscrito, as questões relativas ao processo de transmissão textual complexificam-se ainda pelo fato de, aos fatores decorrentes do processo de transmissão por cópia manuscrita, se juntarem os que terão decorrido das sucessivas refundições de que o texto terá sido alvo, como foi referido.

Importa sublinhar que estaremos perante um testemunho do texto que distará da sua redação original menos de meio século, o que não parece excessivo, ou pelo menos é situação em termos de distância cronológica bastante mais favorável que a de vários outros textos medievais, conservados em manuscritos copiados em datas muito posteriores à da redação. Este ponto pesou também, naturalmente, no propósito de tentar recuperar para os estudos lingüísticos esta fonte textual, apesar do seu caráter fragmentário, mas não significa, como é evidente, que se menosprezem as questões decorrentes da natureza do presente manuscrito enquanto parte integrante de um processo de transmissão. Não me alongarei aqui na discussão sobre a maior ou menor adequação de um dado tipo de texto (literário, não literário e respectivos subtipos) para fornecer dados para estudos lingüísticos.[3] Defendo, como princípio, que

Cada testemunho de qualquer [tipo de] texto constitui, numa acepção geral, um documento lingüístico, embora seja desigual em cada caso a sua adequação para estudos lingüísticos com diferentes objetivos (Brocardo & Emiliano, no prelo).

 

Apresentação dos critérios

Do que até aqui se disse se terá deduzido que a edição realizada não visa qualquer tipo de reconstituição de um texto, no sentido em que o faz uma edição propriamente “crítica”, que não incide sobre nenhum testemunho particular mas usa a comparação sistemática de todos eles para tentar reconstruir o texto original. O produto da atividade crítica – a reconstituição hipotética do textonão constituiria, em princípio, um objeto adequado para estudos lingüísticos, visto que não poderia considerar-se, em si mesmo, linguisticamente uma atestação. Mas a comparação com outros testemunhos relacionados através do processo de transmissão, seguindo o método comparativo estabelecido pela Crítica Textual, embora com diferente finalidade, pode constituir, pelo contrário, um importante complemento à edição de testemunho (ou de vários testemunhos) concebida para fins lingüísticos (questões discutidas, por exemplo, em Brocardo & Emiliano no prelo). Ficando essa comparação, para , por fazer, torna-se ainda mais notório o caráter provisório e incompleto desta tentativa de recuperação da fonte textual.

A edição realizada limita-se a procurar recuperar, de acordo com os critérios e normas de transcrição considerados adequados, um testemunho, que se procura veicular do modo que linguisticamente (mas não, como é evidente, paleograficamente) menos transfigure os dados a disponibilizar, sem, porém, renunciar a “dar a ler” o texto, isto é, sem deixar de assumir que a edição é interpretação, sem dúvida discutível e certamente provisória, do objeto textual que se pretende transmitir.

De acordo com o objetivo declarado que motivou a realização da presente ediçãotentar a recuperação de uma fonte para estudos lingüísticos – os critérios seguidos podem ser definidos genericamente como decorrendo, no essencial, de conclusões do tipo das que Roger Lass apresenta no final da sua análise de questões relativas ao uso de fontes escritas para estudos lingüísticos diacrônicos:

In short, emending, normalizing and other kinds of overediting falsify and traduce under the guise of making accessible, while pretending to ‘represent’ past objects. Worse, such procedures produce pseudo-data, and prejudice (or even disenable) our reading of historical monuments. (Lass, 1997: 102)

Mas proporcionar uma “leitura do monumento histórico[4] (eventualmente ao lado de outras, pelo que nunca se trata de uma “fixaçãoem sentido estrito) é a tarefa por definição do editor, implicando sempre interpretação, que necessariamente impõe desde logo a própria transposição dos sinais manuscritos, intrinsecamente variáveis, para caracteres de imprensa. A edição não substitui nunca o manuscrito (cuja preservação e reprodução em diferentes tipos de suporte tenderão, de resto, a ser cada vez mais acessíveis):

A realidade paleográfica dos manuscritos é necessariamente violentada pela intervenção manipuladora do editor (por isso o paleógrafo, ao contrário do lingüista, tem sempre como objeto de trabalho o próprio manuscrito). (Martins, 2001: 43)

Assim, procurou-se limitar o âmbito das inevitáveis intervenções editoriais, sem o que não haveria edição mas fac-símile (ou arremedo dele), aos aspectos que se considera perturbarem de forma menos drástica a pretendida possibilidade de recuperação dos dados relevantes para estudos lingüísticos e respeitou-se o princípio de assinalar todas as intervenções pontuais que se optou por introduzir (nomeadamente correções) e de as descrever em nota.

A recuperação de fontes textuais para estudos lingüísticos sobre o português estava , como referi no início, entre as necessidades que implicitamente apontava Ali para um melhor conhecimento do “falar antigo”. O trabalho que apresentei pretende apenas ser uma modestíssima tentativa de contribuir para tornar mais acessíveis dados lingüísticos fiáveis, cujo estudo permita vir a aprofundar esse conhecimento.

Concluo apresentando, a título meramente exemplificativo, alguns excertos do texto da nova edição com indicação de variantes de outras leituras (em particular Mattoso, 1980):

[fol.8v/p.8]

Alcarac depois que ente)deu que a az do coral era e) saluo dise a el Rei alboface). senhor senhor nõ filhedes tresteza ne) esmanhedes ca te)po aueredes pera filhardes ui)gaça. diso el Rei. nõ pode filhar ui)gaça o que pesar more. eu a esta morte nõ poso escapar por a nobre caualaria que perdi que eu aporei antre as ge)tes d’africa e d’asya. e me tu prendiste e) te)po que a jnda eu podera ui)gar e cobrar mea onra.

esmanhedes] Nunes ([1906] 19818): esmaiedes.

aporei] Mattoso (1980): ap[u]rei.

a jnda] Mattoso (1980): ainda.

 

[fol.15rb/p.9]

Eramos os que lidauamos cõ eles xxxviij.m em pequena ora nõ sa<i>rõ do cãpo xij.m os quaes os cristaãos yã seguindo e destroindo

nõ sa<i>rõ] Mattoso (1980): no[s] sa[i]rom (?).

 

[fol.7v/p.34]

E este dõ Marti) sanchez foi o que lidou cõ o poder del Rei de portogal tres uezes e os ue)ceo cada uez asi como uos depois diremos adeante e) este Tº.

os ue)ceo] Mattoso (1980): o venceo [correcção (?) não assinalada].

 

Referências bibliográficas

Brocardo, Maria Teresa & Emiliano, António. "Considerações sobre a edição de fontes para a história da língua portuguesa". In: Raposo, E. P. & Sharrer, H. (orgs.). Santa Barbara Portuguese Studies VI, (no prelo).

Castro, Ivo. Introdução à História do Português. Geografia da Língua. Português Antigo. Lisboa: Colibri, 2004.

Cepeda, Isabel Vilares. Bibliografia da prosa medieval em língua portuguesa. Lisboa: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 1995.

Cintra, Luís Filipe Lindley. Crónica Geral de Espanha de 1344. Edição crítica do texto português, Vol. I. Edição fac-similada do or. ed. por Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1951). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, [1951] 1983.

––––––. “O Liber Regum e outras fontes do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro”. Boletim de Filologia 11: Miscelânea de Filologia, Literatura e História Cultural à Memória de Francisco Adolfo Coelho (1847-1919), 1950, p. 224-251. [Republicado em Faria, Isabel Hub (org.). Lindley Cintra. Homenagem ao Homem, ao Mestre e ao Cidadão. Lisboa: Cosmos / FLL, p. 93-117].

––––––. “D. Pedro Conde de Barcelos, Gomes Lourenço de Beja e a Autoria da Crónica Geral de Espanha de 1344”. Boletim de Filologia 16, 1956-1957. [Republicado em Faria, Isabel Hub (org.), Lindley Cintra. Homenagem ao Homem, ao Mestre e ao Cidadão. Lisboa: Cosmos/FLL, p. 155-157].

Herculano, Alexandre. Portugaliae Monumenta Histórica, 1856.

Lass, Roger, “Written records: evidence and argument”. In: Historical Linguistics and Language Change. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, p. 44-103.

Martins, Ana Maria. Documentos portugueses do Noroeste e da Região de Lisboa: Da Produção Primitiva ao Século XVI. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001.

Mattoso, José. Portugaliae Monumenta Historica a saeculo octavo post Christum usque ad quintumdecimum. Nova Série, Vol. II/1 e 2, Livro de Linhagens do Conde D. Pedro. Edição Crítica, Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1980.

Nunes, José Joaquim. Crestomatia Arcaica. Excertos da Literatura Portuguesa desde o que mais antigo se conhece até ao século XVI. Lisboa: Clássica, [1906] 19818.

Portugaliae Monumenta Historica a saeculo octavo post Christum usque ad quintumdecimum iussu Academiae Scientiarum Olisiponensis edita, Scriptores, I, fasc. II, Os Livros de Linhagens: III. Lisboa, 1856, p. 184-229 [Ed. de Alexandre Herculano].

Saraiva, António José. “O autor da narrativa da Batalha do Salado e a refundição do Livro do Conde D. Pedro”. Boletim de Filologia 22, 1971, p. 1-16.

Veiga, A. Botelho da Costa. “Os nossos nobiliários medievais. Alguns elementos para a cronologia da sua elaboração”. Anais das Bibliotecas e Arquivos 15. Lisboa, 1942, p. 165-193.

 


 

[1] Os exemplos são precedidos dos números dos parágrafos da Gramática em que ocorrem citados. Os destaques a negro nos exemplos são meus, e incluo ainda uma breve indicação sobre o aspecto gramatical exemplificado. Visto que Ali cita o texto do Livro de Linhagens com base em edições, não explicita o testemunho referido, pelo que algumas das passagens citadas, nomeadamente as duas primeiras que aqui transcrevo, não existem no manuscrito da Biblioteca da Ajuda.

[2] De fato, um dos aspectos que mais chama a atenção na observação codicológica é a desordenação em que se encontram os cadernos e fólios do fragmento. Dos seis cadernos conservados, dois, o terceiro e quarto, se encontram sequencialmente colocados de forma correta, mas deveriam ter sido colocados em 5º e 6º lugares. É difícil compreender o que terá provocado no processo de encadernação uma disposição de tal modo desordenada, pois bastaria um mínimo de atenção às indicações dos Títulos que se encontram em muitas páginas e aos reclamos de fim de caderno para a evitar. É provável que o caráter fragmentário do manuscrito, e eventualmente a sua desvalorização relativamente ao Cancioneiro a que se juntou, expliquem este desinteresse do encadernador. Plausivelmente, ter-se-ia ele limitado a encadernar o fragmento na ordem em que se encontrava, mas a observação do seu estado de conservação aponta em diferente sentido, visto que o primeiro fólio dos que se conservam na ordem do texto é dos mais sujos e manchados, apesar de estar atualmente em posição interior, o que indicia que terá estado exposto ao ar antes de ter sido deslocado, assim tendo permanecido pelo menos durante algum tempo, antes da encadernação e depois de o manuscrito estar incompleto.

[3] A questão foi longamente tratada e discutida. No que respeita especificamente à utilização de diferentes tipos de textos para o estudo do português antigo, Castro (2004: 89-96) refere as principais posições sobre o assunto (v. também Martins, 2001: 13-14), que retoma a questão noutra perspectiva).

[4] Para usar a expressão do autor, embora no contexto fosse talvez mais adequado dizerdocumento”. A distinção entredocumento” e “monumento”, usada por alguns historiadores, e que decorre basicamente da intencionalidade que terá presidido à produção de um dado objeto, tornado depoishistóricoenquanto objeto de estudo, não parece estar implícita nas palavras de Lass. Noutro sentido, portanto, que decorre justamente da constituição desse objeto como objeto de estudo (histórico ou lingüístico), trata-se de uma “fonte”, necessariamente submetida a análise e interpretação prévias à recolha dos dados. A especificidade da utilização do objeto histórico enquanto fonte para estudos lingüísticos é que os objetivos do estudo não coincidem nunca, em princípio, com os objetivos que presidiram à sua produção, excepto, eventualmente, no caso das fontes secundárias.

 

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